domingo, 18 de junho de 2017

O incêndio florestal mais devastador de que há memória

Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, foi ontem, dia 17 de junho, assolado por um enorme incêndio devastador em bens, ambiente, mas sobretudo em vítimas humanas mortais e feridos. Até ao momento em que escrevo, já se contabilizaram 62 mortos e mais de meia centena de feridos, que alguns dizem que pode duplicar. Dezenas de pessoas encontraram a morte dentro dos veículos em que se faziam transportar, ao passo que outras foram por ela apanhadas na berma da estrada. E outras foram salvas entre o heroísmo de alguém e o milagre divino.
Segundo informação policial, a causa da deflagração deste brutal flagelo incendiário, que se estendeu rapidamente aos concelhos vizinhos de Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, não teve mão criminosa, mas resultou do capricho da natureza: o desencadear duma trovoada seca abriu várias frentes de fogo. A PJ diz ter encontrado uma árvore atingida por um raio. O diretor nacional da Polícia Judiciária afirmou à Lusa, hoje de manhã, que o incêndio que deflagrou no concelho de Pedrógão Grande teve origem numa trovoada seca, afastando qualquer indício de origem criminosa. Disse Almeida Rodrigues:
“A PJ, em perfeita articulação com a GNR, conseguiu determinar a origem do incêndio e tudo aponta muito claramente para que sejam causas naturais. Inclusivamente, encontrámos a árvore que foi atingida por um raio. Conseguimos determinar que a origem do incêndio foi provocada por trovoadas secas.”.
Creem alguns que pouco ou nada mais havia a fazer, dado o caráter repentino do fogo, as múltiplas frentes de deflagração, a inospitalidade dos terrenos, a difícil acessibilidade, a inusitada acumulação de caruma provocada por ventos anteriores recentes, a impensada altura das labaredas, a velocidade dos ventos e a sua mudança repetitivamente repentina de direção, com a consequente mudança de direção das chamas. E as muitas pessoas que morreram e as que se sentiram impedidas de respirar – transportadas para o Centro de Saúde local, feito hospital de campanha – não foram apanhadas pelas labaredas, mas ficaram encurraladas na estrada em zonas de fumo baixo e espesso.
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Algumas informações de pormenor
Como refere o Público, “trovoadas secas, temperaturas altas e vento contribuíram para um incêndio que começou antes das três horas da tarde de sábado em Escalos Fundeiros”. Passavam das duas da manhã de hoje quando o Primeiro-Ministro deu conta de que havia 24 mortos confirmados. Mais tarde, a contagem elevou o número para 25. E os balanços foram-se sucedendo, com notícias piores. Ainda de madrugada, o Chefe do Governo declarou, na sede da Proteção Civil, em Carnaxide, que “esta é seguramente e maior tragédia que temos vivido. Perante 61 mortos (já são 62) e pelo menos 150 desalojados, foi decretado luto nacional nos dias 18, 19 e 20 de Junho.
Entretanto, o Presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, disse à Lusa que, com base nas informações dos diversos órgãos de comunicação social, o número de desalojados pode chegar aos 250. Entre as vítimas mortais estão pelo menos 30 pessoas que morreram dentro das viaturas ou foram apanhadas pelas chamas perto dos carros, na estrada, entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera. Três morreram por inalação de fumos, junto a um cemitério. Havia ainda ao princípio desta tarde 59 feridos, 18 transportados para hospitais em Lisboa, Porto e Coimbra, cinco em estado grave. E o Presidente da República esteve em Pedrógão Grande, onde, além de deixar uma “palavra de ânimo, de solidariedade, de confiança e de conforto” defendeu claramente a atuação da Proteção Civil, referindo que “o que se fez foi o máximo que era possível fazer, não tendo sido “possível fazer mais”, e acrescentando que os bombeiros foram “verdadeiros heróis”. E garantiu: “Não há nem falta de competência, nem falta de capacidade, nem falta de imediata resposta perante desafios difíceis”.
Durante a noite foram chegando ao concelho grupos de combate a incêndios dos distritos de Setúbal, Évora e Lisboa. A este respeito, Rui Esteves, comandante operacional nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil explicava, pelas duas da manhã, não ter sido possível um reforço de meios mais forte mais cedo por causa do número de incêndios em todo o país (156, segundo afirmou de madrugada António Costa). Ao ser questionado sobre o assunto, garantiu também que, apesar das falhas nas comunicações, os bombeiros estiveram sempre contactáveis. À mesma hora, a EDP tentava repor a eletricidade no concelho com recurso a oito geradores.
Por seu turno, o Presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, vaticinava, ao princípio da madrugada, que o número de mortos seria mais do dobro do que o indicado até então. Horas antes de se saber que o fogo seria mortal, declarara ter falta de meios para acorrer às aldeias que estavam em “muito perigo” e pedira mais bombeiros para o combate. As vítimas mortais “serão do concelho”, umas; e outras poderão ser visitantes.
Por volta das três da madrugada, a situação em Figueiró dos Vinhos era descrita como “caótica” devido ao avanço do incêndio de Pedrógão: “Há diversas povoações a arder em todo o concelho e as chamas estão a cercar a vila”, dizia à Lusa a vereadora Marta Fernandes. O incêndio era combatido unicamente pelos bombeiros locais e pelos moradores das zonas afetadas, uma vez que as corporações dos concelhos vizinhos estavam na linha da frente do combate ao incêndio em Pedrógão Grande.
Pouco depois das 4 da manhã, o incêndio continuava com 4 frentes ativas, era combatido por 593 operacionais, apoiados por 191 viaturas. Várias estradas estavam cortadas em Leiria, Coimbra e Vila Real. Dois pelotões de militares, “que são muito importantes também para as operações de rescaldo”, vieram, neste domingo, reforçar os meios no concelho, segundo disse a Ministra da Administração Interna, que também se deslocou a Pedrógão Grande. Hoje de manhã chegaram ainda dois Canadair de Espanha, que se juntaram aos meios aéreos portugueses e esperavam-se também auxílios aéreos franceses. No terreno, estão equipas da PJ e do Instituto Nacional de Medicina Legal com o objectivo de identificar as vítimas mortais. E a Marinha está presente com o apoio alimentar a bombeiros e a elementos da população que dele necessitem.
Constança Urbano de Sousa disse que “o momento é de concentrarmos todos os nossos esforços no combate às chamas”. Numa fase posterior, “será feita uma avaliação sobre o que correu bem, o que não correu, o que aconteceu”. Porém, é de sublinhar que o Secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, foi o primeiro no terreno a dar a notícia de que havia mortos e anunciou que foi declarado o plano de emergência distrital. Disse:
“Em nome do Governo, desde já, endereço às famílias o nosso pesar e o nosso lamento pelo que aconteceu. Isto não tem resposta. Estamos todos consternados com o que está acontecer e queremos acabar com tudo isto depressa.”.
Passos Coelho, líder do PSD, afirmou que o que se passou foi “uma tragédia muito grande”, admitindo durante uma sessão de apresentação do candidato do partido à autarquia de Ansião:
“Tivemos noção da proporção dessa tragédia há muito pouco e não quis deixar, mesmo num dia que era um dia de festa aqui para nós, de endereçar a todas as famílias enlutadas a nossa solidariedade”.
Também Presidente do CDS/PP, Assunção Cristas, declarou:
“Em profundo choque, perante a tragédia que se vive no distrito de Leiria, expresso o meu pesar pelas vítimas mortais e a minha total solidariedade para com as famílias atingidas”.
Ao princípio da tarde deste domingo, António Costa declarou que existem ainda zonas do terreno inacessíveis devido ao incêndio que continua a lavrar com violência. Novamente questionado sobre as causas do incêndio, Costa repetiu que “chegará o momento de os técnicos apurarem o que aconteceu”. “Concentremo-nos no que está ao nosso alcance”, apelou. O Primeiro-Ministro referiu que estão confirmados, até ao momento, 62 mortos.
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O panorama geral segundo os populares
Nas aldeias de Pedrógão Grande, o olhar é de desolação, assim como a paisagem, destruída depois das chamas. Num segundo as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós” – desabafa Henrique Carmo, sucateiro, morador de Adega, pequena aldeia do concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, um dia depois de o fogo ter consumido tudo por onde passou. E diz:
“Bastaram alguns segundos e tudo ficou reduzido a cinzas. Num momento as chamas estavam a quilómetros, noutro já estavam em cima de nós.”. 
Enquanto olha estupefacto para os cadáveres carbonizados dos animais, apanhados pelas chamas no barracão do irmão, Henrique pouco consegue dizer. “Estou maluco com isto tudo”, resume. “Agora é este negro todo à volta.” Os carros e o ferro-velho com que negoceia estão reduzidos a nada. O sucateiro ainda não fez contas aos prejuízos. Nem tem cabeça para isso. E lamenta: “A casa da minha avó, onde eu às vezes também estou, também foi atingida”. A única imagem que guarda, desde que o fogo chegou a Adega, é a das chamas a surgirem com uma força tal que mais pareciam “as ondas do mar que tudo levam à frente”.
Por seu turno, Maria da Conceição passou a noite em branco. Em Chãos, a manhã deste domingo foi tempo de ver o que ficou. Destruição. Pouco mais. E afirma em tom de revolta: “A casa salvei, mas o resto foi tudo. Valeram-me os baldes de água, que bombeiros não vi cá nenhum”. Muda-se de terra, mas as queixas são as mesmas.  
A paisagem florestal nos cerca de 20 quilómetros de caminho entre Figueiró e Pedrógão é agora marcada pelo preto. O chão transformou-se num manto cinzento, pontuado por troncos de árvores queimadas. Pelas estradas, veem-se postes de eletricidade tombados ou queimados. Também há casas sem telhado, jardins desfeitos e viaturas queimadas nas valetas, algumas das quais acidentadas. Laurinda Pires, cujo ex-cunhado foi uma das vítimas, conta:
“As pessoas, em pânico, meteram-se nos carros para fugir. Umas despistaram-se, outras foram apanhadas pelas chamas. A minha vizinha disse-me que ele tentou fugir e o carro estava batido. Mas não sei o que se passou.”.
Amélia Pires, de 80 anos, apenas diz que nunca viu semelhante tragédia. Habitante de Senhora da Piedade, outra aldeia do concelho de Pedrógão, ficou impedida de regressar a casa. Estava num convívio em Leiria quando soube que a terra estava a arder. Regressou de imediato, mas não passou de Avelar, onde continuava neste domingo de manhã, ela e muitos outros, que ali se refugiaram e só agora despertam para a realidade. A área próxima ao campo de futebol, junto ao IC8, foi transformada em local de receção de centenas de pessoas que, ao início da tarde de hoje, ainda não tinham autorização para regressar a casa. Neste acampamento, com elementos da Cruz Vermelha e outros profissionais da saúde e da assistência social, há quem procure informações sobre familiares. E Filomena Vilar, ansiosa por saber se os pais, com quem já não fala desde a madrugada, se encontram em segurança, lamenta:
“Não nos dizem nada, cortaram-nos o caminho e tivemos de passar aqui a noite”. 
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Repercussões internas e externas
O número de vítimas na sequência do incêndio de Pedrógão Grande continua a subir e a dimensão da tragédia é reportada em todo o mundo. A imprensa mundial dá conta do sucedido, frisando que a maioria das vítimas perdeu a vida quando tentava fugir das chamas nos carros.
Por exemplo, A BBC escreve que, apesar de os incêndios florestais não serem novidade no tempo quente, os governantes portugueses estão “visivelmente chocados” com o número de vítimas. Em Espanha, El Mundo fala num incêndio “descontrolado” que continua a fazer vítimas e El País assinala que 30 pessoas morreram dentro dos carros. Em França, Le Figaro assinala que há dezenas de mortos e que o número não cessa de aumentar, tal como o italiano Corriere della Sera. E a norte-americana CNN dá destaque ao dramático número de mortos, tal como o Financial Times ou mesmo a Al-Jazeera, do Qatar.
O treinador português André Villas-Boas promoveu desafio que vale ajuda financeira (100 mil euros) para as vítimas do incêndio que já provocou 61 mortes.
A Caritas Portuguesa disponibilizou já 200 mil euros para esta emergência. E o Santuário de Fátima, além da oração, promete um apoio pecuniário a definir muito em breve.
E, por ocasião da recitação do Angelus com a multidão reunida na Praça de São Pedro, o Papa Francisco disse:
Exprimo a minha proximidade ao querido povo português pelo incêndio devastador que está a consumir as florestas à volta de Pedrógão Grande, causando numerosas vítimas mortais e feridos. Rezemos em silêncio.”.
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Alguns especialistas dizem não saber ainda as dimensões do incêndio, as suas causas e se era possível evitá-lo. Com efeito, o desconhecimento dum terreno inóspito e de acesso muito difícil, bem como a dificuldade de num território com aquela morfologia construir aceiros, charcas de água, pontos de água e plantios de cereal – fatores acrescidos da irregular acumulação de carumas e outros lixos – não deixam vislumbrar com clareza uma solução preventiva totalmente eficaz. Porém, outros entendem que era possível evitar a extensão dos malefícios do incêndio que, dada a sua origem natural (confiando na informação policial), era inevitável. Assim, teriam de se considerar as previsões meteorológicas fornecidas regularmente pelo IPMA, guarnecer os lugares com maior risco de viaturas, homens e camiões-cisternas e cortar as estradas que oferecem este tipo de perigo a tempo e horas.
Bom, é de perguntar se havia meios logísticos e humanos para acorrer a tudo. Por outro lado, é de lembrar a necessidade da prevenção eficaz (vigilância, limpeza, aceiros, clareiras, charcas de água, pontos de água, plantio de cereais), do reordenamento racional da floresta (policultura, predomínio de folhosas, espaçamento…) e da existência sólida e estável dum organismo coordenador unificado da atividade florestal.
Venha daí a vontade política que faça cessar os incêndios como fonte de lucro para alguns!

2017.06.18 – Louro de Carvalho

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