terça-feira, 10 de setembro de 2019

Arranque do ano letivo, 5 novidades e o estado da educação


Estão a começar as aulas – entre os dias 10 e 13 – para um milhão e cem mil alunos em 5000 escolas de todo o país (são 812 agrupamentos). O ano letivo terminará a 19 de junho para a educação pré-escolar e 1.º ciclo, a 4 de junho para os anos com exames e provas finais e a 9 de junho para os restantes anos de escolaridade.
O Governo da XIII legislatura tentou deixar como legado na educação um novo paradigma de ensino, assente no perfil do aluno a obter durante a escolaridade obrigatória e com recurso à flexibilidade curricular. E este ano letivo em início apresenta 5 novidades: todos os alunos até ao 12.º ano têm acesso a manuais gratuitos, devendo ser levantados os vouchers  na MEGA e trocados nas livrarias e papelarias; as turmas do 10.º ano vão ficar mais pequenas, diminuindo o número máximo de estudantes para 28 alunos; algumas escolas ficam com mais autonomia e flexibilidade para definir currículo e gestão do tempo, podendo estabelecer a semestralização do ano letivo em vez da tríplice periodização e até criar novas disciplinas, podendo a escola definir mais de 25% da distribuição da carga horária; 24 mil professores foram colocados em meados de agosto e, dos docentes do quadro, 13.000 (a maioria) mantiveram a colocação nas mesmas escolas onde lecionaram no ano letivo anterior; e os funcionários públicos têm dispensa de 3 horas para poderem acompanhar os filhos (com menos de 12 anos) no 1.º dia de aulas (medida só disponível para os trabalhadores do Estado, pois o PSD, CDS-PP e PS travado o alargamento ao privado).
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Pela primeira vez, todos os alunos do 1.º ao 12.º ano têm manuais escolares gratuitos (emprestados e a devolver), graças a um projeto lançado pelo Governo que foi sendo alargado gradualmente e só agora foi generalizado a todos os anos de escolaridade, após o PCP ter exigido a implementação total no âmbito das negociações do último orçamento do Estado. A medida começou pelo 1.º ciclo e esteve envolta em polémica por causa, sobretudo, do processo de reutilização dos manuais. Por exemplo, o TdC (Tribunal de Contas) alertou para a eventual inviabilidade do projeto mercê da baixa taxa de reutilização. O projeto teve enorme acolhimento junto das famílias pelo alívio na despesa, mas a sua operacionalidade tem suscitado problemas e críticas, relacionados com a reutilização de manuais e distribuição de livros usados em mau estado. Os partidos da direita falam em má gestão de dinheiro público e sustentam que só os alunos carenciados deviam receber livros gratuitos. No âmbito do Orçamento do Estado para 2019, o Executivo definiu o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares ao 3.º ciclo e ao ensino secundário (7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º anos). Até agora, os livros gratuitos abrangiam apenas os 1.º e 2.º ciclos. Porém, lê-se no OE, apresentado em outubro do ano passado:
Com a gratuitidade dos manuais escolares, iniciada em 2016 e expandida gradualmente, concretiza-se uma obrigação constitucional de garantir o acesso de todos os alunos a ensino público e gratuito”.
Segundo o IGFE (Instituto de Gestão Financeira da Educação), a execução da medida custará ao Estado 144,6 milhões de euros, valor a afinar ao longo do ano letivo que agora começa, nomeadamente no respeitante ao número de alunos a recorrerem efetivamente a esta medida. No debate do Orçamento do Estado, o Ministro da Educação admitiu que o alargamento da gratuitidade dos manuais escolares poderia custar aos cofres do Estado 160 milhões de euros, mas ficou orçada apenas uma dotação de 47,3 milhões, que deverá cobrir apenas a aquisição de livros para os dois primeiros ciclos. Para o TdC, em 2019, a medida deverá custar mais do que está previsto pelo Governo (em 2018 já se verificara desvio semelhante), o que é criticado pelos juízes. E o TdC afirmou:
“Não se compreende uma insuficiência orçamental de tal dimensão, ou seja três vezes inferior ao estimado (menos cerca de 100 milhões de euros), em desconformidade com o estabelecido na Lei do OE 2019”.
Em reação, o ME (Ministério da Educação) garantiu ter havido reforço orçamental para obviar aos gastos implicados na entrega gratuita de manuais escolares, estando a verba assegurada.
Para ter acesso a estes manuais escolares, os alunos têm de estar inscritos na MEGA, plataforma onde são emitidos, depois, os vouchers que podem ser trocados nas papelarias por livros. Este ano, todos os alunos do 7.º ao 12.º ano que frequentem escolas públicas têm direito a manuais escolares novos para todas as disciplinas. E, no caso das disciplinas em que há exames nacionais ou provas finais (Português e Matemática no 9.º ano e algumas do 11º anos e 12º ano), os alunos devem guardar os manuais até ao fim do ciclo e só têm de os devolver após os exames.
Outra das medidas levadas a cabo pela equipa de Tiago Brandão Rodrigues foi a redução – também gradual – do número de alunos por turma. Começou pelo ensino básico e agora estende-se ao secundário a começar pelo 10.º ano.
De acordo com o Despacho n.º 16/2019, de 4 de junho, a redução abrange as turmas dos cursos científico-humanísticos, dos cursos profissionais e dos cursos de ensino artístico especializado, nos estabelecimentos públicos de ensino. No 11.º ano e no 12.º anos, os limites mantêm-se: o número mínimo de abertura é 26 alunos e o máximo é 30 alunos. Nos cursos profissionais, as turmas do primeiro ano do ciclo de formação passam a ser “constituídas por um número mínimo de 22 alunos e um máximo de 28 alunos”, exceto nos cursos de música, interpretação e animação circenses, de interpretação de dança contemporânea e de cenografia, de figurinos e adereços e da área de educação e formação de artes do espetáculo. Nesses, o limite mínimo é de 14 alunos.
E no ano em que as turmas ficam mais pequenas, algumas escolas conquistam mais autonomia e flexibilidade na organização do tempo e do currículo. O modelo tinha sido implementado, a título experimental, no ano letivo anterior em 7 agrupamentos de escolas, sendo agora alargado a mais escolas (cerca de meia centena), que passam a ter a seu cargo a gestão de mais de 25% carga horária e a organização do ano letivo, podendo mesmo implementar dois semestres em vez de três períodos. Isto independentemente da generalização da flexibilidade curricular nos termos do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, após a experiência ter sido feita por 225 escolas
Com esta maior flexibilidade, as escolas passam a poder definir a organização das disciplinas (podendo condensá-las por semestre ou fundi-las) ou até mesmo a criação de disciplinas inteiramente diferentes. Em troca, as escolas têm de garantir o cumprimento do total da carga horária relativa ao ciclo ou nível de ensino, manter o equilíbrio dos horários a nível anual e promover a realização de provas e exames consoante o calendário escolar.
Nova medida é também o novo enquadramento legal para a inclusão e reforço do desporto escolar, em termos de horas lecionadas. E registe-se que a atual equipa ministerial fez entrar a Educação Física e o Desporto Escolar na avaliação, voltando a fazer entrar a classificação nas contas das médias de conclusão do secundário e acesso ao ensino superior.
Ao longo do mandato os créditos horários para as escolas promoverem a atividade física foram aumentando: desde o início da legislatura, houve um reforço de 800 créditos horários letivos semanais. O desporto escolar conta com 71 centros de formação desportiva em 7 modalidades. Entre as modalidades náuticas, há 34 centros de formação de canoagem, 20 de vela, 16 de surf e 12 de remo. E há 7 centros de formação de atletismo, 6 de golfe e 2 de natação.
Quanto ao acompanhamento dos pais aos filhos no 1.º dia de aulas, registe-se que a dispensa só pode ser gozada pelos trabalhadores do Estado cujos filhos tenham menos de 12 anos e consoante as necessidades do próprio órgão ou serviço, sendo importante evitar o prejuízo do seu normal funcionamento, frisa o Decreto-Lei n.º 85/2019, de 1 de julho.
No âmbito da discussão da revisão do Código do Trabalho, o BE tentou estender o benefício aos pais que trabalham no setor privado, mas o PSD e CDS votaram contra a admissão da proposta. O PS absteve-se, travando assim o alargamento em causa. Isto, depois de Rui Rio ter defendido justamente o alargamento dessa dispensa a todos os pais. A Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, justificando a posição assumida pelo PS, disse que é matéria a discutir na Concertação Social e não a impor às empresas por decreto-lei.
Ao que já foi dito em relação à colocação de professores é de acrescentar que, na contratação inicial, foram colocados 8.600 professores, dos quais 5.400 ficaram a tempo completo. Destes 2.200 foram renovação de contratos. “A manutenção das colocações dos docentes do quadro e a renovação dos contratos dos docentes contratados são um inequívoco sinal de uma maior estabilidade do sistema” – diz o ME.
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Mas há problemas para resolver.
Um deles é a carência de funcionários nas escolas. Filinto Lima acredita, presidente da ANDAEP (Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), que os concursos que ainda decorrem ficam resolvidos até ao final de setembro e os funcionários chegam aos estabelecimentos escolares até ao fim do mês.
A falta de funcionários nas escolas foi um problema que se foi sentindo ao longo dos 4 anos, tendo levado ao encerramento temporário de alguns estabelecimentos de ensino por falta de condições. No passado ano letivo o ME anunciou a abertura de concursos para responder às necessidades das escolas, mas em muitos locais as aulas vão começar sem o processo estar concluído, ou seja, sem os assistentes operacionais necessários. Segundo o ME, está por resolver apenas o processo concursal para a integração nos quadros de 1067 assistentes operacionais nas escolas e haverá “cerca de 60 escolas que ainda não iniciaram o procedimento para contratação dos assistentes operacionais que lhes foram autorizados”.
Filinto Lima sublinhou que o processo representa apenas uma melhoria para os trabalhadores, que passam a ter um vínculo estável, mas não significa por si mais assistentes operacionais nas escolas, pelo que será preciso fazer uma avaliação dos casos em que é preciso um reforço.
O presidente da ANDAEP acrescentou que é uma “boa novidade” para o ano prestes a começar a bolsa de recrutamento de funcionários criada pelo Governo, a pensar na rápida substituição de funcionários em situação de baixa prolongada, por exemplo. E o ME apontou que em três anos foram contratados cerca de três mil assistentes operacionais para as escolas.
Outro problema é o do envelhecimento da classe docente. E os sindicatos acusam o Governo de não lhes dar o que é de direito. Os professores vão continuar este ano a luta pela recuperação integral do tempo de serviço congelado, tendo agendado para a véspera das eleições uma manifestação nacional. Apenas um mês separa o início das aulas das eleições legislativas, mas está agendada desde o passado ano letivo um protesto para o Dia Mundial do Professor, 5 de outubro, que este ano coincide com o dia de reflexão, véspera de eleições legislativas em que também estão em causa as propostas partidárias atinentes à educação e às escolas.
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Muitas das medidas do ME vêm na lógica de oposição a algumas das principais bandeiras do ex-ministro Nuno Crato (do Governo PSD-CDS/PP, liderado por Pedro Passos Coelho) e sua reversão. Assim, logo no início, foi extinta a PACC (Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos) que Nuno Crato impusera aos professores (mas que fora criada num governo do PS) – considerada como uma humilhação da classe – e foi extinta a BCE (Bolsa de Contratação de Escola), o polémico sistema de recrutamento de professores que provocou uma das maiores crises no primeiro Governo de Passos Coelho e que levou o então Ministro da Educação a pedir desculpas públicas ao país no Parlamento pelos atrasos que o modelo provocou na colocação de docentes nas escolas.
Ainda no processo de reversão de políticas do Governo anterior, a equipa de Brandão Rodrigues decretou o fim das provas finais do 1.º ciclo e do 2.º ciclo, para gáudio do PCP e do BE, frontalmente contra essas provas, e recuperou as provas de aferição, sem peso na avaliação final dos alunos. Ora, se ganhar as eleições, o PSD de Rui Rio e o ex-Ministro da Educação David Justino reverterão o que reverteu o Governo PS com o apoio da esquerda parlamentar.
Do ponto de vista dos conflitos, a primeira grande batalha que a equipa do ME travou foi a dos contratos de associação com escolas privadas onde a oferta pública fosse inexistente ou insuficiente. A Secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, liderou o processo que terminou, depois de muita contestação pública e manifestações inéditas, passando as escolas particulares por significativa redução do número de turmas financiadas pelo Estado.
Por fim, um problema que garantidamente transita para o próximo Governo, seja ele qual for, é que os professores conseguiram o impensável, mas não o objetivo: juntaram a esquerda e a direita parlamentar numa “coligação negativa” que isolou o PS na recusa em contar todo o tempo de serviço congelado, mas o entendimento acabou revertido, no mesmo Parlamento onde tinha sido alcançado. Ora, a continuação da reivindicação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço congelado é o legado que este Governo deixa ao próximo, uma luta que continuará nas ruas e nas reuniões com a equipa governativa da educação, mas com uma mudança, a de morada. Curiosamente Tiago Brandão Rodrigues fica na história como o ministro que mudou o topo do ME da Avenida 5 de Outubro para a Avenida Infante Santo, em Lisboa.
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O Novo Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado há mais de ano e meio, é a pedra de toque da tentativa para a passagem ao novo modelo de ensino – que este ano chega a todas as escolas que apresentem projetos inovadores e os vejam aprovados pela tutela. Constitui-se como o orientador dos objetivos a atingir na escolaridade obrigatória e porfia na necessidade de a escola formar pessoas capazes de responder aos “desafios colocados pela sociedade contemporânea” questão para a qual “devem convergir todas as aprendizagens, garantindo-se a intencionalidade educativa associada às diferentes opções de gestão do currículo”. O objetivo fundamental é que, no seu percurso escolar, os jovens adquiram competências “entendidas como uma interligação entre conhecimentos, capacidades, atitudes e valores, que os torna aptos a investir permanentemente, ao longo da vida, na sua educação e a agir de forma livre, porque informada e consciente, perante os desafios sociais, económicos e tecnológicos do mundo atual” (vd Despacho n.º 6478/2017l de 26 de julho).
O Conselho de Escolas emitiu um parecer em que sublinhava a impossibilidade de o Perfil ser aplicado nas escolas sem se alterar o modelo de ensino vigente (que “não se coaduna com a prevalência de uma lógica disciplinar acentuada”) e apelou para alterações curriculares graduais e progressivas.
A isto vem a Flexibilidade Curricular. Nas escolas aumentou a liberdade para ensinar de forma diferente. Este ano avançam novos projetos educativos com mudanças nos currículos que podem ir desde novas disciplinas à fusão das existentes. A flexibilidade e autonomia curricular é também uma das bandeiras do ME que este ano deu mais liberdade às direções escolares com o objetivo de combater o insucesso e abandono escolar.
Depois de um ano letivo com sete escolas em projeto-piloto neste novo modelo curricular e de uma avaliação positiva dos resultados obtidos, nomeadamente ao nível de combate ao abandono e insucesso escolar, o ME decidiu abrir a possibilidade a todas as escolas, já a partir de setembro, de poderem gerir os currículos numa percentagem superior a 25%, o limite que vigorava até agora. Para isso, basta que as escolas apresentem à comissão coordenadora da flexibilidade curricular os projetos inovadores que querem aplicar e que os vejam aprovados.
Criar disciplinas, juntar algumas em projetos interdisciplinares, estimular o trabalho colaborativo entre turmas, inclusivamente de anos diferentes, e permitir permeabilidade de percursos aos alunos, permitindo-lhes frequentar disciplinas que sejam do seu interesse, apesar de não constarem no seu currículo estão entre as possibilidades abertas pelo novo modelo – são ideias que entusiasmam diretores e pais, mas não agradam tanto a partidos como o PSD, que no seu programa eleitoral rejeita a flexibilização curricular e defende uma flexibilização pedagógica para ensinar um currículo único. Assim, o PSD promete reverter uma das bandeiras deste Governo para a área da educação, dando continuidade à tradição de mudança de direção nesta área consoante esteja no poder a esquerda ou a direita. Veremos se os atuais pregadores contra as mudanças de políticas em função da mudança de Governo depois estarão calados.
De facto, as mudanças operadas por esta equipa do ME não mudam a função básica da escola que devia ser um espaço de criação de oportunidades para todos, sem uniformização, mas com total beneficiação e exigência, e a arvorar-se em elevador social. A escola que temos e que a sociedade marcadamente neoliberal é a que produz a seleção social mediante mecanismos gizados por quem detém o poder económico, o que se faz através de exames e rankings.
E a flexibilidade curricular, com a definição das Aprendizagens Essenciais, sem mexer em programas disciplinares elaborados antes da definição do Perfil do aluno, pode muito bem servir para adestrar os alunos através de sucessivas baterias de testes para o exame final/prova final, esvaziando o projeto educativo de escola e, em vez de fazer decorrer a aprendizagem de projetos segundo a abordagem sistémica, faz-se ensino, docência pura, explicações com base no que pode sair no exame, acumulação de conhecimento sem assimilação. É-se autómato, não autónomo. A escola não passa de uma oficina especializada em que, em vez dos professores vocacionados para um ensino problematizador e tornados dinamizadores da aprendizagem autónoma e cooperativa, temos o professor/a-robô a quem se retira a liberdade de pensar e de ensinar, afogando-o/a em burocracia de grelhas, formulários, aplicações, rituais. E a avaliação deixa de ser formativa para ser formatadora, perde o seu valor holístico e é fragmentária.
Triste sorte, estranha condição – a da escola de hoje, a dos números, que não a das pessoas!
2019.09.10 – Louro de Carvalho

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