Foram divulgadas, a 7 de junho, duas cartas do Papa
Francisco, datadas de 22 de maio, uma dirigida a Dom Manuel Clemente e outra a
Dom António Marto.
Na carta que enviou ao Cardeal Patriarca de Lisboa e
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), renova a expressão do seu “grato apreço” aos “bispos, sacerdotes,
pessoas consagradas e fiéis leigos” pelo “cuidado pastoral e espiritual com que
as diversas dioceses se prepararam e estão a viver o centenário das Aparições
de Fátima, nomeadamente com a visita da Virgem Peregrina a tudo quanto era
cidade e aldeia desse abençoado Portugal, donde agora vieram pessoas sem conta
‘ver’ a Mãe do Céu”. Na que enviou ao Bispo de Leiria-Fátima, exprime a este
prelado “e aos seus colaboradores de sempre e para esta especial ocasião,
nomeadamente ao Padre Carlos Cabecinhas”, Reitor do Santuário e coordenador da
visita papal, a sua “profunda gratidão pelo acolhimento fraterno e a
hospitalidade fidalga” que reservaram ao Pontífice e aos seus colaboradores, “frutificando
em solertes atenções e obras que lhes vinham do coração e chegavam ao coração”.
Trata-se de um gesto de cortesia, sem dúvida, mas também de
apreço pela índole da alma portuguesa, como se pode comprovar atentando pela
sua asserção na carta ao Presidente da CEP: “Vi um povo ordeiro e entusiasta, crente e sem respeitos humanos, no
roteiro que me levou de Monte Real até Fátima e vice-versa”. Só se espera,
digo eu, que este sentir do povo e seus pastores nunca venha a desmentir aquilo
que o Papa generosamente afirmou de nós e se redima pela sua atitude nem sempre
consentânea com tal enunciado papal.
Mas Francisco vai mais longe no elogio rasgado àquela
multidão que o comoveu pela fé, esperança e caridade manifestadas no silêncio
orante, nas velas acesas, na ovação aos novos santos e no acenar Feliz à Branca
Senhora:
“E, no
Santuário de Nossa Senhora, comoveu-me a solidez da fé, a indómita esperança e
a ardente caridade que anima o caminho humano e cristão daquele povo santo fiel
de Deus, com destaque para o silêncio de um milhão de peregrinos unidos ao meu
silêncio orante, o mar de luz feito por um milhão de velas acesas na noite de
vigília, a ovação elevada por dois milhões de mãos aos novos Santos Francisco e
Jacinta e o acenar de lenços brancos à Branca Senhora por um milhão de corações
felizes: Mãe, nunca Vos esqueceremos!”.
E não deixou de sublinhar a felicidade dos corações revelada
pela multidão na proclamação da realeza universal de Maria e no seu adeus
sentido e comovido espelhado na pureza branca mas largas centenas de milhar de
lencinhos. Não sei mesmo se merecemos aqueles adjetivos “indómita” aplicado à
nossa esperança, a de quem vive num mundo mais de profetas da desgraça que de
anunciadores da Boa Nova, ou o adjetivo de “ardente” caraterizador da nossa caridade,
tantas vezes à mistura com interesses e egoísmos. E que dizer da “solidez” da
nossa fé, por vezes, contente com a mera exterioridade ou com o pietismo
estéril ou com o momento de fervor efémero? Oxalá que o Papa tenha razão nos
elogios que nos faz!
Como recompensa, assegura a sua “oração pela Igreja de
Portugal para que continue a caminhar com perseverança e coragem, testemunhando
a todos o amor misericordioso do Pai do Céu” e, enquanto de coração nos
abençoa, pede que rezemos por si.
***
Na missiva enviada ao
prelado leiriense, o Sumo Pontífice reconhece que foi “envolvido pelo carinho e
entusiasmo da fé da multidão incontável de peregrinos”, pelo que exprime a sua
gratidão ao Bispo e colaboradores pelo acolhimento fraterno e hospitalidade
fidalga de que foi alvo no Santuário, aliás na diocese de Leiria-Fátima. Acentua
que tais atitudes frutificaram “em solertes
atenções e obras que lhes vinham do coração e chegavam ao coração”.
Depois, falou de Fátima e
dos pastorinhos. No dizer do Pontífice, “Fátima
oferece a todos um Coração grande de Mãe e convida o coração de cada um a
parecer-se um pouco mais com o d’Ela”. Aos dois pastorinhos já canonizados considera-os
como corações parecidos com o coração grande da Mãe e confessa que lhe deu
muita alegria “o facto de poder propô-los à veneração da Igreja inteira”.
E Dom António Marto bem pode sentir-se contente por
via de o Papa ter encontrado na terra um coração semelhante ao de Maria e ao dos
pastorinhos na pessoa do Bispo fatimita e “na legião de ‘anjos’ que o
representavam, com igual solicitude e eficácia de serviço, em toda a parte
desde a mesa ao altar”.
Gosto desta referência de Francisco, já que os anjos
são aqueles que servem ao altar de Deus e à mesa dos seus pobres e dos seus
ministros – e, neste sentido lato, são ministros de Deus todos os batizados
e/ou todos os que sofrem. Também são anjos os mensageiros de Deus e todos os
que participam no bom combate por Deus e pelas suas causas.
Além disso,
na sua carta, Francisco louvou a “Virgem Mãe pelo bom trabalho que Ela tem
feito naqueles que assim A amam e servem” e agradeceu, em especial, ao prelado responsável
pela superior orientação do Santuário “pelo seu efusivo testemunho de alegria e
amor a Nossa Senhora de Fátima”.
E a toda a
diocese de Leiria-Fátima quis encorajá-la “a prosseguir no anúncio e serviço
dos desígnios de misericórdia que a Santíssima Trindade nutre pela humanidade
inteira”. E, se estávamos habituados a ver esta diocese como uma Igreja
predominantemente mariana, temos de nos habituar a olhá-la como uma diocese
trinitária e eucarística onde tem lugar de destaque a Virgem Maria e os Santos Pastorinhos
por cuja intercessão o Papa invoca “a abundância dos dons e consolações do Céu
sobre o Pastor e todos aqueles que lhe estão confiados”. E também a todos estes
renova “o pedido de não se esquecerem de rezar” si e a quem, de bom grado, concede
“a Bênção Apostólica”.
***
Francisco
esteve em Fátima a 12 e 13 de maio no âmbito da celebração do Centenário das
Aparições como peregrino da paz e da esperança e propôs a “revolução” centrada
na misericórdia e no perdão, pedindo à Senhora que estenda o seu manto de Luz
por toda a humanidade.
Do programa
constaram essencialmente momentos de oração e três intervenções discursivas – a
saudação aos peregrinos na noite de 12 de maio, a homilia da missa do dia 13 e
a saudação aos doentes antes da Bênção com o Santíssimo Sacramento.
Francisco
aterrou na Base Aérea de Monte Real na tarde de dia 12. Após a cerimónia de
boas vindas e o encontro com o Presidente da República, fez uma visita à Capela
de Nossa Senhora do Ar, ainda dentro da Base, onde também Paulo VI e João Paulo
II tinham rezado.
Chegou ao
Santuário de Fátima vindo do Estádio de Fátima, a bordo do papamóvel, após ter
sido saudado por milhares de pessoas ao longo do caminho, ter sobrevoado o Recinto de Oração e tendo à sua espera,
na Capelinha das Aparições, centenas de crianças das escolas do Sagrado Coração
de Maria, de São Miguel e do Centro de Estudos de Fátima.
Na primeira
passagem pela Capelinha, onde permaneceu 8 minutos em silêncio orante diante da
imagem venerada, secundado pela enorme multidão de peregrinos, o Papa apresentou
uma oração mariana em que refletia, à luz da Mensagem de Fátima, as grandes
preocupações pela Igreja do Evangelho e dos pobres e pela solidez da fé, a
intrepidez da esperança e o ardor da caridade. E antes da recitação do Rosário
e da bênção das velas, abordou o devido lugar da devoção e do culto mariano na
Igreja e a recolocação da pessoa de Maria no mistério de Cristo e no mistério
da Igreja, bem como os candentes temas da justiça e da misericórdia,
considerando que é necessário valorizar mais a misericórdia divina no discurso
católico, sustentando que “devemos antepor a misericórdia ao julgamento, e em
todo o caso o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”. E,
lembrando os “desterrados” e “excluídos” da nossa sociedade contemporânea, explicitou:
“No crer e
sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos, Fátima é sobretudo este
manto de Luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra, quando
nos refugiamos sob a proteção da Virgem Mãe”.
Durante as
celebrações, o Papa frisou “as bênçãos sem conta que o Céu concedeu nestes cem
anos, passados sob o referido manto de Luz que Nossa Senhora, a partir deste
esperançoso Portugal, estendeu sobre os quatro cantos da Terra (...)”. E
exclamou:
“Queridos
peregrinos, temos Mãe. Temos Mãe! Agarrados a Ela como filhos, vivamos da
esperança que assenta em Jesus”.
Por outro
lado, confidenciou que “não podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e
confiar-lhe os seus filhos e filhas” e pediu paz e esperança “para todos os seus
irmãos no Batismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas
com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados”. Aos doentes
pediu que não se considerassem apenas beneficiários dos cuidados dos outros,
mas verdadeiros participantes no mistério de Cristo e o melhor tesouro da
Igreja. E aos peregrinos pediu que vissem nos doentes as chagas do corpo
sofrente de Cristo em redenção da humanidade
No avião, a
caminho de Roma, Francisco lembrou que a mensagem de Fátima “é uma mensagem de
paz, levada à humanidade por três grandes comunicadores”, os pastorinhos. Com efeito,
disse que “há uma ligação ao branco: o bispo de branco, a Senhora de branco, a
alvura branca da inocência das crianças após o Batismo”. E afirmou que se trata
do “desejo de inocência, de paz, de não fazer mal aos outros, não fazer guerra”
e que “isto é a paz”.
***
No dia seguinte, em Roma, à recitação do Regina Coeli, disse que a prece mariana do dia adquiria “um
significado especial, repleto de memória e de profecia para quantos contemplam
a história com os olhos da fé”, pois em Fátima, imergira-se “na prece do santo
povo fiel, uma oração que lá escorre há cem anos como um rio, para implorar a
proteção maternal de Maria sobre o mundo inteiro”. E passou a dizer:
“Desde o início, quando na Capelinha das Aparições permaneci
por muito tempo em oração, acompanhado pelo silêncio orante de todos os
peregrinos, criou-se um clima de recolhimento e contemplação, no qual tiveram
lugar os vários momentos da prece. E no centro de tudo estava e está o Senhor
Ressuscitado, presente no meio do seu Povo mediante a Palavra e a Eucaristia;
presente no meio dos numerosos enfermos, que são protagonistas da vida
litúrgica e pastoral de Fátima, assim como de todos os santuários marianos.”.
Falando de Fátima, referiu que
“A Virgem escolheu o coração inocente e a simplicidade
dos pequeninos, Francisco, Jacinta e Lúcia, como depositários da sua mensagem.
Estas crianças receberam-na com dignidade, a ponto de serem reconhecidas como
testemunhas confiáveis das aparições, tornando-se modelos de vida cristã”.
No atinente ao autêntico sentido da canonização de Francisco e Jacinta,
explicitou:
“Eu quis propor à Igreja inteira o seu exemplo de
adesão a Cristo e o seu testemunho evangélico, mas também desejei convidar toda
a Igreja a cuidar das crianças. A sua santidade não é consequência das
aparições, mas da fidelidade e do ardor com que corresponderam ao privilégio recebido,
de poder ver a Virgem Maria. Após o encontro com a ‘bela Senhora’ – assim lhe
chamavam – elas recitavam frequentemente o Rosário, faziam penitência e
ofereciam sacrifícios para alcançar o fim da guerra e pelas almas mais
necessitadas da misericórdia divina.”.
Sobre a atualidade da Mensagem de Fátima, verificou:
“Até hoje há muita necessidade de oração e de
penitência para implorar a graça da conversão, para suplicar o fim de tantas
guerras que existem em toda a parte no mundo e que se difundem cada vez mais,
assim como o fim dos conflitos absurdos, grandes e pequenos, que desfiguram o
semblante da humanidade”.
E, por fim, o apelo:
“Deixemo-nos guiar pela luz que provém de Fátima. O Coração Imaculado de
Maria seja sempre o nosso refúgio, a nossa consolação e o caminho que nos há de
conduzir a Cristo.”.
2017.06.08 – Louro de Carvalho
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