terça-feira, 27 de junho de 2017

A mensagem de Fátima é uma luz, um guia para o passo dos crentes

É a grande afirmação do Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, na conferência “Fátima como promessa”, que pronunciou no encerramento do Congresso Internacional que sinalizou academicamente a celebração do Centenário das Aparições da Virgem Maria na Cova da Iria.
Na verdade, como se lhe fez oportunamente referência, decorreu, de 21 a 24 de junho, no Centro Pastoral de Paulo VI, o Congresso Internacional ‘Pensar Fátima’ – iniciativa do Santuário de Fátima e da Faculdade de Teologia, da UCP (Universidade Católica Portuguesa), numa perspetiva interdisciplinar, para abrir novas oportunidades de estudo do fenómeno fatimita. O Padre Carlos Cabecinhas, Reitor do Santuário, pronunciava-se sobre as expectativas do encontro assim:
“O congresso permitirá, assim o cremos, fazer o balanço dos estudos científicos feitos até à data. Aprofundará as várias dimensões do evento Fátima e abrirá perspetivas de estudo, aprofundamento e investigação”.
E explicou que este encontro internacional era, de algum modo, o “ponto culminante e síntese” da sequência de seis simpósios teológicos pastorais realizados nos últimos anos de preparação para o Centenário das Aparições. Neste contexto, o evento que estava, “desde o início”, no programa dos 100 anos das aparições na Cova da Iria pretendeu “sublinhar a convicção” de que a celebração do jubileu fatimita “é desafio e oportunidade para a promoção do estudo científico pluridisciplinar de Fátima”, permitindo, segundo as palavras do reitor deste santuário mariano, “alcançar uma perceção aprofundada deste rico e significativo fenómeno que é Fátima”.
Neste evento de teor académico foram estudadas várias das dimensões de Fátima, em perspetiva interdisciplinar: Teologia, Sociologia, Psicologia, Cultura, História, Arte.
O Bispo de Leiria-Fátima deu o título de ‘Fátima em caleidoscópio’ ao tema da sua intervenção, assegurando que este é um “lugar multifacetado e plural” desde a “sua génese”. Para Dom António Marto, um congresso em que se reúnem “leituras das múltiplas disciplinas” que, ao longo da “feliz história de 100 anos, se interessaram por Fátima”, não pode deixar de recordar “o quanto os diferentes prismas têm contribuído” para quanto Fátima é para Portugal e para o mundo. Com efeito, “a Igreja tem muito a acolher deste exercício interdisciplinar”, sobre um lugar que “é motor de transformação de pessoas e sociedades”.
Por sua vez, o teólogo João Manuel Duque, Presidente da Comissão Organizadora do Congresso (COC), assinalou que há 100 anos “algo de especial despoletou” na Cova da Iria e “ninguém imaginaria” na ocasião o que viria a acontecer em Fátima e “em muitos outros lugares”. E observou que, um século depois das aparições de Nossa Senhora aos Pastorinhos, “ainda hoje, escapa muito do que aconteceu e do que continua a acontecer”. Por isso, o trabalho de compreensão “não encontra descanso”. E especificou:
“É o que pretende em espírito de serviço e humildade este congresso, praticar o exercício exigente e cuidadoso da melhor compreensão dos fenómenos, ou seja, daquilo que acontece sempre na consciência do que acontece é sempre mais rico do que aquilo que pode exprimir o nosso discurso com mais ou menos clarividência”.
***
O já mencionado Cardeal Ravasi, convidado pelos organizadores, afirmando que Fátima continua a ser “uma proclamação de fé”, um “anúncio de paz” e “uma escola de valores” para os cristãos e para os não crentes, sublinhou:
“Fátima continua a ser uma proclamação de fé num mundo secularizado; um anúncio de paz num planeta sempre atormentado pelas guerras; uma escola de pobreza e simplicidade em que a escolha do último é prioritária numa sociedade materialista e também uma escola de valores perante uma sociedade apática”.
Na sua conferência em que escalpelizou o essencial da Mensagem de Fátima a partir de referências bíblicas, o responsável pelo dicastério da Cultura da Santa Sé lembrou que a Mensagem assenta na valorização da história da salvação, assente num pedido de oração, conversão, reparação e esforço pela paz. E, frisando que “em Fátima há um sol que convida à oração” e que “seria uma ilusão pensar que Fátima esgotou a sua vocação profética”, frisou:
“Aqui revive-se o desenho de Deus que interpela a humanidade desde os seus primórdios: `onde está, Abel, o teu irmão?!´, abrindo sempre a porta da salvação, pois o Senhor é mais forte que o mal e Nossa Senhora é a garantia materna da bondade de Deus, da esperança”.
Acrescentando que “a Mensagem de Fátima convida-nos a uma fé incarnada que é histórica e torna-se guia, uma luz para o passo dos crentes”, Ravasi, que citou o poeta José Luís Peixoto, para valorizar o colo materno da Mãe que nos conduz a Deus (tema deste ano pastoral em Fátima e de todo o ciclo de 7 anos do Centenário das Aparições) e serve de modelo a todos os cristãos, fez um diagnóstico da sociedade para reforçar a pertinência e a centralidade da Mensagem, destacando:
“Apesar de estar ligada à sua própria situação histórica, a Mensagem dá-nos uma chave de leitura para o nosso próprio modelo de sociedade e de cultura que assenta num outro modelo antropológico”.
Adiantou, apontando os males da nossa sociedade:
“O secularismo, doença da nossa sociedade, a apatia, mais grave que o agnosticismo, a indiferença, a falta de valores e de referências, as guerras fragmentadas em todo o mundo, são males que nos atingem e para os quais Deus chama a atenção através de Nossa Senhora no diálogo com os pastorinhos, apresentando caminhos”.
Lembrando que Fátima é uma proclamação evangélica de salvação”, discorreu:
“A mensagem de Fátima é uma mensagem pública que ultrapassa as fronteiras de Portugal chegando a tratar as vicissitudes da sociedade planetária e, embora os profetas falem sempre em contextos precisos, neste caso, esta profecia vai além do presente, mantendo uma ligação com ele”.
Sobre o tema das Aparições, o purpurado – que foi Prefeito da Biblioteca Ambrosiana, professor de exegese bíblica na Faculdade de Teologia da Itália Setentrional e membro da Pontifícia Comissão Bíblica – frisou que “elas servem para ajudar a clarificar o significado da revelação, ajudando a viver e a reavivar a revelação do mistério de Deus”. E, citando o Bispo de Diocese de Leiria-Fátima, assegura que as Aparições “são um grito do Céu” para lembrar que  “o coração de Deus é compassivo perante o sofrimento do mundo”. E do Deus evidenciado em Fátima disse: “O Deus de Fátima é compassivo tal como o Deus do Papa Francisco é o Deus da Misericórdia e do Perdão”; mas é também um Deus “que fica impaciente perante o mal e acolhe o outro, sobretudo o mais fraco, o mais pequeno, fazendo tudo para o engrandecer”. E conclui que “o Deus de Fátima é profundamente bíblico”.
***
O Santuário de Fátima distinguiu, no encerramento do Congresso, a Faculdade de Teologia da UCP, oferecendo a medalha comemorativa do Centenário das Aparições, em sinal de “reconhecimento e gratidão”, assinalando a contribuição desta universidade para o Centenário e por ocasião do seu cinquentenário. Disse o Reitor do Santuário:
“No ano em que a Universidade Católica Portuguesa celebra o seu cinquentenário e em que o Santuário de Fátima celebra o primeiro Centenário das Aparições, apraz-me sublinhar a longa e fecunda colaboração entre ambas as instituições, através da Faculdade de Teologia”.
Sobre o contributo específico da UCP, o responsável do Santuário afirmou que foi a esta Faculdade que o Santuário recorreu para alguns estudos/eventos, nomeadamente a edição da Documentação Critica de Fátima ou o acompanhamento dos seus colóquios e simpósios teológico-pastorais que têm vindo a ser promovidos desde 1992; e este reconhecimento não podia deixar de ser feito. Por outro lado, disse que o Santuário está consciente de que tem sido um campo fértil para a promoção de estudos científicos na área da Teologia, a partir da sua realidade específica. E referiu ainda a este respeito:
“A bidirecionalidade desta relação e o mútuo interesse de ambos levou-nos a assinar um protocolo de cooperação para os anos do septenário do Centenário e é nosso desejo que esta cooperação possa continuar”.
Por sua vez, João Lourenço, Diretor da Faculdade de Teologia da UCP, expressou a vontade de que o congresso, que agora encerrou, seja ponto de partida para novas parcerias que estimulem novos trabalhos de investigação, já que esta é “uma parceria que dá frutos nomeadamente para o bem do Povo de Deus”. Neste sentido, referiu:
“Fátima é um lugar de reflexão teológica que pode beneficiar muito a reflexão da Teologia em Portugal e a Mensagem é um espaço e um campo que pode continuar a crescer. Estes simpósios e estes congressos são a porta para isso.”.
Por seu turno, João Duque, Presidente da COC, referiu-se a estes quatro dias de trabalhos como um período de “grande riqueza pela quantidade e qualidade dos trabalhos apresentados” mas também “pelo ambiente de Fátima, que é único”. E explicitou:
“Tivemos aqui uma pluralidade  de abordagens que se manteve fiel à caridade cristã, ao respeito ético, mas também à qualidade académica, nunca resvalando para outros níveis menos aceitáveis”.
Sublinhando a liberdade com que se debateu Fátima de forma séria, seriedade de que “dão conta as várias ressonâncias”, disse que as várias narrativas que se apresentam em Fátima e a  partir de Fátima “convocam-nos a prestar atenção cuidada para percebermos o fenómeno que aqui se vai construindo” e que Fátima “tem sido um espaço em que a criatividade popular desafia todos – Igreja, políticos e investigadores”.
Para o Presidente da COC, o povo “é o sujeito principal de Fátima” e “a primeira mediação do que possa ser considerado sobre um fenómeno revelador”; e este debate de quatro dias desafia a um novo “pensamento teológico”. Salientando que “Deus é o sujeito através do povo e no povo”, João Duque entende que a simplicidade com que Deus fala à humanidade, “culta ou inculta”, confunde “as pretensões dos arrogantes” e a todos coloca na comum situação de “pertença a uma condição de procura, de vulnerabilidade, de peregrinos”. E, acentuando que o Congresso desafia a “pensar as várias categorias do pensamento teológico a partir do povo, nomeadamente a mariologia e a eclesiologia”, enunciou o desafio que fica para futuro:
“Fica o desafio do desenvolvimento de uma fenomenologia diversificada, a partir de raízes mais empíricas e passando pelas leituras históricas, e do desenvolvimento de uma mariologia e eclesiologia a partir deste fenómeno concreto”.
E concluiu:
“Fátima será durante muito tempo um lugar privilegiado para uma experiência religiosa plural e viva, numa época em permanente reconfiguração e em modalidades muito diversas das que determinaram os contextos de há um século, e também para a reflexão científica, incluindo a teológica, a partir dessa reconfiguração”.
***
Inserido na celebração do Centenário, o Congresso que reuniu especialistas de várias áreas do saber científico – Teologia, Sociologia, Antropologia, História, Psicologia e Jornalismo – contou com um serão cultural intitulado “Conversar Fátima Cem Anos depois”, que permitiu debater a relevância das Aparições com o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, a jornalista Helena Matos, o eurodeputado português Paulo Rangel e o historiador Henrique Leitão.
Em termos de ecos do Congresso, Eduardo Borges de Pinho, docente da Faculdade de Teologia da UCP, salientou, em declarações à Rádio Renascença a 26 de junho, que o Congresso Internacional ‘Pensar Fátima’ sugere maior abertura ao mundo não católico, pois “o caminho da unidade é um caminho na diversidade, não é a multiplicação da Igreja católica”. Diz ele:
“Temos que crescer como cristãos católicos portugueses na sensibilidade ecuménica e entender o que significa a divisão dos cristãos e todas as suas consequências”.
Sustentando que devemos também manifestar “uma certa capacidade de autocrítica no sentido de perceber que há determinadas manifestações nossas ou expressões que porventura podem não ser entendidas pelos outros”, o docente insistiu em “que o caminho da unidade é um caminho na diversidade, não é a multiplicação da Igreja católica em todas as suas formas”. Ainda assim, Fátima é, cada vez mais, um local procurado por outras confissões religiosas. E Borges de Pinho constata que “há muitas pessoas de outras confissões cristãs e pessoas, até sem uma fé explícita, que vêm a Fátima, não apenas por causa do chamado turismo religioso, mas porque Fátima é sempre um lugar que pode interpelar de uma outra maneira”. Como bem reconhece, a história de vida de cada pessoa “é muito própria” e, “nesse sentido, Fátima desempenha o papel que pertence a Deus e à consciência das pessoas”. E o exemplo que apresentou foi o de alguém ter visto “seis senhoras vestidas com o traje muçulmano à volta da capelinha das aparições, numa atitude de oração”, concluindo o docente que, “partindo do princípio de que eram muçulmanas”, acha que “isso só comprova a abertura de Fátima”.
***
Sim. Que Fátima fale com a fé, respire esperança, instigue a caridade para com todos – mas que se deixe escrutinar pela ciência e que seja um contributo para mais e melhor ciência e, sobretudo para mais e melhor vida de todos e de cada um! Prosit.

2017.06.27 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário