As 60
personalidades – da vida política e cultural, bem como de associações
ambientalistas – subscritoras do manifesto referenciado em epígrafe e divulgado
hoje, dia 14, exigem avaliação ambiental estratégica antes de decidir
localização do aeroporto complementar da Portela.
O texto
interroga-se se, no século XXI, será muito difícil “pedir que se encontre uma
localização adequada para o aeroporto de Lisboa que não tenha efeitos
desproporcionados nos ecossistemas e na saúde das pessoas”. E apela: “Poupem o Montijo”.
Entre os
subscritores, estão Ana Zanatti, António Garcia Pereira, António Pedro
Vasconcelos, Camané, Carlos Antunes, Carlos do Carmo, Carlos Marques, Carlos
Pimenta, Eunice Muñoz, Francisco Ferreira, José Macário Correia, Mário Tomé, e
Viriato Soromenho Marques.
Estando em
consulta pública até 19 de setembro a AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) sobre a construção dum novo aeroporto no Montijo, os
signatários apelam ao contributo da população e das entidades competentes “para
ajudar o poder executivo a corrigir a sua visão sobre este projeto insensato” –
que pode condicionar a vida dos portugueses durante os próximos 40 anos. E afirmam
os signatários:
“É
essencial avaliar as diferentes alternativas
de modo a selecionar aquela que responde, não às exigências das companhias
‘low-cost’ e da multinacional Vinci, mas às necessidades de segurança aérea, de
promoção da saúde pública e da biodiversidade, de integração na rede
ferroviária e de mitigação e adaptação às alterações climáticas”.
Na ótica dos
subscritores, a decisão sobre o futuro aeroporto na região de Lisboa tem de ser
tomada “de forma sistemática, recorrendo a uma avaliação ambiental estratégica,
como prevê a legislação nacional e comunitária”, sendo que a expansão do
aeroporto da Portela, em Lisboa, não foi sujeita a uma AIA. E aduzem que também o governo britânico abandonou a ideia de construir em Londres, em
2014, um novo aeroporto numa zona de estuário, “por representar um risco desproporcionado para os passageiros aéreos e
ser difícil de compaginar com as normas europeias de conservação da natureza”.
Sobre a
escolha do Montijo, realçam os “três milhões de voos de aves no corredor de
aproximação à pista norte”, registados durante um ano, bem como a poluição
sonora e os efeitos das alterações climáticas, nomeadamente a subida do nível
do mar, com impacto no estuário do Tejo, que “colocará em risco a viabilidade da
infraestrutura aeroportuária”. E vincam:
“O estudo de impacto ambiental torna evidente que os impactos negativos
são mais significativos que os impactos positivos, pelo que é expectável o
chumbo do projeto pela APA – mas, mesmo que a decisão fosse favorável, os
promotores teriam de realizar um estudo mais completo sobre o risco de colisão
com aves”.
Além da
localização do Montijo, criticam a expansão do aeroporto de Lisboa,
interrogando-se sobre o futuro do turismo, da mobilidade e do direito à
habitação e à cidade. E alegam:
“As estatísticas mostram que, na última década, os aeroportos de Paris,
Madrid, Munique e Roma transportaram mais passageiros com menos aviões. Se a
melhoria da qualidade de vida para todos permitir receber mais turistas, é
possível fazê-lo mantendo ou reduzindo o tráfego aéreo.”.
Assim, nada
mais resta que o apelo a que “Poupem o Montijo” e a proposta de outras formas
de mobilidade, inclusive o transporte ferroviário.
***
Estado e
ANA, a gestora dos aeroportos nacionais, assinaram a 8 de janeiro, o acordo
para concretizar o projeto do aeroporto do Montijo e expandir a capacidade do
atual aeroporto de Lisboa. As obras deverão arrancar ainda este ano. E o acordo
permitirá rever o atual contrato de concessão, fixando as metas de investimento
nos próximos três anos e as taxas aeroportuárias. Trata-se de transformar a Base Aérea n.º 6 (BA6), no Montijo, num aeroporto civil.
O início das
obras esteve dependente das negociações da solução financeira com a ANA,
controlada pelo grupo francês Vinci, e da entrega do estudo de impacto
ambiental por parte da APA (Agência Portuguesa do Ambiente).
Remodela-se
o aeroporto de Lisboa e aproveita-se a base militar do Montijo como complemento
à Portela, que mantém o seu papel de hub, estando previstos vários
investimentos para melhoria das estruturas dos passageiros, aumento da
capacidade de estacionamento e da circulação das aeronaves. É o caso do
encerramento da pista secundária 17/35, da deslocação da base militar de Figo
Maduro e de um novo sistema de gestão do espaço aéreo que permitirá aumentar
dos atuais 40 movimentos por hora, em Lisboa, para 44.
Segundo a
calendarização, a obra (que inclui a instalação duma infraestrutura aeroportuária
complementar – a chamada “Portela+1” – e a ampliação do atual aeroporto de
Lisboa) deverá estar concluída em 2022.
A discussão
sobre um novo aeroporto para Lisboa remonta ao ano de 1969, quando começaram a
ser estudadas localizações (Rio Frio e Ota foram as mais faladas), para a relocalização do aeroporto da Portela,
inaugurado em 1942. Gastaram-se milhões em estudos e o processo foi várias
vezes anunciado e interrompido. O tema voltou a animar o debate pela mão no Governo
de Sócrates, que encomendou um estudo comparativo entre a Ota e a zona do Campo
de Tiro de Alcochete. Entretanto, o ano de 2007 traz uma viragem, com o Ministro
das Obras Públicas e Transportes, Mário Lino, a considerar faraónico construir
um aeroporto na Margem Sul, onde não há gente, escolas, hospitais, indústria,
comércio, hotéis. A solução Montijo começou a ser discutida em 2014, com
a troika fora de Portugal, mas só com o regresso do PS ao
poder é que foi vista como a melhor opção. E os ambientalistas têm exigido mais
estudos.
A escolhida do Montijo deve-se a três razões: é a opção mais barata, a menos afastada da capital e a
obra tem um tempo de execução mais rápido. Além disso, é a única que permite
atingir 72 movimentos por hora – o dobro da capacidade atual da Portela – e
chegar aos 50 milhões de passageiros por ano.
A obra de
transformação da Base Aérea do Montijo tem um custo estimado de mil milhões de
euros. O valor será pago pela ANA – Aeroportos de Portugal, através das taxas
cobradas, não implicando custos para os contribuintes. Quanto à expansão do
Humberto Delgado, desconhece-se ainda o valor de investimento.
A base
militar mantém-se, mas com menos aeronaves. A concessionária estabeleceu um
acordo que determina que os aviões C-295 e os C-130 da Força Aérea Portuguesa
serão deslocalizados para outras bases (Sintra e Beja) por 700 milhões. O processo demorará pelo menos dois
a três anos, não havendo data prevista para o início, e será inteiramente
suportado pela ANA.
O aeroporto
do Montijo está vocacionado para transportadoras aéreas que tenham as chamadas
rotas “ponto a ponto”, ou seja, sem correspondências. Há companhias aéreas interessadas. Por exemplo, a Ryanair já se
mostrou disponível para voar para lá, tendo até criticado o Governo pela
morosidade no desenrolar do processo. Mas a TAP ainda está com dúvidas
Quem aterrar no Montijo tem ligação com a capital de duas formas: pela Ponte Vasco da Gama, onde haverá
uma via rápida, e através de uma ligação fluvial mais curta pelo Tejo. Isto,
até que haja uma terceira travessia sobre o Tejo.
***
Em meados de
julho, os autores de um estudo enviado há um ano ao Governo publicaram no Boletim
da Associação da Força Aérea Portuguesa os argumentos a explicar porque é que a
opção Portela + Montijo será “uma solução sem futuro”. Segundo eles, ficará esgotada a capacidade aeroportuária de
Lisboa em 8 a 15 anos com a transformação da BA6 no aeroporto complementar de
Lisboa, começando a operar em 2022 como previsto – previsão que reduz
drasticamente os prazos de 3 a 4 décadas avançados pelo Governo para justificar
esta opção.
Os autores –
Carlos Matias Ramos, ex-presidente do LNEC e antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros;
Carlos Brás, general engenheiro de aeródromos; Jaime Valadares, controlador de
tráfego aéreo e ex-diretor de navegação aérea da ANA; João Ivo da Silva, piloto
aviador e gestor operacional de aeroportos – alegam que os pressupostos da
fundamentação do Governo são um exemplo de como “a decisão política é tomada e
depois se desenvolvem as diferentes ações para a justificar e implementar”.
A longevidade
da solução esgotar-se-ia entre 2030 e 2035 com os previstos 72 movimentos/hora
nas duas pistas (48 na Portela e 24 no Montijo). E o Governo diz ser “até 2050” (“recentemente
foi referido 2062”) com base
nas projeções de tráfego feitas pela consultora Roland Berger (RB). Para os autores, a saturação já ocorreria cerca de 2030,
com 70 movimentos/hora e é “pouco provável que estes sejam atingidos” face às
obras anunciadas. Sem “mais investimento, o esgotamento da solução ocorrerá provavelmente
ainda antes de 2030”.
As reservas
dos autores quanto ao número de movimentos/hora avançados pelo Governo
assentam, entre outros aspetos, no facto de a RB optar pela “sistemática subestimação
do número de movimentos” na última das 30 horas com maior volume de tráfego num
determinado ano – sendo esta hora específica o valor-padrão e “uma prática
bastante difundida” para se “dimensionar as infraestruturas à procura esperada”.
Ora, a convicção dos autores é de que a RB prevê menos movimentos para essa
30.ª hora que os dados atuais antecipam. E, se as previsões de tráfego da RB “foram
ultrapassadas pela realidade”, os autores do artigo duvidam de que as obras
anunciadas pela ANA cheguem para alcançar os anunciados 70 movimentos/hora por
causa do aeródromo de Tires.
No Montijo e
por causa das faixas de acesso (taxiways), “estima-se que o tempo de ocupação de pista de cada
partida possa atingir os 5 minutos” (12 descolagens/hora). Nas aterragens, com duas alternativas de saída de
pista (e “nenhuma
delas eficiente para reduzir o tempo de ocupação”), o projeto parece ser “mais penalizante na pista que se acredita vir a
ser mais utilizada” devido aos ventos.
Na Portela,
a falta de novos taxiways de saída rápida e do prolongamento
dos taxiways paralelos para acesso à pista de menor utilização
permite esperar um crescimento modesto da capacidade – menos três a quatro movimentos/hora
do que o previsto.
Qualificando
as justificações do executivo a favor da Portela + Montijo como correspondendo
a “uma narrativa e condicionamentos não confirmados”, os autores garantem que “não
é fácil, barato nem de rápida execução” adaptar a BA6 como aeroporto
complementar da Portela. De facto, prolongar a pista principal (com 2187 m) em 300 metros é insuficiente para ser usada por
aviões como os Airbus A320-200, exigindo a construção dum aterro numa zona aluvionar
com 15 metros de espessura (os primeiros 4 de lodo) estimado em 80 milhões de euros – mais os custos adicionais de remover,
depositar e confinar “material contaminado” na casa dos 110 mil metros cúbicos.
Além disso, “a pista terá de ser alteada”, porque com o seu prolongamento em
300 metros, mantendo a atual inclinação, ficaria “sem condições de folga” ante o
galgar das águas do rio na preia-mar e a ondulação provocada pelo vento e
embarcações. E é preciso construir pavimentos novos ou reforçar os existentes
para acolher “as aeronaves previsíveis como utilizadoras”, e “apenas 17%” da
área de movimento do aeroporto “poderá ser aproveitada”.
E, questionando
os argumentos em acessibilidades, criação de empregos e desenvolvimento
regional, condicionamentos ambientais – a APA reiniciou a análise ao EIA (Estudo de
Impacto Ambiental) da ANA – e
riscos de colisão com aves, o artigo defende um novo aeroporto na zona de Canha
(a cerca de
20 quilómetros da BA6), por
permitir uma construção faseada e com espaço para aumentar em função do
crescimento objetivo dos indicadores de tráfego aéreo.
***
O EIA do futuro aeroporto do Montijo aponta diversas ameaças
para a avifauna e efeitos negativos sobre a saúde da população por causa do
ruído, como já se demonstrou em tempo, quer na fase de construção, quer na de
exploração.
Contudo, do ponto de vista do impacto global previsto para a avifauna, os
responsáveis pelo documento consideram que “é, em geral, pouco significativo a
moderado para a comunidade estudada, e não ‘muito significativo’, como
mencionado no Parecer ao EIA”.
O EIA diz
que os impactos mais importantes
na fase de exploração (a mais duradoura e significativa) são para as aves e
decorrem da circulação de aeronaves sobre o Estuário do Tejo, em especial para
norte, o que irá causar elevada perturbação ao nível do ruído nos habitats de
alimentação e refúgio para este grupo.
Mas “é proposto um conjunto de medidas de
compensação/mitigação que visa a beneficiação de habitats” e que permite “reduzir
a significância do impacto identificado”.
Já quanto aos impactos sobre a
mortalidade de aves por colisão com aeronaves, concluem que nenhuma das
espécies terá as suas populações afetadas de forma importante.
No atinente
ao ruído, o EIA prevê que o concelho
mais afetado seja o da Moita.
Contudo, “com a aplicação de medidas
ambientais adequadas e indicadas para o Ambiente Sonoro, o impacto poderá ser,
de certa forma, minimizado”. Ademais, também a zona está exposta ao ruído do
tráfego rodoviário e, em menor escala, do tráfego da linha ferroviária do Sado,
de movimentação de pessoas em zona de lazer e outras, do tráfego fluvial, de
atividades agrícolas e industriais, e das operações aéreas militares da BA6. E não
se para a movimentação!
***
Enfim, sempre que há intervenção humana, há efeitos negativos no ambiente
natural e urbano. Resta saber se as vantagens esperadas compensam os prejuízos
e se o benefício merece os custos económicos e ambientais e se o
desenvolvimento sustentável fica garantido.
Não me parece iniciativa séria o aparecimento dum manifesto de última
hora e sem indicação de soluções alternativas, a não ser a da redução do número
de aviões, o que implicaria a aquisição de aviões de maiores dimensões, com
provável aumento da área de pista e de parque de estacionamento de aeronaves. Que
outra localização os subscritores do manifesto de hoje sugerem? Nem o texto condiz com o título…
Já o estudo do painel de técnicos, acima referido, deveria ter merecido a
atenção do executivo e da ANA. Os argumentos são pertinentes e colam à argumentação
uma localização alternativa não muito distante da BA6 e que permite a
construção faseada.
Vá lá, será esta construção a que a ANA está a pôr mãos a 1.ª de muitas
fases do novo aeroporto? Mas não deixem de fazer o aeroporto.
2019.09.14
– Louro de Carvalho
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