A saída do
Acordo de Paris foi uma das promessas eleitorais de Trump. Por consequência e
apesar de ter recebido com bonomia a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, declarando que não se esqueceria de
nada do que o Pontífice lhe disse, o Presidente anunciou, a 1 de junho, nos
jardins da Casa Branca, que os EUA vão abandonar o Acordo de Paris, assinado
por Barack Obama em 2015, durante a Cimeira do Clima, declarando:
“Vamos começar a renegociar e ver se é possível alcançar um acordo que seja
justo”.
No seu longo
discurso, que ignora a medida do mundo, explicitou:
“Estamos a cumprir com as nossas obrigações e não quero que nada se meta no
nosso caminho. Luto todos os dias pelo grande povo da América e, por isso, para
cumprir o meu dever solene de proteger a América e os seus cidadãos, os Estados
Unidos vão sair do Acordo do Clima de Paris.”.
Enumerando
todos os feitos alcançados pela sua administração desde a tomada de posse, a 20
de janeiro, Trump garantiu que manteve todas “as promessas” que fez “ao povo
americano durante a campanha”. E, garantindo ser alguém que se preocupa “profundamente
com o clima”, disse não poder apoiar conscientemente um acordo que “prejudica os
Estados Unidos da América” – um acordo “muito injusto para os Estados Unidos ao
mais alto nível”, pois limita o poder de decisão do Governo norte-americano e intromete-se
nos assuntos internos. E, sem explicar em que consistia a alegada intromissão
em concreto, sustentou:
“Os líderes mundiais não devem ter mais poder de decisão sobre o que se
passa nos Estados Unidos do que os seus cidadãos. A nossa Constituição é única
no mundo e é minha obrigação – e grande honra – protegê-la. E fá-lo-ei.”.
Considerando
aquele tratado internacional uma “ferida autoinfligida na economia”
norte-americana, o Presidente pintou um cenário negro: se os EUA permanecessem
no acordo, haveria grandes riscos para o país, pois, trata-se duma
“distribuição massiva da riqueza dos Estados Unidos para os outros países”. Esquece
que muitos americanos provêm de outras paragens!
E,
procurando afastar os receios sobre o aumento das emissões de CO2, o Presidente
garantiu que os EUA iriam ser o “país mais limpo” do mundo em ar e águas,
desafiando mesmo os líderes mundiais a voltarem a Paris a fazer um acordo que seja
justo para os EUA e para o povo norte-americano, dizendo: “Se conseguirmos, é bom; se não o conseguirmos, não faz mal”.
Scott
Pruitt, presidente da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, elogiou esta
decisão “corajosa” que reflete “o compromisso” de “colocar a América em
primeiro lugar”, salientando:
“Prometeu que a América estaria em primeiro lugar e fez isso de diversas
formas. Hoje pôs a América em primeiro lugar no que diz respeito aos acordos
internacionais do clima.”.
Frisando que
os EUA têm “finalmente um líder que responde apenas ao seu povo”, aquele
responsável salientou que tudo o que o que Trump faz o “faz pelos homens e mulheres
esquecidos deste país”, sendo que assim “a classe trabalhadora vai beneficiar
com esta decisão” e o Presidente “com esta ação declara que as pessoas são
novamente líderes deste país”.
Scott
Pruitt, garantindo que os EUA não devem desculpas “a outros países”, afirmou
que o país deve procurar dar o exemplo e ensinar os outros Estados a diminuírem
as emissões de CO2, assegurando: “Lideramos com ações, não com palavras”.
Dispensa-se a lição!
Trump sempre
se mostrou cético em relação ao aquecimento global (até chegou a
admitir tratar-se de uma invenção dos chineses). Já depois das eleições, a atual administração deixou claro que iria
abandonar todas as metas de emissões estabelecidas pelo Governo de Barack
Obama, ou seja, o compromisso de ajudar os países mais pobres a combater o
aquecimento global e reduzir o investimento na investigação de novas soluções.
E, depois de muita especulação, Trump revelou no dia 31 de maio, pelo Twitter, que iria anunciar publicamente
a sua decisão relativa ao acordo às 20 horas deste dia 1 de junho. Durante o
dia, vários jornais norte-americanos, citando fontes oficiais, davam como certa
a saída dos EUA do acordo.
Recorde-se
que o Acordo foi assinado em dezembro de 2015, em Paris, com o objetivo de
conter as alterações climáticas, reconhecendo que estas representam uma ameaça
iminente e potencialmente irreversível para o planeta. Entre vários pontos, o
documento prevê a redução das emissões de gases com efeito de estufa, mantendo
o aumento da temperatura abaixo dos 2º C. O documento foi firmado entre 195
Estados, à exceção da Nicarágua e a Síria.
Embora tenha
participado na cimeira, a Nicarágua não assinou o documento por não concordar
com o facto de todas as medidas serem voluntárias e não existirem punições para
quem não cumpra com o estipulado. E entendia que os Estados mais ricos deviam
ser responsabilizados pelas alterações climáticas, por serem os principais
responsáveis por elas.
Ao invés da
Nicarágua, a Síria nem participou na Cimeira do Clima. As razões são claras: o
país não era visto com bons olhos pela comunidade internacional. Além disso, as
sanções aplicadas tanto por europeus como por norte-americanos impossibilitavam
a deslocação a França de qualquer membro do Governo de Bashar
al-Assad, como explica o The
Washington Post.
Não
obstante, a verdade é que estes dois países são responsáveis por uma
percentagem muito pequena das emissões de gases com efeito de estufa, quando
comparados com as grandes potências, como os EUA ou a China, que representam
cerca de 38% das emissões globais.
Com a saída
dos EUA, este torna-se no terceiro país a não ter a assinatura no Acordo de
Paris.
***
França,
Alemanha e Itália emitiram um comunicado conjunto afirmando que o
Acordo de Paris não pode ser renegociado. Refere o documento:
“Consideramos irreversível o movimento gerado em Paris, em dezembro de
2015, e acreditamos firmemente que o Acordo de Paris não pode ser renegociado,
uma vez que é um instrumento vital para o nosso planeta, sociedades e
economias”.
Sustentando
que “a implementação do Acordo de Paris oferece oportunidades económicas
substanciais para a prosperidade e crescimento dos nossos países a uma escala
global”, reafirmaram o compromisso de implementar o tratado, que inclui “metas
de financiamento climático”, encorajando os parceiros “a acelerarem as suas
ações para combateram as alterações climáticas” e prometendo intensificar os “esforços
para apoiar os países em desenvolvimento, em particular os mais pobres e
vulneráveis, a alcançarem os seus objetivos de mitigação e adaptação”. Ficam,
nesta ótica, os EUA e o seu Presidente orgulhosamente sós.
Esta posição
conjunta foi reiterada a título pessoal pelo Presidente francês, Emannuel
Macron, que afirmou, durante uma conferência de imprensa, que não há nada que
possa ser negociado, revelando ter falado ao telefone com o seu homólogo
norte-americano, cuja decisão respeita, mas julgando que “é um erro para os
Estados Unidos e para o nosso planeta”. Afirmando a crença da França e do mundo
nos EUA, Macron frisou que França não vai deixar de “lutar” contra o
aquecimento global. E escreveu no Twitter: Make our planet great again (“vamos
tornar o nosso planeta grande outra vez”).
Também Angela
Merkel telefonou a Trump minutos depois do anúncio, lamentando a decisão tomada
pelo Presidente norte-americano. De acordo com o porta-voz da chanceler alemã,
Steffen Seibert, Merkel garantiu que continuará a trabalhar para “salvar o
nosso planeta”.
E, segundo a
CNN, a primeira-ministra britânica mostrou-se desapontada com a decisão. Para
May, o acordo “fornece o quadro global
correto para proteger a prosperidade e segurança das gerações futuras, mantendo
a energia acessível e segura para os nossos cidadãos e empresas”.
O Ministro
da Energia australiano, Josh Frydenberg, também já reagiu ao comunicado de
Trump. À ABC, mostrou-se dececionado com a decisão tomada pelo Presidente,
dizendo:
“Ainda acredito que é um acordo importante. Foi assinado por mais de 190
países em tempo recorde e foi ratificado por 146. Portanto, mesmo sem os
Estados Unidos, cerca de 70% das emissões mundiais estão abrangidas pelo
acordo.”.
De acordo
com a CNN, 50 presidentes de câmara norte-americanos emitiram uma nota em que
apelam a Trump que mantenha o Acordo de Paris.
Também Barack Obama,
que foi quem assinou o Acordo do Clima de Paris, em 2015, não ficou indiferente
à decisão presidencial e emitiu um comunicado onde relembra que “foi a audaz
ambição americana que encorajou dezenas de outras nações”. O antigo Presidente
dos EUA lamentou a administração
Trump que se junta agora “às nações que rejeitam o futuro”. No
comunicado, Obama mostrou que foi a inovação das empresas e investimento
público em indústrias crescentes como as eólicas e solares que contribuíram
para o “maior fluxo de aumento de emprego da história [dos Estados
Unidos]”. E explicitou:
“O Acordo de Paris abriu portas para as empresas, cientistas e engenheiros
desencadearem investimentos e inovações de alta tecnologia e de baixa emissão
de carbono a uma escala sem precedentes”.
Obama
termina o comunicado confiante nos
“estados, cidades e empresas” que, acredita, vão “ajudar a proteger as
gerações futuras do planeta”.
Por seu turno, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança
do Clima afirmou, em comunicado, que o Acordo de Paris não pode ser
renegociado “com base no pedido” de apenas um país. Apesar disso, o organismo
está disponível “para dialogar com o Governo dos Estados Unidos relativamente
às implicações deste anúncio”.
O Presidente
da República de Portugal defendeu que as alterações climáticas são uma
evidência que “se vai impor”, mesmo que haja alguém que “se considere
importantíssimo no mundo que negue isso”. E reforçou:
“É uma evidência tão óbvia a necessidade de olhar para as alterações
climáticas que bem pode haver quem se considere importantíssimo no mundo que
negue isso que não altera a realidade. A realidade é o que é. E vai ser o que
é, e não para por causa de uma posição isolada, por muito importante que se
considere.”.
De visita à
ilha das Flores, nos Açores, afirmou ainda que a Europa deve unir-se e
“continuar a ser uma campeã desta causa”.
Também o nosso Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, considerou a saída dos EUA
“uma decisão grave”, sublinhando que o aquecimento global “é uma questão que
nenhum país pode resolver sozinho”. Em declarações à agência Lusa, o Ministro defendeu que a decisão
de Trump é negativa para os EUA e declarou:
“Não existe espaço no mundo, mesmo numa economia de grande dimensão como a
americana, para imaginar que essa mesma economia pode crescer baseada no
carvão”.
Sobre o
impacto da desvinculação do Acordo de Paris por parte dos EUA, o titular
português da pasta do Ambiente afirmou “acreditar que, do ponto de vista da
reversão efetiva da redução das emissões poluentes, não venha a ser tão
negativa quanto isso”. Para Fernandes, “um país e uma democracia como os
Estados Unidos da América [são] muito mais do que a sua administração”.
***
Porém a reação mais lúcida veio pela pena de Guterres:
“Se um governo coloca em causa a vontade
e a necessidade mundiais, é uma razão para todos os outros se unirem ainda mais”.
O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas) considerou “absolutamente
essencial” que o acordo de Paris contra as alterações climáticas seja
concretizado, quando se admite que os EUA possam mudar de posição face ao
mesmo. No seu primeiro grande discurso consagrado ao aquecimento global e às
subsequentes alterações climáticas, António Guterres considerara que os
objetivos fixados pelo acordo, estabelecido em 2015, deveriam ser cumpridos
“com uma ambição acrescida”. E lembrou que os EUA integram o conjunto de 147
Estados e entidades que assinaram e ratificaram este texto histórico que visa
limitar o aquecimento global do planeta a menos de dois graus centígrados,
através da redução da emissão de gases com efeito de estufa.
Guterres não evocou diretamente os recentes questionamentos
de Donald Trump, mas afirmou que, “se um governo coloca em causa a vontade e a
necessidade mundiais quanto ao que respeita a este acordo, é uma razão para
todos os outros se unirem ainda mais”. Por isso, devemos fazer todo o possível para reforçar as nossas ações e ambições até
que consigamos inverter a curva das emissões e reduzir o aquecimento mundial
Durante a cimeira do Grupo dos 7, no último fim de semana,
Trump recusou juntar-se aos representantes das outras grandes economias na
garantia da concretização do acordo de Paris, prometendo, na sua esperteza saloia, que iria revelar a sua
decisão durante esta semana.
Entretanto, o secretário-geral da ONU, que
qualificou o acordo como um “momento notável na história da Humanidade”,
assegurou que as empresas do setor da energia não tinham esperado as políticas
governamentais para se atualizarem na economia verde e advertiu:
“Os que
falharem na transição para a economia verde vão conhecer um futuro cinzento”.
***
As reações contra o anúncio de Trump têm-se
multiplicado. Ressalta o caso do grande empresário e conselheiro do Presidente,
Elon Musk, que reagiu à decisão presidencial de abandono do Acordo de Paris contra
as alterações climáticas, deixando o grupo de conselheiros de Donald Trump. O
CEO da Tesla e da SpaceX escreveu, no dia 30 de maio, no Twitter:
“Estou de
saída do conselho presidencial. Alterações climáticas são reais. Deixar Paris
não é bom para a América ou o mundo.”.
Musk, que já tinha revelado que estava a tentar mudar a
opinião do Presidente e de outras pessoas na Casa Branca, prometera deixar os
cargos de conselheiro caso Donald Trump
anunciasse a saída dos EUA do acordo global pela redução dos
efeitos das alterações climáticas.
Elon Musk era um dos 18 empresários conselheiros de Trump,
num grupo conhecido por Fórum Estratégico
e de Políticas. E aconselhava-o na sua iniciativa para criar empregos na
indústria.
Também Fareed Zakaria, jornalista da CNN e especialista em
assuntos internacionais, considera que esta decisão tirou aos EUA o estatuto de
“líder do mundo livre” e que “este foi o dia em que os Estados Unidos se
demitiram de líderes do mundo livre”. O especialista defendeu, ainda, que o
acordo das alterações climáticas era “extraordinariamente flexível”, daí não
compreender a “irresponsabilidade” desta decisão.
***
Sim,
é mesmo duma decisão irresponsável que se trata e de um atropelo à
solidariedade entre os povos. A negação da interdependência e da cooperação
sobrepôs-se descarada e soberbamente à necessidade de correção de estilos
desviantes em relação à sanidade do Planeta e aos legítimos interesses dos seus
habitantes. Resta a ação de resposta coletiva que deixe a descoberto a vergonhosa
nudez da Administração norte-americana!
2017.06.01 – Louro de Carvalho
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