Foi já o quinto ataque com drones às instalações petrolíferas daquela que é
a maior companhia petrolífera do mundo, a Saudi Aramco, empresa estatal do
reino da Arábia Saudita. Só que, desta vez, os estragos provocados com
drones, nas instalações da empresa em Abqaiq e Khurais, foram brutais. Imagens
de satélite exibem enormes nuvens de fumo provocadas pelos incêndios de grandes
dimensões que deflagraram (essas extensas nuvens de fumo parecem revelar
estragos mais significativos do que aqueles que a empresa está a admitir) e que vão obrigar à paragem de boa parte do
fornecimento da matéria-prima por parte deste país para todo o mundo. E o mundo vai sentir os efeitos destas explosões através da subida
das cotações nos mercados.
Os ataques levados de rebeldes do grupo Houthi (do Iémen,
mas com apoio do Irão)
comprometeram metade da produção diária de petróleo da Arábia Saudita e 5% de
toda a oferta mundial.
De súbito, metade da produção diária de petróleo da Arábia Saudita ficou
comprometida, pois o ataque provocou extensos danos, eliminando da
oferta do país, que é o maior produtor do mundo, cerca de
cinco milhões de barris de petróleo diários, num total de 20 milhões de
barris que os produtores da matéria-prima colocam diariamente no mercado, de
forma a dar resposta à procura global pelo “ouro negro”. Entretanto, a Saudi
Aramco está a tentar restabelecer a produção, o que poderá demorar bastante
tempo.
É um rombo que a Arábia Saudita procura suprir ao admitir enviar para o mercado o equivalente da produção diária das
suas reservas da matéria-prima, o que poderá responder à quebra com as
reservas que detém tanto no reino como no Egito, no Japão e até na Holanda, mas
que pode não chegar. Daí que os Estados Unidos da América, em segundo
lugar no ranking da produção, estejam também já no “terreno” a disponibilizar
ao mercado as suas reservas.
E poderá haver um esforço global que será coordenado pela AIE (Agência
Internacional de Energia) para que
vários países coloquem parte dos barris que detêm no mercado para evitar uma
escalada em espiral das cotações.
Em Portugal, enquanto as ações da GALP valorizaram em 3%, a ENSE (Entidade
Nacional para o Setor Energéticos)
disponibilizou-se igualmente para mobilizar reservas de petróleo caso se
prolongue o corte temporário. Em comunicado, a ENSE afirma que “dispõe de reservas estratégicas que podem
ser mobilizadas para suprir uma falta eventual” e precisa que tem “à sua disposição 538,1 mil toneladas de
crude em reservas físicas e 373,5 mil toneladas em tickets que representam direitos de
opção sobre crude armazenado em Portugal e noutros países da União Europeia”.
“Estas quantidades estão à disposição da
ENSE para mobilização imediata, caso se entenda necessário”, sublinha a
entidade, acrescentando:
“É importante destacar neste momento que,
caso o impacto sobre a oferta seja persistente e os operadores que importam
petróleo para Portugal tenham alguma dificuldade temporária para obter crude, o
país através da ENSE dispõe de reservas estratégicas”.
A Saudi Aramco poderá “levar meses” a
retomar a produção em pleno, após os ataques. E não há capacidade, no mundo,
para tapar o “buraco” de mais de cinco milhões de barris diários.
Criou-se um “buraco” na oferta de petróleo mundial, sendo que não há capacidade extra no mundo para o
“tapar”. Só as reservas podem mitigar o desequilíbrio entre a oferta e a
procura, mas invariavelmente os preços vão ficar mais caros.
De cerca de dez milhões de barris diários, a Saudi Aramco viu a sua
capacidade de produção de petróleo reduzida a metade após o ataque às
instalações da empresa. Apesar de a empresa ter tentado acalmar os receios
dos investidores, com o imediato anúncio duma rápida reparação das instalações
afetadas, surgem agora várias fontes a alertarem que
será complicado que se consiga voltar ao normal em breve. As nuvens de fumo
vistas do espaço mostram que o impacto dos ataques foi significativo.
À Reuters, duas fontes próximas da Saudi
Aramco, revelaram que foram informadas de que o regresso à produção em pleno
poderá “levar meses”. E, enquanto isso não acontece, procuram-se
formas de tentar compensar a redução da produção por parte do maior produtor de
petróleo do mundo. Mas a tarefa não é fácil.
Não há, no mundo, “almofada” para absorver um impacto
na produção como este. De
acordo com dados da AIE, a OPEP (Organização dos Países Exportadores
de Petróleo) tinha, em
junho passado, uma capacidade de produção de petróleo extra em torno dos 3,2
milhões de barris por dia, mas inferior à perda agora registada. E destes 3,2
milhões, cerca de dois milhões de barris extra vinham da Arábia Saudita. Sobra
menos de um milhão de barris de capacidade adicional. E, mesmo outros países fora da OPEP, como a Rússia, têm pouca margem para
aumentar a oferta, sendo que para muitos outros não é de todo viável explorar
poços de petróleo simplesmente porque o custo não é compensado com o preço
atual da matéria-prima. Entre esses produtores estão os de petróleo
de xisto, dos EUA.
Enquanto prossegue um “apontar de dedo” ao Irão como sendo o responsável
pelos ataques, o Departamento de Energia norte-americano,
além de dizer que está preparado para recorrer aos recursos das Reservas
Estratégicas de Petróleo, de 630 milhões de barris, para compensar quaisquer
interrupções no mercado, deu orientações para se trabalhar com a AIE
para avaliar possíveis opções para uma ação global coletiva se for necessário.
Estas movimentações demonstram a importância das instalações situadas em
Abqaiq e Khurais no normal abastecimento do mercado mundial de petróleo. E são
reveladoras do interesse tanto da Arábia Saudita como dos EUA de manterem o
preço do petróleo em torno dos níveis atuais, os 60 dólares por barril, pois uma valorização expressiva das cotações poderá ter um impacto
muito negativo na economia global, quando são cada vez maiores os receios do
abrandamento económico e a guerra comercial entre os EUA e a China está
a castigar todo o mundo.
Olhando para os esforços feitos e a fazer, o impacto
nas cotações poderá, em teoria, ser limitado, já que a oferta de petróleo
poderá manter-se inalterada e o
contexto é de abrandamento no crescimento da procura pela matéria-prima. Porém,
na prática, há margem para que os preços subam. Por um lado, porque os mercados
tenderão a ressentir-se a uma quebra momentânea da oferta, levando à subida dos
preços. Por outro, haverá a dúvida sobre quanto tempo será necessário para
que as instalações afetadas voltem a funcionar, restabelecendo a oferta
da matéria-prima. É que as reservas dos países são finitas.
***
Os preços da matéria-prima, a 70 dólares, dispararam nos mercados
internacionais, o que pode agravar preço dos combustíveis até 12 cêntimos por litro. É uma
valorização histórica. Da última vez que estiveram nos níveis atuais, os combustíveis estavam
bem mais caros.
Tendo o preço do petróleo chegado à fasquia dos 70 dólares, deixando antever um impacto expressivo nos preços dos combustíveis
no mercado nacional, há margem para subidas de vários cêntimos no valor
por litro do gasóleo e ainda mais no caso da gasolina, caso a tendência de
subida se mantenha. Com efeito, o Brent (que serve de referência às
importações nacionais) esteve a
subir mais de 19% para 71,95 dólares por barril nas primeiras negociações
da madrugada de hoje. Entretanto, aliviou ligeiramente a valorização, mas
continua acima dos 65 dólares em Londres, estando ligeiramente acima dos 60
dólares em Nova Iorque.
A última vez que o Brent atingiu a fasquia dos 70
dólares foi há 6 meses. Em todo o
mês de maio, o barril fechou abaixo desta barreira apenas em 3 sessões, o que
se refletiu nos preços nas bombas. O preço médio da gasolina
simples de 95 octanas foi de 1,599 euros, enquanto o do gasóleo de 1,424 euros,
com base no histórico da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia).
O preço de referência da gasolina situa-se atualmente em 1,475 euros
por litro, após 5 semanas de queda. Ou seja, há uma diferença de 12,4
cêntimos por litro. No caso do gasóleo (que está em máximos desde o início de
agosto), a diferença é menor, mas expressiva:
são 6,7 cêntimos entre
os valores de maio e os atuais 1,357 euros por litro.
Os preços dos combustíveis em Portugal são atualizados
semanalmente, com base na evolução média dos preços do petróleo e derivados nos
mercados internacionais na semana anterior, pelo que este tipo de aumentos
só acontecerá se a tendência de subida das cotações se mantiver.
Este ajustamento feito pelas petrolíferas tem também
em conta as variações nas moedas. A diferença entre o dólar (divisa em que se transaciona o petróleo) e o euro (em que os combustíveis são comprados nas
bombas) também não deverá ajudar os
consumidores. Em
maio, um euro equivalia a 1,12 dólares, enquanto agora vale 1,10 dólares,
penalizado pelos novos estímulos anunciados pelo BCE (Banco
Central Europeu). Ou seja,
é preciso um montante mais elevado em euros para comprar a mesma quantidade de
petróleo em dólares e as empresas fazem refletir esse agravamento nos preços
finais. Assim, se o valor do barril continuar a subir, os
consumidores esperarão que se torne mais caro abastecer o carro na próxima
semana. A evolução irá depender da capacidade dos produtores de
acalmarem os receios com um desequilíbrio entre a oferta e a procura. Porém, mesmo com os esforços para manter a oferta, as
perspetivas de menor produção de petróleo nos próximos tempos estão a levar as
cotações da matéria-prima a disparar. O Brent chegou a ganhar quase
20%, a maior subida de 1991, para superar os 70 dólares, tendo aliviado,
entretanto, a tendência positiva, mas segue nos 65 dólares. E nos
EUA, o West Texas Intermediate está nos 60 dólares.
A escalada das cotações reflete, pois, os receios em torno de um
desequilíbrio entre a oferta e a procura, apesar de a Saudi Aramco estar a
procurar restabelecer rapidamente a produção. Chegou a avançar que poderia
voltar a ter as instalações operacionais esta segunda-feira de manhã, mas a
data tem vindo a ser adiada.
Depois, vem a questão da segurança das instalações petrolíferas,
especialmente as da Arábia Saudita, que deverá passar a ser tida em conta como
um risco, levando o mercado a incluir um prémio nas cotações do petróleo.
Quem não se lembra de que Saddam Hussein jurou que, se
fosse expulso do Kuwait pela força, o país iria arderia? E cumpriu a palavra
colocando fogo em tudo. Durante a evacuação, as tropas iraquianas incendiaram
aproximadamente 700 poços de petróleo pelo caminho.
Efetivamente,
quando Saddam Hussein invadiu o Kuwait a 2 de agosto de 1990, colocou em
movimento um conflito político que resultaria numa catástrofe ambiental
devastadora causada pela ação do homem. Foi em janeiro de 1991 que o fogo
começou e o último foco só foi extinto dez meses depois. No total, o fogo
consumiu seis milhões de barris de petróleo por dia (por estimação). Devido ao grande número de poços em chamas, era
impossível para uma ou mesmo várias equipas de bombeiros apagar todo o fogo no
tempo necessário para evitar uma catástrofe global. Então, o governo do Kuwait
pediu ajuda internacional. E responderam cerca de 50 países de todo o globo,
incluindo a Inglaterra.
***
***
Enfim,
são ataques irresponsáveis que perturbam a ecologia e a economia mundial e que
podem ser focos de alteração das condições de paz onde a guerra na sua
expressão clássica ainda não chegou. Eis uma boa razão para as diplomacias
estarem atentas e ativas, porque, se elas falham, a guerra fica iminente e o
mundo precisa de paz, que passa pela vontade política, pelo diálogo e pelo
desenvolvimento.
2019.09.16 –
Louro de Carvalho
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