quinta-feira, 15 de junho de 2017

Angola terá a figura institucional do Presidente da República Emérito

De acordo com informação de hoje, dia 15 de junho, do site do Expresso, o Chefe de Estado angolano que cessar mandato será designado “Presidente da República Emérito”, com direito a pensão vitalícia correspondente a 90% do vencimento durante o último ano de mandato.
Com efeito, o grupo parlamentar do MPLA (do Movimento Popular de Libertação de Angola) tomou a iniciativa legislativa de apresentar um projeto de Lei Orgânica sobre o Regime Jurídico dos Ex-Presidentes e vice-presidentes da República Após Cessação de Mandato, que vai a votação final global na próxima quinta-feira, dia 22, na Assembleia Nacional.
O grupo parlamentar do partido maioritário e no poder desde 1975 refere que, a partir das eleições gerais de 23 de agosto, em Angola, o país passará a ter as figuras de ex-Presidente da República e ex-vice-presidente, por cessação de mandato eleitoral (não se recandidatam). Nesse sentido, propõe que a Assembleia Nacional aprove o diploma proposto ainda durante a presente legislatura, “de preferência antes da campanha eleitoral”.
O diploma, com quatro capítulos e 14 artigos, prevê que, após cessação de funções, o antigo Presidente da República goze de tratamento protocolar, imunidades e segurança, nomeadamente oficial às ordens, regime especial de proteção e segurança, fixado nos termos da lei. E o capítulo dedicado ao “Foro Especial” estabelece que, findo o mandato, o antigo Presidente da República passa a gozar de “foro próprio para efeitos criminais ou responsabilidade civil, por atos estranhos ao exercício das suas funções, perante o Tribunal Supremo”, no termos da lei.
Quanto à pensão vitalícia, prevê-se que aufira uma remuneração mensal correspondente a 90% do vencimento que auferia no seu último ano de mandato, atualizado automaticamente, ou uma pensão atualizada, se assim optar. Também o cônjuge receberá remuneração equivalente a 70% do vencimento do Presidente durante o seu mandato ou da respetiva pensão, se por esta optar.
O projeto de lei acautela ainda o direito à habitação, com a atribuição duma verba para manutenção e apetrechamento de residência própria, e transporte, sendo atribuída ao Presidente Emérito uma viatura automóvel de tipo não inferior a do vice-presidente em exercício para as funções oficiais deste, igualmente um motorista a expensas do Estado, substituição da viatura sempre que devidamente justificado, combustível e manutenção, bem como o pagamento do seguro de responsabilidade civil automóvel contra todos os riscos, viaturas de uso pessoal, para cônjuge e filhos menores ou incapazes a seu cargo.
Após cessação de funções, o Presidente e família, no caso de filhos menores, tem direito à assistência médica e medicamentosa gratuita, passagens aéreas em 1.ª classe e ajudas de custo, quando viajar em missão de serviço do Estado, dentro e fora do país, bem como a passagens aéreas em 1.ª classe e ajudas de custo para viagem anual de férias, dentro do país ou no estrangeiro, com direito à proteção especial, pessoal de proteção e assessoria, nas viagens, assim como proteção especial da sua residência.
E para os antigos vice-presidentes o projeto de lei propõe o disposto no capítulo I, com adaptações, como a designação de antigo vice-presidente ou ex-vice-presidente e a atribuição de uma viatura não inferior à de um ministro em exercício para as funções oficiais deste.
A estes direitos contrapõem-se os deveres de sigilo e confidencialidade da parte do ex-Presidente, do ex-vice-presidente e dos respetivos cônjuges, assim como uma limitação: ficam impedidos do exercício de cargos em entidades privadas durante o período de cinco anos, a contar do fim das funções.
Virgílio de Fontes Pereira, líder da bancada parlamentar do MPLA, esclareceu, no final da reunião dos líderes parlamentares, realizada na semana passada, que o projeto de lei abrangerá igualmente o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, e família, salientando a existência dum diploma legal que salvaguarda os direitos da família do falecido Presidente.
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A lei angolana, que será aprovada, dado provir da iniciativa do grupo parlamentar maioritário, parece excessivamente generosa, quer em termos remuneratórios quer em termos logísticos. Resta saber o que ficará reservado a ex-ministros e ex-deputados. É certo que o Estado deve tratar bem aqueles que o representaram e serviram nos maiores cargos. Todavia, é preciso, do meu ponto de vista, calibrar as regalias de ex-presidentes e ex-vice-presidentes com a situação do comum dos cidadãos, não aprofundando as desigualdades.
A este respeito, convém revisitar o nosso país no atinente às regalias dos ex-Presidentes da República. Valem as normas da Lei n.º 26/84, de 31 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 28/88, de 3 de julho, e pela Lei n.º 102/88, de 25 de agosto.
Assim, o art.º 3.º estabelece, em termos da remuneração, que “é atribuída uma subvenção mensal igual a 80% do vencimento do Presidente da República em exercício aos ex-titulares do cargo de Presidente da República eleitos na vigência da atual Constituição, a partir do termo do respetivo mandato”.
O art.º 4.º prevê uma projeção parcial desta subvenção nalguns familiares ao determinar que, “em caso de morte do Presidente da República em exercício ou ex-titular do cargo, o cônjuge sobrevivo, enquanto viúvo, os filhos menores ou incapazes e os ascendentes a seu cargo têm direito conjuntamente a uma pensão mensal de valor igual a 50% do vencimento do Presidente”.
E sobre acumulações, o art.º 5.º estabelece que “as subvenções previstas nos artigos anteriores são cumuláveis com as pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência ou a remuneração na reserva a que o respetivo titular tenha igualmente direito”.
Outras regalias para os ex-titulares do cargo de Presidente que o tenham exercido pelo tempo correspondente a um mandato vêm discriminadas no art.º 6.º: usar automóvel do Estado, para o seu serviço pessoal, com condutor e combustível; dispor dum gabinete de trabalho, com apoio de um assessor e de um secretário da sua confiança, nomeados, a seu pedido, nos mesmos termos do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de abril; auferir de ajudas de custo nos termos da lei aplicável às deslocações do Primeiro-Ministro, em caso de deslocação no desempenho de missões oficiais para fora da área de sua residência habitual; e atribuição de livre-trânsito, passaporte diplomático nas suas deslocações ao estrangeiro e uso e porte de arma de defesa.
Segundo o art.º 8.º, “aos ex-titulares do cargo de Presidente da República que não completem o mandato será atribuída uma subvenção calculada proporcionalmente ao tempo de exercício efetivo do cargo”. E o art.º 9.º retira do regime previsto na presente Lei “os ex-Presidentes da República que apenas tenham exercido interinamente o cargo, que dele tenham sido destituídos ou cuja perda do cargo tenha sido declarada pelo Tribunal Constitucional, salvo no caso de esta resultar de impossibilidade física”.
Além disso, os ex-Presidentes têm direito a segurança 24 horas por dia, sendo o grau de risco avaliado de seis em seis meses.
É ainda de assinalar que, nos termos constitucionais, os antigos Presidentes da República eleitos na vigência da Constituição que não hajam sido destituídos do cargo” são membros vitalícios do Conselho de Estado (vd alínea f do art.º 142.º da CRP; cf art.º 143.º). Por outro lado, a Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português (Lei n.º 40/2006, de 25 de agosto) dá-lhes o 6.º lugar na lista das precedências logo a seguir ao Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e ao Presidente do Tribunal de Contas (vd art.º 7.º, n.º 6).
Porém, não prevê foro especial para os ex-Presidentes. O próprio Presidente da República, no âmbito da responsabilidade criminal por “crimes estranhos ao exercício das suas funções” responde “depois de findo o mandato perante os tribunais comuns (vd art.º 130.º/4 da CRP).
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Em todo o caso, o Tribunal de Contas (TdC), na sequência de uma auditoria feita às contas da Presidência da República relativas ao ano de 2014, recomendou a Cavaco Silva que pedisse à Assembleia da República o aperto da legislação. O então Presidente reencaminhou o assunto para o Parlamento em janeiro de 2016. O pedido chegou ao gabinete do Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, no dia 18 de janeiro, e foi logo encaminhado para a comissão parlamentar de Orçamento e Finanças no dia seguinte. Caberia aos deputados seguir as indicações do TdC. Em causa, segundo a auditoria, está o facto de a regulamentação existente sobre a composição e funcionamento daqueles gabinetes previstos na lei ser “manifestamente insuficiente”. Na verdade, cada ex-Presidente da República decidiu por sua livre vontade o local e as condições do seu novo gabinete, sendo evidentes as discrepâncias de gastos entre eles.
Assim, Mário Soares terá alugado o seu gabinete na Fundação Mário Soares pela “renda mensal de 4,3 mil euros”, enquanto Jorge Sampaio viu ser-lhe cedido um imóvel do Estado, na Casa do Regalo, “a título gratuito”. Já Ramalho Eanes ocupa o gabinete no Edifício Presidente “contra o pagamento de despesas de condomínio”, e Cavaco instalou-se no Convento do Sacramento “com o compromisso de efetuar obras de reabilitação”. Foi por isso que a entidade das contas quis apertar o cerco à regulamentação em torno dos gastos dos gabinetes dos ex-Presidentes. Nestes termos, pôde ler nas conclusões da mencionada auditoria:
“O Tribunal de Contas recomenda à Presidência da República que diligencie junto da Assembleia da República pela densificação da legislação que disciplina a instalação, enquadramento institucional e orçamental, composição e funcionamento dos Gabinetes dos ex-Presidentes da República”.
Entre os direitos e regalias atribuídos aos ex-Presidentes, desde a subvenção equivalente a 80% do salário do Presidente, ao direito a carro particular, gabinete, assessor e secretário, a mesma auditoria do TdC sublinha que a lei em vigor (lei n.º 26/84, de 31 de julho, na sua atual redação) não determina qual é a entidade que deve suportar estes encargos orçamentais. Sem balizas legais, a entidade das contas nota que estes custos têm sido suportados pelo Orçamento da Presidência da República, através da Secretaria-Geral que, por sinal, é aprovado pelo Parlamento.
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Algumas vezes, os antigos Presidentes da República usufruem de espaço mediático pouco comum. Por exemplo, enquanto um se encontrava de férias em território nacional insular (Cavaco), outro (Sampaio) empenhava-se numa operação de “charme” para a eleição de um Secretário-Geral da ONU, de origem lusitana, o ex-Primeiro-Ministro António Guterres.
Desde a implantação da Democracia e consequentes primeiras eleições para a Presidência, em 1976, Portugal teve 4 antigos Presidentes da República, eleitos democraticamente e diretamente em voto popular – quase sempre com maioria absoluta (1.ª volta, com exceção de Soares, que venceu na 2.ª volta em 1986) – e todos eles cumpriram os 2 mandatos (10 anos) consecutivos, possíveis pela Constituição e pela Lei. Foram “inquilinos” do Palácio de Belém, nestes 40 anos: Ramalho Eanes (primeiro e único militar), Mário Soares (primeiro civil, falecido a 7 de janeiro de 2017), Jorge Sampaio e Cavaco Silva (o primeiro do centro-direita). Segundo a Constituição e as leis, estas figuras públicas têm, como se verificou, estatuto protocolar elevado na hierarquia do Estado, são membros vitalícios, por inerência, do Conselho Estado, órgão presidido pelo Presidente em funções e têm consideráveis regalias – não tantas como as que se preveem para Angola.
Contudo, o “espaço de manobra”, neste estatuto, é muito ténue. Daí que por vezes tenham outros cargos (neste caso não existem incompatibilidade uma vez que não recebem nenhuma remuneração por este “posto”) nacionais ou internacionais.
Assim, o ex-Presidente Mário Soares (também ex-Primeiro-Ministro) foi presidente da sua própria fundação, criada em 1991, e durante alguns anos ainda prosseguiu na “política ativa” sendo deputado ao Parlamento Europeu (1999-2004). E ainda tentou voltar ao Palácio de Belém, em 2006 – apoiado pelo “seu” partido – mas foi derrotado por Cavaco Silva e pelo “companheiro” socialista Manuel Alegre. Em abril de 2012, foi apanhado em velocidade excessiva num carro oficial. Terá dito que a multa seria paga pelo Estado. Porque não, se a lei lhes dá tudo? Porque sim, se a responsabilidade por infração é do próprio?
O ex-Presidente Jorge Sampaio (também ex-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa), de maio de 2006 até maio de 2007, foi Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Luta contra a Tuberculose, sendo que, nessa ocasião, foi também nomeado para o cargo internacional de Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, com término em 2013.
Porém, do General Ramalho Eanes, além da participação em conferências e palestras e o prosseguimento na vida académica – em 2006 obteve o Doutoramento em Filosofia Política, com aprovação por unanimidade, louvor e distinção, pela Universidade de Navarra com a apresentação de uma tese intitulada “Sociedade Civil e Poder Político em Portugal” – não há registo de mais alguma ocupação de relevo.
Do ex-Presidente Aníbal Cavaco Silva (também ex-Primeiro-Ministro e candidato presidencial vencido em 1996), ainda é cedo para um “compromisso” mais formal e duradouro. Apenas quebrou o silêncio a que se remeteu com o lançamento do livro das memórias e com a inauguração de um centro cultural ligado ao seu nome.
Não há registo, até à data, de estes titulares “ensombrarem” o desempenho dos sucessores. Nota-se até, em certos casos, uma certa “cooperação institucional” entre o atual Presidente da República e um dos seus antecessores.
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Penso que, apesar de tudo, Portugal não trata mal os seus antigos Chefes de Estado, sem cair nos excessos de Angola, sobretudo no atinente a familiares naquele caso. Todavia, deveria limitar-se a escolha das instalações de gabinete, não devendo esta ficar por conta do titular.

2017.06.15 – Louro de Carvalho

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