sexta-feira, 2 de junho de 2017

Donald Trump cumpre: rasga acordo de Paris e quer renegociá-lo

A saída do Acordo de Paris foi uma das promessas eleitorais de Trump. Por consequência e apesar de ter recebido com bonomia a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, declarando que não se esqueceria de nada do que o Pontífice lhe disse, o Presidente anunciou, a 1 de junho, nos jardins da Casa Branca, que os EUA vão abandonar o Acordo de Paris, assinado por Barack Obama em 2015, durante a Cimeira do Clima, declarando:
“Vamos começar a renegociar e ver se é possível alcançar um acordo que seja justo”.
No seu longo discurso, que ignora a medida do mundo, explicitou:
“Estamos a cumprir com as nossas obrigações e não quero que nada se meta no nosso caminho. Luto todos os dias pelo grande povo da América e, por isso, para cumprir o meu dever solene de proteger a América e os seus cidadãos, os Estados Unidos vão sair do Acordo do Clima de Paris.”.
Enumerando todos os feitos alcançados pela sua administração desde a tomada de posse, a 20 de janeiro, Trump garantiu que manteve todas “as promessas” que fez “ao povo americano durante a campanha”. E, garantindo ser alguém que se preocupa “profundamente com o clima”, disse não poder apoiar conscientemente um acordo que “prejudica os Estados Unidos da América” – um acordo “muito injusto para os Estados Unidos ao mais alto nível”, pois limita o poder de decisão do Governo norte-americano e intromete-se nos assuntos internos. E, sem explicar em que consistia a alegada intromissão em concreto, sustentou:
“Os líderes mundiais não devem ter mais poder de decisão sobre o que se passa nos Estados Unidos do que os seus cidadãos. A nossa Constituição é única no mundo e é minha obrigação – e grande honra – protegê-la. E fá-lo-ei.”.
Considerando aquele tratado internacional uma “ferida autoinfligida na economia” norte-americana, o Presidente pintou um cenário negro: se os EUA permanecessem no acordo, haveria grandes riscos para o país, pois, trata-se duma “distribuição massiva da riqueza dos Estados Unidos para os outros países”. Esquece que muitos americanos provêm de outras paragens!
E, procurando afastar os receios sobre o aumento das emissões de CO2, o Presidente garantiu que os EUA iriam ser o “país mais limpo” do mundo em ar e águas, desafiando mesmo os líderes mundiais a voltarem a Paris a fazer um acordo que seja justo para os EUA e para o povo norte-americano, dizendo: “Se conseguirmos, é bom; se não o conseguirmos, não faz mal”.
Scott Pruitt, presidente da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, elogiou esta decisão “corajosa” que reflete “o compromisso” de “colocar a América em primeiro lugar”, salientando:
“Prometeu que a América estaria em primeiro lugar e fez isso de diversas formas. Hoje pôs a América em primeiro lugar no que diz respeito aos acordos internacionais do clima.”.
Frisando que os EUA têm “finalmente um líder que responde apenas ao seu povo”, aquele responsável salientou que tudo o que o que Trump faz o “faz pelos homens e mulheres esquecidos deste país”, sendo que assim “a classe trabalhadora vai beneficiar com esta decisão” e o Presidente “com esta ação declara que as pessoas são novamente líderes deste país”.
Scott Pruitt, garantindo que os EUA não devem desculpas “a outros países”, afirmou que o país deve procurar dar o exemplo e ensinar os outros Estados a diminuírem as emissões de CO2, assegurando: “Lideramos com ações, não com palavras”. Dispensa-se a lição!
Trump sempre se mostrou cético em relação ao aquecimento global (até chegou a admitir tratar-se de uma invenção dos chineses). Já depois das eleições, a atual administração deixou claro que iria abandonar todas as metas de emissões estabelecidas pelo Governo de Barack Obama, ou seja, o compromisso de ajudar os países mais pobres a combater o aquecimento global e reduzir o investimento na investigação de novas soluções. E, depois de muita especulação, Trump revelou no dia 31 de maio, pelo Twitter, que iria anunciar publicamente a sua decisão relativa ao acordo às 20 horas deste dia 1 de junho. Durante o dia, vários jornais norte-americanos, citando fontes oficiais, davam como certa a saída dos EUA do acordo.
Recorde-se que o Acordo foi assinado em dezembro de 2015, em Paris, com o objetivo de conter as alterações climáticas, reconhecendo que estas representam uma ameaça iminente e potencialmente irreversível para o planeta. Entre vários pontos, o documento prevê a redução das emissões de gases com efeito de estufa, mantendo o aumento da temperatura abaixo dos 2º C. O documento foi firmado entre 195 Estados, à exceção da Nicarágua e a Síria.
Embora tenha participado na cimeira, a Nicarágua não assinou o documento por não concordar com o facto de todas as medidas serem voluntárias e não existirem punições para quem não cumpra com o estipulado. E entendia que os Estados mais ricos deviam ser responsabilizados pelas alterações climáticas, por serem os principais responsáveis por elas.  
Ao invés da Nicarágua, a Síria nem participou na Cimeira do Clima. As razões são claras: o país não era visto com bons olhos pela comunidade internacional. Além disso, as sanções aplicadas tanto por europeus como por norte-americanos impossibilitavam a deslocação a França de qualquer membro do Governo de Bashar al-Assad, como explica o The Washington Post.
Não obstante, a verdade é que estes dois países são responsáveis por uma percentagem muito pequena das emissões de gases com efeito de estufa, quando comparados com as grandes potências, como os EUA ou a China, que representam cerca de 38% das emissões globais.
Com a saída dos EUA, este torna-se no terceiro país a não ter a assinatura no Acordo de Paris.
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França, Alemanha e Itália emitiram um comunicado conjunto afirmando que o Acordo de Paris não pode ser renegociado. Refere o documento:
“Consideramos irreversível o movimento gerado em Paris, em dezembro de 2015, e acreditamos firmemente que o Acordo de Paris não pode ser renegociado, uma vez que é um instrumento vital para o nosso planeta, sociedades e economias”.
Sustentando que “a implementação do Acordo de Paris oferece oportunidades económicas substanciais para a prosperidade e crescimento dos nossos países a uma escala global”, reafirmaram o compromisso de implementar o tratado, que inclui “metas de financiamento climático”, encorajando os parceiros “a acelerarem as suas ações para combateram as alterações climáticas” e prometendo intensificar os “esforços para apoiar os países em desenvolvimento, em particular os mais pobres e vulneráveis, a alcançarem os seus objetivos de mitigação e adaptação”. Ficam, nesta ótica, os EUA e o seu Presidente orgulhosamente sós.
Esta posição conjunta foi reiterada a título pessoal pelo Presidente francês, Emannuel Macron, que afirmou, durante uma conferência de imprensa, que não há nada que possa ser negociado, revelando ter falado ao telefone com o seu homólogo norte-americano, cuja decisão respeita, mas julgando que “é um erro para os Estados Unidos e para o nosso planeta”. Afirmando a crença da França e do mundo nos EUA, Macron frisou que França não vai deixar de “lutar” contra o aquecimento global. E escreveu no Twitter: Make our planet great again (“vamos tornar o nosso planeta grande outra vez”).
Também Angela Merkel telefonou a Trump minutos depois do anúncio, lamentando a decisão tomada pelo Presidente norte-americano. De acordo com o porta-voz da chanceler alemã, Steffen Seibert, Merkel garantiu que continuará a trabalhar para “salvar o nosso planeta”.
E, segundo a CNN, a primeira-ministra britânica mostrou-se desapontada com a decisão. Para May, o acordo “fornece o quadro global correto para proteger a prosperidade e segurança das gerações futuras, mantendo a energia acessível e segura para os nossos cidadãos e empresas”.
O Ministro da Energia australiano, Josh Frydenberg, também já reagiu ao comunicado de Trump. À ABC, mostrou-se dececionado com a decisão tomada pelo Presidente, dizendo:
“Ainda acredito que é um acordo importante. Foi assinado por mais de 190 países em tempo recorde e foi ratificado por 146. Portanto, mesmo sem os Estados Unidos, cerca de 70% das emissões mundiais estão abrangidas pelo acordo.”.
De acordo com a CNN, 50 presidentes de câmara norte-americanos emitiram uma nota em que apelam a Trump que mantenha o Acordo de Paris.
Também Barack Obama, que foi quem assinou o Acordo do Clima de Paris, em 2015, não ficou indiferente à decisão presidencial e emitiu um comunicado onde relembra que “foi a audaz ambição americana que encorajou dezenas de outras nações”. O antigo Presidente dos EUA lamentou a administração Trump que se junta agora “às nações que rejeitam o futuro”. No comunicado, Obama mostrou que foi a inovação das empresas e investimento público em indústrias crescentes como as eólicas e solares que contribuíram para o “maior fluxo de aumento de emprego da história [dos Estados Unidos]”. E explicitou:
“O Acordo de Paris abriu portas para as empresas, cientistas e engenheiros desencadearem investimentos e inovações de alta tecnologia e de baixa emissão de carbono a uma escala sem precedentes”.
Obama termina o comunicado confiante nos “estados, cidades e empresas” que, acredita, vão “ajudar a proteger as gerações futuras do planeta”.
Por seu turno, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima afirmou, em comunicado, que o Acordo de Paris não pode ser renegociado “com base no pedido” de apenas um país. Apesar disso, o organismo está disponível “para dialogar com o Governo dos Estados Unidos relativamente às implicações deste anúncio”.
O Presidente da República de Portugal defendeu que as alterações climáticas são uma evidência que “se vai impor”, mesmo que haja alguém que “se considere importantíssimo no mundo que negue isso”. E reforçou:
“É uma evidência tão óbvia a necessidade de olhar para as alterações climáticas que bem pode haver quem se considere importantíssimo no mundo que negue isso que não altera a realidade. A realidade é o que é. E vai ser o que é, e não para por causa de uma posição isolada, por muito importante que se considere.”.
De visita à ilha das Flores, nos Açores, afirmou ainda que a Europa deve unir-se e “continuar a ser uma campeã desta causa”.
Também o nosso Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, considerou a saída dos EUA “uma decisão grave”, sublinhando que o aquecimento global “é uma questão que nenhum país pode resolver sozinho”. Em declarações à agência Lusa, o Ministro defendeu que a decisão de Trump é negativa para os EUA e declarou:
“Não existe espaço no mundo, mesmo numa economia de grande dimensão como a americana, para imaginar que essa mesma economia pode crescer baseada no carvão”.
Sobre o impacto da desvinculação do Acordo de Paris por parte dos EUA, o titular português da pasta do Ambiente afirmou “acreditar que, do ponto de vista da reversão efetiva da redução das emissões poluentes, não venha a ser tão negativa quanto isso”. Para Fernandes, “um país e uma democracia como os Estados Unidos da América [são] muito mais do que a sua administração”.
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Porém a reação mais lúcida veio pela pena de Guterres: “Se um governo coloca em causa a vontade e a necessidade mundiais, é uma razão para todos os outros se unirem ainda mais”.
O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) considerou “absolutamente essencial” que o acordo de Paris contra as alterações climáticas seja concretizado, quando se admite que os EUA possam mudar de posição face ao mesmo. No seu primeiro grande discurso consagrado ao aquecimento global e às subsequentes alterações climáticas, António Guterres considerara que os objetivos fixados pelo acordo, estabelecido em 2015, deveriam ser cumpridos “com uma ambição acrescida”. E lembrou que os EUA integram o conjunto de 147 Estados e entidades que assinaram e ratificaram este texto histórico que visa limitar o aquecimento global do planeta a menos de dois graus centígrados, através da redução da emissão de gases com efeito de estufa.
Guterres não evocou diretamente os recentes questionamentos de Donald Trump, mas afirmou que, “se um governo coloca em causa a vontade e a necessidade mundiais quanto ao que respeita a este acordo, é uma razão para todos os outros se unirem ainda mais”. Por isso, devemos fazer todo o possível para reforçar as nossas ações e ambições até que consigamos inverter a curva das emissões e reduzir o aquecimento mundial
Durante a cimeira do Grupo dos 7, no último fim de semana, Trump recusou juntar-se aos representantes das outras grandes economias na garantia da concretização do acordo de Paris, prometendo, na sua esperteza saloia, que iria revelar a sua decisão durante esta semana. 
Entretanto, o secretário-geral da ONU, que qualificou o acordo como um “momento notável na história da Humanidade”, assegurou que as empresas do setor da energia não tinham esperado as políticas governamentais para se atualizarem na economia verde e advertiu:
“Os que falharem na transição para a economia verde vão conhecer um futuro cinzento”.
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As reações contra o anúncio de Trump têm-se multiplicado. Ressalta o caso do grande empresário e conselheiro do Presidente, Elon Musk, que reagiu à decisão presidencial de abandono do Acordo de Paris contra as alterações climáticas, deixando o grupo de conselheiros de Donald Trump. O CEO da Tesla e da SpaceX escreveu, no dia 30 de maio, no Twitter:
“Estou de saída do conselho presidencial. Alterações climáticas são reais. Deixar Paris não é bom para a América ou o mundo.”.
Musk, que já tinha revelado que estava a tentar mudar a opinião do Presidente e de outras pessoas na Casa Branca, prometera deixar os cargos de conselheiro caso Donald Trump anunciasse a saída dos EUA do acordo global pela redução dos efeitos das alterações climáticas.
Elon Musk era um dos 18 empresários conselheiros de Trump, num grupo conhecido por Fórum Estratégico e de Políticas. E aconselhava-o na sua iniciativa para criar empregos na indústria.
Também Fareed Zakaria, jornalista da CNN e especialista em assuntos internacionais, considera que esta decisão tirou aos EUA o estatuto de “líder do mundo livre” e que “este foi o dia em que os Estados Unidos se demitiram de líderes do mundo livre”. O especialista defendeu, ainda, que o acordo das alterações climáticas era “extraordinariamente flexível”, daí não compreender a “irresponsabilidade” desta decisão.
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Sim, é mesmo duma decisão irresponsável que se trata e de um atropelo à solidariedade entre os povos. A negação da interdependência e da cooperação sobrepôs-se descarada e soberbamente à necessidade de correção de estilos desviantes em relação à sanidade do Planeta e aos legítimos interesses dos seus habitantes. Resta a ação de resposta coletiva que deixe a descoberto a vergonhosa nudez da Administração norte-americana!

2017.06.01 – Louro de Carvalho 

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