Sempre
se disse na minha terra que há três momentos da vida em que as mentiras são
abundantes: ano de eleições, tempo de guerra e tempo de namoro.
Na
verdade, em período pré-eleitoral sempre nos prometeram mundos e fundos sem
acautelarem se tinham ou não a possibilidade de cumprir. E o que é pior é que
alguns candidatos prometem sabendo de antemão que não podem fazer ou dar aquilo
a que se vinculam, apenas lhes interessando a captação do voto dos eleitores. Chega-se
ao desplante de o cabeça de lista dum partido num círculo eleitoral, sobretudo
se for o caso de uma eleição para um órgão autárquico, convidar para número
dois da sua lista várias pessoas.
Que
a gesta da guerra é propícia para situações de mentira mostra-o o desempenho do
Ministro da Informação do Iraque quando as tropas da força multinacional, em
2003, já estavam sobre Bagdade e o Senhor garantia, pela televisão, que a
cidade estava segura e a resistir heroicamente a um possível ataque, não
deixando que os atacantes levassem a melhor. Também se tornou proverbial a
razão que levou à referida invasão do Iraque – a existência e utilização de
armas de destruição massiva – que tarde e a más horas veio a ser publicamente
desmentida, depois de muita gente ter sucumbido e o ditador ter sido
aniquilado, mas sem que se estabelecesse no país um rumo sólido e sem que as
denominadas primaveras árabes tivessem resultado em regimes de governação
minimamente aceitáveis. Isto para não falar dos boatos surgidos em 1961 aquando
da anexação do Estado da Índia (Goa, Damão e Diu) por parte da União Indiana, em
que alegadamente tinham morrido muitos portugueses: eu assisti a uma missa de
notícia da pretensa morte de alguns. E que dizer de causas nunca explicadas de
morte de alguns militares na nossa guerra do dito Ultramar? Não é sem razão,
claramente de ordem política, que mesmo os regimes democráticos estabelecem o
quadro de censura e vigilância em tempo de guerra, estado de sítio ou situação
de emergência.
Quanto
ao namoro, que supostamente serve para os envolvidos se conhecerem, a história
dos costumes está largamente marcada por amuos, arrufos, desilusões e por
enganos, descobertos estes, tantas vezes, já na vigência do matrimónio, que de
constante passou a periclitante, se é que não desaba.
Obviamente
que ao tempo de guerra se equipara nesta matéria o que se passa em caso de
ataque terrorista, com uma diferença: a guerra convencional costuma ser objeto
da declaração prévia de guerra, a não ser que se trate de guerrilha (equiparável
ao terrorismo), ao
passo que o ataque terrorista é reivindicado a posteriori e eventualmente é objeto de ameaça prévia, mas velada.
E, nos últimos tempos, os ataques de terrorismo são muitos, em lugares
diversos, de muitos modos, com vítimas a mais, criando clima permanente de
insegurança e condicionamento da liberdade de estar e de circular. Ademais,
quando não são reivindicados, as suspeitas das autoridades nem sempre recaem
nos verdadeiros autores. Recordo que, a propósito do atentado da estação ferroviária
de Atocha, o Governo espanhol ao tempo lançou erradamente a culpa sobre a ETA,
o que veio a ser desmentido. E, antes de ser detido e aniquilado o mentor de
uma rede terrorista, outros podem ser presos e executados como se foram o autor
de todos os males, porque falham os serviços de informação e outras vezes o
verdadeiro chefe escapa graças à fuga de informação.
***
Algo
de parecido se passa quando a suspeita de crime de corrupção, evasão ao fisco
ou branqueamento de capitais recai sobre personalidades públicas ou de grande
peso político e/ou económico. A investigação é protegida pelo segredo de
justiça, mas todos os dias saem para as pantalhas da Comunicação Social factos dados
como provados, são constituídos muitos arguidos, revistadas inúmeras
habitações, gabinetes e outros locais de trabalho e construídas páginas aos
milhares em peças processuais (parece que tudo ali vai desembocar) e, depois, não se consegue uma
acusação consistente, por alegadamente o processo se tornar altamente complexo.
Entretanto, multiplicaram-se as peças declarativas e processuais de caráter
jurídico a enxamear os tribunais e os órgãos de Comunicação Social, intoxicando
a opinião pública, insultando a presunção de inocência e tornando impossível a
produção e a aplicação eficaz da justiça.
***
A confusão e
a desinformação marcam presença perturbadora em caso de incêndio florestal de
grandes proporções. No caso do incêndio com epicentro nas cercanias de Pedrógão
Grande, que, iniciado no começo da tarde do passado dia 17 de junho,
transformou o centro do país num enorme e explosivo barril de pólvora, tudo e
mais alguma coisa se disse.
Se
entendermos que as declarações do Presidente da República no sentido de que ali
nada tinha falhado foram proferidas como forma provisória para evitar o
recrudescimento do pânico das populações e eventuais manifestações de
hostilização contra as autoridades e os agentes da segurança pública e da
proteção civil, pouco foi dito de consistente sobre a verdade dos factos.
Obviamente
que o número de mortos ia naturalmente aumentando com o eventual agravamento
das condições de resistência dos feridos e intoxicados pelos fumos ou pelo
aparecimento de corpos de pessoas desaparecidas. Mesmo assim, houve avanços e
recuos nos números. Algo parecido se deve dizer dos números atinentes aos
feridos.
Outra coisa
acertada foi a asserção do Primeiro-Ministro de que, primeiro, estava o cuidado
das pessoas, promovendo as condições de identificação das pessoas mortas e condignos
funerais e a assistência possível a vivos em dificuldade, ficando para fase
posterior o apuramento das eventuais responsabilidades e consequente leitura
dos factos e respetivas conclusões.
Estranhei
que, a meu ver, demasiado cedo a polícia judiciária (PJ) viesse dizer publicamente que não tinha havido mão
criminosa na origem do incêndio, a ponto de o seu diretor nacional declarar que
tinham encontrado uma árvore rachada por um raio em ambiente de trovoadas secas
que se abateram sobre a região. Ora, a investigação poderia aguardar mais algum
tempo e verificar se as informações de pessoas com saber e experiência eram
suficientes para explicar a dimensão da tragédia – isto é: os ventos fortes em
dias anteriores que provocaram a acumulação de lixo, nomeadamente carumas; a
falta de prevenção e sobretudo de limpeza e vigilância; o fenómeno de convecção
semelhante ao tornado; o excesso de calor conjugado com a falta de humidade; a
mudança constante da direção e sentido dos ventos e das labaredas.
Chegou a
apontar-se o dedo à GNR pelo facto de alegadamente não ter cortado estradas a
tempo de evitar as mortes que todos lamentamos, esquecendo que é difícil a quem
está no terreno tomar a medida certa no tempo certo, sobretudo quando as
circunstâncias mudam drástica e repentinamente, e não percebendo como é difícil
fazer que as populações atingidas acatem as determinações dos agentes da
autoridade quando sentem que estão em perigo seus familiares, bens e haveres.
No caso vertente, muitas pessoas estavam fora da terra e de regresso a casa
vindas de férias e outras estavam na praia fluvial das Rocas. É razoável que,
ao ouvirem dizer que possivelmente o fogo andava nas imediações de suas casas,
tenham tido a tentação de se porem a caminho contra tudo e contra todos.
Foi dito que
os bombeiros chegaram atrasados a alguns lugares porque os fogos eram muitos e
porque o sistema de comunicações falhou. Mais tarde, foi referido que a alegada
falha existente nas comunicações resultou do facto de haver postes queimados, o
que revela que, a haver falha, esta ocorreu não no início a impedir a chegada
de bombeiros, GNR e detentores de cargos públicos, mas no decurso da evolução
do incêndio. Diz-se que as autoridades impediram o avanço dum batalhão de 60
bombeiros da Galiza apoiados por um camião-cisterna para obviar ao combate aos
incêndios onde fosse necessário. E o El
Mundo o escreve. Terá sido verdade?
Dizem alguns
que os serviços privados da indústria da celulose falharam na manutenção das
matas que lhes dizia respeito, o que tinha de ficar no escuro. Será verdade?
Foi dito que
se desempenhou no combate aos incêndios uma avião Canadair espanhol, não se
sabendo em que circunstâncias e quantas vítimas houvera, o que veio a ser
desmentido pelos espanhóis e, mais tarde, pelas autoridades portuguesas. A este
respeito, o madrileno El Mundo
escreve que o dia de
terça-feira “começou com otimismo e terminou no caos absoluto”. E ainda:
“A evidente falta de coordenação entre
as autoridades, tanto ao nível dos trabalhos de extinção, como também de
comunicação com os meios de comunicação social, provocou um aluvião de críticas
à gestão do desastre por parte do Governo e do Primeiro-Ministro António Costa,
e em particular à ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa,
a menos de quatro meses das eleições legislativas (engano do jornalista: é “autárquicas”)
em Portugal”.
A entrada do
texto já é particularmente assertiva, arriscando que “a desastrosa gestão da
tragédia poderia pôr fim à carreira política do Primeiro-Ministro, António
Costa”, mas o jornal aponta baterias ao facto de a entrada duma coluna de bombeiros
galega ter sido vetada na fronteira, considerando que é “inexplicável” pois “os
bombeiros portugueses reconheciam estarem a ser ultrapassados pelas condições
no terreno” aquando da expansão do incêndio. E criticando a Ministra por ter
falado em excesso de voluntarismo, o jornalista escreve:
“O que acontece por vezes é que há
pessoas com excesso de voluntarismo, que podem querer empenhar-se, sem ter
qualquer tipo de enquadramento, nos teatros de operações. Ora isso não é
aconselhável, nem para as equipas no terreno, nem para os próprios, que não
conhecem o terreno onde vão operar.”.
E a história
da falsa queda de um avião de combate aos incêndios é descrita como “uma grande
confusão” por ter sido “inicialmente confirmado pelas autoridades portuguesas,
que até reconheceram ter enviado uma equipa de resgate” e duas horas depois,
para “surpresa absoluta”, desmentiram a notícia. Até se afirmou ter havido
pânico no centro de comando de Góis!
Agora, o Presente da Direção da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Jaime Marta Soares, que afirmou que o incêndio de Pedrógão
Grande teve “origem criminosa”, vai ser chamado à PJ fornecer todos os
elementos de que dispõe sobre as suspeitas de origem criminosa do incêndio de
Pedrógão Grande. Porém, contactado pela Lusa,
o presidente da LBP afirmou e reafirmou que suspeita que o incêndio que
deflagrou no sábado em Pedrógão Grande tenha tido “origem criminosa”,
contrariando a declaração, de domingo, do diretor nacional da PJ de que o
incêndio teve origem numa trovoada seca, afastando qualquer indício de origem
criminosa. E esclareceu:
“O incêndio já estava a decorrer há cerca
de duas horas, quando efetivamente se deu esse problema com os raios que
provocaram um conjunto de ignições a acrescer àquele incêndio, que já era de
uma violência extraordinária”.
Não obstante,
o Presidente da LBP disse que saúda a investigação da PJ para apuramento da
origem do incêndio.
Para cúmulo, o Instituto da Segurança Social (IPS) denunciou ontem, terça-feira, a existência de indivíduos que
se apresentam como técnicos da Segurança Social e que na zona de Pedrógão
Grande e Góis estão a realizar-se falsas visitas em nome do organismo. Numa
curta nota à imprensa, a o IPS faz saber que “tem conhecimento de que existem
situações de falsas visitas de indivíduos no terreno que se fazem passar por
técnicos da Segurança Social”, “apesar do momento de infortúnio que se vive,
causado pelos incêndios de Pedrógão Grande e Góis”.
Por isso, o
IPS avisa as populações de que “os técnicos da Segurança Social no terreno estão
devidamente identificados”.
Por seu
turno, o Primeiro-Ministro proferiu um despacho a exigir que a ANPC (Autoridade
Nacional de Proteção Civil), a GNR (Guarda
Nacional Republicana) e o IPMA (Instituto Português
do Mar e da Atmosfera) se
expliquem sobre as causas da deflagração do incêndio, sua dimensão e sobre a
eficácia das diligências desencadeadas para obviar às consequências deste
evento. E foi advertindo de que era prematuro alterar a estrutura da ANPC sem se
verificar como tudo se passou. Além disso, perante as informações de que
dispõe, ainda não há evidências de que algo tenha falhado gravemente. Porém, se
houver responsáveis, tirar-se-ão as devidas consequências.
Se a
resposta da GNR se perde na definição da sua missão e funções e na citação de
normativos legais, a do IPMA ensarilha-nos na complexidade da linguagem, que se
entende se tivermos a pachorra de ler. Veja-se o exemplo colhido no portal do
Governo:
“No
que diz respeito às condições excecionais que determinaram situações no terreno
de excecional gravidade, estamos convictos de que foram o resultado da
conjugação da dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos da instabilidade
atmosférica, gerando “downburst”, ou seja, vento de grande intensidade que se
move verticalmente em direção ao solo, que após atingir o solo sopra de forma
radial em todas as direções. Este fenómeno é, por vezes, confundido com um
tornado e tem um grande impacto em caso de incêndio florestal por espalhar
fragmentos em direções muito diversas. De acordo com as informações já
recolhidas pelo IPMA, o desencadeamento e/ou a propagação do incêndio poderão
ter sido amplificados pela conjugação dos fatores descritos, e a importância
excecionalmente elevada de efeitos locais relacionados com fenómenos de
convecção atmosférica associados à humidade muito reduzida, e a dinâmica
induzida pelo próprio incêndio.”.
Salva-se
o referido no último parágrafo da carta enviada ao Primeiro-Ministro:
“Esta
situação tão complexa e excecional está a ser objeto de um estudo aprofundado.
Foi já nomeada uma comissão coordenada pelo Dr. Nuno Moreira, Chefe de Divisão
de Previsão. Este estudo está a ser realizado no IPMA, e quando estiver
terminada será de imediato enviado.”.
Finalmente,
segundo o Notícias ao Minuto, a BBC
fez, no dia 20, a análise à tragédia que assola o país, salientando que os
incêndios florestais são ameaça anual em Portugal, referindo:
"Segundo a Agência Europeia do
Ambiente, houve mais incêndios ali entre 1993 e 2013 do que em Espanha, França,
Itália ou Grécia, apesar de ser um país relativamente pequeno a nível
geográfico".
Trata-se de um país “quente”
que está a vivenciar ainda antes do verão temperaturas já elevadas. É um
dos países da Europa com mais zonas florestais, a maioria delas propriedades
privadas. “A falta de gestão da floresta é uma parte fundamental do problema”,
aliada à existência de muitas “plantações de eucaliptos” (ricos em seiva, mas altamente inflamáveis), espécie muito desenvolvida em
Portugal pelo crescimento da indústria do papel no século XX. Depois,
falta uma estratégia de combate aos incêndios; e o caso vertente agravou.se
pelas falhas de comunicação.
***
Esperamos pelo
verão do próximo ano? Haja quem desminta e esclareça!
2017.06.21 – Louro de carvalho
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