Este foi o tema da 13.ª Jornada
Nacional da Pastoral da Cultura, que decorreu a 3 de junho, em Fátima, na
casa “Domus Carmeli”, culminando com a entrega do prémio “Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes”
ao encenador Luís Miguel Cintra.
Segundo Dom Pio Alves, o tema desta jornada
nasceu do encontro com o Presidente do Conselho Pontifício para a Cultura (Santa Sé) na Visita ad Limina, em setembro de 2015.Trata-se dum ângulo da
temática a abordar na próxima assembleia geral do Sínodo dos Bispos, que vai
refletir, em outubro de 2018, sobre “Os
jovens, a fé e o discernimento vocacional”, como se lê no site do SNPC (Secretariado Nacional da
Pastoral da Cultura). Com efeito, o documento preparatório do Sínodo pronuncia-se
sobre o contexto dos jovens no mundo atual nos termos seguintes:
“As antigas abordagens já não funcionam e a experiência transmitida pelas
gerações precedentes torna-se rapidamente obsoleta. Oportunidades válidas e
riscos insidiosos entrelaçam-se num enredo não facilmente solúvel. Tornam-se
indispensáveis instrumentos culturais, sociais e espirituais adequados, a fim
de que os mecanismos do processo decisório não se bloqueiem e de que, talvez
por medo de errar, não se acabe por se submeter à mudança em vez de a orientar.”.
Além dos agentes da Pastoral da Cultura, o tema da Jornada abriu-se a
professores, educadores e responsáveis pela juventude de paróquias, organismos
e movimentos. Como nos anos anteriores, às conferências e/ou debates seguiu-se
a intervenção do público e a interação com os conferencistas, se possível
também com ideias realistas e ao mesmo tempo “out of the box”.
***
A sessão de abertura foi protagonizada por Dom Pio Alves, Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens
Culturais e Comunicações Sociais, e José
Carlos Seabra Pereira, Diretor do SNPC. E a conferência
de abertura foi proferida pelo Padre Carlos Carneiro, SJ, Diretor do Centro Reflexão e Encontro Universitário Inácio de Loiola,
O sacerdote
jesuíta abordou, na sua conferência, 4 tópicos em torno das seguintes formulações:
“Quando a sede sabe que não é a fonte”;
“quando
as convicções são mais do que prognósticos”; “o que fazemos quando Deus está ou
não está no nosso imaginário”; e “quando o futuro já não é nem pode ser uma
utopia, mas é um fascínio”.
O Painel I
contou com a intervenção de representantes de três dioceses: Fátima Pimparel,
referente da Pastoral da Cultura da
diocese de Bragança-Miranda; Fernando
José Cassola Marques, Doutorando em
Informática, diocese de Aveiro; Padre Ricardo Tavares,
Referente da Pastoral da Cultura da
diocese de Angra; e Padre Eduardo Duque (moderador), referente da Pastoral da Cultura da arquidiocese de Braga.
Depois do almoço, ocorreu um momento musical com:
Beatriz Cortesão, harpista; o
Quarteto de Saxofones da Escola Profissional ARTAVE; e o Grupo de Fados da Associação Académica de Coimbra.
Quarteto de Saxofones da Escola Profissional ARTAVE; e o Grupo de Fados da Associação Académica de Coimbra.
Da parte da tarde, foram os principais intervenientes do Painel II: Manuel
Pinto, Professor catedrático da
Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais, Departamento das Ciências
da Comunicação; Maria Helena Vieira, Professora da
Universidade do Minho, Instituto de Educação, Departamento de Teoria da
Educação, Educação Artística e Física; e o jornalista Joaquim Franco (moderador).
Por fim, pelas 16,30
horas, foi a cerimónia do “Ato de entrega
do Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes” a Luís
Miguel Cintra.
***
Da parte da Diocese de Aveiro a partilha foi
centrada nas novas tecnologias com Cassola Marques a realçar a ligação entre
cultura e tecnologia que “invadem todos os dias” a vida das pessoas. Com efeito,
segundo o painelista, “comunicamos muito mais e com mais meios do que há 20
anos” e mudaram-se as “práticas culturais” por influência das “tecnologias”. Há
hoje um “maior deslumbramento” pela tecnologia e o “tempo passado ao ar livre”,
a brincar ou em conversas, substitui-se geralmente “por horas nas tecnologias”,
onde a televisão é “individual e individualizadora”. A tecnologia “afeta jovens
e adultos” que também estão “rendidos” às redes sociais, chats, jogos, etc. e Cassola Marques referiu vários exemplos de
sítios na internet de presença católica – Esse
Jota, Imissio, Cristo Jovem – e explicou que a relação dos jovens com a
tecnologia “carece” por parte da Igreja de “muito trabalho”. Na verdade, “é
essencial estar na internet para anunciar” e o “testemunho é o ponto de partida
para a nova evangelização no mundo digital”.
Segundo este doutorando em Informática, para
fazer diferença, é preciso “ser sincero” no que se partilha online, ter uma presença constante e não
apenas de interesse “para convocar ou anunciar eventos”, “comunicar com
qualidade”, dar feedback e não
exagerar na comunicação”
Por sua vez, a diretora da Pastoral da Cultura de
Bragança-Miranda começou a partilha de uma realidade diocesana onde a relação
com os jovens “é mais pastoral da adolescência” porque, a partir dos 18 anos,
muitos estudam noutras cidades e “a grande, grande maioria não volta”. Com a
Pastoral Juvenil têm “procurado que as atividades sejam atrativas” aos jovens e
propuseram “descentralizar” as atividades, pois existem “vilas e cidades sem
proposta cultural durante meses”, como fizeram com uma peça de teatro.
Do seu lado, o responsável pela Pastoral da
Cultura da Diocese de Angra partilhou a realidade dum secretariado que tem
serviços multiplicados por 9 ilhas onde em São Jorge e em São Miguel têm
equipas “empenhadas nesse trabalho” que integram jovens. Exemplificando com
experiências passadas e de futuro, o padre Ricardo Tavares destacou o facto de
os jovens terem escolhido como tema para este ano as festas do Divino Espírito
Santo, “não só para tirar valores da tradição”, com “mais de 500 anos”, mas
como “abordagem nova” com perspetivas bíblicos, filosóficos, sociológicos,
académicas – vendo o Espírito Santo como pessoa, um amigo que acompanha na
formação”. Para futuro, Tavares, que pratica Karaté desde a infância, adiantou
um projeto que concilia a arte marcial com a música e envolve o Conservatório
de Ponta Delgada, olhando o “desporto como múnus espiritual, autotranscendência
e respeito pelo outro”.
***
O Padre Carlos Carneiro afirmou que a Igreja
deseja que a juventude “seja menos infantil” e precisa de “ser menos infantil
na sua proposta”. Para o jesuíta, a juventude diz à Igreja Católica que
“precisa de novas linguagens e novas gramáticas e uma frescura para os velhos e
permanentes lugares de encontro”. E questionou:
“O que a Igreja pode fazer para que a sua liturgia, sem perder a
beleza e o seu caráter sagrado, possa ser cada vez mais cativante a ponto dos
mais novos não terem de perguntar se têm de ir mas sofrerem se não podem ir?”.
Para o diretor do Centro Reflexão e Encontro
Universitário Inácio de Loiola, a juventude pede à Igreja “a coragem de varrer
alguma nostalgia dos seus tempos de glória” e uma “purificação” para não estar
sempre “voltada para o passado”. Sublinhando que “há futuro para a juventude em
Deus” e “há Igreja para juventude em Deus”, acentuou que é necessário promover
uma “cultura de proximidade e de transformação do que se encontra”, não apenas
para “caminhar lado a lado”, mas para promover “relações de transformação”. Além
disso, “a juventude de hoje pede à Igreja e à Cultura um novo tipo de relação,
que não fique só pela condenação, pela censura, por um julgamento, mesmo que bem-intencionado,
mas sempre parcial”.
Por seu turno, a Igreja deseja que a juventude “seja
cada vez menos ingénua e que não viva apenas justificada na sua própria
fragmentação, como se fizesse o elogio das suas feridas e da sua dor”. A este
respeito, clarificou:
“Pedimos à juventude que não viva já envelhecida e cansada, sem
perseverança, sem pertença, sem referências, como quem vagueia pelo mundo, sem
saber que tem colo, que tem Mãe e que tem Pai”.
Carlos Carneiro considera que a juventude
“ganhará imenso em descobrir as coordenadas que lhe permitam ser feliz e
construtora de novos modelos” e o “milagre da paixão pela Igreja há de
acontecer sempre no escondimento, de uma peregrinação, na conversa, no
confessionário”.
Assim, de acordo com o conferencista, a juventude
e a Igreja desejam reciprocamente que cada uma das partes tenha “seriedade
intelectual, cultural, que vai muito para além dos processos emocionais ou das
pastorais de animação”.
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O Presidente da Comissão Episcopal Cultura, Bens
Culturais e Comunicações Sociais, surpreendido com a fraca reflexão sobre a
problemática dos jovens, em tempo de pré-sínodo dos Bispos, clamou que “a
Igreja não pode desistir da juventude” e disse que esta Jornada pretende
ser uma “amostra global” de análises, não olhando “apenas de fora”.
Na sua intervenção, Dom Pio Alves acentuou os
trabalhos não pretendem “olhar apenas de fora para o mundo da juventude”, mas
irão tentar “auscultar vozes” que, a partir da sua vivência ou experiência,
apontem “propostas de proximidade e resposta”. E o prelado referiu:
“Estou a pensar, em primeiro lugar, no sangue novo que a sociedade
necessita e os jovens têm melhores condições para, mais livres de
condicionalismos e interesses consolidados, ultrapassar barreiras artificiais e
vícios reais”.
Depois, especificou o modesto contributo deste
evento:
“Será a nossa modesta contribuição a uma problemática social e
eclesial: sempre atual; nem sempre presente. Com efeito, mesmo dentro da
Igreja, não é facilmente compreensível que, a pouco mais de um ano da
realização do Sínodo, esta análise e reflexão quase não tenham entrado em
velocidade de cruzeiro. A nossa abordagem aqui pretende ser uma amostra global,
necessariamente sumária, de algumas das muitas análises e reflexões que a
temática suscita, muito concretamente a relação dos jovens com o mundo da
cultura”.
Para este venerando Bispo Auxiliar do Porto, “é
notória a diferença, para menos, da receção, na comunicação global, deste tema
quando comparado com o objeto do sínodo anterior sobre a família. E, ainda que
situados em âmbitos distintos, a juventude não é menos importante”. E a reflexão
sobre a juventude “não pode ignorar o passado nem desistir do futuro” porque
uma e outra “interessam primordialmente para viver o presente”. E acrescentou:
“Se é verdade que a sociedade não pode desistir da juventude,
muito menos a Igreja: porque a Igreja precisa da juventude e a juventude
precisa da Igreja”.
Dom Pio Alves sublinhou que os jovens, muito mais
que qualquer outro grupo etário, “têm melhores condições” para, mais livres de
condicionalismos e interesses consolidados, “ultrapassar barreiras artificiais
e vícios reais”. E, sobre o sentido vocacional, adiantou:
“Por parte da Igreja é tempo de que, de uma vez por todas, não se
identifique discernimento vocacional / sentido para a vida, basicamente, com a
opção pelo ministério ordenado ou vida consagrada. Na descoberta do sentido
para a vida entra a escolha consciente de um entre todos os caminhos possíveis.”.
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O diretor do SNPC considera que a pertinência do cristianismo não passa nem
pela “inibição cultural” nem pela “sobranceria judicativa”. Ao “Correio de
Coimbra”, declarou:
“O caminho há de ser o da atenção esclarecida, o da
responsabilidade de discernimento em contexto de relatividade das convenções, o
do diálogo compreensivo entre a autenticidade e a fundamentação dos valores”.
Segundo Seabra Pereira, estas orientações requerem, dentro da Igreja, “mais
formação de leigos e consagrados, mais iniciativas de afirmação e questionação,
mais condições para assumir a iniciativa no debate de ideias e na descoberta da
renovação estética”.
Na véspera da 13.ª Jornada da Pastoral da Cultura, o responsável pelo SNPC
salientava que “a vertente da comunicação estará no centro dos debates, como
coração das relações interpessoais e condição primeira de vivência partilhada
da criatividade no pensar e no fazer artístico”; e referia que, no encontro, “vão-se
cruzar e aferir” a visão “dos jovens de hoje com a perspetiva que
representantes desses mesmos jovens têm do que é hoje a sua forma de estar no
mundo e a sua experiência cultural”.
Questionado sobre a relação Igreja/Cultura, o investigador e docente da
Universidade de Coimbra recorda que a Igreja Católica tem sido um espaço vivo
de cultivo do saber e da escrita que, por integração superadora, do Humanismo
clássico, tornam o Homem mais humano, mais consciente do processo histórico de
aperfeiçoamento da “Consciência em ordem à plenitude da Verdade, da Bondade e
da Beleza”, além de ter sido “promotora da criatividade artística, por entre os
equívocos de idolatria e os assomos de iconoclastia”. Porém, adverte:
“Devemos reconhecer também que, sobretudo com o
advento da modernidade e a expansão dos seus fenómenos de autonomia das esferas
de saberes e de valores, tal como com a progressiva relativização dos critérios
de discernimento e dos cânones artísticos, a Igreja católica (que neste campo
como nos demais não forma um todo de homogénea reação e atuação…) manifesta,
muitas vezes, dificuldades em relacionar-se de forma lúcida e eficaz com os domínios
efervescentes da Cultura”.
Todavia, assegura que, apesar destes obstáculos, subsistiram sempre “vínculos
fecundos da identidade aberta e da vida plural das comunidades católicas com o
Conhecimento e a Arte coevas”, e nas décadas mais recentes está a renovar-se “o
diálogo compreensivo com essas áreas – consideradas até como áreas de fronteira
das potencialidades humanas e domínios privilegiados de evangelização do valor
divino do humano”.
Para Seabra Pereira, o cristianismo “tem sido perene e atual razão de
demanda de novas formas de interrogação fundamental sobre o sentido
transcendente da vida, sobre o alcance da dor e da ternura, da dúvida e da conquista
dum princípio de verdade”, ao mesmo tempo que “permanece uma inesgotável fonte
de energias amorosas que fulguram no pensamento e nas artes”.
Referindo-se à atividade do SNPC, o seu diretor destaca que “participa em múltiplas
atividades promovidas por outras entidades da sociedade civil ou da Igreja”,
explicitando:
“O próprio SNPC promove ou comparticipa na realização
de vários eventos culturais, tais como, na área do cinema por exemplo, o Indie
Lisboa, nalguns casos instituindo prémios que distinguem experiências inéditas
de criação artística. Por outro lado, no respeito pela dinâmica peculiar de
cada diocese, o SNPC procura contribuir para a emergência e a articulação
de atividades culturais através do país; e, nesse sentido, realiza reuniões
periódicas com os chamados referentes
culturais mandatados pelos Senhores Bispos”.
***
Por fim, são de destacar as afirmações emblemáticas de Luís Miguel Cintra sobre
a atribuição que lhe foi feita do sobredito prémio: “É como se a Igreja me desse um abraço! Isso é
agradável porque tenho nostalgia de uma Igreja diferente.” E: “O
prémio da Igreja católica está ligado a coisas essenciais”.
(vd semanário Ecclesia,
de 2 de junho).
***
E uma pergunta fica a bailar: Dar-se-á conta a Igreja de que um elogio implica
uma forte responsabilidade e de que em tantos setores há tanto trabalho por
fazer? Porém, como diz Rui Osório, em VP,
de 31 de maio, os cristãos, “na variedade vocacional e ministerial” deveriam
ser sempre “ativos na contemplação e contemplativos na ação”.
2017.06.04 – Louro de
Carvalho
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