quarta-feira, 14 de junho de 2017

No 4.º centenário do martírio do Beato João Baptista Machado

A Comunicação Social mais atenta às atividades da Igreja Católica em Portugal deu relevo à iniciativa da diocese de Angra que assinalou na penúltima semana de maio o 4.º centenário do martírio do beato João Baptista Machado, ocorrido no Japão em 22 de maio de 1617, que é o padroeiro principal da diocese. Decorre também neste ano o sesquicentenário da beatificação.
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Colóquio internacional “Martírio do Beato João Baptista Machado / 400 anos
Com efeito, a diocese de Angra e o Instituto Histórico da ilha Terceira promoveram, nos dias 25 e 26 de maio o colóquio internacional “Martírio do Beato João Baptista Machado / 400 anos”, iniciativa que reuniu, no Palácio dos Capitães Generais, vários historiadores e investigadores das ciências sociais, Durante dois dias 10 conferencistas dissertaram sobre a vida, a obra e o contexto histórico-social do beato da Igreja, presbítero-mártir e padroeiro da diocese insular. Entre os palestrantes estiveram o bispo de Coimbra, Dom Virgílio do Nascimento Antunes, que proferiu a conferência de abertura no dia 25, pelas 20,30 horas sobre o “Martírio e a Santidade”. O Colóquio prosseguiu, no dia seguinte, com as conferências: “Os Açores ao tempo do martírio do BJBM”, por Avelino de Freitas de Meneses, Secretário Regional da Educação e ex-Reitor da Universidade dos Açores; “A Família do BJBM”, por Jorge Forjaz; “A Companhia de Jesus e os Açores”, por José Guilherme Reis Leite; “A Diocese de Angra e os ventos da Reforma Católica ao tempo do BJBM”, por  Fernanda Enes; e “A Epopeia da Santidade – o BJBM nas letras açorianas”, por Sérgio Toste – conferências proferidas na manhã do dia 26. À tarde, os trabalhos foram retomados com as intervenções: de João Paulo Oliveira e Costa, sob o título “Angra na rota das Índias”; de António Trigueiros, sob o título “As Missões Portuguesas no Oriente? Evangelização e inculturação”; de António de Saldanha e Albuquerque, sob o título “BJBM: Processo de Beatificação na Sagrada Congregação dos Ritos”; e de Adelino Ascenso, sob o título “Apesar de tanto sofrimento, Senhor, o mar continua tão azul”. E o colóquio que encerrou com uma celebração pontifical na Sé Catedral. Paralelamente a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo exibiu na sala de cinema do Centro Cultural e de Congressos da cidade património o filme “Silêncio”, de Martin Scorsese.
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Dados biográficos e do post mortem
João Baptista Machado SJ nasceu em Angra em 1580 ou 1582 e foi martirizado em Omura, Japão, a 22 de maio de 1617. Nascido na cidade de Angra, numa casa situada nas imediações do atual Largo Prior do Crato (depois incorporada no Colégio da Companhia de Jesus de Angra), era filho de Cristóvão Vieira e de Maria Cota da Malha, família rica ligada à mais antiga e distinta aristocracia da ilha Terceira, descendente da família dos Canto e Faria Maia. Foi batizado na Sé de Angra, em 1580, cuja escola frequentou até aos 15 anos, idade com que partiu para Lisboa, seguindo depois para Coimbra.
À morte do pai, desistiu de todos os seus bens em favor de sua mãe, fez legados pios e lembrou-se de amigos. Contando então 16 anos de idade, foi admitido, a 10 de abril de 1597, no Colégio da Companhia de Jesus de Coimbra, onde iniciou o noviciado com a intenção de ser missionário no Oriente, mais concretamente no Japão, onde os padres jesuítas exerciam intenso apostolado, bem como na Índia, Malaca, Macau e nas terras da Tailândia e Vietname. Concluídos os estudos e tendo ali professado, partiu para a Índia em 1601, com outros 15 companheiros jesuítas.
No Oriente continuou a frequentar os estudos dos colégios da Companhia, tendo estudado Filosofia em Goa e Teologia em Macau, após o que foi ordenado sacerdote em Goa. Após a ordenação sacerdotal, autorizaram-no a ir para as missões do Japão. E deixou Goa como missionário destinado ao Japão em 1609, quando já ordens do shógun (lit. “comandante do exército) Tokugawa Ieyasu determinavam que os missionários abandonassem o território nipónico. Ignorando a língua japonesa, tornou-se-lhe forçoso ficar no Colégio Jesuíta de Arima até adquirir os conhecimentos indispensáveis para a missionação. Estudada a língua japonesa e já orientalizado, iniciou as tarefas missionárias. Depois de visitar a cidade de Meaco (capital”, como era conhecida a cidade por ter sido a capital do Japão), hoje Quioto, e a cidade de Fuximo, hoje Fujimi, Saitama, acabou por se fixar na cidade de Gotō, no sul do arquipélago japonês.
Resolveu permanecer no Japão mesmo após ter recebido, em 1614, ordem imperial para abandonar as ilhas. Passou, então, a missionar na clandestinidade, trabalhando, disfarçado, para acudir às necessidades espirituais das comunidades cristãs japonesas existentes no sul do arquipélago. Em abril de 1617, foi descoberto e detido ao confessar um grupo de cristãos. Levado para a cidade de Omura, nos arredores de Nagasaki, foi encarcerado na prisão de Cori (hoje Kori, norte de Omura), onde partilhou o cárcere com o franciscano português frei Pedro da Assunção, superior do Convento de Nagasaki. Foi executado por decapitação a 22 de maio, no monte Obituri, juntamente com cerca de 100 cristãos de várias congregações. Por coincidência, era o Domingo da Santíssima Trindade, nos seus Açores, dia do Segundo Bodo do ano de 1617.
Entre parêntesis, diga-se que bodo ou função é a refeição coletiva que integra a festa do Espírito Santo e a da Santíssima Trindade e para a qual todos são convidados, ricos e pobres, habitantes ou forasteiros, com a seguinte ementa: sopa do Espírito Santo, alcatra, pão, armazenados nos Impérios ou nas despensas, massa sovada ou rosquilhas (Pico) e vinho.
Com João Baptista Machado foi executado frei Pedro da Assunção. Rezam as crónicas que o açoriano aceitou serenamente a morte, considerando-a um martírio. Tão sincera foi a alegria de se saber condenado ao martírio por amor a Jesus Cristo que o Governador encarregado de transmitir a ordem do Imperador veio a converter-se à religião cristã e, mais tarde, também foi mártir da fé. Dois nobres japoneses foram destacados para executar a sentença. Dum só golpe, foi cortada a cabeça a Frei Pedro. Chegando, porém, a vez de Baptista Machado, o executor de tal modo se perturbou que, ao primeiro golpe, caiu por terra com o mártir. Levantaram-se os dois e foi vibrado novo golpe de catana, mas só ao terceiro é que se consumou o martírio. Tinha então 35 a 37 anos de idade, estando havia 20 anos na Companhia de Jesus, 16 anos no Oriente e 8 anos no Japão.
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Foi beatificado juntamente com 204 outros mártires japoneses, pelo Papa Pio IX, que aprovou, pelo breve Martyrum rigata sanguine (datado de 7 de maio de 1867), o ofício e a missa próprios. A cerimónia solene de beatificação teve lugar na Basílica de São Pedro no domingo, dia 7 de julho de 1867 (há 150 anos). O grupo de 205 beatos é conhecido no Martirológio Romano sob o título de Carlos Spínola e Companheiros Mártires do Japão – designação que engloba, pois, João Baptista Machado e outros 204 mártires vítimas da mesma perseguição, num grupo que ficou conhecido como os beatos Mártires do Japão. Integram o grupo 205 católicos executados no Japão, entre 1617 e  1632, na repressão anticristã desencadeada pelos  shoguns Tokugawa Hidetada e Tokugawa Iemitsu em Nagasaki e Tóquio. São, ao todo, 166 cristãos leigos (quase todos japoneses), e 39 sacerdotes, dos quais são 13 jesuítas, 12 dominicanos, 8 franciscanos, 5 agostinhos e um sacerdote diocesano japonês. Incluído no Martirológio Romano, do Beato Carlos Spínola e Companheiros Mártires no Japão  faz-se memória a 8 de Junho.
Dom João Maria Pereira do Amaral e Pimentel, bispo de Angra, por breve de 28 de abril de 1872, introduziu a festividade do Beato João Baptista Machado na diocese, a comemorar-se a 15 de fevereiro de todos os anos. Por diligências daquele prelado realizou-se, a 30 de abril de 1876, na igreja do Colégio dos Jesuítas, a primeira festividade de pontifical em honra do glorioso mártir cristão beato João Baptista Machado, cuja imagem o prelado ofertara e nesse dia benzera, proclamando-o patrono da cidade, da ilha e da Diocese. Em 1962, o Papa João XXIII  declarou-o protetor especial da Diocese de Angra, sendo 22 de maio a data da sua veneração. Na exposição dedicada ao emigrante açoriano em Angra do Heroísmo, a comissão presidida por José Agostinho, com o apoio das autoridades eclesiásticas, escolheu o mártir para patrono dos emigrantes açorianos, por sugestão de Luís da Silva Ribeiro (1822-1955), que apelidara como patrono dos emigrantes aquele que foi, pelo espírito, o maior dos açorianos. A Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, então presidida por Agnelo Ornelas Rego, declarou-o patrono do Distrito de Angra e promoveu, durante anos, no dia 22 de maio, uma sessão solene em sua homenagem. Com a extinção do distrito, tal prática caiu em desuso.
Está pendente na Santa Sé o processo de canonização do Beato João Baptista Machado, existindo uma comissão diocesana para estudo aprofundado da causa. Foi entregue, pelo Bispo Dom Aurélio Granada Escudeiro, um pedido de canonização a São João Paulo II, aquando da sua visita aos Açores em 1991. O processo é já multissecular, tendo já o Padre António Cordeiro (1641-1722), jesuíta natural da ilha Terceira e autor da História Insulana, publicada em 1717, dedicado ao seu companheiro o capítulo 44 do Livro VI da obra, com a genealogia do Invicto Mártir, apelo em não retardar as diligências a fim de obter a canonização de João Baptista Machado escrevendo: 
E ainda que necessária e santamente se costuma gastar muito na canonização dum Santo para se executar com a devida decência e culto, não deve isto obstar a uma ilha Terceira que, sem pedir a outrem coisa alguma, pode por si só fazer por tal causa os tais gastos.
A primeira obra conhecida que biografa João Baptista Machado deve-se a António Francisco Cardim SJ, que louvou o beato na sua obra Elogios, e ramalhetes de flores borrifado com o sangue dos mártires da Companhia de Jesus, a quem os tiranos do Império de Japão tiraram as vidas, de 1650. O tema foi retomado recentemente na obra Mártires do Japão, do arquiteto Eduardo Kol de Carvalho, durante anos Conselheiro Cultural de Portugal no Japão e professor de Estudos Portugueses na Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto. Para lá destes, estão publicados dois livros sobre a sua vida, obra e martírio, além de vários artigos dispersos. Existem diversas gravuras representando o martírio do beato. Há uma igreja dedicada ao Beato João Baptista Machado na ilha Terceira; e a sua imagem está exposta em várias igrejas da diocese de Angra e na diáspora açoriana, em esculturas e vitrais. Dá nome a uma rua na cidade de Angra do Heroísmo e a uma canada na freguesia da Ribeirinha, para lá de constar na designação de diversas instituições terceirenses. A festa anual realiza-se, a 22 de maio, na diocese açoriana, com a categoria litúrgica de solenidade.
Tem estátua numa praça pública da cidade de Angra do Heroísmo da autoria do escultor açoriano Raposo de França, erguida em 1988, e um monumento no Japão, que resultou da iniciativa duma comissão composta por paroquianos da Sé de Angra. A solene inauguração do monumento ocorreu a 3 de setembro de 1988. Empresta, ainda, o seu nome a um Jardim de infância, a uma Escola do 1.º Ciclo, um Centro Residencial Juvenil e uma Cooperativa de Consumo. Na cultura popular, a sua biografia serviu de tema a uma peça de teatro e a pelo menos uma dança de espada.
João Baptista Machado é um dos 7 mártires do Japão, juntamente com Ambrósio Fernandes (Porto), Francisco Pacheco (Ponte de Lima), Diogo de Carvalho (Coimbra), Miguel de Carvalho (Braga), Vicente de Carvalho e Domingos Jorge que aguardam a canonização.
 Apesar do culto popular que existiu em torno da figura da venerável Margarida de Chaves, conhecida nos Açores como “santa” Margarida de Chaves, João Baptista Machado é até agora o único açoriano que mereceu as honras dos altares, embora apenas como beato.
Em ano de tetracentenário, o período de evocação do Beato João Baptista Machado é bastante extenso: a 22 de maio, a sua memória litúrgica; a 8 de junho, a memória litúrgica do Beato Carlos Spínola e Companheiros Mártires no Japão; e a 11 de junho, celebrou-se a Solenidade da Santíssima Trindade.
Uma palavra de apreço pelo Padre António Cordeiro SJ, açoriano, que já conhecia pela obra Loreto Lusitano (1719), dedicada à história do Santuário de Nossa Senhora da Lapa (Bispado de Lamego) e que agora percebi, na História Insulana, louvou as virtudes do seu companheiro João Baptista Machado e fez uma forcinha em prol da sua canonização.
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Outros considerandos
Conhecido que foi o filme “silêncio”, que põe em evidência, embora de foram crítica, a suspeição de apostasia de alguns jesuítas no Japão sob o peso da tortura aquando da iminência do martírio, e sabendo como o Padre João Rodrigues, o intérprete, também jesuíta português naquele tempo, fora mandado avisar pelo shógun para sair à boa mente para não ser sujeito a tortura e morte, é de toda a justiça enaltecer estas figuras de mártires que, enquanto puderam, sob disfarce, evangelizaram, catequizaram, assistiram espiritual e materialmente os cristãos e faziam novos discípulos. Depois, estoica, esclarecida e heroicamente deram a vida pela fé tão serena e convictamente que alguns dos algozes se converteram e se candidataram ao martírio com o eficaz sucesso da fé com semen christianorum.

2017.06.14 – Louro de Carvalho

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