quarta-feira, 28 de junho de 2017

A falência da regionalização e os incêndios florestais

Acabei de ler um artigo de José Ribeiro e Castro, na edição do Observador de 27 de junho sob o títuloOs mortos de Pedrógão e a regionalização”, a que julgo assistir alguma razão, se raciocinarmos em termos políticos de fundo.
Diz o colunista político que “os concelhos de Leiria mais atingidos (Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Castanheira de Pera) perderam, cada um deles, entre 30% a 40% da sua população desde 1981 até ao último censo de 2011” (em 30 anos) e que “desde 2011 até hoje, a PORDATA estima que cada um desses municípios tenha perdido, ainda, mais 400 pessoas cada um, ou seja, um pouco mais de 10% do que eram em 2011, quanto a dois deles, e um pouco menos de 10%, quanto ao maior (Figueiró dos Vinhos)”.
É certo que o político, que foi Presidente do CDS, não contesta as razões que soem ser indicadas com a causa dos incêndios florestais que todos apontamos – floresta desordenada, excesso de monocultura, predomínio das espécies resinosas em detrimento das folhosas, das alóctones em detrimento das autóctones, falta de aceiros, de clareiras, de cultivo de cereais de sequeiro, de charcas, de pontos de água, de estruturas e pessoal de vigilância (anuladas ou rarefeitas), de falta de meios de combate, privatização de recursos, falência dos sistemas de comunicação e de coordenação, etc. Mas Castro, quando “anda tudo de lupa, lanterna e dedo apontado em busca das culpas da tragédia de Pedrógão Grande”, aponta a Regionalização como “uma das grandes causas da desgraça”: “que não está feita e para que, entretanto, nem um sucedâneo se achou”. E explica:  
“Sobre a catástrofe acontecida, é imperioso examinar de modo exaustivo o desempenho e identificar as falhas na reação e combate ao incêndio e na proteção e socorro das pessoas. […] há que avaliar com objetividade a conjuntura muito negativa: a longa seca acumulada e condições climatéricas de extremo calor e grande perigo, bem como fenómenos meteorológicos adversos e anormais que tenham ocorrido. […] importa verificar se os avisos meteo quotidianos do IPMA não geraram o efeito complacente da habitualidade.”.
Sobre o IPMA critica os tantos alertas vermelho que levam a desvalorizar a gravidade, em moderna versão da história de “Pedro e o lobo”. De facto, o lobo vem sempre, “mas não morde”; ou então “o lobo vem e damos sempre conta dele – até que, um dia, o lobo vem, ataca, feroz, e já não conseguimos dar conta dele”. Ora, segundo Castro, “é preciso examinar tudo isso” e “responsabilizar”. Porém, sem esquecer ou subvalorizar “falhas de desempenho e erros na avaliação e informação da conjuntura”, sustenta o colunista que “é decisivo aprofundar a consciência das causas estruturais, que são da mais diversa ordem”, criticando o estafado monopólio “eucaliptoclasta”. E assegura que “sem cuidar dos fatores estruturais e tratá-los a fundo, jamais nos libertaremos deste flagelo anual”. E faz contas a partir das estatísticas:
“Todos os anos a nossa floresta arde aos milhares de hectares. As estatísticas desde 1980 mostram números demolidores: destruição de 120 mil hectares ou mais, em 1985, 1989, 1990, 1991, 1995, 1998, 2000, 2002, 2003, 2004, 2005, 2010, 2013 e 2016. Em nove destes catorze anos, arderam cerca ou mais de 150 mil hectares.”.
Apontando os anos de 2003 e 2005 como “de devastação catastrófica, com 426 mil e 339 mil hectares de área ardida, respetivamente”, diz que, em 2003, “nem o rio Tejo serviu de corta-fogo”. Nos outros 23 anos da referida série, houve 14 anos com valores menos graves, entre 50 e 110 mil hectares queimados” – e, “neste ano de 2017, já estamos aí, ainda em Junho!”. E “apenas houve 9 anos com área ardida inferior a 50 mil hectares”. Todavia, os números mais baixos de área ardida “em nenhum momento corresponderam a que tivéssemos o problema enquadrado e, muito menos, resolvido”, mas de “não termos seca acumulada e o verão ter sido mais fresco. E, evocando o filme “Paris brûle-t-il?”, de 1944, sobre a libertação de Paris, aplica o título a Portugal, não só na forma interrogativa, mas também como ato ilocutório assertivo: “Portugal está a arder”.
E esta é “a ciência certa que acumulámos nas últimas décadas, uns milhares de hectares a cada ano”. E, “independentemente do exaustivo exame urgente sobre a última aflição”, é verdade que “todos temos o credo na boca com o resto do verão ainda por diante”. E vaticina em voz alta o que todos pensam: “todos sabemos que Portugal vai voltar a arder em 2018, vai voltar a arder em 2019, vai voltar a arder em 2020”, a menos que venha “uma chuvinha” ou a seca acabe e não regrida e o verão seja fresco. Caso contrário, “o fogo vai estar aí outra vez a inundar a paisagem e as televisões, a aterrorizar populações”. E discorre:
“O problema é não confinarmos o perigo, não circunscrevermos os efeitos, não baixarmos as incidências, não diminuirmos o perímetro. O problema é não garantirmos segurança num ambiente que é de risco natural. O problema é a desordem, o desordenamento, a incúria, a pobreza, a desproteção que se arrastam, apesar de todos os relatórios, apesar de todos os planos, apesar de todos os investimentos.”.
E denuncia o quadro comparativo com anos anteriores em mortes: “o mais terrível registo do nosso fracasso enquanto Estado nunca tinham ido acima de 16”, mas agora, numa só vez, galgou para 64 vítimas (e 254 feridos), sendo 63 mortes de civis. Por isso, “estamos pior”.
Quanto a estudos e diagnósticos, reitera que “já está tudo dito”, “já está tudo escrito”, “já está tudo diagnosticado, já está tudo inventariado e proposto. E a pergunta é: “Porque não se faz?”, quando “passam os governos, mudam os ciclos políticos, mudam os governantes e outros responsáveis – e tudo continua”.
Ora, a resposta, para Ribeiro e Castro, é: “por causa da sabotagem da Regionalização”. Não só não foi feita, como nem sequer lhe foi encontrada e agilizada “uma alternativa funcional”.
O que se fez nos últimos 40 anos resultou na “destruição do patamar intermédio da nossa Administração Pública”. E explica:
“Tínhamos os distritos; e, anteriormente, as províncias ou, antes ainda, as comarcas. Hoje, não temos nada. Ora, sem esse patamar, não temos plataforma para definir, afinar e aplicar políticas territoriais.”
E Justifica:
“Os municípios estão demasiado perto, o Estado está demasiado longe. Os municípios não têm escala, o Estado sofre de gigantismo e centralismo. É isso que justifica e explica a necessidade imperiosa destes patamares administrativos intermédios, entre o plano local e o central. É conhecimento acumulado na Ciência da Administração e no Direito Administrativo. Sempre o tivemos, tanto em patamar autárquico descentralizado, como em circunscrição coerente para gestão desconcentrada das unidades periféricas do Estado.”.
E. pondo o dedo em riste, acusa:
“Nos últimos 40 anos, com o impasse da Regionalização, destruímos, por politiquices e incompetência, essa malha administrativa e tornámos mais vulnerável o território. Semeámos o deserto administrativo e fomentámos a desertificação. Procurámos atamancar o disparate com remendos variados e oscilantes, ora de uma maneira, ora de outra, agravando o caos e a descontinuidade. E, hoje, continuamos encravados, sem imaginação, nem vontade política, na paralisia impotente que resultou do referendo de 1998.”.
De facto, além das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, quiseram criar mais seis cujo termo as esfumou e deu as comunidades intermunicipais – ineficazes porque se tornaram emanação dos interesses de autarcas no poder, sem eleição direta. Que diabo! Não se deu forma de governo regional emanando duma assembleia regional eleita por sufrágio direto às cinco comissões de coordenação regional, dotando-as de maiores competências e emagrecendo em pessoal e outros recursos o poder central. Porquê?!
E Castro refere os casos do encerramento de agências da CGD na sequência de outros cortes:
“Estamos a ver a agência da CGD em Almeida a ser extinta, […] os tribunais que fecharam, […] postos de correio encerrados, […] as escolas que acabaram, […] maternidades e serviços de saúde a fechar portas, […] o país a desertificar-se, […] um território cada vez mais frágil, […] a floresta e o campo a arder todos os anos, […] o pavor de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa, […] os municípios por baixo, o Estado por cima, estamos a ver.”.
E, a propósito da “tristemente famosa EN 236-1”, imagina nostalgicamente
“Como estariam cuidadas as margens dessa estrada com o aparelho distrital da antiga Junta Autónoma das Estradas e como aconteceu agora no quadro da teia complexa e centralizada de concessionárias e subconcessionárias”.
Para Castro a principal razão por que falham “as medidas identificadas e as políticas definidas é porque desmantelámos, nestas décadas, o patamar administrativo que é indispensável para lhes dar coerência, adaptação, sequência, execução, vigilância”. Além de “não implantarmos as Regiões, trancadas há 20 anos por um referendo desastroso”, nada fizemos “em seu lugar, nem sequer estruturar a divisão distrital, como é a recomendação constitucional transitória”.
Com efeito, a CRP estabelece:
“As regiões administrativas são criadas simultaneamente, por lei, a qual define os respetivos poderes, a composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma” (art.º 255.º).
Porém, o art.º 291.º estipula:
“1. Enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido. 2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios. 3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.”.
Ora, segundo Castro, deu-se uma última machadada no pouco que havia, ao matar os governos civis, que, ao invés, deveriam ter sido organizados e fortalecidos, pois
“Tudo o que é necessário fazer quanto à floresta e aos territórios onde a floresta está, bem como às populações que vivem e trabalham nesses territórios, é expressão de uma política de território”.
E lança a pertinente interrogação:
“Como podemos desenvolver, afinar, aplicar políticas de território ou políticas de forte matriz territorial, quando arrasámos a malha territorial da nossa Administração Pública?”.
Pressupondo que é preciso resolver o problema, “de vez e rapidamente, para não continuarmos a assistir à desertificação e à destruição do território de Portugal e à morte ou abandono das populações”, sustenta que temos de implantar e organizar as “regiões, distritos, outra denominação”, não podendo “continuar com territórios sem dono, problemas e necessidades sem Administração, questões sem responsável, políticas sem agente”. Caso contrário, “compreende-se bem que alguns só fiquem, se não tiverem para onde ir”.
Nos “dias de sofrimento e de desolação nessas terras do Pinhal Interior”, Castro reconhece que se ouviram “muitos desabafos de pessoas a quem morreram familiares, amigos ou conhecidos”, a quem “arderam casas, viaturas ou alfaias, ou que viram a destruição de suas empresas e equipamentos”. E sabe que “tentarão ficar, mas não é fácil”. Por outro lado, diz que “essa sangria tem anos” e aponta como causa da quebra populacional “a gente que morreu e que não foi reposta, dada a crescente quebra geral de natalidade” ou “a gente que emigrou para as cidades ou para o estrangeiro”. E lamenta:
“Porém, os próximos que saírem agora, fustigados pela tremenda tragédia que viveram e marcados pelo trauma que os atingiu, já não serão emigrantes. Serão refugiados. É esse o país que estamos a fazer – ou melhor, o país que estamos a desfazer”.
E, para inverter consolidadamente a tendência, só vislumbra uma via – a da regionalização bem estruturada. E não deixa de ter razão. Mas que não defenda a monocultura eucaliptalizante!

 2017.06.28 – Louro de Carvalho

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