segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

A OCDE elogia reformas da era da troika

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), concluindo que as reformas laborais aplicadas em Portugal durante a era da troika (entre 2011 e 2015) estão a ter resultados positivos na evolução do mercado do emprego, sustenta que se devia ter ido mais longe. E uma das medidas que sugere é a facilitação do despedimento individual e a redução das diferenças na proteção legal entre trabalhadores permanentes e temporários, obviamente com desvantagem para os primeiros. Tudo isto consta de relatório recém-concluído, solicitado pelo governo de Passos Coelho e não divulgado pelo atual executivo a quem foi entregue em junho.
Questionado sobre a matéria, o MTSSS (o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social) alega que o estudo ainda não está terminado, prevendo-se que esteja concluído até ao final do ano. E, embora não se pronuncie para já sobre as ditas conclusões, assume o compromisso de apresentar e discutir o estudo publicamente, o que deverá acontecer no início do próximo ano.
O relatório, que avalia o impacto das reformas adotadas no mercado de trabalho, é apresentado como contribuição para o processo de monitorização e avaliação que foi recomendado pela Comissão Europeia, no quadro do semestre europeu, em 2015, sendo o seu foco as reformas do mercado de trabalho aplicadas entre 2011 e o 1.º trimestre de 2015.
Obviamente, um Governo que aposta, por convicção ou por compromisso com o eleitorado e com os parceiros políticos, num outro caminho terá dificuldade em aceitar de forma acrítica um relatório elogioso para “a redução da proteção legal ao emprego, o alargamento do universo abrangido pelo subsídio de desemprego em simultâneo com a redução dos valores e tempo máximo do subsídio, os limites às extensões da contratação coletiva, a moderação salarial — sobretudo pela via do congelamento do salário mínimo nacional entre 2011 e 2014 –, os cortes temporários no pagamento das horas extraordinárias e uma maior flexibilidade na gestão do horário de trabalho, nomeadamente na aplicação do lay off.
Depois, se estas reformas foram, na ótica dos responsáveis da OCDE, “um movimento na direção certa”, o diagnóstico aponta para a necessidade de ir mais longe. De facto, à medida que a economia voltou a crescer (início de 2013), Portugal viveu algumas melhorias na criação de emprego e na taxa de desemprego – mais significativas do que seria de esperar por via do ritmo lento da retoma. Não obstante o progresso efetuado, subsistem muitos desafios, dado que muitas reformas não foram até ao necessário. O desemprego mantém-se acima do desejado (em particular nos jovens) – situação que nutriu o aumento da pobreza e do desemprego de longo prazo (apesar de existirem sinais de melhoria neste caso). Num contexto de baixa inflação, o mercado permanece altamente segmentado (entre trabalhadores efetivos e a prazo) e a rigidez nos salários continuará como barreira à competitividade da economia portuguesa, a menos que “o crescimento da produtividade seja mais forte”.
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Uma reforma significativa recentemente implementada em países da OCDE é a redução da proteção aos empregados, sobretudo pela redução da indemnização por despedimento para novas contratações (de 20 para 12 dias de salário por cada ano de trabalho). A OCDE entende que a preservação do valor das indemnizações protegeu do risco de despedimento os trabalhadores já empregados até 2012. Mas, a longo prazo, o corte nas compensações resultará em “ganhos significativos ao nível da produtividade e do crescimento”. Apesar de esta reforma ter aproximado Portugal da média de proteção dos países da OCDE, esta sustenta que os trabalhadores com contrato permanente “ainda beneficiam do mais alto nível de proteção contra o despedimento individual na OCDE” e mantém-se um intervalo regulatório significativo entre contratos permanentes e a prazo, que ainda pesa na segmentação do mercado laboral.
O estudo recomenda uma reforma adicional na legislação de proteção do emprego de modo a clarificar as condições que permitem à empresa dispensar o funcionário de contrato permanente por razões económicas, na linha das alterações de Itália e Espanha. Porém, tal mudança esbarra com o artigo 53.º da Constituição, que proíbe despedimentos sem justa causa, conceito que, segundo dizem, não é definido e pode ser difícil de concretizar, a menos que se altere a CRP.
Mesmo assim, a OCDE afirma a possibilidade do avanço com reduções suplementares na proteção do emprego para trabalhadores com contratos sem termo através de medidas como o aligeiramento dos procedimentos e exigências para despedir, a redução da compensação a dar por despedimento ilícito e a diminuição da possibilidade de reintegração.
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Recordam-se as principais medidas da troika e respetivas recomendações da OCDE ao Governo.
- Benefícios aos desempregados e apoios sociais. Esta é uma das medidas mais defendidas pela troika: a redução da proteção no desemprego, pois o regime era considerado demasiado generoso no tempo e no valor e desincentivava a aceitação de ofertas de trabalho. Em 2012, as novas regras tinham o duplo objetivo de facilitar o acesso ao subsídio de desemprego, pela redução do número mínimo de meses de emprego para aceder à prestação, e reduzir o prazo (até 26 meses) e o valor máximo da prestação (passou para 1.048 euros). E o Tribunal Constitucional chumbou a pretensa aplicação da taxa de 6% sobre os subsídios de desemprego e de doença.
Além disso, o Governo PSD/CDS criou uma majoração para casais desempregados e abriu uma brecha na porta de acesso a recibos verdes. O programa socialista refere necessidade de aperfeiçoar este último aspeto, mas é omisso em relação ao resto. Segundo a OCDE, urge garantir no futuro maior proteção aos desempregados, alargando a cobertura do subsídio de desemprego, elevando o limite para o apoio aos desempregados e introduzindo atualizações em função da inflação. E propõe a extensão do RSI (Rendimento Social de Inserção) a mais desempregados que tenham perdido o direito ao subsídio. Mas considera útil reduzir ainda mais a duração máxima do subsídio de desemprego para criar incentivos à procura de emprego. O objetivo é reduzir o desemprego de longa duração (sobretudo em desempregados com mais idade), sendo que uma das medidas passaria por excluir ou limitar a possibilidade de estender o apoio ao desemprego até à idade de reforma, obviamente acompanhada dum maior reforço dos programas de emprego.
- Reorientação das políticas ativas de emprego. A OCDE elogia as políticas ativas de emprego adotadas pelo Governo, sobretudo as dirigidas aos mais jovens, como os programas de estágio profissional comparticipados pelo Estado. Porém, os mecanismos tornaram-se menos eficazes, sendo, por isso, necessário reorientar o foco desses esforços, pelo dimensionamento das políticas ativas de emprego para os jovens em situação de exclusão social e para desempregados de longa duração, e pela necessidade de responder às necessidades específicas dos empregadores. Ao mesmo tempo, Portugal deve garantir maior estabilidade nas políticas ativas de emprego, de modo que empresas e empregadores percebam que programas estão disponíveis. Devem, assim, ser mobilizados mais recursos para a monitorização permanente destes programas.
- Maior exigência na negociação coletiva. Uma das questões que mais preocupava a troika era o caráter demasiado restritivo das regras da contratação coletiva. Por conseguinte, pressionou o Governo a limitar ao máximo a negociação e a contratação coletivas, travando a generalização das melhorias das condições de trabalho e dos salários. Assim, o Governo suspendeu temporariamente a aplicação quase automática das portarias de extensão – mecanismo que alarga a todos os trabalhadores dum setor, sindicalizados ou não, os direitos estabelecidos em convenções coletivas. A sua emissão ficou, em 2012, dependente dum exigente critério de representatividade, o que limitou muito as portarias publicadas. Só em 2014, a coligação começou a reverter a situação, introduzindo um critério mais abrangente que é preenchido por praticamente todas as associações patronais. A OCDE crê indispensável limitar as consequências negativas das portarias de extensão e recomendam a adoção de critérios de representação mais exigentes. Na mesma linha, entende que apenas devem ser permitidas essas extensões administrativas quando estiver em causa o interesse público, obedecendo a critérios previamente definidos e claros para os parceiros sociais antes do início do processo negocial. E recomenda a criação dum organismo independente e externo que assuma tal responsabilidade ou aconselhe o Executivo sobre que acordos coletivos devem ou não ser alargados.
Além disso, a OCDE sugere que o Governo torne mais fácil a saída das empresas dos acordos coletivos, clarificando, a exemplo de Espanha, as condições em que as empresas podem denunciar tais acordos. E recomenda a redução para 3 anos do período de sobrevivência de um acordo coletivo para lá da data em que expirou (atualmente têm a validade de 5 anos).
- Redução da TSU das empresas que pagam salário mínimo. Algumas medidas elogiadas foram o congelamento do salário mínimo (2011-2014) e a redução do pagamento (e outras compensações) por horas extraordinárias. Porém, este é o ponto em que os esforços do anterior Governo podem ter tido um efeito perverso. Com efeito, estas medidas afetaram sobretudo os trabalhadores com rendimentos mais baixos, facto que, aliado ao desemprego galopante registado nos primeiros anos de intervenção da troika, levanta questões sobre o impacto futuro destas e de outras ações congéneres. Por isso, o relatório aponta a “necessidade de reduzir a contribuição para a Segurança Social (TSU) paga pelas empresas sobre os trabalhadores que recebem o salário mínimo, incluindo novas contratações, de forma a suavizar o impacto previsto do aumento do salário mínimo – 600 euros até 2019. Ao mesmo tempo, recomenda a criação duma comissão independente responsável por aconselhar o Governo sobre eventuais alterações na política de atualização do salário mínimo, atendendo às alterações a ocorrer no mercado laboral. Esta comissão seria composta por peritos independentes e representantes dos parceiros sociais.
- Horário de trabalho: o elogio ao banco de horas. Outra das medidas marcantes foi o aumento do número de horas de trabalho por semana para as 40 horas na função pública, entretanto já revertida pelo atual Executivo. Mas o tema não é abordado nesta avaliação.
O estudo salienta a permissão às empresas da flexibilidade adicional para responder a mudanças na procura, ajustando o tempo de trabalho em vez do nível de emprego, nomeadamente através do lay-off por iniciativa da empresa, utilizando o banco de horas individuais – opção bem-vinda, porque Portugal sofreu uma grande destruição de empregos durante a crise. Porém, o estudo admite que a flexibilização do horário de trabalho pode ter tido um lado perverso, aumentando o risco de proliferação de esquemas de compensação de curto prazo, cujo único propósito é preservar postos de trabalho ineficientes, evitando uma realocação de mão-de-obra para postos mais produtivos. Por isso, recomenda a eliminação ou redução dos mecanismos já existentes de compensação pelo trabalho de curta duração, para evitar que estes esquemas se tornem num obstáculo à recuperação económica.
- Proposta de razões económicas para o despedimento. Antes das reformas introduzidas, Portugal era um dos países com leis laborais mais restritivas, sobretudo no atinente aos trabalhadores com contratos permanentes. No entanto, o Governo PSD/CDS colocou Portugal entre os países cujos esforços nesta matéria mais se destacam. Uma das medidas mais elogiadas é a redução das compensações pagas em caso de despedimento para os novos contratos. Em 2011, o Governo reduziu de 30 para 20 dias de compensação por cada ano de trabalho nos contratos permanentes e impôs um limite máximo de 12 salários. Em 2013, reduziu esses 20 dias para os atuais 12. Não obstante, a OCDE crê que é preciso ir mais longe e, por isso, recomenda a clarificação das “condições segundo as quais os empregadores podem dispensar trabalhadores com contrato permanente por razões económicas”. E, para obviar ao possível impedimento constitucional, sugere caminhos alternativos: facilitar os procedimentos em caso de despedimento individual, reduzir a compensação por despedimento ilícito e limitar a possibilidade de reintegração do trabalhador em caso de despedimento ilícito, aproximando o regime português do alemão; permitir a portabilidade dos fundos entre empresas, embora com ressalvas para o custo da medida, para remover os travões à mobilidade do trabalhador; e reforçar a capacidade da ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) para fiscalizar os falsos recibos verdes (medida reivindicada pelos partidos de esquerda e que o Governo colocou em andamento, com a abertura de concurso para 80 inspetores).
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Com a reunião da Concertação Social de 19 de dezembro, a pressão sobre o Governo aumenta. Do lado dos patrões a maior preocupação é o aumento do salário mínimo para 557 euros; e os partidos à esquerda do PS e os representantes sindicais pressionam o Executivo a reintroduzir regras laborais anteriores à entrada da troika. O Bloco de Esquerda deu a conhecer as suas prioridades: reposição dos dias de trabalho não pagos, recuperando os 25 dias de férias e repondo o direito ao descanso compensatório por trabalho suplementar; majoração por hora de trabalho suplementar pelos valores percentuais anteriores a 2012 (50% na 1.ª hora e 75% nas seguintes e majoração de 100% por trabalho suplementar feriado); reposição dos valores anteriores na remuneração de trabalhadores com isenção de horário; garantia das compensações devidas aos trabalhadores com contrato a termo e o regresso das indemnizações por despedimento aos tempos pré-troika (exatamente aquilo que é mais elogiado pela OCDE); e o relançamento da contratação coletiva. O PCP e a CGTP insistem na reversão da caducidade dos contratos coletivos ao fim de 5 anos, obrigando as partes a renegociar novo acordo. Na prática, se os acordos de empresa só caducarem com o acordo das duas partes, a sua reversão pode ser praticamente impossível. A resposta do Ministro do Trabalho e da Segurança Social não se fez esperar:
O Governo não está disponível para alterar lei da contratação coletiva e é pouco favorável às prioridades do Bloco de Esquerda. António Costa está focado na obtenção de acordo com os patrões na concertação social e alterações profundas à lei laboral impossibilitariam à partida tal acordo. E Vieira da Silva já defendeu que o país não deve entrar numa “vertigem” de mudanças legislativas. Com efeito, é preciso “acautelar o futuro da contratação coletiva”, mas tal “não pode ser imposto por decreto” e “tem de ser fruto da vontade dos parceiros a todos os níveis e da sua compreensão das vantagens mútuas da regulação negociada”.
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O que já foi revertido? As reformas no mercado laboral não foram as mais visadas pelas reversões decididas em outros setores e que incidiram em particular sobre empresas e funcionários do Estado. Alguns recuos registados na política de emprego em relação ao rumo indicado pela troika foram ainda decididos pelo anterior Executivo. Nessas decisões contam-se: o fim do congelamento do salário mínimo, que aumentou para 505 euros mensais em outubro de 2014; menor restrição à autorização administrativa das portarias de extensão; e reposição em 2015 do corte de 50% no pagamento das horas extraordinárias, introduzido em 2012, para trabalhadores com contrato coletivo. Com o atual Governo, em 2016, foi aprovado um novo aumento do salário mínimo para 530 euros, tendo o assunto voltado em força durante a discussão do Orçamento do Estado para 2017, com o Executivo a comprometer-se a aumentar, em 2017, o salário mínimo nacional para os 557 euros. O objetivo, assumido desde o início, é chegar a 2019 com o salário mínimo nos 600 euros. Todavia, as reformas (e reversões) no mercado laboral podem não ficar por aqui, sob pena de a precariedade e os baixos salários continuarem em bola de neve e o regime contributivo de segurança social estiolar por falta de contribuição e aumento de encargos.
Será que o Governo e as forças que o viabilizam conseguirão a complacência da UE? Travarão os caprichos do poder financeiro, a atual expressão do capitalismo demoliente sem rosto? Será a dívida e o serviço da dívida compatível com o crescimento sustentável da economia e com a folga necessária no bem-estar pessoal e social dos portugueses? Merece a Europa a nossa permanência na UE e no Euro?

2016.12.18 – Louro de Carvalho

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