Como
é do domínio público, o escritor Manuel Alegre venceu a 29.ª edição do Prémio
Camões 2017, atribuído pela Fundação Biblioteca Nacional, segundo o que foi
anunciado depois da reunião do respetivo júri na sede daquela instituição no
Rio de Janeiro, a 9 de junho.
O aludido júri foi constituído por Paula Morão, professora catedrática da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maria João Reynaud, professora
associada jubilada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Leyla
Perrone-Moisés, professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, José Luís Jobim, professor aposentado da
Universidade Federal Fluminense e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Lourenço do Rosário, reitor da Universidade Politécnica de Maputo e pelo poeta
cabo-verdiano José Luís Tavares.
A
escolha foi publicada no Diário
Oficial da União do dia 13
de junho.
A
este respeito, Manuel Silveira da Cunha publicou na página 4 do semanário “O Diabo”, do dia 13, um texto
subordinado ao título “Salazar, Sobrinho Simões e o analfabetismo”, em que,
misturando tudo, Manuel Alegre e o Prémio Camões figuram ali como a viola num
enterro.
O
colunista cita o seguinte segmento frásico do laureado a propósito da
atribuição do galardão: “É natural que me
atribuam este prémio. Até podia ter sido mais cedo”.
Se
é certo que me parece prosápia o facto de alguém pensar natural que lhe
atribuam um prémio e dar a entender que o podiam ou deveriam ter feito antes,
não choro os cem mil euros que os governos de Portugal e do Brasil pagam a
meias ao premiado, neste caso ao poeta de Águeda. E, se Alegre tem sido para
mim uma figura controversa – admirei-o politicamente e estive no apoio público
e explícito à sua primeira candidatura presidencial, mas distanciei-me dele quando
se intrometeu na tentativa de alguns professores de pedirem a intercessão dos
deputados professores junto do Governo de Sócrates, que o poeta classificou de
atitude abusiva – nem por isso deixo de reconhecer o mérito da sua obra
literária. E, se fez a sua ginástica de trabalho e reforma em termos pouco
claros (Tantos
o fizeram!), não nos
é lícito misturar alhos com bugalhos.
Mas
sobretudo tenho de desmentir o que “O
Diabo” afirma quando diz que Alegre “é um poeta de rima fácil”, que “nunca
escreveu nenhuma obra de vulto para além de Cão
como nós” ou que “estará ao nível de outros premiados como Rachel de
Queiroz, que recebeu o prémio em 1993, em detrimento de Jorge Amado, autor que
nunca recebeu o prémio”.
Dizer
que Alegre é um poeta de rima fácil mostra que o colunista ou não o leu ou o
leu mal; reduzir a sua obra de vulto a Cão
como nós (2011)
é ignorar ou depreciar a obra do poeta político; e dizer que Jorge Amado não
recebeu o prémio é desconhecer a lista dos premiados, pois o escritor
brasileiro recebeu o Prémio Camões em 1994.
***
Segundo
a lista da revista “Visão”, foram
estes os galardoados com o Prémio Camões: Miguel
Torga, Portugal, em 1989; João Cabral de Melo Neto, Brasil, em 1990; José
Craveirinha, Moçambique, em 1991; Vergílio Ferreira, Portugal, em 1992; Rachel
Queiroz, Brasil, em 1993; Jorge Amado, Brasil, em 1994; José Saramago,
Portugal, em 1995; Eduardo Lourenço, Portugal, em 1996; Pepetela, Angola, em
1997; António Cândido de Mello e Sousa, Brasil, em 1998; Sophia de Mello
Breyner Andresen, Portugal, em 1999; Autran Dourado, Brasil, em 2000; Eugénio
de Andrade, Portugal, em 2001; Maria Velho da Costa, Portugal, em 2002; Rubem
Fonseca, Brasil, em 2003; Agustina Bessa-Luís, Portugal, em 2004; Lygia
Fagundes Telles, Brasil, em 2005; José Luandino Vieira, Portugal/Angola, em
2006; António Lobo Antunes, Portugal, em 2007; João Ubaldo Ribeiro, Brasil, em
2008; Arménio Vieira, Cabo Verde, em 2009; Ferreira Gullar, Brasil, em 2010;
Manuel António Pina, Portugal, em 2011; Dalton Trevisan, Brasil, em 2012; Mia
Couto, Moçambique, em 2013; Alberto da Costa e Silva, Brasil, em 2014; Hélia
Correia, Portugal, em 2015; Raduan Nassar, Brasil, em 2016; e Manuel Alegre,
Portugal, em 2017.
A história do galardão conta apenas com uma recusa, a de Luandino Vieira,
em 2006.
Portugal e Brasil lideram a lista de distinguidos com o Prémio Camões, com
doze premiados cada um, respetivamente, seguindo-se Angola e Moçambique, com
dois laureados cada – contando com o luso-angolano Luandino Vieira –, e Cabo
Verde, com um.
O Prémio Camões, instituído pelos Governos de Portugal e do Brasil, em
1988, foi atribuído pela 1.ª vez em 1989, a Miguel Torga. Segundo o texto do
protocolo constituinte, assinado em Brasília, a 22 de junho de 1988, e publicado
em novembro do mesmo ano, o Prémio consagra anualmente “um autor de língua
portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o
enriquecimento do património literário e cultural da língua comum”.
***
Manuel
Alegre nasceu na cidade portuguesa de Águeda, em 1936. No campo da poesia,
começou a ganhar destaque com as coletâneas Poemas
Livres, datadas entre 1963 e 1965.
O
seu reconhecimento foi ampliado com a publicação de dois volumes de poemas: Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967), apreendidos pelas autoridades antes do 25 de abril, mas com grande
circulação nos meios intelectuais.
Em 1989, Manuel Alegre estreou-se na ficção com o livro Jornada de África. O escritor
assina diversas outras obras. No entanto, foram as aqui referidas que o júri de
2017 considerou para o condecorar com o principal prémio da língua portuguesa.
O escritor, de 81 anos, disse que recebeu a notícia de atribuição do Prémio
Camões, com “serenidade e alegria”, considerando que o reconhecimento maior é o
que vem de quem o lê.
Em declarações à agência Lusa, disse
que lhe dá “particular satisfação” a atribuição do prémio, até porque Luís de
Camões é um dos poetas que aprecia, e referiu ter reeditado recentemente o seu
livro “Vinte Poemas para Camões” (2016) e confessou explicando:
“O meu reconhecimento maior é o que vem dos meus
leitores através dos tempos, vencendo várias formas de censura. Naturalmente,
uma distinção desta natureza tem o significado que tem.”.
O escritor lembrou igualmente ter recebido o Prémio Pessoa, o que lhe deu
“grande satisfação”, por ter também “um grande significado cultural”.
Por seu turno, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, referindo-se ao caso
como “homenagem justíssima”, acentuou: “Nos
termos do próprio prémio, (Manuel Alegre) contribuiu e contribui para o
enriquecimento literário e cultural, não apenas português, mas do mundo da
lusofonia”.
Marcelo Rebelo de Sousa fez tal declaração antes dum jantar de gala dos 60
anos da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de
Portugal (AIMMAP) no Porto de
Leixões, em Matosinhos, no âmbito do programa das comemorações do 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas. E diz que o Prémio é o reconhecimento da obra de Alegre,
“longa, exaustiva e rica”.
Questionado sobre o facto de o anúncio do vencedor coincidir com o 10 de junho,
disse:
“Tem outro significado falar no Prémio Camões e
associá-lo ao Dia de Camões, ao Dia de Portugal e ao Dia das Comunidades
Portuguesas espalhadas pelo mundo fora”.
E acrescentou:
“Há aqui um
valor simbólico essencial e indissociável daquilo que a nossa língua representa
para a nossa pátria e para todas aquelas pátrias que têm em comum o português”.
***
Além
das obras referidas e das traduções e antologias que organizou ou onde está
presente, Manuel Alegre publicou:
.
No âmbito da poesia – Um Barco para Ítaca (1971); Coisa
Amar (Coisas do Mar) (1976);
Nova do Achamento (1979);
Atlântico (1981); Babilónia
(1983); Chegar Aqui (1984); Aicha Conticha (1984); A Rosa e o Compasso (1991); Com que Pena – Vinte Poemas para Camões (1992); Sonetos do Obscuro Quê (1993); Coimbra Nunca Vista (1995); As Naus de Verde Pinho (1996); Alentejo e Ninguém (1996); Che (1997); Pico (1998); Senhora das Tempestades (1998);
E alegre se fez triste (1999); Livro do Português Errante (2001); Nambuangongo, Meu Amor (2008); Doze Naus (2007); Sete Partidas (2008); Nada está escrito (2012); Coimbra nunca vista (2013); País de abril (2014); e Bairro Ocidental (2016).
.
No âmbito da ficção – O Homem do País Azul (1989);
Alma (1995);
A Terceira Rosa (1998); Uma
Carga de Cavalaria (1999); Rafael
(2003); O miúdo que pregava pregos numa tábua (2010).
.
No âmbito da literatura infantil – Barbi-Ruivo,
O meu primeiro Camões (2007); O Príncipe do Rio (2009); As Naus de Verde Pinho: Viagem de Bartolomeu
Dias contada à minha filha Joana.
Prémio de Literatura Infantil António Botto (2015).
. Outros – Contra a Corrente (discursos e textos políticos), em 1997; Arte de
Marear (ensaios), em 2002; O
Futebol e a Vida, Do Euro 2004 ao
Mundial 2006 (crónicas), em 2006; e Uma
outra memória – A escrita, Portugal e os camaradas dos sonhos, em 2016.
Além
disso, muitos poemas seus foram
musicados e cantados desde a publicação do seu primeiro livro. Antes do 25 de
abril, foi musicado e/ou cantado pelos nomes mais representativos da canção de
resistência e também por grandes guitarristas de Coimbra, como António Portugal
e António Bernardino. Alain Oulman musicou poemas seus para a voz de Amália
Rodrigues. E Alegre gravou poemas, acompanhado pela guitarra de Carlos Paredes.
Agora, está representado em Portugal nas vozes de João Braga, Paulo de
Carvalho, Vitorino, Janita Salomé e muitos mais. No Brasil, foi musicado e
cantado por Maria Bethânia e, em Espanha, pelo grupo galego “Fuxan os ventos”.
E, em 2004, foi editado (edição
de autor) “Coração que nasceu
livre”, coletânea de poemas seus cantados, musicados ou declamados por
Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes, Amália Rodrigues, Maria Bethânia,
Paulo de Carvalho, Mário Viegas, António Bernardino, Manuel Freire, Janita
Salomé, Carlos Mendes, Carlos do Carmo, Francisco Fanhais, Cristina Branco,
Vitorino e o grupo Linha da Frente.
***
Queiramos
ou não, a obra de Manuel Alegre impõe-se pela quantidade, pela qualidade e pela
maleabilidade – o que lhe garante grande aceitação. No entanto, diga-se que
Alegre é grande sobretudo na poesia, onde escreve e diz com alma, profunda e
larga ou leve como pena de ave – em consonância com o tipo de sentimento a
acolher a e expressar e de acordo com intensidade que lhe é própria.
Obra
“longa, exaustiva e rica” – disse o
Marcelo. E mesmo que o não dissesse…
2017.06.13 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário