Passou, no passado dia 15 de setembro, o 40.º aniversário
da Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, pela qual foi criado, “no âmbito do Ministério
dos Assuntos Sociais, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo qual o Estado assegura o direito à proteção da saúde,
nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Ora a CRP estabelece no seu art.º.
64.º que “todos
têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover” (n.º1) e que o direito à proteção da
saúde é realizado (vd n.º 2), “através de
um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas
e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito” (alínea
a); e “pela criação de condições económicas,
sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da
infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições
de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva,
escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e
de práticas de vida saudável” (alínea b).
E o
mesmo artigo da CRP, no seu n.º 3, estabelece que incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os
cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina
preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente
cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua ação para a
socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas
empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de
saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas,
adequados padrões de eficiência e de qualidade;
e) Disciplinar e controlar a produção,
a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e
farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;
f) Estabelecer políticas de prevenção
e tratamento da toxicodependência.
Mais o n.º 4 do mesmo
artigo estabelece
que “o serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada”.
Pela leitura deste artigo pode ver-se quão longe
estamos destes parâmetros constitucionais. O SNS é cada vez mais proibitivo e
tendencialmente mais caro para o utente. Medicina preventiva nem vê-la. “Adequados padrões de eficiência e de
qualidade nas instituições de saúde públicas” – com infindas listas de
espera, poupança sobre poupança em recurso, falta de pessoal crónica, ambiente
pesado e degradado, míngua de medicamentos, não aprovação de novos medicamentos
para doenças hoje curáveis, etc. – só poeticamente se podem proclamar. E as
instituições de saúde privadas servem até onde o negócio render e vivem a, pelo
menos, 25% dos potenciais utentes do SNS.
***
Não obstante, a Ministra da Saúde proclama que o SNS é âncora para os
portugueses e sabe resistir às pressões. É efetivamente, para a governante, um serviço público
“resistente às dificuldades e às pressões”, funcionando como “um valor seguro” na
vida dos portugueses.
Marta Temido entende que o SNS se tornou, ao longo de 40 anos, um valor
seguro e ancorante, apesar das dificuldades. E, em entrevista à Lusa, afirmou que “o fim do Serviço Nacional de Saúde é uma impossibilidade constitucional”.
No dia em que se assinalou o 40.º aniversário do SNS, Marta Temido afirmou
que o serviço público de saúde “soube ganhar a simpatia e a confiança dos
portugueses”. E vincou:
“Hoje é claro que o SNS pode sofrer modificações, que pretendemos que nunca afetem os
seus princípios essenciais, mas não pode ser posto em causa, a menos por
alteração constitucional. Coisa diferente é a sua eventual descaraterização,
que é muito mais subtil, insidiosa e muito mais preocupante. É contra isso que
temos de trabalhar.”.
É claro que surgem novos desafios face à evolução do mundo e um dos
desafios, como acentua a ministra, é manter a cobertura populacional,
sobressaindo como exemplo de faceta deste desafio o “elevado número” de estrangeiros
ou não residentes que têm procurado cobertura nos cuidados de saúde primários. A
governante, sublinhando que o “SNS é para
todos” e que a saúde individual, além de um direito humano, é uma questão
que afeta também a saúde coletiva, acentua com determinação:
“Temos um número significativo de
estrangeiros à procura de médico de família, é um desafio acrescido. Mas
o SNS está cá para garantir cuidados a todos. Isso é uma forma de preservar a
essência do SNS.”.
Há presentemente cerca de 600 mil pessoas sem médico de família. E diz a Ministra
que 98% dos portugueses têm médico atribuído, mas são apenas 94% os inscritos
nos centros de saúde sem médico, uma diferença que está ligada precisamente aos
cidadãos estrangeiros que têm procurado os serviços de saúde.
E Marta Temido recorda que, passadas 4 décadas, as exigências ao SNS
mudaram também pelo contexto demográfico e pelo tipo de patologias, com maior
carga de doença crónica. E frisa que, além disso, as expectativas das pessoas se alteraram: “os cidadãos tornaram-se mais exigentes e informados e isso traz pressão
para a capacidade de resposta e
para as respostas em termos de tempo e de qualidade, que é muito distinta da
que era há 40 anos”.
Utilizadora e defensora do serviço público de Saúde, Marta Temido entende o
SNS como sinónimo de democracia e como “um
dos melhores garantes de uma sociedade mais justa, mais coesa e progressista”.
O 40.º aniversário do SNS aconteceu a poucas semanas as eleições
legislativas, o que, segundo a governante, justifica que não seja realizada comemoração
“mais marcante ou festiva”. Não obstante, observa que, durante o ano, várias
unidades de saúde e instituições têm tido eventos que assinalaram os 40 anos do
SNS, que foi também comemorado com o lançamento de um livro e de selo
comemorativo. E, valorizando o facto de se ter aprovado neste 40.º aniversário
da criação do SNS a nova Lei de Bases da Saúde, afirmou na entrevista à Lusa:
“O mais importante deste ano foi a
coincidência entre os 40 anos e aprovação de uma nova Lei de Bases da Saúde (…)
Foi uma coincidência feliz, não apenas pela Lei de Bases como está em Diário da
República, mas por aquilo que agora importa fazer para a desenvolver e que será
muito trabalho para um novo Governo, para, por exemplo, a regulamentação da
dedicação plena [dos profissionais], pelas parcerias e pela relação
público-privado.”.
***
Hoje, dia 17, a Ministra da Saúde presidiu à cerimónia de encerramento das comemorações dos 40 anos
do SNS, que decorreram no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra,
cerimónia em que foi apresentado o livro “40
anos do SNS”, da autoria da antiga jornalista Maria Elisa Domingues, pelo
antigo Ministro do Trabalho e Segurança Social Bagão Félix e por Isabel Soares.
E a cerimónia incluiu o lançamento do selo comemorativo dos 40 anos do SNS.
Na predita sessão, Marta temido referiu que o SNS precisa de melhorar a qualidade de acesso, de motivar os profissionais de
saúde e aumentar a sua produtividade e de reforçar o investimento. Foram,
efetivamente, estes os três desafios que a governante diagnosticou durante a sua
intervenção, salientando:
“Apesar da relevância do caminho percorrido
e das suas conquistas, a forma mais importante de comemorar o 40.º aniversário
do SNS será prepará-lo para o futuro. Ao longo dos últimos 40 anos a
sociedade portuguesa modificou-se profundamente e essas modificações colocam
novos desafios à sua organização.”.
O primeiro desafio prende-se “com o envelhecimento
demográfico, com as alterações epidemiológicas e as multimorbilidades”,
diagnosticou Marta Temido, referindo que esta conjugação de fatores tem gerado
uma “procura crescente” na procura de cuidados de saúde. De facto, entre 2015 e
2018, o número de inscritos para consulta hospitalar através dos cuidados de
saúde primários cresceu cerca de 5% e o de inscritos para cirurgia cerca de 7%.
E a Ministra discorreu a propósito:
“A resposta a este desafio
implica melhorar a qualidade de acesso, continuando o investimento nos cuidados
de saúde primários, conferindo-lhes meios mais diferenciados para
responder em proximidade às necessidades, em articulação com as autarquias, e
apostando na redução das listas de espera e introdução de cuidados de literacia
para a adoção de estilos de vida saudáveis”.
Ante uma plateia repleta, em que se encontravam vários antigos ministros da
saúde, a governante observou que é preciso motivar os profissionais, aumentando
a sua produtividade, e que a “capacidade de superar os
desafios que o SNS enfrenta envolve compromissos de todos os atores” e implica
mais investimento. Depois, sublinhou no atinente ao que é preciso considerar:
“Da mesma forma que - para aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde foi essencial a
capacidade de trabalhar em conjunto e gerar entendimentos – melhorar a
qualidade do acesso, estimular e motivar o orgulho pelo trabalho no SNS e
planear e investir com rigor exigirá diálogo e transparência sobre o que nos
move”.
Segundo a Ministra, o SNS não é “só um prestador de serviços, ele é sobretudo um instrumento de combate
às desigualdades e de reforço da coesão social”, cuja melhoria “cabe a todos”.
Por fim,
a Ministra garantiu que o seu
ministério está “empenhadíssimo” em contrariar a falta de medicamentos nas
farmácias portuguesas”. Respondeu, assim, à denúncia de 70 associações de doentes, que
enviaram uma carta ao Infarmed a alertar para a “realidade assustadora” de
pessoas que não encontram medicamentos nas farmácias, incluindo doentes cujo
estado de saúde se tem agravado por causa disso, e à não aprovação de fármacos
inovadores.
É uma
situação que nos preocupa imensamente e que estamos empenhadíssimos em
contrariar”, vincou Marta Temido, no final da cerimónia de comemoração dos 40
anos do SNS. E disse:
“Temo-nos deparado com situações de falhas e
algumas ruturas no acesso ao medicamento e foi por isso que introduzimos alterações
legais recentes”.
Em declarações
aos jornalistas, a Ministra disse conhecer o teor da predita carta e adiantou que o Infarmed vai receber as
associações de doentes para discutir as dúvidas e as questões
suscitadas. Com efeito, pela carta, a que a agência Lusa teve acesso, as associações de doentes que integram a
Convenção Nacional de Saúde referem, em especial, os medicamentos para o cancro
e lamentam a demora na aprovação de medicamentos inovadores.
***
Recorde-se
que susodita Lei n.º 56/79, de 15 de
setembro, aprovada a 28 de junho de 1979 e promulgada no dia 21 de julho, garante
o acesso ao SNS, “a todos os
cidadãos, independentemente da sua condição económica e social”, bem como “aos estrangeiros, em regime de reciprocidade, aos
apátridas e aos refugiados políticos que residam ou se encontrem em Portugal”. É
certo, que um ano antes, António Arnaut, Ministro dos Assuntos Sociais,
determinara, por despacho, que todos os cidadãos tinham direito a assistência médica
e medicamentosa a prestar pelos serviços de saúde. E foi este o embrião do SNS.
A garantia de
acesso ao SNS “compreende o acesso a todas as prestações abrangidas pelo SNS e
não sofre restrições, salvo as impostas pelo limite de recursos humanos, técnicos
e financeiros disponíveis”; e o SNS “envolve todos os cuidados integrados de
saúde, compreendendo a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o
diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social”.
Mais ficou estabelecido
que os utentes do SNS têm direito a: cuidados de promoção e vigilância da saúde
e de prevenção da doença; cuidados médicos de clínica geral e de
especialidades; cuidados de enfermagem; internamento hospitalar; transporte de
doentes quando medicamente indicado; elementos complementares de diagnóstico e
tratamento especializados; suplementos alimentares dietéticos; medicamentos e
produtos medicamentosos; próteses, ortóteses e outros aparelhos complementares
terapêuticos; e apoio social, em articulação com os serviços de segurança
social.
***
Pelos vistos,
há muito caminho a percorrer e parece que até temos regredido nalguns aspetos,
enquanto o negócio privado cresce e desafia, vivendo também dele, o SNS em
qualidade.
É precisa
vontade política e investir num bem essencial, a saúde de todos os cidadãos (sem excluir
idosos e marginados) desde a conceção
até à tumba!
2019.09.17 –
Louro de Carvalho
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