sexta-feira, 2 de junho de 2017

Um problema de Justiça no nosso sistema educativo

É uma verificação do Secretário de Estado da Educação (João Costa), na V Convenção Nacional ANDAEP, CONFAP, FNEque decorreu a 27 de maio de 2017, na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Alguns participantes no encontro, que versou o tema “A Avaliação na Educação para uma Escola de Qualidade e de Equidade – desafios, soluções e consequências na progressão de estudos”, dizem que foi “uma das melhores convenções de sempre”.
Segundo os sites da FNE e Educare, a sessão de abertura foi protagonizada por Salvato Trigo (Reitor da Universidade Fernando Pessoa), pelos Presidentes da ANDAEP (Filinto Lima) e da CONFAP (Jorge Ascensão) e pelo Secretário-Geral da FNE (João Dias da Silva). Salvato Trigo equacionou a relevância histórica de iniciativas deste jaez estribando-se no pensamento aristotélico e confessando que “em Portugal somos muitos a complicar e muito poucos a procurar soluções”.
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O primeiro painel em torno do subtema “A Avaliação na Educação para uma Escola de Qualidade e de Equidade – desafios, soluções e consequências na progressão de estudos, no quadro da avaliação e da progressão dos alunos e do acesso ao ensino superior”, contou com intervenções de Helder Sousa (Presidente do IAVE) e José Augusto Pacheco (Universidade do Minho). 
Helder Sousa pôs o dedo na ferida ao frisar que “temos um sistema que não funciona” e que a escola está muito refém de conteúdos e muito condicionada pelo manual escolar, pelo que é urgente a mudança de paradigma na avaliação, até porque a maior pressão que os professores têm “é dar o programa”. Ora, segundo o perito, o novo paradigma tem forçosamente que passar por uma avaliação mais formativa e mais contínua, libertando-se do peso excessivo dos testes, que são instrumentos que nem sempre são os mais corretos. E referiu que tem de se acabar de uma vez por todas com “a semana de congestionamento de testes” nas escolas e lamentou que a construção de instrumentos de avaliação não faça parte da formação inicial dos docentes.
Esta da não aprendizagem da elaboração de testes na formação inicial, a ser verdade, é novidade para mim e é lamentável. Pergunto-me por onde anda a formação inicial se não contempla todo o processo de aprendizagem e a diversidade das modalidades e instrumentos de avaliação.
Mas o Presidente do IAVE, IP entende que a mudança tem de ultrapassar os constrangimentos do currículo, um secundário dependente do acesso ao ensino superior e uma avaliação de desempenho que vise estigmatizar os professores, não contribuindo para a melhoria das suas práticas pedagógicas em sala de aula e para o seu domínio científico. Helder Sousa apresentou novos modelos de acesso ao ensino superior e acabou por admitir que “é demolidor, desumano e inaceitável que um aluno não entre na faculdade por uma décima”. Por outro lado criticou as escolas que começam logo no 1.º ciclo a fazer baterias de testes de exame, sugerindo que, em vez disso, poderiam treinar os alunos nos diferentes tipos de questões.
Só me pergunto por que espera o IAVE, que bem tem contribuído para a criação da onda da hipervalorização de testes e exames. E, se “mudar é uma tarefa em comum”, como diz, e, se “a educação é o maior património social e económico de um povo”, quem tem a ciência deve também possuir a sabedoria de induzir a mudança. Por que espera se acredita que “não pode haver boa educação sem uma avaliação de qualidade”?
Por seu turno, José Augusto Pacheco abordou o tema da “Avaliação no Período Pós-LBSE (1986-2017), mencionando 4 ciclos de mudança: reforma (1981); gestão flexível (1987); reforma parcial (2011); e inovação tecnológica (2017). E apontou a duplicidade na avaliação, constituída por uma escola normativa e uma escola de práticas escolares, de testes, tendo nos últimos anos persistido o acento na avaliação externa. Daí, permite-se perguntar “se esta avaliação externa serviu para alguma melhoria da qualidade da escola, da educação”. A pari, realça que a sociedade (e os pais nela) não está preparada para uma escola sem testes. 
Quanto à questão das repetições e da retenção escolar, mostrou-se preocupado com o nível de conhecimentos com que os alunos terminam o 9.º, o 11.º e o 12.º anos e com os que terminam o superior. Ademais, pronunciou-se pela urgência da valorização da profissão docente no seu todo (em condições de trabalho e salários) e da discussão da maioria dos programas, ainda por alterar.
O segundo painel teve por título “A Avaliação na Educação para uma Escola de Qualidade e de Equidade – desafios, soluções e consequências na progressão de estudos, no quadro do desenvolvimento do perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória”, e contou com a presença de Bravo Nico (Universidade de Évora), Lurdes Figueiral (Presidente da Associação de Professores de Matemática - APM) e João Costa, Secretário de Estado da Educação, já referido. 
Bravo Nico focou a questão da falta de ofertas educativas no interior do país e as consequências socioeconómicas a que obriga os respetivos alunos e suas famílias, sublinhando:
“Temos um desafio do exercício do direito à educação no interior de Portugal, o que é um retrocesso nas oportunidades que tivemos”.
Para Nico, a verdadeira política educativa deve ter valências para dar oportunidades a todos, pelo que lamentou, acusando o Estado de desresponsabilização:
“Temos no fundo um Abandono Escolar do Estado, que abandonou uma rede educativa e deixou o interior entregue a si próprio. A torneira do financiamento da educação do interior já se fechou há muito tempo e estamos a viver uma tragédia demográfica estudantil.”. 
Lurdes Figueiral foi peremptória em afirmar que “não somos uma escola inclusiva em Portugal, pois temos grandes franjas de exclusão de alunos”. Para a Presidente da APM, as aprendizagens não são lineares nem cumulativas e não há nada neutro em educação – nem a própria avaliação. O conhecimento e o saber também não são optativos na escola inclusiva e o pior que podemos fazer é “aceitarmos a exclusão como se ela fosse inevitável”. 
João Costa tomou a palavra para realçar que “temos um problema de justiça no nosso sistema educativo”, apontando o abandono escolar e a retenção. O governante frisou que é preciso pensar o desafio da finalidade da escola e que o objetivo da avaliação é aprender melhor. E as consequências são: recentrar a avaliação no formativo, ter uma avaliação sobre todas as áreas do currículo, termos práticas de avaliação contínua e sabermos dar bom estímulo à diversificação dos instrumentos de avaliação. E disse:
“Avaliar só para testes é redutor. E não está escrito em lado algum que deve haver dois testes por período. Se queremos uma escola inclusiva, os instrumentos de avaliação devem também ser inclusivos.”. 
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FNE (Federação Nacional da Educação), CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) e ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) querem ver o expresso reconhecimento do papel dos pais e encarregados de educação, do movimento associativo parental e dos professores e a revisão do sistema da formação inicial e contínua dos docentes. As três organizações defendem políticas estáveis e duradouras numa declaração conjunta a ser entregue ao Presidente da República e que contém várias exigências, emergentes nos debates subsequentes aos dois painéis referenciados.
Entre as preditas exigências, conta-se um programa nacional de capacitação parental e o estatuto do dirigente associativo parental. Aquele programa terá de ser apoiado pelo ME (Ministério da Educação) e desenvolvido em parceria com a CONFAP, enquanto o referido estatuto deve reconhecer a importância deste movimento associativo e permitir “adequadas e justas condições de participação e cooperação aos mais diversos níveis de intervenção”.  Lembram ainda a relevância da participação das famílias no processo educativo e sublinham
“O contributo imprescindível para uma resposta de qualidade do serviço de educação pública, com uma prática de reconhecimento pelo esforço do trabalho voluntário dos pais e encarregados de educação no movimento associativo parental, particularmente dos dirigentes nas associações parentais das escolas, federações e CONFAP”. 
São ainda reivindicadas: a revisão da formação inicial e contínua dos professores, que vise o desenvolvimento de competências que se enquadrem nas novas realidades sociais do país; a integração de técnicos especializados nos quadros das escolas; o estabelecimento de carreiras especiais para técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais que trabalham na educação; e a eliminação de todas as formas de precariedade neste setor. 
Por outro lado, aquelas três estruturas associativas, reunidas em convenção, querem “políticas educativas estáveis, duradouras, coerentes, consistentes e promotoras de uma educação de qualidade” e que todos os trabalhadores da área educativa – docentes e não docentes – sejam valorizados nas suas funções. Também pedem, com caráter de urgência, que o modelo de acesso ao ensino superior seja alterado, para “permitir às escolas o desenvolvimento de um trabalho de qualidade centrado no conhecimento e desenvolvimento da pessoa”. Para aquelas estruturas, só com a valorização de todos os recursos educativos é possível obter um processo de ensino-aprendizagem de sucesso e com real significado. Além disso, é preciso não esquecer as mudanças na sociedade e os horários laborais cada vez mais exigentes e que retiram tempo aos pais para estarem com os filhos. E, sendo fundamentais as práticas de ensino e as aprendizagens, advertem que é necessário melhorar e adaptar estratégias pedagógicas para que o ensino seja aliciante e entusiasmante para as crianças e jovens. Por isso, se requerem aprendizagens que não esqueçam o desenvolvimento integrado e integral dos alunos e que promovam vários valores como o respeito, a tolerância, a cidadania – em suma, aprendizagens que impliquem o combate e a prevenção de
“Todas as formas de indisciplina e violência em contexto escolar, assim como a discriminação baseada no género, na raça, nas características pessoais, como as deficiências, a origem étnica ou a orientação sexual”. 
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Anexa-se a referida declaração conjunta, colhida no site da FNE:
GOVERNANÇA NA EDUCAÇÃO POR UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE E COM EQUIDADE
Reconhecendo que deve ser assegurado o acesso gratuito e equitativo a uma educação de qualidade para todos; que uma educação de qualidade para todas as crianças, jovens e adultos é um direito humano básico, um bem público definido em torno de aprendizagens efetivas, afetivas e significantes, desenvolvidas em termos do crescimento integral da criança /jovem como pessoa humana integrada numa sociedade democrática e capaz para o exercício da cidadania;
Reconhecendo que a educação deve estar centrada no aluno, nas suas competências e expectativas; em todas as suas dimensões pessoais e comunitárias, considerado como pessoa inscrita em contextos sociais próprios;
Reconhecendo que só com a valorização de todos os recursos educativos, pessoas e bens, é possível obter-se um processo de ensino-aprendizagem de sucesso, significante e significativo;
Reconhecendo a importância da missão e das funções desempenhadas pelos docentes e pelos profissionais não docentes, com respeito pelos seus percursos académicos, competências, condições de trabalho, formação inicial e formação contínua adaptadas aos desafios do presente, a recursos pedagógicos de ensino e aprendizagem apropriados e a ambientes de trabalho saudáveis e seguros;
Considerando a necessidade de melhorar e adaptar práticas pedagógicas, para que estas se apresentem mais motivadoras para as crianças e jovens do Século XXI;
Reconhecendo as alterações que a sociedade em que vivemos nos apresenta, com cada vez mais famílias desestruturadas e pais/EE com menos tempo disponível para os seus filhos/educandos, por força dos horários laborais cada vez mais exigentes;
Considerando a relevância da participação das famílias no processo educativo dos seus filhos e o contributo imprescindível para uma resposta de qualidade do serviço de educação pública, com uma prática de reconhecimento pelo esforço do trabalho voluntário dos pais/EE no movimento associativo parental, particularmente dos dirigentes nas associações parentais das escolas, federações e CONFAP;
Reconhecendo a urgência de se concretizar um Plano de Formação Parental efetivo;
Reconhecendo a importância e a necessidade de um maior e mais eficaz acompanhamento às crianças com NEE;
Reconhecendo a necessidade de se promover um trabalho conjunto entre professores e Pais/EE no acompanhamento de cada criança e/ou jovem,
A ANDAEP, a CONFAP e a FNE, no quadro da V Convenção realizada no Porto no dia 27 de maio de 2017, manifestam a exigência de:
- Políticas educativas estáveis, duradouras, coerentes, consistentes e promotoras de uma educação de qualidade onde as práticas de ensino se adeqúem a critérios de necessidade e de relevância efetiva das aprendizagens, impulsoras do conhecimento e aquisição adaptativa de competências para o desenvolvimento integrado e integral da criança e que promovam o respeito mútuo; a tolerância; a cidadania e que combatam e previnam todas as formas de indisciplina e violência em contexto escolar, assim como a discriminação baseada no género, na raça, nas caraterísticas pessoais, como as deficiências, a origem étnica ou a orientação sexual;
- Acesso universal e gratuito de todos os cidadãos a uma educação assente em profissionais qualificados; em ferramentas e recursos de ensino modernos; em ambientes positivos, confortáveis, seguros e equitativos para o ensino e a aprendizagem que incentivem, alimentem e promovam o desenvolvimento físico, emocional e intelectual dos alunos com saúde física e estabilidade mental;
- Alteração com caráter de urgência do modelo de acesso ao ensino superior, de modo a permitir às escolas o desenvolvimento de um trabalho de qualidade centrado no conhecimento e no desenvolvimento da pessoa;
- Eliminação de todas as formas de precariedade na educação, particularmente com a disponibilidade de meios e com a estabilidade, quantitativa e qualitativa, dos profissionais docentes e não docentes;
- Valorização e dignificação de todos os trabalhadores da educação, docentes e não docentes;
- Estabelecimento das carreiras especiais para os técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais que trabalham na educação;
- Envolvimento, participação e reconhecimento dos contributos de todos os agentes da comunidade educativa, nomeadamente professores e pais/EE, nas reformas ou ajustamentos de políticas educativas, as quais, para serem significativas e de sucesso, devem valorizar e assentar no diálogo construtivo das partes;
- Implementação de um Programa Nacional de Capacitação Parental, devidamente apoiado pelo ME em parceria com a CONFAP;
- Revisão da formação inicial e contínua dos professores, de modo que desenvolvam competências adequadas às novas realidades sociais do país e estejam ainda mais aptos ao diálogo e trabalho colaborativo com os seus alunos e com as famílias;
- Integração de técnicos especializados no quadros das escolas, e preparação de todos os profissionais intervenientes no processo educativo, para que as crianças e os jovens que deles necessitem possam ter o devido acompanhamento e se possa atuar na prevenção de diversas situações de risco;
- Reconhecimento da importância do papel do movimento associativo parental na educação em Portugal, através da elaboração do Estatuto do Dirigente Associativo Parental que permita as adequadas e justas condições de participação e cooperação aos mais diversos níveis de intervenção, nomeadamente pelas exigências de tempo e de conhecimento que a agenda parental (em particular a agenda da CONFAP) coloca atualmente nas escolas e outros parceiros de intervenção socioeducativa.
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Constituirá a convenção um evento premonitório duma revolução educativa que operacionalize o perfil do aluno para o século XXI? Que dirá a isto o Conselho Nacional de Educação? A escola pública e a privada (sobretudo esta) serão capazes de absorver esta mudança de paradigma?   

2017.06.02 – Louro de Carvalho

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