sábado, 14 de setembro de 2019

Manifesto “Por um aeroporto sustentável para Lisboa”



As 60 personalidades – da vida política e cultural, bem como de associações ambientalistas – subscritoras do manifesto referenciado em epígrafe e divulgado hoje, dia 14, exigem avaliação ambiental estratégica antes de decidir localização do aeroporto complementar da Portela.
O texto interroga-se se, no século XXI, será muito difícil “pedir que se encontre uma localização adequada para o aeroporto de Lisboa que não tenha efeitos desproporcionados nos ecossistemas e na saúde das pessoas”. E apela: “Poupem o Montijo”.
Entre os subscritores, estão Ana Zanatti, António Garcia Pereira, António Pedro Vasconcelos, Camané, Carlos Antunes, Carlos do Carmo, Carlos Marques, Carlos Pimenta, Eunice Muñoz, Francisco Ferreira, José Macário Correia, Mário Tomé, e Viriato Soromenho Marques.
Estando em consulta pública até 19 de setembro a AIA (Avaliação de Impacto Ambiental) sobre a construção dum novo aeroporto no Montijo, os signatários apelam ao contributo da população e das entidades competentes “para ajudar o poder executivo a corrigir a sua visão sobre este projeto insensato” – que pode condicionar a vida dos portugueses durante os próximos 40 anos. E afirmam os signatários:
É essencial avaliar as diferentes alternativas de modo a selecionar aquela que responde, não às exigências das companhias ‘low-cost’ e da multinacional Vinci, mas às necessidades de segurança aérea, de promoção da saúde pública e da biodiversidade, de integração na rede ferroviária e de mitigação e adaptação às alterações climáticas”.
Na ótica dos subscritores, a decisão sobre o futuro aeroporto na região de Lisboa tem de ser tomada “de forma sistemática, recorrendo a uma avaliação ambiental estratégica, como prevê a legislação nacional e comunitária”, sendo que a expansão do aeroporto da Portela, em Lisboa, não foi sujeita a uma AIA. E aduzem que também o governo britânico abandonou a ideia de construir em Londres, em 2014, um novo aeroporto numa zona de estuário, “por representar um risco desproporcionado para os passageiros aéreos e ser difícil de compaginar com as normas europeias de conservação da natureza”.
Sobre a escolha do Montijo, realçam os “três milhões de voos de aves no corredor de aproximação à pista norte”, registados durante um ano, bem como a poluição sonora e os efeitos das alterações climáticas, nomeadamente a subida do nível do mar, com impacto no estuário do Tejo, que “colocará em risco a viabilidade da infraestrutura aeroportuária”. E vincam:
O estudo de impacto ambiental torna evidente que os impactos negativos são mais significativos que os impactos positivos, pelo que é expectável o chumbo do projeto pela APA – mas, mesmo que a decisão fosse favorável, os promotores teriam de realizar um estudo mais completo sobre o risco de colisão com aves”.
Além da localização do Montijo, criticam a expansão do aeroporto de Lisboa, interrogando-se sobre o futuro do turismo, da mobilidade e do direito à habitação e à cidade. E alegam:
As estatísticas mostram que, na última década, os aeroportos de Paris, Madrid, Munique e Roma transportaram mais passageiros com menos aviões. Se a melhoria da qualidade de vida para todos permitir receber mais turistas, é possível fazê-lo mantendo ou reduzindo o tráfego aéreo.”.
Assim, nada mais resta que o apelo a que “Poupem o Montijo” e a proposta de outras formas de mobilidade, inclusive o transporte ferroviário.
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Estado e ANA, a gestora dos aeroportos nacionais, assinaram a 8 de janeiro, o acordo para concretizar o projeto do aeroporto do Montijo e expandir a capacidade do atual aeroporto de Lisboa. As obras deverão arrancar ainda este ano. E o acordo permitirá rever o atual contrato de concessão, fixando as metas de investimento nos próximos três anos e as taxas aeroportuárias. Trata-se de transformar a Base Aérea n.º 6 (BA6), no Montijo, num aeroporto civil.
O início das obras esteve dependente das negociações da solução financeira com a ANA, controlada pelo grupo francês Vinci, e da entrega do estudo de impacto ambiental por parte da APA (Agência Portuguesa do Ambiente).
Remodela-se o aeroporto de Lisboa e aproveita-se a base militar do Montijo como complemento à Portela, que mantém o seu papel de hub, estando previstos vários investimentos para melhoria das estruturas dos passageiros, aumento da capacidade de estacionamento e da circulação das aeronaves. É o caso do encerramento da pista secundária 17/35, da deslocação da base militar de Figo Maduro e de um novo sistema de gestão do espaço aéreo que permitirá aumentar dos atuais 40 movimentos por hora, em Lisboa, para 44.
Segundo a calendarização, a obra (que inclui a instalação duma infraestrutura aeroportuária complementar – a chamada “Portela+1” – e a ampliação do atual aeroporto de Lisboa) deverá estar concluída em 2022.
A discussão sobre um novo aeroporto para Lisboa remonta ao ano de 1969, quando começaram a ser estudadas localizações (Rio Frio e Ota foram as mais faladas), para a relocalização do aeroporto da Portela, inaugurado em 1942. Gastaram-se milhões em estudos e o processo foi várias vezes anunciado e interrompido. O tema voltou a animar o debate pela mão no Governo de Sócrates, que encomendou um estudo comparativo entre a Ota e a zona do Campo de Tiro de Alcochete. Entretanto, o ano de 2007 traz uma viragem, com o Ministro das Obras Públicas e Transportes, Mário Lino, a considerar faraónico construir um aeroporto na Margem Sul, onde não há gente, escolas, hospitais, indústria, comércio, hotéis. A solução Montijo começou a ser discutida em 2014, com a troika fora de Portugal, mas só com o regresso do PS ao poder é que foi vista como a melhor opção. E os ambientalistas têm exigido mais estudos.
A escolhida do Montijo deve-se a três razões: é a opção mais barata, a menos afastada da capital e a obra tem um tempo de execução mais rápido. Além disso, é a única que permite atingir 72 movimentos por hora – o dobro da capacidade atual da Portela – e chegar aos 50 milhões de passageiros por ano.
A obra de transformação da Base Aérea do Montijo tem um custo estimado de mil milhões de euros. O valor será pago pela ANA – Aeroportos de Portugal, através das taxas cobradas, não implicando custos para os contribuintes. Quanto à expansão do Humberto Delgado, desconhece-se ainda o valor de investimento.
A base militar mantém-se, mas com menos aeronaves. A concessionária estabeleceu um acordo que determina que os aviões C-295 e os C-130 da Força Aérea Portuguesa serão deslocalizados para outras bases (Sintra e Beja) por 700 milhões. O processo demorará pelo menos dois a três anos, não havendo data prevista para o início, e será inteiramente suportado pela ANA.
O aeroporto do Montijo está vocacionado para transportadoras aéreas que tenham as chamadas rotas “ponto a ponto”, ou seja, sem correspondências. Há companhias aéreas interessadas. Por exemplo, a Ryanair já se mostrou disponível para voar para lá, tendo até criticado o Governo pela morosidade no desenrolar do processo. Mas a TAP ainda está com dúvidas
Quem aterrar no Montijo tem ligação com a capital de duas formas: pela Ponte Vasco da Gama, onde haverá uma via rápida, e através de uma ligação fluvial mais curta pelo Tejo. Isto, até que haja uma terceira travessia sobre o Tejo.
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Em meados de julho, os autores de um estudo enviado há um ano ao Governo publicaram no Boletim da Associação da Força Aérea Portuguesa os argumentos a explicar porque é que a opção Portela + Montijo será “uma solução sem futuro”. Segundo eles, ficará esgotada a capacidade aeroportuária de Lisboa em 8 a 15 anos com a transformação da BA6 no aeroporto complementar de Lisboa, começando a operar em 2022 como previsto – previsão que reduz drasticamente os prazos de 3 a 4 décadas avançados pelo Governo para justificar esta opção.
Os autores – Carlos Matias Ramos, ex-presidente do LNEC e antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros; Carlos Brás, general engenheiro de aeródromos; Jaime Valadares, controlador de tráfego aéreo e ex-diretor de navegação aérea da ANA; João Ivo da Silva, piloto aviador e gestor operacional de aeroportos – alegam que os pressupostos da fundamentação do Governo são um exemplo de como “a decisão política é tomada e depois se desenvolvem as diferentes ações para a justificar e implementar”.
A longevidade da solução esgotar-se-ia entre 2030 e 2035 com os previstos 72 movimentos/hora nas duas pistas (48 na Portela e 24 no Montijo). E o Governo diz ser “até 2050” (“recentemente foi referido 2062”) com base nas projeções de tráfego feitas pela consultora Roland Berger (RB). Para os autores, a saturação já ocorreria cerca de 2030, com 70 movimentos/hora e é “pouco provável que estes sejam atingidos” face às obras anunciadas. Sem “mais investimento, o esgotamento da solução ocorrerá provavelmente ainda antes de 2030”.
As reservas dos autores quanto ao número de movimentos/hora avançados pelo Governo assentam, entre outros aspetos, no facto de a RB optar pela “sistemática subestimação do número de movimentos” na última das 30 horas com maior volume de tráfego num determinado ano – sendo esta hora específica o valor-padrão e “uma prática bastante difundida” para se “dimensionar as infraestruturas à procura esperada”. Ora, a convicção dos autores é de que a RB prevê menos movimentos para essa 30.ª hora que os dados atuais antecipam. E, se as previsões de tráfego da RB “foram ultrapassadas pela realidade”, os autores do artigo duvidam de que as obras anunciadas pela ANA cheguem para alcançar os anunciados 70 movimentos/hora por causa do aeródromo de Tires.
No Montijo e por causa das faixas de acesso (taxiways), “estima-se que o tempo de ocupação de pista de cada partida possa atingir os 5 minutos” (12 descolagens/hora). Nas aterragens, com duas alternativas de saída de pista (e “nenhuma delas eficiente para reduzir o tempo de ocupação”), o projeto parece ser “mais penalizante na pista que se acredita vir a ser mais utilizada” devido aos ventos.
Na Portela, a falta de novos taxiways de saída rápida e do prolongamento dos taxiways paralelos para acesso à pista de menor utilização permite esperar um crescimento modesto da capacidade – menos três a quatro movimentos/hora do que o previsto.
Qualificando as justificações do executivo a favor da Portela + Montijo como correspondendo a “uma narrativa e condicionamentos não confirmados”, os autores garantem que “não é fácil, barato nem de rápida execução” adaptar a BA6 como aeroporto complementar da Portela. De facto, prolongar a pista principal (com 2187 m) em 300 metros é insuficiente para ser usada por aviões como os Airbus A320-200, exigindo a construção dum aterro numa zona aluvionar com 15 metros de espessura (os primeiros 4 de lodo) estimado em 80 milhões de euros – mais os custos adicionais de remover, depositar e confinar “material contaminado” na casa dos 110 mil metros cúbicos. Além disso, “a pista terá de ser alteada”, porque com o seu prolongamento em 300 metros, mantendo a atual inclinação, ficaria “sem condições de folga” ante o galgar das águas do rio na preia-mar e a ondulação provocada pelo vento e embarcações. E é preciso construir pavimentos novos ou reforçar os existentes para acolher “as aeronaves previsíveis como utilizadoras”, e “apenas 17%” da área de movimento do aeroporto “poderá ser aproveitada”.
E, questionando os argumentos em acessibilidades, criação de empregos e desenvolvimento regional, condicionamentos ambientais – a APA reiniciou a análise ao EIA (Estudo de Impacto Ambiental) da ANA – e riscos de colisão com aves, o artigo defende um novo aeroporto na zona de Canha (a cerca de 20 quilómetros da BA6), por permitir uma construção faseada e com espaço para aumentar em função do crescimento objetivo dos indicadores de tráfego aéreo.
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O EIA do futuro aeroporto do Montijo aponta diversas ameaças para a avifauna e efeitos negativos sobre a saúde da população por causa do ruído, como já se demonstrou em tempo, quer na fase de construção, quer na de exploração.
Contudo, do ponto de vista do impacto global previsto para a avifauna, os responsáveis pelo documento consideram que “é, em geral, pouco significativo a moderado para a comunidade estudada, e não ‘muito significativo’, como mencionado no Parecer ao EIA”.
O EIA diz que os impactos mais importantes na fase de exploração (a mais duradoura e significativa) são para as aves e decorrem da circulação de aeronaves sobre o Estuário do Tejo, em especial para norte, o que irá causar elevada perturbação ao nível do ruído nos habitats de alimentação e refúgio para este grupo. Mas “é proposto um conjunto de medidas de compensação/mitigação que visa a beneficiação de habitats” e que permite “reduzir a significância do impacto identificado”. Já quanto aos impactos sobre a mortalidade de aves por colisão com aeronaves, concluem que nenhuma das espécies terá as suas populações afetadas de forma importante.
No atinente ao ruído, o EIA prevê que o concelho mais afetado seja o da Moita. Contudo, “com a aplicação de medidas ambientais adequadas e indicadas para o Ambiente Sonoro, o impacto poderá ser, de certa forma, minimizado”. Ademais, também a zona está exposta ao ruído do tráfego rodoviário e, em menor escala, do tráfego da linha ferroviária do Sado, de movimentação de pessoas em zona de lazer e outras, do tráfego fluvial, de atividades agrícolas e industriais, e das operações aéreas militares da BA6. E não se para a movimentação!
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Enfim, sempre que há intervenção humana, há efeitos negativos no ambiente natural e urbano. Resta saber se as vantagens esperadas compensam os prejuízos e se o benefício merece os custos económicos e ambientais e se o desenvolvimento sustentável fica garantido.
Não me parece iniciativa séria o aparecimento dum manifesto de última hora e sem indicação de soluções alternativas, a não ser a da redução do número de aviões, o que implicaria a aquisição de aviões de maiores dimensões, com provável aumento da área de pista e de parque de estacionamento de aeronaves. Que outra localização os subscritores do manifesto de hoje sugerem? Nem o texto condiz com o título…
Já o estudo do painel de técnicos, acima referido, deveria ter merecido a atenção do executivo e da ANA. Os argumentos são pertinentes e colam à argumentação uma localização alternativa não muito distante da BA6 e que permite a construção faseada.
Vá lá, será esta construção a que a ANA está a pôr mãos a 1.ª de muitas fases do novo aeroporto? Mas não deixem de fazer o aeroporto.
2019.09.14 – Louro de Carvalho

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