sábado, 3 de junho de 2017

“Não rejeiteis Cristo, para não rejeitardes a paz”

É o brado de Dom Manuel da Silva Rodrigues Linda, Bispo da diocese das Forças Armadas e das Forças de Segurança, também conhecida por Ordinariato Castrense, que presidiu à Peregrinação Militar Nacional a Fátima de 2017, que decorreu nos dias 1 e 2 de Junho.
Milhares de militares e de polícias, dos vários ramos das forças armadas e de segurança nacionais, como o Exército, a Marinha, a Força Aérea, a GNR, a PSP e a Autoridade Marítima Nacional, bem como muitos dos civis que servem estas mesmas estruturas e respetivas famílias, marcaram presença neste evento pastoral de espiritualidade e de fé pessoal e comunitária.
A peregrinação  contou com militares da CPLP (Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa) e da NATO, na tentativa de “internacionalizar” o evento para que ele, “num futuro próximo”, possa “mobilizar” ainda mais participantes, correspondendo ao desejo publicamente formulado por Dom Manuel Linda, na peregrinação de 2017, de fazer desta peregrinação militar nacional a peregrinação militar de toda a lusofonia. E nela estiveram presentes, entre outras entidades, o Ministro da Defesa Nacional, Prof. Doutor Azeredo Lopes; o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, general Artur Neves Pina Monteiro, e os Chefes dos Ramos e das Forças de Segurança; o Núncio Apostólico (representante da Santa Sé) em Portugal, Dom Rino Passigato; e diversos bispos (14) e vigários gerais provenientes de Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e da NATO, responsáveis pela ação da Igreja Católica no meio militar e policial. Constitui o facto já uma boa semente de concretização do desejo acima aludido do nosso Ordinário Castrense.
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Em entrevista à agência Ecclesia, no âmbito da peregrinação que terminou no dia 2, na Cova da Iria, Dom Manuel Linda, recordando os “180 militares” que se encontram na República Centro Africana, elogiou o contributo dado pelos militares portugueses para a resolução de conflitos que estão a surgir no mundo “de maneira desastrosa e assustadora” e declarou a sua satisfação pela resposta das tropas lusas, nos vários focos de conflito a que têm sido chamadas:
Vejo-o [o contributo] com todo o orgulho, no sentido de me dar conta que se cumpre aquilo que ao fim ao cabo é a nossa aspiração: que os militares e os polícias sejam grandes agentes de paz”.
Anote-se que, recentemente, em meados de maio, os comandos portugueses ao serviço das Nações Unidas na República Centro Africana tiveram ação decisiva no resgate de muitos civis em Bangassou, incluindo do bispo local, Dom Juan Aguirre Muñoz, das mãos de guerrilheiros. E o Bispo das Forças Armadas e de Segurança interroga-se:
No contexto onde as nossas tropas estão, o bispo é espanhol, e ele tem-me dito que, se estão vivos, deve-se grandemente às forças armadas portuguesas. E tantas outras pessoas, concretamente de religião muçulmana, que foram salvas por ele, bispo, e pelas Forças Armadas Portuguesas. Isto não é paz? Então o que o é?”.
Sobre a Peregrinação, que pretendeu assinalar o Centenário das Aparições de Fátima (1917 – 2017), com especial relevo, embora contido, para as antecedentes aparições do Anjo-custódio, o Bispo Castrense realçou como mensagem principal o convite a “guardar um lugar para Deus na existência” de cada um e a abrir-se ao serviço ao próximo, pois, segundo sustenta o prelado,
Os homens e mulheres que servem as Forças Armadas e de Segurança, muitos dos quais profundamente religiosos, têm que estar sempre despertos para esta necessidade”.
Por seu turno, o Padre Guilherme Guimarães Peixoto, capitão-capelão na Escola dos Serviços na Póvoa de Varzim e no Regimento de Transmissões no Porto, do Exército, realçou o sentimento especial de “vir à Casa da Mãe”, em Fátima, apontando:
Temos muita confiança em Maria, a fé é grande e a peregrinação militar significa vir à Mãe fazer o que ela nos pediu que é rezar pela paz no mundo. E os militares são os primeiros interessados em que a paz exista.”.
Também o coronel João Pires, da Força Aérea, sublinhou a relevância deste evento, enquanto “manifestação” do desejo que os militares têm para esse mundo mais pacífico, declarando:
A sensibilização que nós próprios temos e aquela que tentamos que outras pessoas possam ter, o desejo último é que haja, de facto, uma paz que seja transversal e em todos os lugares”.
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A Peregrinação Militar Nacional ao Santuário de Fátima começou no dia 1, às 17 horas, com a via-sacra nos Valinhos, em direção ao Calvário Húngaro, onde teve lugar uma “catequese do Centenário”, seguida de confissões. O programa prosseguiu à noite com a recitação do terço e uma procissão eucarística, no Recinto de Oração do Santuário.
No dia 2, o ato litúrgico mais relevante foi a celebração da Eucaristia na Basílica da Santíssima Trindade. No início da Eucaristia, depois da saudação do Presidente, o Núncio Apostólico, Dom Rino Passigato,  leu a mensagem que o Papa Francisco enviou a todos os participantes nesta manifestação de fé, em que apelou a todos os que trabalham nas Forças Armadas e de Segurança a que não deixem petrificar o coração, frisando:  
É preciso resgatar a própria alma das algemas que a prendem e o coração dos sentimentos que o petrificam e quando todos os meios parecem falhar, voltem-se para Deus,  o único capaz de transformar o coração de pedra num coração de carne”.
Pedindo aos militares e polícias que vejam no outro uma “pessoa dotada de dignidade criada por Deus à sua imagem”, Francisco recomenda:
Nunca se cansem de pensar que cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Deus criou-nos como uma esperança para os outros, uma esperança real.”.
Mesmo “imersos” em lógica de guerra, o Papa pretende que os militares “nunca cedam à tentação” de considerar o outro só como inimigo e a ser destruído, porque se trata de uma “pessoa dotada de dignidade criada por Deus à sua imagem”. Com uma “saudação grata e encorajadora”, o Pontífice observou que Fátima é um lugar “de paz e perdão” onde se torna “mais fácil ouvir a mensagem do Pai do céu” que chama os filhos e filhas “à reconciliação com ele e com os irmãos”, sustentando que “acolher esta chamada é proveitoso e necessário, pois o contexto de guerra ou guerrilha para que são preparados, e onde tantas vezes morrem, é em si mesmo desumanizador”. E há que inverter a postura de um mundo que “se recusa a aprender” com os seus próprios erros “causados pela lei do terror”. Como sinal encorajador, Francisco concluiu a mensagem com a sua “bênção apostólica” a todos os participantes na Peregrinação.
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Na homilia, o Bispo das Forças Armadas e de Segurança lembrou o valor da paz a que nos convoca a oração em Fátima e desafiou os “verdadeiros homens da paz” para “o amor de Deus”, pois, como acentuou,
Só o Amor garante o bem comum. O terrível século XIX negou a Deus o lugar de cidadania. Curiosamente, a pretensa morte de Deus acabou por constituir a efetiva morte do Homem.”.
Dom Manuel Linda – depois de afirmar que todos os militares e agentes de segurança devem ter presente a ideia de que “é por amor ao próximo” que lhe asseguram “a legítima defesa” e que “exercem a sua missão em nome do bem comum”, dedicando-se  “aos irmãos com a generosidade das mães e com a grandeza dos mártires” – parece ter querido definir-lhes a missão na esteira das aparições do anjo, quando apelou: “Caros militares, assumi esta posição de anjos custódios de Portugal” e Não rejeiteis Cristo, para não rejeitardes a paz”.
Comentando a passagem do Evangelho João em que Jesus solicita a Pedro a tríplice confissão de amor ao Mestre para receber o mandato de pastorear os cordeiros e as ovelhas do rebanho de Cristo (cf Jo 21,15-23), o prelado começou por evidenciar a estranheza da perícopa, que não questiona a capacitação em técnicas pastorais, mas apenas só a confissão de amizade. Porém, acaba por reconhecer no texto a marca do ser cristão e membro da Igreja. E esta não é “uma qualquer sociedade produtora de bens ou serviços”, mas “o lugar da confiança e da entrega total e a pátria onde o amor declarado e vivido se torna única Constituição e única lei”.
Reportando-se ao ano de 1917, no âmbito do centenário das aparições, põe em contraste com o mundo em guerra – no quadro de carnificina (carnificina inútil duma sociedade que se aniquila e autodestrói”) ou de morte efetiva do homem que proclamara no século XIX a morte de Deus – o desafio lançado do céu aos pequenos pastores da oferta pessoal das suas vidas “como ato de reparação pelos pecados da humanidade, atraindo, assim, a paz para o mundo”.
No horizonte da confissão de Pedro e da mensagem de Fátima, o prelado interpela os militares e polícias como servidores da paz, nos termos seguintes:
“Tal como se esperava no interrogatório de Jesus a Pedro, certamente, hoje, o Senhor não pergunta aos militares e polícias: Estás bem treinado? Conheces as estratégias e as táticas da guerra? Que materiais empregas para imobilizar o inimigo? Mas certamente pergunta antes: é por amor ao teu próximo que lhe asseguras a sua legítima defesa? Exerces a tua nobre missão apenas motivado pela preocupação do bem comum? Dedicas-te aos teus irmãos com a generosidade das mães e a grandeza dos mártires?”.
Depois, explica as razões por que não é “fácil responder a tais perguntas fora da envolvência de um amor de Deus livremente aceite e intensamente vivido”:
“No dizer da Bíblia, só Jesus ‘é a nossa paz’ e, como tal, só Ele pode dizer as palavras que se escutam em todas as Missas: ‘Deixo-vos a paz. Dou-vos a minha paz’. Assim sendo, a paz tem mais de dádiva divina do que de conquista humana: é participação no ser de Deus. Depois, […] a paz possui um cunho fortemente messiânico: onde estiver Cristo está a paz; onde Ele for rejeitado, rejeita-se a paz. Cada vez mais historiadores apontam a grande guerra como ponto de chegada do positivismo, do naturalismo, do ateísmo e do agnosticismo largamente difundidos e ‘impostos’ na Europa do século XIX.”.
Mas no discurso do prelado castrense bailam mais razões. É que a paz tem “uma configuração ético-social”: é um “projeto, sã utopia, empenho” que diz respeito “a todos os homens e ao longo de toda a existência”. E, “se esta tarefa, sempre em aberto, é de todos, muito mais o é dos militares e polícias”, que, à semelhança do anjo de Fátima, se podem assumir “como os verdadeiros anjos da paz, os anjos-custódios de Portugal”.
Ademais, a paz não é “produto de supermercado” a retirar da prateleira para meter no carrinho, mas a “tarefa árdua” de estabelecer
“A justiça social, o desenvolvimento integral, os direitos humanos religiosamente respeitados, a solidariedade como normativa social, o respeito do meio ambiente como responsabilização pela nossa casa comum, a veracidade da informação como garantia de uma sociedade adulta e responsável”.
Assim, Dom Manuel Linda, aludindo a conhecidas expressões do Papa a denunciar “o predomínio da cultura da indiferença e do descartável” em vez das preocupações pelos que a sociedade colocou nas periferias”, interroga:
“Isso augura algo de bom? Teremos garantida definitivamente a paz quando as estatísticas nos dizem que, no nosso mundo rico – e mesmo entre nós –, há milhões na pobreza ou à beira dela e que o fosso entre ricos e pobres está a aumentar assustadoramente?”.
E o Bispo, chamando aos militares e polícias “peregrinos”, título não usual em quartel, convoca estas “sentinelas da madrugada” (expressão do Papa Francisco em Fátima) para “o amor de Deus”:
“Se a paz é a essência da mensagem evangélica, vós, ‘construtores da paz’ edificá-la-eis tanto mais quanto vos deixardes envolver pelo amor de Deus. Se acreditais na paz, fazei-a estrutura ordinária da vossa existência. Isto é, passai-a do credo à vida.”.
Depois, assegurou os peregrinos de que, na “tarefa árdua de edificar a paz”, têm a mão amiga de Maria que os “sustém e anima”. E, na esteira do Papa Francisco, proclamou: “Nós temos uma Mãe”. É Ela “que só quer o bem dos seus filhos, nos ensina a saber viver harmoniosamente com todos e de cujas mãos nos virá a paz que ansiamos”. E terminou com o voto:
Ela nos abençoe e nos constitua ‘sentinelas da madrugada’ que recebe e exulta com a luz que do Alto nos chega”.
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No final da Eucaristia, Dom Manuel Linda, pediu ao Núncio Apostólico que transmitisse ao Papa Francisco a mensagem em nome das Forças Armadas e dos polícias de Portugal:
Diga ao Santo Padre que os militares e os polícias portugueses, na sua maioria, têm fé, vivem-na na sua vida quotidiana e pautam a sua vida pelos valores da fé. Sentem-se muito honrados com as palavras do Santo Padre e continuaremos a fazer nossas as suas intenções.”.
E, assim, o braço armado do povo (incluindo os que agora sentem limitações físicas ou psíquicas), para defesa e segurança das populações portuguesas ou as dos lugares aonde os compromissos internacionais de Portugal os chamarem, puderam terminar esta jornada de fé aclamando a realeza universal de Maria, fazendo a despedida coletiva do Santuário e felicitando a Senhora pela Ressurreição de Jesus, seu Filho, no cumprimento da promessa de que havia de ressuscitar ao terceiro dia e na garantia de que todos ressuscitaremos com Ele.
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Há que, no lodaçal da indiferença, pessimismo e contenda que invade as nossas sociedades, destacar este exemplo de militares e agentes da ordem pública, para muitos dos quais a afirmação do valor, lealdade e mérito passa pela profissão da fé cristã e exercício do culto, quer público quer privado.

2017.06.03 – Louro de Carvalho 

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