A Comunicação
Social mais atenta às atividades da Igreja Católica em Portugal deu relevo à
iniciativa da diocese de Angra que assinalou na penúltima semana de maio o 4.º centenário
do martírio do beato João Baptista Machado, ocorrido no Japão em 22 de maio de
1617, que é o padroeiro principal da diocese. Decorre também neste ano o
sesquicentenário da beatificação.
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Colóquio internacional
“Martírio do Beato João Baptista Machado
/ 400 anos”
Com efeito, a diocese de Angra e o Instituto Histórico da
ilha Terceira promoveram, nos dias 25 e 26 de maio o colóquio internacional “Martírio do Beato João Baptista Machado /
400 anos”, iniciativa que reuniu, no Palácio dos Capitães Generais, vários
historiadores e investigadores das ciências sociais, Durante dois dias 10
conferencistas dissertaram sobre a vida, a obra e o contexto histórico-social
do beato da Igreja, presbítero-mártir e padroeiro da diocese insular. Entre os
palestrantes estiveram o bispo de Coimbra, Dom Virgílio do Nascimento Antunes,
que proferiu a conferência de abertura no dia 25, pelas 20,30 horas sobre o “Martírio e a Santidade”. O Colóquio
prosseguiu, no dia seguinte, com as conferências: “Os Açores ao tempo do martírio do BJBM”, por Avelino de Freitas de
Meneses, Secretário Regional da Educação e ex-Reitor da Universidade dos
Açores; “A Família do BJBM”, por
Jorge Forjaz; “A Companhia de Jesus e os
Açores”, por José Guilherme Reis Leite; “A Diocese de Angra e os ventos da Reforma Católica ao tempo do BJBM”,
por Fernanda Enes; e “A Epopeia da
Santidade – o BJBM nas letras açorianas”, por Sérgio Toste – conferências proferidas
na manhã do dia 26. À tarde, os trabalhos foram retomados com as intervenções:
de João Paulo Oliveira e Costa, sob o título “Angra na rota das Índias”; de António Trigueiros, sob o título “As Missões Portuguesas no Oriente?
Evangelização e inculturação”; de António de Saldanha e Albuquerque, sob o
título “BJBM: Processo de Beatificação na
Sagrada Congregação dos Ritos”; e de Adelino Ascenso, sob o título “Apesar de tanto sofrimento, Senhor, o
mar continua tão azul”. E o colóquio que encerrou com uma celebração
pontifical na Sé Catedral. Paralelamente a Câmara Municipal de Angra do
Heroísmo exibiu na sala de cinema do Centro Cultural e de Congressos da cidade
património o filme “Silêncio”, de
Martin Scorsese.
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Dados biográficos
e do post mortem
João Baptista Machado SJ nasceu em
Angra em 1580 ou 1582 e
foi martirizado em Omura, Japão, a 22 de
maio de 1617. Nascido
na cidade de Angra, numa casa situada nas imediações do atual Largo Prior do
Crato (depois
incorporada no Colégio da Companhia de Jesus de Angra), era filho de Cristóvão Vieira
e de Maria Cota da Malha, família rica ligada à mais antiga e distinta
aristocracia da ilha Terceira,
descendente da família dos Canto e Faria Maia. Foi batizado na Sé de Angra, em 1580, cuja escola frequentou até aos
15 anos, idade com que partiu para Lisboa,
seguindo depois para Coimbra.
À morte do
pai, desistiu de todos os seus bens em favor de sua mãe, fez legados pios e
lembrou-se de amigos. Contando então 16 anos de idade, foi admitido, a 10 de
abril de 1597, no Colégio da Companhia de Jesus de Coimbra, onde iniciou o noviciado com a intenção de ser
missionário no Oriente, mais concretamente no Japão, onde os padres jesuítas
exerciam intenso apostolado, bem como na Índia, Malaca, Macau e nas terras da
Tailândia e Vietname. Concluídos os
estudos e tendo ali professado, partiu para a Índia em 1601, com outros 15 companheiros
jesuítas.
No Oriente
continuou a frequentar os estudos dos colégios da Companhia, tendo estudado Filosofia em Goa e Teologia em Macau, após o que foi ordenado sacerdote em Goa. Após a
ordenação sacerdotal, autorizaram-no a ir para as missões do Japão. E deixou
Goa como missionário destinado ao Japão em 1609,
quando já ordens do shógun (lit. “comandante do exército”) Tokugawa
Ieyasu determinavam que os missionários abandonassem o território
nipónico. Ignorando a língua japonesa,
tornou-se-lhe forçoso ficar no Colégio
Jesuíta de Arima até adquirir os conhecimentos indispensáveis para
a missionação. Estudada a língua japonesa e já orientalizado, iniciou as
tarefas missionárias. Depois de visitar a cidade de Meaco (“capital”,
como era conhecida a cidade por ter sido a capital do Japão), hoje Quioto, e a cidade de Fuximo, hoje Fujimi, Saitama, acabou por se fixar na cidade
de Gotō, no sul do arquipélago
japonês.
Resolveu
permanecer no Japão mesmo após ter recebido, em 1614, ordem imperial para
abandonar as ilhas. Passou,
então, a missionar na clandestinidade, trabalhando, disfarçado, para acudir às
necessidades espirituais das comunidades cristãs japonesas existentes no sul do
arquipélago. Em abril de 1617, foi
descoberto e detido ao confessar um grupo de cristãos. Levado para a cidade de Omura, nos arredores de Nagasaki, foi encarcerado na prisão de
Cori (hoje Kori, norte de
Omura), onde partilhou o
cárcere com o franciscano português frei Pedro
da Assunção, superior do Convento de Nagasaki. Foi executado por
decapitação a 22 de maio, no
monte Obituri, juntamente com cerca de 100 cristãos de várias congregações. Por
coincidência, era o Domingo da
Santíssima Trindade, nos seus Açores,
dia do Segundo Bodo do ano
de 1617.
Entre
parêntesis, diga-se que bodo ou função é a refeição coletiva que integra
a festa do Espírito Santo e a da Santíssima Trindade e para a qual todos são convidados, ricos e pobres, habitantes ou
forasteiros, com a seguinte ementa: sopa do Espírito Santo, alcatra, pão,
armazenados nos Impérios ou nas despensas, massa sovada ou rosquilhas (Pico) e vinho.
Com João Baptista Machado foi executado frei Pedro da Assunção. Rezam as crónicas
que o açoriano aceitou serenamente a morte, considerando-a um martírio. Tão sincera foi a alegria de
se saber condenado ao martírio por amor a Jesus Cristo que o Governador
encarregado de transmitir a ordem do Imperador veio a converter-se à religião
cristã e, mais tarde, também foi mártir da fé. Dois nobres japoneses foram
destacados para executar a sentença. Dum só golpe, foi cortada a cabeça a Frei
Pedro. Chegando, porém, a vez de Baptista Machado, o executor de tal modo se
perturbou que, ao primeiro golpe, caiu por terra com o mártir. Levantaram-se os
dois e foi vibrado novo golpe de catana, mas só ao terceiro é que se consumou o
martírio. Tinha então 35 a 37 anos de idade, estando havia 20 anos na Companhia de Jesus, 16 anos no Oriente e 8 anos no Japão.
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Foi
beatificado juntamente com 204 outros mártires japoneses,
pelo Papa Pio IX, que aprovou, pelo
breve Martyrum rigata sanguine
(datado de 7 de maio de
1867), o ofício e a
missa próprios. A cerimónia solene de beatificação teve lugar na Basílica de
São Pedro no domingo, dia 7 de
julho de 1867 (há 150 anos). O
grupo de 205 beatos é conhecido no Martirológio Romano sob o
título de Carlos Spínola e
Companheiros Mártires do Japão – designação que engloba, pois, João Baptista Machado e
outros 204 mártires vítimas da mesma perseguição, num grupo que ficou conhecido
como os beatos Mártires do Japão. Integram
o grupo 205 católicos executados no Japão, entre 1617 e 1632, na repressão anticristã
desencadeada pelos shoguns Tokugawa Hidetada e Tokugawa Iemitsu em
Nagasaki e Tóquio. São, ao todo, 166
cristãos leigos (quase
todos japoneses), e 39
sacerdotes, dos quais são 13 jesuítas, 12 dominicanos,
8 franciscanos, 5 agostinhos e um sacerdote
diocesano japonês. Incluído no Martirológio Romano, do Beato
Carlos Spínola e Companheiros Mártires no Japão faz-se memória a 8 de Junho.
Dom João
Maria Pereira do Amaral e Pimentel, bispo de Angra, por breve de 28 de abril de
1872, introduziu a festividade do Beato João Baptista Machado na diocese, a
comemorar-se a 15 de fevereiro de todos os anos. Por diligências daquele prelado
realizou-se, a 30 de abril de 1876, na igreja do Colégio dos Jesuítas, a
primeira festividade de pontifical em
honra do glorioso mártir cristão beato
João Baptista Machado, cuja imagem o prelado ofertara e nesse dia benzera,
proclamando-o patrono da cidade, da ilha e da Diocese. Em 1962, o Papa João XXIII declarou-o protetor
especial da Diocese de Angra,
sendo 22 de maio a data da sua veneração. Na exposição dedicada ao emigrante
açoriano em Angra do Heroísmo, a comissão presidida por José Agostinho, com o apoio das
autoridades eclesiásticas, escolheu o mártir para patrono dos emigrantes
açorianos, por sugestão de Luís da Silva
Ribeiro (1822-1955), que apelidara como patrono dos
emigrantes aquele que foi,
pelo espírito, o maior dos açorianos.
A Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo,
então presidida por Agnelo Ornelas Rego,
declarou-o patrono do Distrito de Angra e promoveu, durante anos, no dia 22 de maio,
uma sessão solene em sua homenagem. Com a extinção do distrito, tal prática
caiu em desuso.
Está pendente
na Santa Sé o processo de canonização do Beato João
Baptista Machado, existindo uma comissão diocesana para estudo aprofundado da
causa. Foi entregue, pelo Bispo Dom Aurélio Granada Escudeiro, um pedido de
canonização a São João Paulo II,
aquando da sua visita aos Açores em 1991. O processo é já multissecular,
tendo já o Padre António Cordeiro (1641-1722), jesuíta natural da ilha Terceira e
autor da História Insulana, publicada em 1717, dedicado ao seu
companheiro o capítulo 44 do Livro VI da obra, com a genealogia do Invicto Mártir, apelo em não
retardar as diligências a fim de obter a canonização de João Baptista Machado
escrevendo:
“E ainda que necessária e santamente se
costuma gastar muito na canonização dum Santo para se executar com a devida
decência e culto, não deve isto obstar a uma ilha Terceira que, sem pedir a
outrem coisa alguma, pode por si só fazer por tal causa os tais gastos”.
A primeira
obra conhecida que biografa João Baptista Machado deve-se a António Francisco Cardim SJ, que
louvou o beato na sua obra Elogios,
e ramalhetes de flores borrifado com o sangue dos mártires da Companhia de
Jesus, a quem os tiranos do Império de Japão tiraram as vidas, de 1650. O tema foi retomado recentemente
na obra Mártires do Japão,
do arquiteto Eduardo Kol de Carvalho, durante anos Conselheiro Cultural de
Portugal no Japão e professor de Estudos Portugueses na Universidade de Estudos
Estrangeiros de Quioto. Para lá
destes, estão publicados dois livros sobre a sua vida, obra e martírio, além de
vários artigos dispersos. Existem diversas gravuras representando o martírio do
beato. Há uma igreja dedicada ao Beato
João Baptista Machado na ilha
Terceira; e a sua imagem está exposta em várias igrejas da diocese
de Angra e na diáspora açoriana, em esculturas e vitrais. Dá nome a uma rua na
cidade de Angra do Heroísmo e a uma canada na freguesia da Ribeirinha, para lá de constar na
designação de diversas instituições terceirenses. A festa anual realiza-se, a 22 de
maio, na diocese açoriana, com a categoria litúrgica de solenidade.
Tem estátua numa praça pública da cidade de Angra do Heroísmo
da autoria do escultor açoriano Raposo
de França, erguida em 1988, e um
monumento no Japão, que resultou da iniciativa duma comissão composta por
paroquianos da Sé de Angra. A solene inauguração do monumento ocorreu a 3 de
setembro de 1988. Empresta, ainda, o seu nome a um Jardim de infância, a uma
Escola do 1.º Ciclo, um Centro Residencial Juvenil e uma Cooperativa de
Consumo. Na cultura popular, a sua biografia serviu de tema a uma peça de
teatro e a pelo menos uma dança de espada.
João Baptista Machado é um dos 7 mártires do Japão,
juntamente com Ambrósio Fernandes (Porto),
Francisco Pacheco (Ponte
de Lima), Diogo de
Carvalho (Coimbra), Miguel de Carvalho (Braga), Vicente de Carvalho e Domingos Jorge que aguardam a
canonização.
Apesar do culto popular
que existiu em torno da figura da venerável
Margarida de Chaves, conhecida nos Açores como “santa” Margarida de
Chaves, João Baptista Machado é até agora o único açoriano que mereceu as
honras dos altares, embora apenas como beato.
Em ano de tetracentenário, o período de
evocação do Beato João Baptista Machado é bastante extenso: a 22 de maio, a sua
memória litúrgica; a 8 de junho, a memória litúrgica do Beato Carlos Spínola e
Companheiros Mártires no Japão; e
a 11 de junho, celebrou-se a Solenidade da Santíssima Trindade.
Uma palavra de apreço pelo Padre
António Cordeiro SJ, açoriano, que já conhecia pela obra Loreto Lusitano (1719), dedicada à história
do Santuário de Nossa Senhora da Lapa (Bispado de Lamego) e que agora
percebi, na História Insulana, louvou as virtudes do seu companheiro João Baptista
Machado e fez uma forcinha em prol da sua canonização.
***
Outros
considerandos
Conhecido que
foi o filme “silêncio”, que põe em evidência, embora de foram crítica, a suspeição
de apostasia de alguns jesuítas no Japão sob o peso da tortura aquando da
iminência do martírio, e sabendo como o Padre João Rodrigues, o intérprete, também
jesuíta português naquele tempo, fora mandado avisar pelo shógun para sair à boa mente para não ser sujeito a tortura e
morte, é de toda a justiça enaltecer estas figuras de mártires que, enquanto puderam,
sob disfarce, evangelizaram, catequizaram, assistiram espiritual e
materialmente os cristãos e faziam novos discípulos. Depois, estoica,
esclarecida e heroicamente deram a vida pela fé tão serena e convictamente que
alguns dos algozes se converteram e se candidataram ao martírio com o eficaz sucesso
da fé com semen christianorum.
2017.06.14 – Louro de Carvalho
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