No passado Dia Mundial da Criança,
a Comunicação Social deu voz a Alexandra Vasconcelos, médica da secção de
pediatria social (SPS) da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), que disse à
agência Lusa que a falta da sesta nas
crianças com idades a partir dos três anos constitui “um grave problema de
saúde pública”.
E, verificando a realidade de que a maioria dos estabelecimentos de educação
pré-escolar públicos não promove a sesta das crianças, aduz que tal falha é tão
grave como se não lhes dessem comer e que, por conseguinte, a sesta deve ser implementada até à idade escolar.
Diz a renomada especialista:
“Se as creches não fornecessem uma refeição, toda a gente se indignava. A
falta de uma sesta é igualmente grave.”.
Preocupada com esta situação, a SPS da SPP solicitou a um painel de cinco
peritas nesta área que emitisse um parecer/consenso sobre a recomendação para a
sesta das crianças até aos cinco/seis anos de idade. A recomendação vai no
sentido de as crianças com idades entre os três e os cinco/seis anos de idade
realizarem uma sesta, de preferência no início da tarde e com uma duração de
aproximadamente hora e meia.
A SPP, ressalvando que, após os 4 anos, nem todas as crianças precisam de
realizar a sesta de forma regular, entende que “a família e a educadora de
infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua prática em cada
criança”.
Na avaliação das consequências da privação da sesta numa criança, a SPP
distingue as consequências de curto prazo e as sequelas que podem repercutir-se
no futuro.
A curto prazo, a privação do sono na criança pode gerar distúrbios na modulação
de humor e afetos, perturbação da função neuro-cognitiva, alteração do comportamento
e alteração motora; a longo prazo, as consequências poderão afetar
aprendizagens (mau rendimento escolar) e comportamentos
(hiperatividade e défice de atenção), criar situações psicológicas anómalas (ansiedade e
depressão), alterações
orgânicas e perturbar a vida familiar.
Alexandra Vasconcelos reconhece que são cada vez mais comuns os casos de
crianças que chegam aos consultórios com perturbações que, mais tarde, são
atribuídas à falta de sono e, nomeadamente, ao fim das sestas, frisando que, “além
do risco de saúde imediato, esta privação do no pode deixar sequelas para o
futuro.
***
A fundação da SPP em
1948 foi o culminar da ideia de um grupo de pediatras que, durante 10 anos e a
pouco e pouco, tinham lançado os alicerces que vinham a contribuir para que tal
realização se tornasse possível. Nos 69 anos de existência, vem trabalhando para o “objetivo primordial da promoção da
saúde da criança em Portugal e no Mundo”. Nesta ótica, vem cumprindo a
missão da “proteção e promoção da saúde e do bem-estar da criança, através da
excelência e defesa dos cuidados de saúde, da educação, da investigação e do
apoio aos sócios”.
Em relação à sesta infantil, a SPS da SPP formulou um
documento com oito páginas com recomendações para a “PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA NAS
CRECHES E INFANTÁRIOS, PÚBLICOS OU PRIVADOS. Começa com uma nota prévia e uma introdução justificativas do documento. Depois, embora de forma sumária, glosa os seguintes
temas: o sono da criança; o sono das crianças portuguesas; vantagens da sesta; até quando se deve realizar a sesta; e repercussões a curto e longo prazo.
***
A SPS da SPP
divulgou aquele documento com as suas recomendações para a prática da sesta da
criança, elaboradas por um painel nacional de reconhecidas peritas dedicadas ao
estudo do sono ou ao neurodesenvolvimento em idade pediátrica. Estas
recomendações são subscritas pela Associação Portuguesa do Sono (APS) e têm como objetivo uniformizar e promover a melhor
prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses
de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade [pré-escolar], em estabelecimento público ou
privado.
A
SPS e o grupo de trabalho já apresentaram estas recomendações ao Ministério da
Educação e à DGS (Direção Geral da Saúde-Saúde Escolar) que analisam a
operacionalização destas recomendações nos estabelecimentos pré-escolares. Registam-se
alguns aspetos considerados relevantes:
Vantagens
da sesta
Embora haja referências à possibilidade da
perturbação do sono noturno por via da sesta, dormir com qualidade e o número de horas recomendado, com regularidade,
vem associado a melhores resultados na saúde (sobretudo na atenção, comportamento,
aprendizagem, memória, regulação emocional, qualidade de vida e saúde mental e
física). A sesta promove alteração qualitativa na memória que envolve a abstração,
sendo esta importante para os lactentes em desenvolvimento e “essencial no
desenvolvimento cognitivo e da linguagem, permitindo grande plasticidade na
aprendizagem” das crianças. Na idade pré-escolar, a sesta é “um recurso valioso
para a consolidação da memória”, pois, “à medida que crescem e têm uma maior
maturação neurológica, as crianças suportam períodos de vigília cada vez mais
longos entre um período de aprendizagem inicial e a consolidação da memória
dependente do sono”. E é de ter em conta que “a diminuição do desempenho quando
privadas da sesta não é recuperada durante a noite de sono subsequente”.
Assim, “as sestas nas crianças favorecem o
cumprimento dos objetivos académicos da educação precoce”, pelo que deve ser
preservada a respetiva oportunidade. Ademais, fica mesmo indicada a sesta para
apoio de crianças com dificuldades de aprendizagem.
Repercussões
da privação do sono na criança
A
curto prazo,
distúrbios na modulação do humor e dos
afetos (irritabilidade/birras, maior reatividade emocional,
humor variável, perda do controlo emocional); perturbação
da função neuro-cognitiva (falta de atenção/distração, incapacidade
de concluir tarefas, diminuição da flexibilidade do pensamento, diminuição do
raciocínio abstrato, perturbação da memória); alteração
do comportamento (sonolência diurna, agressividade, impulsividade/hiperatividade); e alteração motora (diminuição da destreza motora, aumento
de lesões acidentais e quedas frequentes).
A
longo prazo,
aprendizagem (mau
rendimento escolar);
comportamento (hiperatividade
e défice de atenção);
repercussões psicológicas (ansiedade e depressão); alterações orgânicas (das funções endócrina e
imunológica, do metabolismo do açúcar/glicose, obesidade/excesso ponderal e hipertensão
arterial); e perturbação da vida familiar (aumento
do risco de depressão materna e do de disfunção familiar).
Recomendações
As
recomendações da SPS da SPP, como se disse, visam “uniformizar e ajudar a
promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3
meses aos 36 meses de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade
[pré-escolar], em estabelecimento público ou
privado”. Considerando a “variabilidade interindividual” em necessidade de sono
e não podendo estabelecer-se regra baseada apenas na idade, importa sublinhar o
caráter não obrigatório da sesta. Ante o “balanço dos benefícios e deletérias
consequências” da privação da sesta na criança, “a possibilidade de a fazer
deve ser implementada até à idade escolar, devendo as necessidades de sono das
crianças ser tidas em conta, individualmente”. Porém, é prioritário “assegurar
a todas as crianças uma quantidade suficiente de sono de boa qualidade nos
momentos apropriados, de acordo com as suas necessidades individuais”.
Recomendações
gerais.
Devem proporcionar-se as condições adequadas (leito/colchão,
ambiente calmo, escuro, com temperatura adequada, limitação de ruído e com
vigilância) a todas
as crianças em idade pré-escolar para assegurar a qualidade do sono da sesta; cada
criança deve ter um plano individual de sesta, acordado com a família; e a
sesta deve ser promovida pela educadora de infância na presença de
manifestações de privação de sono ou necessidade de sesta pela criança.
Recomendações
particulares.
A
sesta na creche.
Crianças
com menos de 24 meses de idade: plano
individualizado adaptado à criança (número, horário e
duração das sestas);
e duração do sono diurno – 2 a 3
horas (repartida
entre 1 a 3 sestas).
Nesta faixa etária a criança cumpre, em norma, dois períodos de sono diurno: de
manhã e à tarde. Entre os 15 – 30 meses de idade suspende, espontaneamente a
sesta da manhã.
Crianças
entre os 24-36 meses de idade: uma única
sesta, de preferência no início da tarde, com a duração de aproximadamente 2 horas. A criança pode ser despertada
após este período.
A
sesta na idade pré-escolar/infantário.
Crianças
entre os 3 – 5/6 anos de idade: uma única
sesta, de preferência no início da tarde, com a duração de ≤ 90 minutos. A
criança poder ser despertada após este período. Após os 4 anos, nem todas as
crianças necessitam de realizar a sesta de forma regular, pelo que a família e
a educadora de infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua
prática em cada criança. Mesmo nos casos em que se decida pela não realização
regular de sesta, esta deverá ser facilitada e incentivada.
(cfhttp://www.spp.pt/UserFiles/file/Noticias_2017/VERSAO%20PROFISSIONAIS%20DE%20SAUDE_RECOMENDACOES%20SPS-SPP%20SESTA%20NA%20CRIANCA.pdf)
***
Tarde
é o que nunca vem. Todavia fico espantado pelo facto de termos como vizinho um
país que tem a sesta como que institucionalizada – a Espanha – e Portugal, habituado
a copiar quase tudo o que se passa fora de portas, ainda não tenha batido com a
mão na testa nesta matéria.
E,
no atinente a creches, infantários e estabelecimentos de educação pré-escolar,
pergunto-me onde tem estado a SPP, dado que a criação do sistema público de educação pré-escolar resulta de uma lei de
1977, de há 40 anos (A SPP tem 65 anos!), a Lei n.º 5/77, de 1 de
Fevereiro, que “cria o sistema público de educação pré-escolar, cujos objetivos
principais são favorecer o desenvolvimento harmónico da criança e contribuir
para corrigir os efeitos discriminatórios das condições socioculturais no
acesso ao sistema escolar. A educação pré-escolar tem caráter facultativo e
destina-se às crianças desde os três anos até à idade de entrada no ensino
primário”.
E
o estatuto dos Jardins-de-Infância do sistema público de educação pré-escolar
foi aprovado há 38 anos pelo Decreto-Lei n.º 542/79, de 31 de dezembro de 1979.
Ora,
nenhum destes diploma fala da sesta (mas preveem transportes
e refeições) e os
equipamentos não estão dotados de condições físicas para ela. Porquê? Descobriu-se
agora a pólvora!
2017.06.06 – Louro de Carvalho
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