quarta-feira, 28 de junho de 2017

Juntos Por Todos – concerto em homenagem às vítimas dos incêndios

Vasco Sacramento (neto de Mário Sacramento, grande nome da história contemporânea de Aveiro, médico, resistente antifascista, várias vezes preso pelo regime de Salazar) deitou-se, a 17 de junho, o sábado dos incêndios, impressionado com o que vira nas televisões e acordou com mensagens de pânico no telemóvel. Era-lhe impossível ficar quieto, pelo que provocou o movimento que desemboca no esgotadíssimo concerto do dia 27, que todas as televisões e rádios transmitiram.
O próprio Vasco Sacramento, de 39 anos, promotor de concertos, responsável pela Sons em Trânsito, deu o primeiro sinal exterior de que algo poderia estar para acontecer, quando, às 20,47 horas do dia seguinte, escrevia na sua página de Facebook o que lhe ia na alma. Impressionado, começou por dizer que, na manhã daquele domingo, não conseguira “ficar parado com as notícias e as imagens que chegavam de Pedrógão Grande”. E continuou:
“Arregacei as mangas e desafiei a MEO Arena, algumas empresas parceiras e muitos dos principais artistas nacionais. Não tive uma única resposta negativa, para além daqueles que, infelizmente, não dispunham de agenda. Dia 27, teremos um concerto com mais de 20 artistas e transmitido em direto pela RTP, que também se associou imediatamente. Obviamente que ninguém vai ganhar um tostão com isto e todas as receitas obtidas reverterão para o apoio às vítimas e à reconstrução das áreas afetadas. Mais informações nas próximas horas. Agora é preciso encher o MEO Arena.”.
Foi o começo duma iniciativa empenhada e emocionante. Logo na manhã do dia 19, o Expresso falou com Vasco, para este contar o que estava a acontecer. Ciente da delicadeza sempre contida numa iniciativa deste tipo, Sacramento optou naquele dia, como nos dias seguintes, por não falar, pois não queria assumir qualquer protagonismo suscetível de ser mal interpretado. Interessava-lhe assegurar a realização do concerto e nada fazer para pôr qualquer espécie de grão de areia na engrenagem. Mas acabou por, momentos antes do concerto, se dispor a contar como tudo sucedeu. Se no sábado do início da tragédia foi dormir já muito impressionado, no domingo apercebeu-se da troca de mensagens entre pessoas que habitualmente com ele trabalham e aconteceu o seguinte:
“Começo a perceber que há amigos comuns desaparecidos, outros com as casas destruídas e sinto a necessidade de fazer algo”. 
Telefonou aos responsáveis do MEO Arena “para saber se tinha ajuda e se estariam comigo” e “disseram imediatamente que sim”. Porém, começando a colocar-se o problema da logística necessária a iniciativa desta dimensão, foi preciso conversar muito e em várias frentes. Hoje estarão a trabalhar na maior sala de concertos lisboeta mais de 900 pessoas, todos solidários: “ninguém vai receber um cêntimo; e estarão lá técnicos de todo o tipo, profissionais de incontáveis áreas”, porque “há na verdade um imenso trabalho acrescido, resultante do facto de o concerto ser transmitido por todas as televisões”. No dito comentário no Facebook, só falava na RTP, mas tinha a grande ambição de reunir todas as televisões. E agora disse:
“Nunca imaginei que assumisse estas proporções. Achava quase impossível ter todos os canais de televisão a transmitir, mas fomos ainda mais longe ao conseguir reunir também as rádios, todos unidos neste esforço solidário”.
Importante era a questão dos artistas. Sacramento representa alguns dos principais nomes nacionais, com Ana Moura à cabeça. Depressa percebe que os Amor Eletro estavam a colocar de pé algo de parecido e logo se estabelece contacto para unir esforços. Foi assim que na noite do dia 27 se tornou possível ver e ouvir artistas tão diversos como: Agir, Amor Eletro, Ana Moura, Áurea, Carlos do Carmo e Camané, Carminho, D.A.M.A., David Fonseca, Diogo Piçarra, Gisela João, Jorge Palma e Sérgio Godinho, Luís Represas e João Gil, Helder Moutinho, Luísa Sobral, Matias Damásio, Miguel Araújo, Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Raquel Tavares, Rita Redshoes, Rui Veloso e Salvador Sobral (que não devia ter dito o que disse no fim). O cartaz ficou concluído em duas ou três horas – rapidez de que resultou a impossibilidade de integrar no alinhamento muitos outros artistas que se disponibilizaram. Foram centenas que ficaram de fora, porque era inviável estar a pensar num espetáculo com muito mais do que os 25 que subiram ao palco. Ainda assim o espetáculo durou mais de três horas.
Juntos Por Todos”, iniciativa coproduzida pela Sons em Trânsito, Nação Valente, Meo Arena, Blueticket, RTP, SIC e TVI, contou com a generosidade e solidariedade de numerosas empresas e parceiros e, ainda, com o contributo das editoras Sony Music Portugal, Universal Music Portugal, Valentim de Carvalho e Warner Music Portugal na sua divulgação artística e o Alto Comissariado da Fundação Calouste Gulbenkian. As verbas arrecadadas serão entregues à UMP (União das Misericórdias de Portugal), porque não se queria “beneficiar apenas um concelho ou uma situação específica” e porque são as misericórdias quem está “no terreno a fazer o levantamento das necessidades, além de estarem a gerir o fundo de meio milhão de euros atribuído pela Fundação Gulbenkian”. E, ao comentar tudo quanto se tem estado a passar nos últimos dias, Sacramento diz ser ainda cedo para se perceber até que ponto estes acontecimentos estão a transformá-lo. Não obstante, declarou ao Expresso:
“Estou ainda tão anestesiado com tudo e com a montagem desta operação que não dá para perceber de que forma é que isto nos afeta ou transforma”.
Já durante o concerto declarou saber que organizar espetáculos “é sempre algo de efémero”. Porém, “aqui sabemos que estamos a contribuir para algo mais sólido, mais permanente”, pois, os problemas são tão vastos que, se conseguirmos ajudar a que uma casa se erga, que um posto de trabalho se mantenha, já sentiremos que valeu a pena”. E, questionado se esperava um espetáculo com esta dimensão, respondeu que esperava um espetáculo grande, mas que lhe caiu no colo um espetáculo gigante.
***
Na noite de 27, no Meo Arena, em Lisboa, assisti pela TV ao concerto especial de 25 artistas portugueses, já referidos, num espetáculo montando apenas numa semana, cuja receita reverte a favor das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande e similares, que angariou 1 153 000 euros, dinheiro (além do dos bilhetes e bilhetes-participação) que ajudará a pessoas atingidas em diversas vertentes da subsistência. Na plateia, entre as 14 mil pessoas, que homenagearam com um aplauso de pé os bombeiros, estavam o Presidente da República (em cuja pessoa a UMP agradeceu a Portugal esta bela iniciativa de solidariedade) e o Presidente da Assembleia da República, que disse:
É importante que estejamos juntos o ano inteiro e não apenas nestas ocasiões”.
Outros testemunhos surgiram da parte de artistas, apresentadores e outros. Destacam-se, a seguir, palavras de artistas e do Presidente da União das Misericórdias de Portugal.
Carminho resumiu o espírito geral dos músicos que se apresentaram em palco, garantindo que estavam ali para lá do que representam e do percurso individual de cada um: “Estamos aqui para ajudar a vida das pessoas que sozinhas não conseguem fazer a reconstrução”. E David Fonseca, de Leiria, disse que o choque da tragédia de Pedrógão “não foi um choque regional”:
“Somos um país pequeno, mas temos uma ideia de comunidade muito forte. Quando acontece algo, isto que aconteceu, temos uma extraordinária capacidade de ajudar.”.
Por seu turno, Gisela João entrou em palco, pedindo: “vamos todos dançar pelos bombeiros portugueses”. E, quando começou a interpretação de “Sr. Extraterrestre”, disse:
“Acredito em todos os portugueses que estão aqui neste momento, acredito de coração”.
E recordou ainda a mensagem de uma bombeira, que integrava o batalhão do bombeiro que morreu durante o combate às chamas:
“Ela queria fazer uma última homenagem a esse bombeiro, tive que me certificar de que ela estava aqui”.
Helder Moutinho reforçou a necessidade de acabar com “alguns negócios que estão por trás disto tudo, de forma a que isto não aconteça”, referindo-se à “tragédia dos incêndios”. E Luís Represas, depois de interpretar, com João Gil, “Memórias de um Beijo”, dos Trovante, disse:
“Não é novidade que os portugueses estão presentes quando são chamados a isso”.
Afinal veio gente”, exclamou Sérgio Godinho ao começar o dueto que protagonizou com Jorge Palma, num medley que juntou “Portugal Portugal”, do segundo, e “O Primeiro Dia”, do primeiro. Jorge Palma recordou:
“Há um ano estava a fazer um concerto em Pedrógão, na semana passada fiquei horrorizado. A prevenção, precisamos de gastar o dinheiro que for preciso para que isto não volte acontecer.”.
E Sérgio Godinho afirmou que “é sempre preciso lembrar os bombeiros”.
Por seu turno, Luísa Sobral, uma das vozes em cartaz, confessou não estar previsto falar antes de cantar “Cupido” (acompanhada por Mário Delgado à guitarra), mas foi isso que fez:
“Normalmente, para um espetáculo deste tamanho são necessários alguns meses. Neste caso, foi tudo feito numa semana. Acabamos por ser nós a dar a cara. Eu dormi bem esta semana, mas as pessoas que organizaram isto mal dormiram.”
E falou sobre todos os músicos que não estiveram no Meo Arena, mas que gostariam de estar.
“Estamos aqui porque, quando é preciso. as pessoas juntam-se.” Miguel Araújo cantou “Anda Comigo Ver os Aviões” e assumiu que para lá das canções, “as palavras falham nestes momentos”. Antes, cantou Matias Damásio. E Paulo Gonzo cantou “Sei-te de cor”: “A música é sempre uma boa causa e ajuda a mudar as coisas. A música pode ajudar a cicatrizar a dor”.
“A tempestade há de passar” é o 1.º verso de “Toma Conta de Mim”, que Pedro Abrunhosa levou ao Meo Arena. “Que saibamos tomar conta uns dos outros nos momentos mais aflitivos da nossa vida”, disse a meio do tema e confessou: “A música acaba por ser um abraço invisível, mesmo com vontades e crenças diferentes”. Logo a seguir, cantou Raquel Tavares, que disse:
“Esta noite significa que as pessoas de Pedrógão não estão sozinhas. E prometemos que não nos vamos esquecer deles.”
Por sua vez, Rita Redshoes, que escolheu o tema “Mulher”, apontou o fundamental:
“Esta noite é muito bonita, mas não podemos esquecer porque estamos aqui. Há responsabilidades políticas e individuais que têm de ser apuradas. Só isso é que devolve o respeito à memória dos que não ficaram cá. Como cidadãos temos que exigir justiça por essas pessoas.”.
Depois de “Primeiro Beijo”, Rui Veloso deixou “um recado para os nossos políticos, que tanto falam, tanto põem as culpas nuns como põem nos outros” e disse:
“Já toda a gente ouviu essa conversa, mas nós temos que nos unir e resolver a questão de uma vez por todas. O país e os homens estão a ser destruídos.”
E Salvador Sobral foi o último a atuar sozinho, com despedida em grande. E, em vez de cantar primeiro “Amar Pelos Dois”, a canção com a qual ganhou o Eurofestival, apresentou antes uma versão de “A Case of You”, de Joni Mitchell. Depois, atirou-se ao sucesso entoado em coro pelos 14 mil que esgotaram o Meo Arena, a cantar já não a amar pelos dois, mas por todos.
E o Presidente da UMP interveio a meio do concerto em postura de gratidão e garantia de que a UMP está no terreno, conhece as populações e, após esta fase de emergência e luto, acabará o levantamento das reais necessidades e gastará bem todos os cêntimos que administra, suscitando a colaboração de todas as entidades. E, no fim, agradeceu emocionado a todo o país.
2017.06.27 – Louro de Carvalho

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