É a grande afirmação do Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Conselho
Pontifício para a Cultura, na conferência “Fátima
como promessa”, que pronunciou no encerramento do Congresso Internacional que sinalizou academicamente a celebração
do Centenário das Aparições da Virgem Maria na Cova da Iria.
Na verdade, como se lhe fez oportunamente referência,
decorreu, de 21 a 24 de junho,
no Centro Pastoral de Paulo VI, o Congresso Internacional
‘Pensar Fátima’ –
iniciativa do Santuário de Fátima e da Faculdade de Teologia, da UCP (Universidade
Católica Portuguesa),
numa perspetiva interdisciplinar, para abrir novas oportunidades de estudo do
fenómeno fatimita. O Padre Carlos Cabecinhas, Reitor do Santuário, pronunciava-se
sobre as expectativas do encontro assim:
“O
congresso permitirá, assim o cremos, fazer o balanço dos estudos científicos
feitos até à data. Aprofundará as várias dimensões do evento Fátima e abrirá
perspetivas de estudo, aprofundamento e investigação”.
E explicou que este encontro internacional era, de algum
modo, o “ponto culminante e síntese” da sequência de seis simpósios teológicos
pastorais realizados nos últimos anos de preparação para o Centenário das
Aparições. Neste contexto, o evento que estava, “desde o início”, no programa
dos 100 anos das aparições na Cova da Iria pretendeu “sublinhar a convicção” de
que a celebração do jubileu fatimita “é desafio e oportunidade para a promoção
do estudo científico pluridisciplinar de Fátima”, permitindo, segundo as
palavras do reitor deste santuário mariano, “alcançar uma perceção aprofundada
deste rico e significativo fenómeno que é Fátima”.
Neste evento de teor académico foram estudadas várias das
dimensões de Fátima, em perspetiva interdisciplinar: Teologia, Sociologia, Psicologia, Cultura, História, Arte.
O Bispo de Leiria-Fátima deu o título de ‘Fátima em caleidoscópio’ ao tema da sua
intervenção, assegurando que este é um “lugar multifacetado e plural” desde a
“sua génese”. Para Dom António Marto, um congresso em que se reúnem “leituras
das múltiplas disciplinas” que, ao longo da “feliz história de 100 anos, se
interessaram por Fátima”, não pode deixar de recordar “o quanto os diferentes
prismas têm contribuído” para quanto Fátima é para Portugal e para o mundo. Com
efeito, “a Igreja tem muito a acolher deste exercício interdisciplinar”, sobre
um lugar que “é motor de transformação de pessoas e sociedades”.
Por sua vez, o teólogo João Manuel Duque, Presidente da
Comissão Organizadora do Congresso (COC),
assinalou que há 100 anos “algo de especial despoletou” na Cova da Iria e
“ninguém imaginaria” na ocasião o que viria a acontecer em Fátima e “em muitos
outros lugares”. E observou que, um século depois das aparições de Nossa
Senhora aos Pastorinhos, “ainda hoje, escapa muito do que aconteceu e do que
continua a acontecer”. Por isso, o trabalho de compreensão “não encontra
descanso”. E especificou:
“É o
que pretende em espírito de serviço e humildade este congresso, praticar o
exercício exigente e cuidadoso da melhor compreensão dos fenómenos, ou seja,
daquilo que acontece sempre na consciência do que acontece é sempre mais rico
do que aquilo que pode exprimir o nosso discurso com mais ou menos
clarividência”.
***
O já mencionado Cardeal
Ravasi, convidado pelos organizadores, afirmando que Fátima continua a ser “uma proclamação de fé”, um “anúncio
de paz” e “uma escola de valores” para os cristãos e para os não crentes,
sublinhou:
“Fátima continua a ser uma proclamação de fé num mundo secularizado; um
anúncio de paz num planeta sempre atormentado pelas guerras; uma escola de
pobreza e simplicidade em que a escolha do último é prioritária numa sociedade
materialista e também uma escola de valores perante uma sociedade apática”.
Na sua conferência
em que escalpelizou o essencial da Mensagem de Fátima a partir de referências
bíblicas, o responsável pelo dicastério da Cultura da Santa Sé lembrou que a
Mensagem assenta na valorização da história da salvação, assente num pedido de
oração, conversão, reparação e esforço pela paz. E, frisando que “em Fátima há
um sol que convida à oração” e que “seria uma ilusão pensar que Fátima esgotou
a sua vocação profética”, frisou:
“Aqui revive-se o desenho de Deus que interpela a humanidade desde os seus
primórdios: `onde está, Abel, o teu irmão?!´, abrindo sempre a porta da
salvação, pois o Senhor é mais forte que o mal e Nossa Senhora é a garantia
materna da bondade de Deus, da esperança”.
Acrescentando
que “a Mensagem de Fátima convida-nos a uma fé incarnada que é histórica e
torna-se guia, uma luz para o passo dos crentes”, Ravasi, que citou o poeta
José Luís Peixoto, para valorizar o colo materno da Mãe que nos conduz a Deus (tema deste
ano pastoral em Fátima e de todo o ciclo de 7 anos do Centenário das Aparições) e serve de modelo a todos os cristãos, fez um
diagnóstico da sociedade para reforçar a pertinência e a centralidade da
Mensagem, destacando:
“Apesar de estar ligada à sua própria situação histórica, a Mensagem dá-nos
uma chave de leitura para o nosso próprio modelo de sociedade e de cultura que
assenta num outro modelo antropológico”.
Adiantou, apontando
os males da nossa sociedade:
“O secularismo, doença da nossa sociedade, a apatia, mais grave que o
agnosticismo, a indiferença, a falta de valores e de referências, as guerras
fragmentadas em todo o mundo, são males que nos atingem e para os quais Deus
chama a atenção através de Nossa Senhora no diálogo com os pastorinhos,
apresentando caminhos”.
Lembrando que
Fátima é uma proclamação evangélica de salvação”, discorreu:
“A mensagem de Fátima é uma mensagem pública que ultrapassa as fronteiras
de Portugal chegando a tratar as vicissitudes da sociedade planetária e, embora
os profetas falem sempre em contextos precisos, neste caso, esta profecia vai
além do presente, mantendo uma ligação com ele”.
Sobre o tema
das Aparições, o purpurado – que foi Prefeito da Biblioteca Ambrosiana, professor
de exegese bíblica na Faculdade de Teologia da Itália Setentrional e membro da
Pontifícia Comissão Bíblica – frisou que “elas servem para ajudar a clarificar
o significado da revelação, ajudando a viver e a reavivar a revelação do
mistério de Deus”. E, citando o Bispo de Diocese de Leiria-Fátima, assegura que
as Aparições “são um grito do Céu” para lembrar que “o coração de Deus é
compassivo perante o sofrimento do mundo”. E do Deus evidenciado em Fátima
disse: “O Deus de Fátima é compassivo tal
como o Deus do Papa Francisco é o Deus da Misericórdia e do Perdão”; mas é
também um Deus “que fica impaciente perante o mal e acolhe o outro, sobretudo o
mais fraco, o mais pequeno, fazendo tudo para o engrandecer”. E conclui que “o Deus de Fátima é profundamente bíblico”.
***
O Santuário
de Fátima distinguiu, no encerramento do Congresso, a Faculdade de Teologia da UCP,
oferecendo a medalha comemorativa do Centenário das Aparições, em sinal de “reconhecimento
e gratidão”, assinalando a contribuição desta universidade para o Centenário e
por ocasião do seu cinquentenário. Disse o Reitor do Santuário:
“No ano em que a Universidade Católica
Portuguesa celebra o seu cinquentenário e em que o Santuário de Fátima celebra
o primeiro Centenário das Aparições, apraz-me sublinhar a longa e fecunda
colaboração entre ambas as instituições, através da Faculdade de Teologia”.
Sobre o
contributo específico da UCP, o responsável do Santuário afirmou que foi a esta
Faculdade que o Santuário recorreu para alguns estudos/eventos, nomeadamente a
edição da Documentação Critica de Fátima
ou o acompanhamento dos seus colóquios e simpósios teológico-pastorais que têm
vindo a ser promovidos desde 1992; e este reconhecimento não podia deixar de
ser feito. Por outro lado, disse que o Santuário está consciente de que tem
sido um campo fértil para a promoção de estudos científicos na área da Teologia,
a partir da sua realidade específica. E referiu ainda a este respeito:
“A bidirecionalidade desta relação e o
mútuo interesse de ambos levou-nos a assinar um protocolo de cooperação para os
anos do septenário do Centenário e é nosso desejo que esta cooperação possa
continuar”.
Por sua vez,
João Lourenço, Diretor da Faculdade de Teologia da UCP, expressou a vontade de
que o congresso, que agora encerrou, seja ponto de partida para novas parcerias
que estimulem novos trabalhos de investigação, já que esta é “uma parceria que
dá frutos nomeadamente para o bem do Povo de Deus”. Neste sentido, referiu:
“Fátima é um lugar de reflexão
teológica que pode beneficiar muito a reflexão da Teologia em Portugal e a
Mensagem é um espaço e um campo que pode continuar a crescer. Estes simpósios e
estes congressos são a porta para isso.”.
Por seu
turno, João Duque, Presidente da COC, referiu-se a estes quatro dias de
trabalhos como um período de “grande riqueza pela quantidade e qualidade dos
trabalhos apresentados” mas também “pelo ambiente de Fátima, que é único”. E explicitou:
“Tivemos aqui uma pluralidade de
abordagens que se manteve fiel à caridade cristã, ao respeito ético, mas também
à qualidade académica, nunca resvalando para outros níveis menos aceitáveis”.
Sublinhando a
liberdade com que se debateu Fátima de forma séria, seriedade de que “dão conta
as várias ressonâncias”, disse que as várias narrativas que se apresentam em
Fátima e a partir de Fátima “convocam-nos a prestar atenção cuidada para
percebermos o fenómeno que aqui se vai construindo” e que Fátima “tem sido um
espaço em que a criatividade popular desafia todos – Igreja, políticos e investigadores”.
Para o Presidente
da COC, o povo “é o sujeito principal de Fátima” e “a primeira mediação do que
possa ser considerado sobre um fenómeno revelador”; e este debate de quatro
dias desafia a um novo “pensamento teológico”. Salientando que “Deus é o sujeito
através do povo e no povo”, João Duque entende que a simplicidade com que
Deus fala à humanidade, “culta ou inculta”, confunde “as pretensões dos
arrogantes” e a todos coloca na comum situação de “pertença a uma condição de
procura, de vulnerabilidade, de peregrinos”. E, acentuando que o Congresso
desafia a “pensar as várias categorias do pensamento teológico a partir do
povo, nomeadamente a mariologia e a eclesiologia”, enunciou o desafio que fica para
futuro:
“Fica o desafio do desenvolvimento de
uma fenomenologia diversificada, a partir de raízes mais empíricas e passando
pelas leituras históricas, e do desenvolvimento de uma mariologia e
eclesiologia a partir deste fenómeno concreto”.
E concluiu:
“Fátima será durante muito tempo um
lugar privilegiado para uma experiência religiosa plural e viva, numa época em
permanente reconfiguração e em modalidades muito diversas das que determinaram
os contextos de há um século, e também para a reflexão científica, incluindo a
teológica, a partir dessa reconfiguração”.
***
Inserido na
celebração do Centenário, o Congresso que reuniu especialistas de várias áreas
do saber científico – Teologia, Sociologia, Antropologia, História, Psicologia
e Jornalismo – contou com um serão cultural intitulado “Conversar Fátima Cem Anos depois”, que permitiu debater a
relevância das Aparições com o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, a
jornalista Helena Matos, o eurodeputado português Paulo Rangel e o historiador
Henrique Leitão.
Em termos de
ecos do Congresso, Eduardo Borges de Pinho, docente da
Faculdade de Teologia da UCP, salientou, em declarações à Rádio Renascença a 26
de junho, que o Congresso Internacional
‘Pensar Fátima’ sugere maior abertura ao mundo não católico, pois “o caminho da unidade é um caminho na diversidade, não é a multiplicação
da Igreja católica”. Diz ele:
“Temos que crescer como cristãos
católicos portugueses na sensibilidade ecuménica e entender o que significa a
divisão dos cristãos e todas as suas consequências”.
Sustentando que devemos também
manifestar “uma certa capacidade de autocrítica no sentido de perceber que há
determinadas manifestações nossas ou expressões que porventura podem não ser
entendidas pelos outros”, o docente insistiu em “que o caminho da unidade é um
caminho na diversidade, não é a multiplicação da Igreja católica em todas as
suas formas”. Ainda assim, Fátima é, cada vez mais, um local procurado por outras
confissões religiosas. E Borges de Pinho constata que “há muitas pessoas de
outras confissões cristãs e pessoas, até sem uma fé explícita, que vêm a
Fátima, não apenas por causa do chamado turismo religioso, mas porque Fátima é
sempre um lugar que pode interpelar de uma outra maneira”. Como bem reconhece,
a história de vida de cada pessoa “é muito própria” e, “nesse sentido, Fátima
desempenha o papel que pertence a Deus e à consciência das pessoas”. E o exemplo
que apresentou foi o de alguém ter visto “seis senhoras vestidas com o traje
muçulmano à volta da capelinha das aparições, numa atitude de oração”, concluindo
o docente que, “partindo do princípio de que eram muçulmanas”, acha que “isso
só comprova a abertura de Fátima”.
***
Sim. Que Fátima fale com a fé,
respire esperança, instigue a caridade para com todos – mas que se deixe
escrutinar pela ciência e que seja um contributo para mais e melhor ciência e,
sobretudo para mais e melhor vida de todos e de cada um! Prosit.
2017.06.27 –
Louro de Carvalho
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