terça-feira, 6 de junho de 2017

Sociedade Portuguesa de Pediatria quer sesta infantil até à idade escolar

No passado Dia Mundial da Criança, a Comunicação Social deu voz a Alexandra Vasconcelos, médica da secção de pediatria social (SPS) da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), que disse à agência Lusa que a falta da sesta nas crianças com idades a partir dos três anos constitui “um grave problema de saúde pública”.
E, verificando a realidade de que a maioria dos estabelecimentos de educação pré-escolar públicos não promove a sesta das crianças, aduz que tal falha é tão grave como se não lhes dessem comer e que, por conseguinte, a sesta deve ser implementada até à idade escolar.
Diz a renomada especialista:
“Se as creches não fornecessem uma refeição, toda a gente se indignava. A falta de uma sesta é igualmente grave.”.
Preocupada com esta situação, a SPS da SPP solicitou a um painel de cinco peritas nesta área que emitisse um parecer/consenso sobre a recomendação para a sesta das crianças até aos cinco/seis anos de idade. A recomendação vai no sentido de as crianças com idades entre os três e os cinco/seis anos de idade realizarem uma sesta, de preferência no início da tarde e com uma duração de aproximadamente hora e meia.
A SPP, ressalvando que, após os 4 anos, nem todas as crianças precisam de realizar a sesta de forma regular, entende que “a família e a educadora de infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua prática em cada criança”.
Na avaliação das consequências da privação da sesta numa criança, a SPP distingue as consequências de curto prazo e as sequelas que podem repercutir-se no futuro.
A curto prazo, a privação do sono na criança pode gerar distúrbios na modulação de humor e afetos, perturbação da função neuro-cognitiva, alteração do comportamento e alteração motora; a longo prazo, as consequências poderão afetar aprendizagens (mau rendimento escolar) e comportamentos (hiperatividade e défice de atenção), criar situações psicológicas anómalas (ansiedade e depressão), alterações orgânicas e perturbar a vida familiar.
Alexandra Vasconcelos reconhece que são cada vez mais comuns os casos de crianças que chegam aos consultórios com perturbações que, mais tarde, são atribuídas à falta de sono e, nomeadamente, ao fim das sestas, frisando que, “além do risco de saúde imediato, esta privação do no pode deixar sequelas para o futuro.
***
A fundação da SPP em 1948 foi o culminar da ideia de um grupo de pediatras que, durante 10 anos e a pouco e pouco, tinham lançado os alicerces que vinham a contribuir para que tal realização se tornasse possível. Nos 69 anos de existência, vem trabalhando para o “objetivo primordial da promoção da saúde da criança em Portugal e no Mundo”. Nesta ótica, vem cumprindo a missão da “proteção e promoção da saúde e do bem-estar da criança, através da excelência e defesa dos cuidados de saúde, da educação, da investigação e do apoio aos sócios”.
Em relação à sesta infantil, a SPS da SPP formulou um documento com oito páginas com recomendações para a “PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA NAS CRECHES E INFANTÁRIOS, PÚBLICOS OU PRIVADOS. Começa com uma nota prévia e uma introdução justificativas do documento. Depois, embora de forma sumária, glosa os seguintes temas: o sono da criança; o sono das crianças portuguesas; vantagens da sesta; até quando se deve realizar a sesta; e repercussões a curto e longo prazo.
***
A SPS da SPP divulgou aquele documento com as suas recomendações para a prática da sesta da criança, elaboradas por um painel nacional de reconhecidas peritas dedicadas ao estudo do sono ou ao neurodesenvolvimento em idade pediátrica. Estas recomendações são subscritas pela Associação Portuguesa do Sono (APS) e têm como objetivo uniformizar e promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade [pré-escolar], em estabelecimento público ou privado.
A SPS e o grupo de trabalho já apresentaram estas recomendações ao Ministério da Educação e à DGS (Direção Geral da Saúde-Saúde Escolar) que analisam a operacionalização destas recomendações nos estabelecimentos pré-escolares. Registam-se alguns aspetos considerados relevantes:
Vantagens da sesta
Embora haja referências à possibilidade da perturbação do sono noturno por via da sesta, dormir com qualidade e o número de horas recomendado, com regularidade, vem associado a melhores resultados na saúde (sobretudo na atenção, comportamento, aprendizagem, memória, regulação emocional, qualidade de vida e saúde mental e física). A sesta promove alteração qualitativa na memória que envolve a abstração, sendo esta importante para os lactentes em desenvolvimento e “essencial no desenvolvimento cognitivo e da linguagem, permitindo grande plasticidade na aprendizagem” das crianças. Na idade pré-escolar, a sesta é “um recurso valioso para a consolidação da memória”, pois, “à medida que crescem e têm uma maior maturação neurológica, as crianças suportam períodos de vigília cada vez mais longos entre um período de aprendizagem inicial e a consolidação da memória dependente do sono”. E é de ter em conta que “a diminuição do desempenho quando privadas da sesta não é recuperada durante a noite de sono subsequente”.
Assim, “as sestas nas crianças favorecem o cumprimento dos objetivos académicos da educação precoce”, pelo que deve ser preservada a respetiva oportunidade. Ademais, fica mesmo indicada a sesta para apoio de crianças com dificuldades de aprendizagem.
Repercussões da privação do sono na criança
A curto prazo, distúrbios na modulação do humor e dos afetos (irritabilidade/birras, maior reatividade emocional, humor variável, perda do controlo emocional); perturbação da função neuro-cognitiva (falta de atenção/distração, incapacidade de concluir tarefas, diminuição da flexibilidade do pensamento, diminuição do raciocínio abstrato, perturbação da memória); alteração do comportamento (sonolência diurna, agressividade, impulsividade/hiperatividade); e alteração motora (diminuição da destreza motora, aumento de lesões acidentais e quedas frequentes).
A longo prazo, aprendizagem (mau rendimento escolar); comportamento (hiperatividade e défice de atenção); repercussões psicológicas (ansiedade e depressão); alterações orgânicas (das funções endócrina e imunológica, do metabolismo do açúcar/glicose, obesidade/excesso ponderal e hipertensão arterial); e perturbação da vida familiar (aumento do risco de depressão materna e do de disfunção familiar).
Recomendações
As recomendações da SPS da SPP, como se disse, visam “uniformizar e ajudar a promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade [pré-escolar], em estabelecimento público ou privado”. Considerando a “variabilidade interindividual” em necessidade de sono e não podendo estabelecer-se regra baseada apenas na idade, importa sublinhar o caráter não obrigatório da sesta. Ante o “balanço dos benefícios e deletérias consequências” da privação da sesta na criança, “a possibilidade de a fazer deve ser implementada até à idade escolar, devendo as necessidades de sono das crianças ser tidas em conta, individualmente”. Porém, é prioritário “assegurar a todas as crianças uma quantidade suficiente de sono de boa qualidade nos momentos apropriados, de acordo com as suas necessidades individuais”.
Recomendações gerais. Devem proporcionar-se as condições adequadas (leito/colchão, ambiente calmo, escuro, com temperatura adequada, limitação de ruído e com vigilância) a todas as crianças em idade pré-escolar para assegurar a qualidade do sono da sesta; cada criança deve ter um plano individual de sesta, acordado com a família; e a sesta deve ser promovida pela educadora de infância na presença de manifestações de privação de sono ou necessidade de sesta pela criança.
Recomendações particulares.
A sesta na creche.
Crianças com menos de 24 meses de idade: plano individualizado adaptado à criança (número, horário e duração das sestas); e duração do sono diurno – 2 a 3 horas (repartida entre 1 a 3 sestas). Nesta faixa etária a criança cumpre, em norma, dois períodos de sono diurno: de manhã e à tarde. Entre os 15 – 30 meses de idade suspende, espontaneamente a sesta da manhã.
Crianças entre os 24-36 meses de idade: uma única sesta, de preferência no início da tarde, com a duração de aproximadamente 2 horas. A criança pode ser despertada após este período.
A sesta na idade pré-escolar/infantário.
Crianças entre os 3 – 5/6 anos de idade: uma única sesta, de preferência no início da tarde, com a duração de ≤ 90 minutos. A criança poder ser despertada após este período. Após os 4 anos, nem todas as crianças necessitam de realizar a sesta de forma regular, pelo que a família e a educadora de infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua prática em cada criança. Mesmo nos casos em que se decida pela não realização regular de sesta, esta deverá ser facilitada e incentivada.
(cfhttp://www.spp.pt/UserFiles/file/Noticias_2017/VERSAO%20PROFISSIONAIS%20DE%20SAUDE_RECOMENDACOES%20SPS-SPP%20SESTA%20NA%20CRIANCA.pdf)
***
Tarde é o que nunca vem. Todavia fico espantado pelo facto de termos como vizinho um país que tem a sesta como que institucionalizada – a Espanha – e Portugal, habituado a copiar quase tudo o que se passa fora de portas, ainda não tenha batido com a mão na testa nesta matéria.
E, no atinente a creches, infantários e estabelecimentos de educação pré-escolar, pergunto-me onde tem estado a SPP, dado que a criação do sistema público de educação pré-escolar resulta de uma lei de 1977, de há 40 anos (A SPP tem 65 anos!), a Lei n.º 5/77, de 1 de Fevereiro, que “cria o sistema público de educação pré-escolar, cujos objetivos principais são favorecer o desenvolvimento harmónico da criança e contribuir para corrigir os efeitos discriminatórios das condições socioculturais no acesso ao sistema escolar. A educação pré-escolar tem caráter facultativo e destina-se às crianças desde os três anos até à idade de entrada no ensino primário”.
E o estatuto dos Jardins-de-Infância do sistema público de educação pré-escolar foi aprovado há 38 anos pelo Decreto-Lei n.º 542/79, de 31 de dezembro de 1979.
Ora, nenhum destes diploma fala da sesta (mas preveem transportes e refeições) e os equipamentos não estão dotados de condições físicas para ela. Porquê? Descobriu-se agora a pólvora!

2017.06.06 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário