O Parlamento
britânico foi suspenso, por decreto régio, a pedido de Boris Johnson, no dia 9
até ao dia 14 de outubro, dia
em que retoma os trabalhos com o tradicional discurso da Rainha Isabel II, com
o programa do Governo britânico. A medida enfureceu
os partidos da oposição, que acusam o Primeiro-Ministro de querer apenas
limitar a ação dos deputados para travar uma saída da União Europeia sem
acordo, evitando ainda dar contas dos progressos feitos pelo executivo sobre a
matéria.
A suspensão
do Parlamento por cinco semanas entrou em vigor no final da sessão parlamentar
do dia 9, que terminou com muitos protestos, precisamente por causa da decisão.
Deputados dos partidos da oposição tentaram impedir que a cerimónia que encerra
os trabalhos até ao discurso da rainha, a 14 de outubro, continuasse – chegando
mesmo a provocar um pequeno confronto físico junto ao speaker, John Bercow. E o
próprio Bercow acabou por quebrar o protocolo e fez uma curta declaração, antes
de seguir no cortejo, em direção à Câmara dos Lordes. O speaker da Câmara dos
Comuns disse compreender os protestos, na maioria de deputados trabalhistas e dos
escoceses do SNP, porque a suspensão imposta “não é normal”.
Um tribunal escocês
sentenciou, na semana passada, que a suspensão não tinha nada de ilegal. Porém, o principal tribunal de recurso civil da Escócia
decretou que a decisão do Primeiro-Ministro Boris Johnson de suspender o
Parlamento britânico durante cinco semanas é ilegal. Os juízes dizem que Boris Johnson quis apenas impedir
o parlamento de travar um no deal. Ou
seja,
os três juízes explicam que a suspensão – a chamada “prorrogação” – foi
motivada pelo desejo do Primeiro-Ministro de “bloquear” o Parlamento; e, como tal, consideraram-na “ilegal
e sem efeito”.
Enquanto o Governo,
desapontado, diz que vai recorrer, a oposição exige sessão parlamentar imediata
e pede demissão do PM por ter enganado a rainha.
Na verdade,
o Supremo Tribunal Civil da Escócia diz que a decisão de suspender o Parlamento
britânico durante cinco semanas é ilegal e, por isso, “nula e sem efeito”. A
sentença foi conhecida hoje, dia 11, e o Governo prepara-se para apresentar
recurso, o que fará com que a suspensão se mantenha. Será assim pelo menos até
ao próximo dia 17, data em que o recurso do executivo vai ser discutido no
Supremo Tribunal do Reino Unido.
Na
decisão, citada pela Sky News,
os três juízes apontam dois problemas nas verdadeiras razões que levaram
Johnson a avançar para a suspensão do Parlamento: a medida foi imposta para “prevenir ou impedir o Parlamento de legislar
sobre o Brexit” e para “permitir ao
executivo seguir uma política de no
deal, sem qualquer interferência parlamentar”. “A prorrogação foi
motivada pelo objetivo impróprio de criar obstáculos ao Parlamento e isso, tal
como o que se seguiu, é ilegal – dizem.” Assim, os juízes concluem categoricamente
que houve “uma falha clara no cumprimento dos princípios gerais de
comportamento das autoridades públicas”.
***
Na reação à
sentença, a Primeira-Ministra da Escócia defendeu que o Parlamento
deve ser chamado de imediato, “para permitir que o trabalho essencial de
escrutínio continue”. E Nicola Sturgeon considera que a posição do número
10 de Downing Street é “lamentável,
patética e desesperada”, por pôr em causa a imparcialidade dos juízes
escoceses.
A meio da
manhã, o The Sun citava uma fonte do
executivo que lembrava que, na semana passada, um tribunal de Londres não
considerou ilegal a suspensão do Parlamento, numa outra ação que lhe fora
apresentada, pelo que “os ativistas
escolheram os tribunais escoceses por alguma razão”.
O remoque foi
criticado, de imediato, pelo antigo chefe de gabinete de Theresa May. No
Twitter, Gavin Barwell aconselhou os conservadores a não sugerirem que os
juízes escoceses são influenciados por posições políticas, dizendo que isso
“não é sensato”. E o Ministro da Justiça veio moderar o tom do Governo e dizer
que confia plenamente nos magistrados da Escócia. Com efeito, Robert Buckland escreveu
no Twitter:
“Os nossos juízes são reconhecidos em todo o
mundo pela sua excelência e imparcialidade e eu tenho total confiança na sua
independência em todos os processos”.
Também na
sequência da decisão judicial, Dominic Grieve, antigo procurador-geral
britânico, defendeu que Boris Johnson deve demitir-se, caso tenha enganado a
rainha na explicação que deu a Isabel II para pedir a suspensão do parlamento.
O antigo conservador – expulso do partido na semana passada por ter votado
contra o Governo – diz que o Primeiro-Ministro estará numa situação
insustentável: “Qualquer membro que
acredita na nossa Constituição diria simplesmente ‘acabou'”. Grieve também
entende que o Parlamento deve regressar de imediato para estar pronto a retomar
os trabalhos nas próximas 24 horas.
Na mesma linha,
o Lib Dem sustenta que Johnson pode ser forçado a sair, caso tenha mentido à
rainha sobre as razões para a suspensão. À BBC
News o número dois dos liberais-democratas disse que “se se descobrir que [o Primeiro-Ministro] enganou a rainha, toda a
nação ficará chocada e alarmada”. E Ed Davey explicou:
“Este é um PM que já sabemos que disse que poderia
desrespeitar uma lei do Parlamento, por isso está a agir da forma mais
vergonhosa. Agora pode ser o Supremo Tribunal, na próxima semana, a revogar
essa decisão.”.
Já antes, Keir Starmer, o ministro-sombra dos liberais-democratas para o
Brexit, tinha dito que a decisão do tribunal escocês era “altamente embaraçosa para Boris Johnson e para o seu Governo” e que
as implicações da sentença “não devem ser
subestimadas”: “A suspensão do Parlamento
foi considerada ilegal e o Governo tem de agir de acordo com isso”.
Apelidando
de “poderoso” o julgamento, visto os juízes terem considerado que o motivo que
o primeiro-ministro usou para suspender o Parlamento não foi o verdadeiro é “muito
pouco comum para um tribunal”, aduziu que eles não teriam feito isso se não
houvesse provas concretas e defendeu o regresso imediato aos trabalhos do
Parlamento.
E Tom Brake
referiu:
“A prorrogação do Parlamento nunca foi mais
que uma tomada de poder. Foi uma ação autoritária de Boris Johnson, desenhada
para passar por cima e silenciar o povo e os seus representantes e para forçar
um Brexit sem acordo desastroso para o país.”.
A reação do
Lim Dem surgiu depois de o Partido Trabalhista, pela voz do ministro-sombra
para o Brexit, ter exigido a Boris Johnson que convoque “imediatamente” os
deputados a Westminster “para poderem decidir o que fazer” depois desta
decisão, pois era óbvio para todos que a suspensão do Parlamento neste momento
crucial era uma decisão errada. E o Primeiro-Ministro não estava a falar
verdade sobre o porquê de o estar a fazer. “A
ideia de suspender o Parlamento ofendeu todos em todo o país. As pessoas
sentiram que não lhes estavam a contar a verdade.” – disse.
Também o SNP
(sigla
inglesa de: Partido Nacionalista Escocês) defende o regresso imediato do parlamento. Ian
Blackford enviou uma carta a Boris Johnson a exigir que os deputados
voltem ao trabalho em Westminster, sem esperar pela decisão do Supremo Tribunal
sobre o recurso do Governo. O líder parlamentar dos escoceses diz que o
Primeiro-Ministro está a deitar abaixo a democracia.
São vários
os deputados da oposição que, no Twitter, aplaudem a sentença e exigem a
reabertura do Parlamento. Um dos 75 deputados (de diferentes partidos) que avançaram com a ação contra o Chefe do Governo
já tinha sublinhado que “hoje devia estar no Parlamento” e não no tribunal à
espera da decisão. Outros preparam-se já para o próximo dia 17, altura em que o
recurso do Governo vai ser avaliado pelos juízes do Supremo Tribunal do Reino
Unido, a instância judicial mais alta do país. E alguns juntaram-se em frente do
Parlamento, num miniprotesto, para dizerem que estão prontos para voltar ao
trabalho. Entre os cerca de 30 manifestantes estavam representantes de vários
partidos, mas nenhum do Partido Conservador.
Porém, os
pedidos podem ser simplesmente ignorados pelo Governo. O porta-voz do speaker
da Câmara dos Comuns, citado pelo The
Guardian, deixou claro que qualquer decisão para acelerar a reunião do Parlamento
durante a suspensão cabe apenas ao executivo.
***
Enquanto a oposição aplaude a decisão do Supremo
Tribunal Civil da Escócia, o Governo mostra-se “desapontado” e insiste que a decisão
que tomou é legal.
O processo
entrado tribunal foi apresentado por um grupo de 75 deputados de diferentes partidos,
incluindo Joanna Cherry, do SNP, que desafiaram
a legalidade da decisão do Primeiro-Ministro conservador. Numa primeira decisão, o juiz Doherty recusou a
queixa, alegando que a suspensão do Parlamento era uma questão política e que
não cabia à justiça avaliá-la. Hoje, porém, três outros magistrados
discordaram, considerando a suspensão ilegal.
Em
comunicado, o SNP juntou outras declarações de Cherry. A deputada diz que foi
possível, com a ação judicial, encontrar “mais e mais provas de que isto foi
uma conspiração de Boris Johnson e dos seus parceiros para nos impedir de os
travarmos no plano de a tirar a Escócia e o Reino Unido abaixo de um precipício
do Brexit, forçando uma saída caótica contra a vontade do Parlamento”. E acrescenta:
“Esta decisão deixa-nos um passo mais perto
de garantir que o Governo britânico cancela esta sua prorrogação vergonhosa.
Boris Johnson não pode ser autorizado a violar a lei de forma impune.”
A pari, deixou “um grande ‘obrigada’ aos
nossos apoiantes e à nossa fantástica equipa legal que conseguiram a decisão
que a suspensão é ilegal”
Um porta-voz
de Downing Street já veio dizer que o executivo está “desapontado” com a
decisão dos magistrados escoceses, insistindo que a suspensão foi “a forma
legal e necessária” para avançar com “uma agenda legislativa doméstica forte”. E
o Governo acredita que a sentença escocesa é mais política que judicial.
Esta
sentença anula uma anterior do mesmo tribunal, que na semana passada decretara
que Boris Johnson não tinha violado a lei ao suspender o parlamento até 14 de
outubro. Mas não vai ter efeito imediato na suspensão do Parlamento, que teve
início na madrugada do doa 10, pois o Governo britânico já anunciou que vai
recorrer para o Supremo Tribunal para contestar esta última decisão que
contraria também uma anterior, de um tribunal inglês, a favor de Johnson.
***
Enfim,
parece que o Parlamento vai acabar por ganhar a batalha. Mas é desconcertante
ter de ser o poder dos tribunais superiores a salvar a democracia formal britânica.
E a Boris Johnson não resta outra via que não seja a demissão, pois, para poder
afrontar o Parlamento, enganou a rainha, o símbolo máximo do reino-nação.
2019.09.11
– Louro de Carvalho
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