quinta-feira, 8 de junho de 2017

“Um povo ordeiro e entusiasta, crente e sem respeitos humanos”

Foram divulgadas, a 7 de junho, duas cartas do Papa Francisco, datadas de 22 de maio, uma dirigida a Dom Manuel Clemente e outra a Dom António Marto.
Na carta que enviou ao Cardeal Patriarca de Lisboa e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), renova a expressão do seu “grato apreço” aos “bispos, sacerdotes, pessoas consagradas e fiéis leigos” pelo “cuidado pastoral e espiritual com que as diversas dioceses se prepararam e estão a viver o centenário das Aparições de Fátima, nomeadamente com a visita da Virgem Peregrina a tudo quanto era cidade e aldeia desse abençoado Portugal, donde agora vieram pessoas sem conta ‘ver’ a Mãe do Céu”. Na que enviou ao Bispo de Leiria-Fátima, exprime a este prelado “e aos seus colaboradores de sempre e para esta especial ocasião, nomeadamente ao Padre Carlos Cabecinhas”, Reitor do Santuário e coordenador da visita papal, a sua “profunda gratidão pelo acolhimento fraterno e a hospitalidade fidalga” que reservaram ao Pontífice e aos seus colaboradores, “frutificando em solertes atenções e obras que lhes vinham do coração e chegavam ao coração”.
Trata-se de um gesto de cortesia, sem dúvida, mas também de apreço pela índole da alma portuguesa, como se pode comprovar atentando pela sua asserção na carta ao Presidente da CEP: “Vi um povo ordeiro e entusiasta, crente e sem respeitos humanos, no roteiro que me levou de Monte Real até Fátima e vice-versa”. Só se espera, digo eu, que este sentir do povo e seus pastores nunca venha a desmentir aquilo que o Papa generosamente afirmou de nós e se redima pela sua atitude nem sempre consentânea com tal enunciado papal.
Mas Francisco vai mais longe no elogio rasgado àquela multidão que o comoveu pela fé, esperança e caridade manifestadas no silêncio orante, nas velas acesas, na ovação aos novos santos e no acenar Feliz à Branca Senhora:
“E, no Santuário de Nossa Senhora, comoveu-me a solidez da fé, a indómita esperança e a ardente caridade que anima o caminho humano e cristão daquele povo santo fiel de Deus, com destaque para o silêncio de um milhão de peregrinos unidos ao meu silêncio orante, o mar de luz feito por um milhão de velas acesas na noite de vigília, a ovação elevada por dois milhões de mãos aos novos Santos Francisco e Jacinta e o acenar de lenços brancos à Branca Senhora por um milhão de corações felizes: Mãe, nunca Vos esqueceremos!”.
E não deixou de sublinhar a felicidade dos corações revelada pela multidão na proclamação da realeza universal de Maria e no seu adeus sentido e comovido espelhado na pureza branca mas largas centenas de milhar de lencinhos. Não sei mesmo se merecemos aqueles adjetivos “indómita” aplicado à nossa esperança, a de quem vive num mundo mais de profetas da desgraça que de anunciadores da Boa Nova, ou o adjetivo de “ardente” caraterizador da nossa caridade, tantas vezes à mistura com interesses e egoísmos. E que dizer da “solidez” da nossa fé, por vezes, contente com a mera exterioridade ou com o pietismo estéril ou com o momento de fervor efémero? Oxalá que o Papa tenha razão nos elogios que nos faz!  
Como recompensa, assegura a sua “oração pela Igreja de Portugal para que continue a caminhar com perseverança e coragem, testemunhando a todos o amor misericordioso do Pai do Céu” e, enquanto de coração nos abençoa, pede que rezemos por si.
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Na missiva enviada ao prelado leiriense, o Sumo Pontífice reconhece que foi “envolvido pelo carinho e entusiasmo da fé da multidão incontável de peregrinos”, pelo que exprime a sua gratidão ao Bispo e colaboradores pelo acolhimento fraterno e hospitalidade fidalga de que foi alvo no Santuário, aliás na diocese de Leiria-Fátima. Acentua que tais atitudes frutificaram “em solertes atenções e obras que lhes vinham do coração e chegavam ao coração”.
Depois, falou de Fátima e dos pastorinhos. No dizer do Pontífice, “Fátima oferece a todos um Coração grande de Mãe e convida o coração de cada um a parecer-se um pouco mais com o d’Ela”. Aos dois pastorinhos já canonizados considera-os como corações parecidos com o coração grande da Mãe e confessa que lhe deu muita alegria “o facto de poder propô-los à veneração da Igreja inteira”.
E Dom António Marto bem pode sentir-se contente por via de o Papa ter encontrado na terra um coração semelhante ao de Maria e ao dos pastorinhos na pessoa do Bispo fatimita e “na legião de ‘anjos’ que o representavam, com igual solicitude e eficácia de serviço, em toda a parte desde a mesa ao altar”.
Gosto desta referência de Francisco, já que os anjos são aqueles que servem ao altar de Deus e à mesa dos seus pobres e dos seus ministros – e, neste sentido lato, são ministros de Deus todos os batizados e/ou todos os que sofrem. Também são anjos os mensageiros de Deus e todos os que participam no bom combate por Deus e pelas suas causas.
Além disso, na sua carta, Francisco louvou a “Virgem Mãe pelo bom trabalho que Ela tem feito naqueles que assim A amam e servem” e agradeceu, em especial, ao prelado responsável pela superior orientação do Santuário “pelo seu efusivo testemunho de alegria e amor a Nossa Senhora de Fátima”.
E a toda a diocese de Leiria-Fátima quis encorajá-la “a prosseguir no anúncio e serviço dos desígnios de misericórdia que a Santíssima Trindade nutre pela humanidade inteira”. E, se estávamos habituados a ver esta diocese como uma Igreja predominantemente mariana, temos de nos habituar a olhá-la como uma diocese trinitária e eucarística onde tem lugar de destaque a Virgem Maria e os Santos Pastorinhos por cuja intercessão o Papa invoca “a abundância dos dons e consolações do Céu sobre o Pastor e todos aqueles que lhe estão confiados”. E também a todos estes renova “o pedido de não se esquecerem de rezar” si e a quem, de bom grado, concede “a Bênção Apostólica”.
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Francisco esteve em Fátima a 12 e 13 de maio no âmbito da celebração do Centenário das Aparições como peregrino da paz e da esperança e propôs a “revolução” centrada na misericórdia e no perdão, pedindo à Senhora que estenda o seu manto de Luz por toda a humanidade.
Do programa constaram essencialmente momentos de oração e três intervenções discursivas – a saudação aos peregrinos na noite de 12 de maio, a homilia da missa do dia 13 e a saudação aos doentes antes da Bênção com o Santíssimo Sacramento.
Francisco aterrou na Base Aérea de Monte Real na tarde de dia 12. Após a cerimónia de boas vindas e o encontro com o Presidente da República, fez uma visita à Capela de Nossa Senhora do Ar, ainda dentro da Base, onde também Paulo VI e João Paulo II tinham rezado.
Chegou ao Santuário de Fátima vindo do Estádio de Fátima, a bordo do papamóvel, após ter sido saudado por milhares de pessoas ao longo do caminho, ter sobrevoado o Recinto de Oração e tendo à sua espera, na Capelinha das Aparições, centenas de crianças das escolas do Sagrado Coração de Maria, de São Miguel e do Centro de Estudos de Fátima.
Na primeira passagem pela Capelinha, onde permaneceu 8 minutos em silêncio orante diante da imagem venerada, secundado pela enorme multidão de peregrinos, o Papa apresentou uma oração mariana em que refletia, à luz da Mensagem de Fátima, as grandes preocupações pela Igreja do Evangelho e dos pobres e pela solidez da fé, a intrepidez da esperança e o ardor da caridade. E antes da recitação do Rosário e da bênção das velas, abordou o devido lugar da devoção e do culto mariano na Igreja e a recolocação da pessoa de Maria no mistério de Cristo e no mistério da Igreja, bem como os candentes temas da justiça e da misericórdia, considerando que é necessário valorizar mais a misericórdia divina no discurso católico, sustentando que “devemos antepor a misericórdia ao julgamento, e em todo o caso o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”. E, lembrando os “desterrados” e “excluídos” da nossa sociedade contemporânea, explicitou:
“No crer e sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos, Fátima é sobretudo este manto de Luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra, quando nos refugiamos sob a proteção da Virgem Mãe”.
Durante as celebrações, o Papa frisou “as bênçãos sem conta que o Céu concedeu nestes cem anos, passados sob o referido manto de Luz que Nossa Senhora, a partir deste esperançoso Portugal, estendeu sobre os quatro cantos da Terra (...)”. E exclamou:
“Queridos peregrinos, temos Mãe. Temos Mãe! Agarrados a Ela como filhos, vivamos da esperança que assenta em Jesus”.
Por outro lado, confidenciou que “não podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e confiar-lhe os seus filhos e filhas” e pediu paz e esperança “para todos os seus irmãos no Batismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados”. Aos doentes pediu que não se considerassem apenas beneficiários dos cuidados dos outros, mas verdadeiros participantes no mistério de Cristo e o melhor tesouro da Igreja. E aos peregrinos pediu que vissem nos doentes as chagas do corpo sofrente de Cristo em redenção da humanidade
No avião, a caminho de Roma, Francisco lembrou que a mensagem de Fátima “é uma mensagem de paz, levada à humanidade por três grandes comunicadores”, os pastorinhos. Com efeito, disse que “há uma ligação ao branco: o bispo de branco, a Senhora de branco, a alvura branca da inocência das crianças após o Batismo”. E afirmou que se trata do “desejo de inocência, de paz, de não fazer mal aos outros, não fazer guerra” e que “isto é a paz”.
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No dia seguinte, em Roma, à recitação do Regina Coeli, disse que a prece mariana do dia adquiria “um significado especial, repleto de memória e de profecia para quantos contemplam a história com os olhos da fé”, pois em Fátima, imergira-se “na prece do santo povo fiel, uma oração que lá escorre há cem anos como um rio, para implorar a proteção maternal de Maria sobre o mundo inteiro”. E passou a dizer:
“Desde o início, quando na Capelinha das Aparições permaneci por muito tempo em oração, acompanhado pelo silêncio orante de todos os peregrinos, criou-se um clima de recolhimento e contemplação, no qual tiveram lugar os vários momentos da prece. E no centro de tudo estava e está o Senhor Ressuscitado, presente no meio do seu Povo mediante a Palavra e a Eucaristia; presente no meio dos numerosos enfermos, que são protagonistas da vida litúrgica e pastoral de Fátima, assim como de todos os santuários marianos.”.
Falando de Fátima, referiu que
“A Virgem escolheu o coração inocente e a simplicidade dos pequeninos, Francisco, Jacinta e Lúcia, como depositários da sua mensagem. Estas crianças receberam-na com dignidade, a ponto de serem reconhecidas como testemunhas confiáveis das aparições, tornando-se modelos de vida cristã”.
No atinente ao autêntico sentido da canonização de Francisco e Jacinta, explicitou:
“Eu quis propor à Igreja inteira o seu exemplo de adesão a Cristo e o seu testemunho evangélico, mas também desejei convidar toda a Igreja a cuidar das crianças. A sua santidade não é consequência das aparições, mas da fidelidade e do ardor com que corresponderam ao privilégio recebido, de poder ver a Virgem Maria. Após o encontro com a ‘bela Senhora’ – assim lhe chamavam – elas recitavam frequentemente o Rosário, faziam penitência e ofereciam sacrifícios para alcançar o fim da guerra e pelas almas mais necessitadas da misericórdia divina.”.
Sobre a atualidade da Mensagem de Fátima, verificou:
“Até hoje há muita necessidade de oração e de penitência para implorar a graça da conversão, para suplicar o fim de tantas guerras que existem em toda a parte no mundo e que se difundem cada vez mais, assim como o fim dos conflitos absurdos, grandes e pequenos, que desfiguram o semblante da humanidade”.
E, por fim, o apelo:
“Deixemo-nos guiar pela luz que provém de Fátima. O Coração Imaculado de Maria seja sempre o nosso refúgio, a nossa consolação e o caminho que nos há de conduzir a Cristo.”.

2017.06.08 – Louro de Carvalho

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