É o tema dum desfile de
moda contra a violência de que é palco hoje, dia 17 de setembro, a Assembleia
da República pelas 18,30 horas, no Centro de Acolhimento ao Cidadão (Refeitório dos Monges). Um comunicado enviado às redações
avança que “estarão reunidas não só
manequins profissionais, mas também outras mulheres com papéis de
responsabilidade política e social na sociedade, assim como mulheres que foram
acompanhadas pela APAV”.
As participantes do desfile são vestidas por uma nova marca portuguesa na
área da economia circular, que tem como missão o zero desperdício têxtil e
o upcycling, integrando e reinventando na sua confeção técnicas
tradicionais como o patchwork.
Trata-se duma iniciativa da APAV (Associação Portuguesa
de Apoio à Vítima) e do Movimento Mulheres de Vermelho para sensibilizar “o público para a
valorização social das mulheres que são vítimas de violência doméstica”,
como se lê no referido comunicado.
O evento ocorre a caminho do fim do
terceiro trimestre deste ano que se afigura ser negro em matéria de mortes em
contexto de intimidade, sendo que, desde janeiro até ao momento, já
estão contabilizados 20 homicídios de mulheres. E o predito comunicado refere
que se trata duma “chamada de atenção
para um problema social dramático em Portugal”.
A coleção cedida para o desfile apresenta uma visão que promove a
sustentabilidade do nosso planeta e dá continuidade ao compromisso social de
apoio no combate à violência doméstica. Neste mesmo dia, refere ainda o
comunicado, “serão disponibilizados
quatro pontos de recolha de desperdício têxtil pela DariAcordar/Desperdício
Zero numa iniciativa conjunta com a Assembleia da República”.
***
Entretanto, a APAV, olhando
para as propostas dos partidos para as próximas eleições legislativas, entende que
“a vítima não é muito bem tratada nos
programas eleitorais”. Com efeito, elencou medidas propostas, comparou-as e está a
debatê-las com representantes dos partidos políticos que seguem em pré-campanha para o
sufrágio de 6 de outubro. E, assim, da violência doméstica e a
políticas sobre casas de abrigo aos crimes sexuais e ao bullying, passando pelas questões LGBTI, colocou as forças
partidárias frente a frente na tarde do passado dia 12 de setembro, quinta-feira,
num encontro que decorreu na sede da instituição da APAV, em Lisboa.
A primeira análise não traz, segundo João Lázaro, presidente da Associação,
boas notícias, pois “a vítima não é muito bem tratada nos
programas eleitorais e há, por vezes, algum desconhecimento das próprias
dimensões dos crimes”. Para este dirigente associativo, “há um grande
focar apenas em algum tipo de vítimas, designadamente as vítimas de violência
doméstica”.
O presidente da APAV, falando em medidas e propostas eleitorais que não têm
depois consequências no domínio prático, lamenta que “não se tenha avançado
mais” na última legislatura e afirma que, “em termos muito gerais, há considerações relativamente à violência e sem
haver depois, nos programas eleitorais, consequências e medidas políticas de
enfrentamento e apoio a esse diagnóstico”.
Participaram no debate representantes dos partidos com assento parlamentar.
Assim, Miguel Romão, pelo PS, juntou-se a Rita Rato, deputada do PCP e
candidata no círculo eleitoral da Europa, a Cláudia Madeira, de Os Verdes (PEV), e a Sandra Cunha,
deputada e segunda candidata pelo círculo de Setúbal pelo BE. Ana Conduto
apresentou-se pelo PSD, Miguel Arrobas pelo CDS-PP e Inês de Sousa Real pelo
partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).
Numa confirmação de medidas apresentadas e relativas ao Programa de
Governo, apresentado em 2015, a APAV
faz um balanço negativo com 8 propostas por cumprir, 4 parcialmente completadas
e apenas uma realizada: “o
aprofundamento da prevenção e do combate à violência de género e doméstica”.
De fora e por cumprir, ficaram a reforma
da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes; a criação de espaços seguros para
visitas assistidas e entregas de crianças; e, entre outras, a simplificação da
linguagem judicial.
“Acho que a exigência da APAV, a
nível do que foi feito, foi muito exigente”, reagiu o socialista Miguel
Romão, que destacou:
“Na legislatura que agora termina,
houve uma proposta submetida à Assembleia da República para alteração do modelo
e reforço de proteção de vítimas de crimes, foi aprovada na generalidade por
unanimidade, baixou à comissão e não teve depois sequência”.
Admitiu que “há trabalho a fazer do ponto de vista social, do ponto de
vista de funcionamento dos serviços públicos, de como devem funcionar”. Disse que
há ideias que é necessário pôr em prática, mas é preciso saber como.
Por seu turno, a deputada Rita Rato advertiu que
é preciso implementar ideias no terreno, para o que se exige “mais investimento público” e apoios que devem ser disponibilizados,
desde o Serviço Nacional de Saúde à escola pública, passando pelas equipas
multidisciplinares nos tribunais, na Segurança Social e pela atribuição do
estatuto da vítima. Ora, “o Estado tem obrigação de proteger as vítimas”,
reiterou a deputada do PCP, que, ao mesmo tempo, criticou a análise da APAV dos
programas eleitorais. Dessa análise resultou uma avaliação feita com base na
pesquisa de três palavras
“vítima/vítimas, crime e violência” nos programas eleitorais e tendo em vista
medidas direcionadas. Ora, “não se pode aplicar apenas um find nos
programas”, respondeu a deputada do PCP.
A bloquista Sandra Cunha afirmou que “as propostas analisadas estão
incompletas” e elencou “medidas que
constam do programa como a proteção no trabalho, na saúde, na habitação nos
crimes de violência doméstica” ou “as várias propostas na área da Justiça” e
que não estão na pesquisa feita pela associação.
Ana Conduto, por sua vez, sustentou que é na proteção e na justiça – mesmo as
que estão esquecidas pelo Estado como as vítimas de terrorismo – que os
sociais-democratas concentram as suas propostas. O PSD pede reforço e apoio
especializado: “mais apoio técnico e parcerias entre
entidades científicas e tribunais e menos comissões”. A deputada socialdemocrata
pede mais “articulação” entre as várias entidades envolvidas em processos desta
natureza, uma “maior celeridade nos
crimes de violência doméstica”, uma “definição de um novo protocolo no
acesso às casas de abrigo – que “devem ter caráter excecional e temporário”.
Segundo o CDS, “apesar de haver legislação – e que vai chegando a reboque
do que vai acontecendo –, isso não resolve tudo, é preciso que os tribunais
sejam céleres, eficazes e tenham uma maior preocupação com a vítima”. Quem o
disse foi Miguel Arrobas, vincando que “todos têm direitos iguais, mas muitas vezes os agressores são
colocados em liberdade, reincidem e cometem crimes”. Depois, a educação surge
também como prioridade dos centristas, sendo necessária uma maior “sensibilização e prevenção nas escolas”,
com especial atenção na violência no namoro, prevenindo aí “aqueles que podem vir a ser, no futuro, os
agressores e violadores”. Pede-se combate à “violência contra as mulheres –
com números assustadores em crescimento” –, mas “é também necessário olhar para
violência contra os homens” – alertou.
Formação e prevenção do “ensino básico até todas as outras fases da vida”,
pediu o PAN, que concentra esforços e os alarga a outras vítimas, pedindo
extensão de apoios a, entre outros, às vítimas de agressão sexual. O partido fala mesmo na criação de “uma Secretaria de Estado para a Terceira Idade
ou para a Pessoa Idosa”, referiu Inês Sousa Real, que olhou para a
“exclusão e a solidão”. “Há depois um conjunto de propostas ao nível da
violência doméstica”, de “igualdade
nas respostas sociais”, do “fim dos estereótipos” e pela criação de reformas
quer no sistema de justiça, quer na educação”, elencando o “apoio
psicológico alargado a profissionais e não apenas para vítimas”. E o PAN
reclama também a “criação de salas para as vítimas de todos os tipos de crime”
nas instituições que lidam diretamente com elas, estando as esquadras – mas não
só – no topo desta proposta.
Cláudia Madeira, pelo PEV, reiterou a “valorização
das mulheres no mercado de trabalho, uma vez que a independência económica é
muito importante para a sua emancipação”. E o partido que, na análise da
APAV, menos propostas eleitorais direcionadas apresenta, propõe “o
estabelecimento de quotas na administração púbica para vítimas de violência
doméstica, em que para cada cinco lugares um deles possa ser para uma pessoa
nessas circunstâncias” – medidas a que se juntam as propostas na
formação e “avaliação regular” do sistema para “perceber e identificar falhas”.
***
Afinal,
o que prometem os partidos políticos sobre violência doméstica? Em julho,
com os planos e as
ideias fechados (e com as férias pelo meio) a violência doméstica surgia em destaque nas medidas que os partidos
estavam, paulatinamente, a apresentar, propostas
que surgiam num ano negro, em que a mortalidade em contexto de intimidade
está muito longe de desacelerar, como o demonstram as notícias que enxameiam os
jornais ao longo do ano e nos últimos tempos.
A promessa do Primeiro-Ministro passa por uma alteração à Constituição para acomodar a criação de tribunais especiais de instrução e julgamento
dos casos de violência doméstica. “Se isto não merece uma revisão constitucional eu não sei o que mereça
uma revisão constitucional”, declarou António Costa no encerramento da
convenção socialista em que foi aprovado o programa eleitoral do PS para
as legislativas de 6 de outubro.
O líder socialista falava em “abordagem judicial integrada”, na
apresentação duma medida que,
segundo o Diário de Notícias, surge de forma mais tímida no programa eleitoral do PS nos termos seguintes:
“Equacionar a possibilidade de, no
atual quadro constitucional e através da análise de experiências comparadas,
concretizar uma abordagem judiciária integrada no que se refere à decisão dos
processos criminais, tutelares e de promoção e proteção relativos à prática de
crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, de acordo com as recomendações
do Grupo de Peritos para o Combate à Violência contras as Mulheres e à
Violência Doméstica do Conselho da Europa”.
Em reação a esta proposta, Catarina
Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, lembrou a proposta para a
criação de juízos especializados para julgar o crime público e recordou que os socialistas estavam a apresentar uma
ideia que tinham chumbado nesta legislatura. Com efeito, O BE fez esta
proposta, levou-a ao Parlamento e ela foi chumbada. Todos os outros partidos
votaram contra (não há enquadramento constitucional,
segundo dizem). E a coordenadora do BE vincou, na apresentação da lista de candidatos às
legislativas pelo distrito de Setúbal: “Por
uma vez, ainda bem que o PS recuou”. E acrescentou:
“Precisamos de uma articulação entre
juízos e magistrados formados para compreenderem o fenómeno complexo que é a violência doméstica, garantindo que as
decisões são coerentes e não põem em perigo as vítimas por serem
desarticuladas”.
A líder bloquista lembrou que há outras medidas que o partido quer ver
implementadas numa nova legislatura e que foram chumbadas no decurso desta. E afirmou
“É crucial dar o estatuto de vítima de violência doméstica às
crianças que presenciem situações de violência porque elas próprias
são vítimas dessa brutalidade”.
A meio do mês de julho, aquando da apresentação do seu programa para as Legislativas,
o PCP incluía nas suas propostas a
intenção de “prevenir, sinalizar e
proteger contra a violência doméstica”. Para o partido de Jerónimo de Sousa, é necessário “ampliar uma intervenção de deteção,
sinalização e proteção das mulheres que vivem em contexto de violência
doméstica, a partir de uma estrutura desconcentrada e articulada, com o reforço
dos meios necessários aos serviços que intervêm neste domínio”.
Por sua vez, o PEV quer a “valorização
das mulheres no mercado de trabalho”, incluindo “o estabelecimento de quotas na
administração púbica para vítimas de violência doméstica, em que para cada
cinco lugares um deles possa ser para uma pessoa nessas circunstâncias”,
bem como a formação dos intervenientes nos processo e a “avaliação
regular” do sistema para “perceber e identificar falhas”.
O PSD propõe “mais apoio técnico e parcerias entre entidades científicas e tribunais
e menos comissões”, bem como maior “articulação” entre as várias
entidades envolvidas em processos desta natureza, uma “maior celeridade nos crimes de violência doméstica”, uma “definição
de um novo protocolo no acesso às casas de abrigo”, que, na sua ótica, “devem
ter caráter excecional e temporário”.
O CDS entende que os tribunais têm de ser céleres, eficazes e com uma maior
preocupação com a vítima. Por outro lado, é necessária uma maior
“sensibilização e prevenção nas escolas”, com especial atenção na violência no
namoro. E, além do combate à violência contra as mulheres, pensa que é também
necessário olhar para violência contra os homens.
E o PAN pretende a extensão de apoios em especial às vítimas de agressão sexual; propõe a
criação de “uma Secretaria de Estado para a Terceira Idade ou para a Pessoa Idosa”;
quer reformas no sistema de justiça e na educação; releva o “apoio
psicológico alargado a profissionais e não apenas para vítimas”; e reclama a
“criação de salas para as vítimas de todos os tipos de crime” nas instituições
que lidam diretamente com elas.
***
À margem das promessas eleitorais, sabe-se que os magistrados passam a ter
a formação obrigatória em direitos humanos e violência. A medida foi aprovada
por unanimidade no Parlamento, a 19 de julho, e indica que as ações de formação
contínua podem ser de âmbito genérico ou especializado, podendo ser
especificamente dirigidas a determinada magistratura. Diz a lei em vigor:
“Devem incidir obrigatoriamente na
área dos direitos humanos e, no caso de magistrados com funções no âmbito dos
tribunais criminais e de família e menores, obrigatoriamente sobre violência
doméstica”.
A formação tem de incluir o estatuto da vítima, formas de proteção específica
e vítimas idosas e especialmente vulneráveis, medidas de coação, penas
acessórias, violência vicariante e promoção e proteção de menores. Mas o
Diretor do CEJ está atrapalhado, pois não planificou a formação tendo em conta a
lei. Só em Portugal. E a violência não pode estar na moda!
2019.09.17 – Louro de Carvalho
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