É o título da Carta
Pastoral da CEP (Conferência Episcopal
Portuguesa) a propósito do
Centenário das Aparições em Fátima, datada do passado dia 8 de dezembro, Solenidade
da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Os Bispos mostram, em 15 pontos, gratidão e júbilo e assumem a atualidade
da Mensagem na revitalização da fé e do compromisso evangelizador.
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Em torno do acontecimento
centenário, a CEP faz a resenha histórica das aparições no dramático contexto
histórico nacional e internacional, destacando as intervenções junto das três
crianças da parte do Anjo da Paz e de Portugal e de Nossa Senhora do
Rosário, a que se segue a evocação da vida santa dos pastorinhos, dois dos
quais já conhecem as honras dos altares e a que viveu mais tempo já tem
iniciado o processo de beatificação.
Sobre a receção do acontecimento, destacam a postura de prudência inicial
das autoridades eclesiásticas e a oposição demolidora de uns tantos, a que se
sobrepôs o sensus fidei do povo
cristão, a aprovação da hierarquia portuguesa e o assentimento do Bispo de
Roma. Sobre esta matéria, o cardeal
Gonçalves Cerejeira assegurou que “não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”, já que a devoção a Nossa
Senhora do Rosário de Fátima e a espiritualidade da sua Mensagem rapidamente passaram a marcar a pastoral da Igreja em
Portugal e em todo o mundo. Sobre o teor da Mensagem,
a CEP sustenta:
“A Mensagem
é essencialmente um dom inefável de graça, misericórdia, esperança e paz, que
nos chama ao acolhimento e ao compromisso. Esta interpelação à Igreja a que
responda ao dom misericordioso de Deus está profundamente vinculada aos dramas
e tragédias da história do século XX, mas conserva ainda a mesma força e
exigência para os crentes do nosso tempo.”.
À luz deste pressuposto, os bispos sentem “a responsabilidade de aprofundar
o significado deste acontecimento, de destacar a sua atualidade para a nossa
vida cristã e de explicitar as suas potencialidades para nutrir a nossa conversão
espiritual, pastoral e missionária”.
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A CEP assume Fátima como uma bênção para
a Igreja e para o mundo em varias vertentes, como se discrimina a seguir.
Como dom e interpelação, a Mensagem permite
entrar no “núcleo da iniciativa de Deus
que, na presença cheia de luz e de beleza da Virgem Maria, mostrava a sua
proximidade misericordiosa, junto do seu povo peregrino”. Face aos dramas da
humanidade coeva, Maria faz brilhar em todo o esplendor “a vontade salvífica de
Deus, uma bênção que revela a extensão da sua ternura a todas as criaturas”,
pretendendo “o seu convite à conversão, à oração e à penitência” desbloquear “os
obstáculos que impedem os seres humanos de experimentar uma bondade que procede
de Deus e foi depositada no coração humano”. Enquanto bênção e interpelação para a Igreja em Portugal, encontra um povo acolhedor e
agradecido de forma constante e variada, de modo que o Santuário de Fátima se
converteu no “coração espiritual de Portugal”, tornando-se um traço
identificador do nosso catolicismo, “como um carisma da nossa Igreja em
sintonia com o carisma dos três pastorinhos”. A ligação da Igreja portuguesa a
Fátima inaugurou-se com a consagração de Portugal ao Coração de Maria (13 de maio de
1931, na 1.ª peregrinação nacional) e
manifestou-se recentemente, de 13 de maio de 2015 a 13 de maio de 2016, com a
Imagem Peregrina a percorrer todas as dioceses do país. A CEP vê nesse périplo o
convite à “jubilosa celebração do centenário” e a “refontalização espiritual e
pastoral, no compromisso com a sua mensagem”. Depois, o sentido e a prática da
peregrinação revitalizaram “a fé de muitos crentes cansados, suscitou a
conversão de muitos corações endurecidos, reafirmou a pertença eclesial de
muitos batizados desorientados, tornou possível que muitos indiferentes
redescobrissem o Evangelho, suscitou uma religiosidade que plasmou a vida de
grande parte do nosso povo”. E o Santuário – lugar de oração e polo de
dinamização cultural, centro eclesial de reflexão teológica – tornou-se espaço
de acolhimento para quantos o procuram, solidário com as necessidades e as
angústias do mundo.
E, na perspetiva de bênção e interpelação para a Igreja
Universal, o dinamismo
fatimita permite experiencializar “a catolicidade da nossa fé e a
comunhão com todas as Igrejas do mundo, e muito especialmente com o Papa,
fundamento da unidade da Igreja, tão presente na mensagem de Fátima”. É de
assinalar o reconhecimento destas aparições pelos sucessivos papas na sua
ligação a Nossa Senhora de Fátima. Pio XII consagrou o mundo ao Coração
Imaculado de Maria, aquando do 25.º aniversário das aparições. João XXIII
afirmou que as aparições recordam a “glória divina” num mundo “de materialismo e de ódio”. Paulo VI, na clausura da III
sessão do Vaticano II, concedeu a Rosa de Ouro ao Santuário, que ele próprio
visitou a 13 de maio 1967, na celebração do cinquentenário. João Paulo II, além
da profunda devoção pessoal a Nossa Senhora de Fátima, visitou o Santuário em
três ocasiões. Bento XVI, que já como prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé contribuíra para a interpretação e o aprofundamento teológico da Mensagem, visitou o Santuário em maio de
2010. E agora é aguardada a visita de Francisco para o centenário. E ele já consagrou
o mundo ao Coração Imaculado de Maria, na Praça de S. Pedro, em outubro de
2013, ante da imagem de Nossa Senhora de Fátima que se venera na Capelinha das
Aparições e que, a seu pedido, foi levada a Roma para a Jornada Mariana no Ano
da Fé. Mas Fátima tem-se irradiado de múltiplas formas: dedicação de milhares
de igrejas a Nossa Senhora do Rosário de Fátima; celebração do 13 de maio em inúmeras
dioceses; divulgação da prática dos 5 primeiros sábados; intensificação da oração
do Rosário; multiplicação das publicações de divulgação da mensagem e da espiritualidade
de Fátima; criação de confrarias, associações e movimentos diversos sob a
invocação de Nossa Senhora do Rosário de Fátima; veneração da sua imagem um
pouco por todo o lado; correntes de espiritualidade que se alimentam da
mensagem de Fátima; e muitos institutos de vida consagrada cujo carisma assenta
no compromisso com a Mensagem.
Como bênção
e interpelação para o mundo inteiro,
estendeu-se ao mundo inteiro como mensagem de esperança e fonte de paz. Quando
a humanidade agonizava numa violência de alcance mundial, a Virgem veio pedir a
oração do Rosário pela paz, anunciando para breve o fim da guerra e pedindo a
conversão dos homens para que não ocorresse outro conflito. E hoje, ante o
espectro da “terceira guerra combatida em episódios” a Mensagem agita as consciências para
reconhecimento da tarefa desta hora histórica, tarefa de não cairmos na
indiferença face a tanto sofrimento, de respeito pela memória de tantas vítimas
inocentes e de não insensibilidade do coração ao mal tão banalizado.
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Sobre a Mensagem como dom, a CEP refere: uma mensagem que nos interpela, hoje; a centração em Deus
Trindade; os carismas dos videntes; a presença de Maria como
ícone da ternura e da misericórdia; uma mensagem profética; a
identificação com Cristo.
A Mensagem interpela com a mostra
da experiência universal e permanente do confronto entre o bem e o mal no
coração da pessoa, nas relações sociais, na política e na economia, no interior
de cada país e à escala internacional. Cada um é interpelado a corresponder ao
chamamento de Deus, a combater o mal a partir do mais íntimo de si, a
compreender o sentido da conversão e do sacrifício em prol dos outros, como
fizeram os pastorinhos, na sua pureza e inocência.
O acontecimento fatimita está centrado em Deus Trindade. A luz e a beleza que irradiavam da presença do Anjo
e da Senhora, inundando as três crianças, eram as mãos estendidas de Deus, que
a todos abraça. A presença de Deus, nas palavras de Lúcia,
“Era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase
por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um
grande espaço de tempo. […] A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só
íntima, completamente concentrada a alma em Deus”.
Deus está próximo das suas criaturas. E os videntes foram “protagonistas dum
encontro pessoal com Alguém que vinha ao seu encontro, desvelando os seus
desígnios de misericórdia”. Este Deus que ama e quer ser amado é a Trindade, “que
[os] penetrava no mais íntimo da alma”. Por isso, é
dirigida à Trindade Santa uma das orações mais originárias e genuínas de
Fátima: “Santíssima Trindade, Pai, Filho,
Espírito Santo, adoro-Vos profundamente…”.
Francisco, Jacinta e Lúcia viveram o espírito
de adoração de distintos modos, que deixam aflorar a experiência mística.
Francisco reconhece simultaneamente a transcendência de Deus e o júbilo pela
sua presença. Confessa: “Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor”. Esta
união com Deus fá-lo perceber a dor que as ofensas Lhe provocam. Jacinta era
especialmente sensível a Cristo crucificado, que para ela condensava o amor de
Deus e suscitava, por isso, uma imensa gratidão: “enterneceu-se e chorou” ao
contemplá-lo, “porque morreu por nós”. E Lúcia assumirá
como missão de vida transmitir a todos o amor
de Deus manifestado no Coração
Imaculado de Maria, sendo na fidelidade a esta missão que, mesmo a partir da
clausura, deu testemunho ao mundo de que o segredo da felicidade é viver no
amor.
Porém, “o protagonismo de Deus Trindade na nossa história, a sua
proximidade e a sua providência tornam-se visíveis na Virgem Maria, de modo mais concreto no seu Coração Imaculado”. Para
os pastorinhos, “o coração da Senhora era o Santuário do seu encontro com Deus”.
A misericórdia de Deus e o palpitar do seu coração diante dos pecadores e dos
desgraçados encontram um ícone privilegiado no coração de Maria. O coração da Mãe
é verdadeiro ícone da “graça e
misericórdia”. Por isso, a devoção ao Imaculado Coração de Maria
converteu-se num traço característico da espiritualidade de Fátima. A presença
de Maria corresponde ao dinamismo da história da salvação e ao papel que ela
desempenhou no mistério da encarnação. Tendo colaborado de forma singular com a
obra do Salvador, a sua missão maternal com os homens perdura sem cessar na
economia da graça. A partir do seu estado glorioso, Maria mostra, nas suas
aparições, o significado permanente da Páscoa, o constante triunfo da graça e
da misericórdia. Assim, no coração materno da Virgem Maria, “transparece a
vontade misericordiosa de um Deus Trindade”, não indiferente à situação das
suas criaturas, que não abandona o pecador na culpa, que não esquece os
desgraçados no sofrimento, “que não ignora as vítimas e os excluídos, que
sempre oferece o seu perdão e a sua consolação, que abre sempre a porta da
esperança, quando os seres humanos se fecham no seu egoísmo ou na sua
inconsciência”.
O convite à conversão e ao
combate contra o mal é uma mensagem profética. De entre os sinais dos tempos, para João Paulo II, “sobressai Fátima, que
nos ajuda a ver a mão de Deus, guia providente e Pai paciente e compassivo também deste século XX”. E Bento XVI reforçou
este aspeto dizendo que Fátima é a “mais profética das aparições
modernas”. De facto, denuncia as máscaras do mal, que provoca no mundo
tanta dor injusta e atinge os membros da Igreja. Mas também o sofrimento da
Igreja, dizia Bento XVI, vem “do pecado que existe na Igreja, pelo que
necessitamos de aprender a penitência, aceitar a purificação, pedir perdão”. A Mensagem é
um veemente apelo à conversão e à penitência. Na esteira do pregão evangélico: “Pænitemini et credite evangelio” (Mc 1,15).
Depois, o acontecimento “Fátima” é convite à colaboração com os
desígnios de misericórdia, segundo o exemplo dos pastorinhos. O desafio que
lhes foi dirigida em 13 de maio é dirigido também a nós:
“Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os
sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com
que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?”.
Eles foram respondendo desde logo com a oração adorante. Com efeito, “a partir
das primeiras palavras do Anjo, foram descobrindo que a sua vocação era uma
missão” e que o dom recebido levava consigo a entrega da vida em favor dos
outros. E “a urgência das necessidades dos outros reclamava a penitência, o
sacrifício e a reparação”. Por isso, a CEP assegura que “o sacrifício do
cristão só pode ser vivido a partir da oração e como oração”.
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No último conjunto de
pontos, os Bispos falam de Fátima no
futuro da Igreja, de Portugal e do mundo. E começam por propor uma pedagogia evangelizadora da
espiritualidade de Fátima. E
dizem que Fátima – na sua mensagem e no seu Santuário – tem uma missão mística e profética a cumprir na
Igreja e no mundo: “ser farol e estímulo para a conversão pastoral da Igreja e
critério e bússola a orientar o compromisso dos cristãos nos conflitos do nosso
mundo”.
A espiritualidade que acompanha e sustém as peregrinações fatimitas, “purifica
e eleva atitudes puramente naturais da religiosidade para as transformar em
atitudes filiais”, no quadro da pedagogia da mistagogia: “através da figura de
Maria e dos três pastorinhos, torna-se possível o encontro com o Deus Trindade,
na sua beleza e na sua proximidade, como experiência salvífica. Mostra a
insuficiência de todo o projeto de autorredenção que seduz os nossos
contemporâneos. Deus não é autoritário nem concorrente do ser humano; é fonte
de esperança e humanização.
É significativa a atenção de Fátima aos mais frágeis e vulneráveis (crianças,
doentes, idosos, pessoas com deficiência, migrantes) encontram aqui hospitalidade, cuidado, rumo e
energia. De facto, a Mensagem inspira
a Igreja a encontrar e a aprofundar os traços do seu rosto mariano. E, sentindo
esta interpelação, a Igreja, sacramento universal da salvação,
“Acolhe com Maria e, como ela, a missão que procede de
Deus, a seguir Jesus como discípula fiel e crente, a ser sensível às
necessidades dos próximos e aos clamores dos distantes, a estar disposta a
permanecer junto à cruz, a assumir o peso da incompreensão e da perseguição, a
irradiar a glória e as primícias da ressurreição, a ser ‘hospital de campanha’
que sai ao encontro dos feridos e não ‘alfândega’ que fecha as portas”.
Atuará, assim, “como mãe dos batizados e oferecerá cuidado maternal aos que
a veem de fora, qualquer que seja a distância a que se encontrem”. A Mensagem nutre o compromisso com o mundo
presente face às injustiças e aos fenómenos de exclusão. “Desde a sua génese, o
acontecimento de Fátima revela os desígnios de misericórdia que Deus desejava
realizar através dos pastorinhos sob o olhar maternal da Mãe de Jesus”. Depois
do Ano Santo da Misericórdia, é preciso “conservar e desenvolver este
manancial, dar o primado à misericórdia, numa cultura contemporânea que a quer
erradicar. A misericórdia impele-nos a abrir o coração ao outro, aprisionado
pelo mal ou pelo sofrimento. Fiéis ao carisma de Fátima, temos de acolher o
convite à promoção e defesa da paz entre os povos, denunciando e opondo-nos aos
perversos mecanismos que enfrentam raças e nações, como: a arrogância
racionalista e individualista, o egoísmo indiferente e subjetivista, a economia
sem moral ou a política sem compaixão. “Fátima” – diz a CEP – “ergue-se como
palavra profética de denúncia do mal e compromisso com o bem, na promoção da
justiça e da paz, na valorização e respeito pela dignidade de cada ser humano”.
A missão dos cristãos manifesta-se no esforço por tentar tudo fazer para deter o
poder do mal e fazer crescer as forças do bem. Na fortaleza da Mãe revela-se a
fortaleza de Deus; e, nesta convicção, aviva-se e revitaliza-se a fortaleza dos
crentes.
Em suma, a Mensagem interpela-nos
e incita-nos a seguirmos o caminho da renovação interior, apoiados na afirmação
de Jesus: “Tende confiança: Eu venci o
mundo” (Jo 16,33). Ora, na
medida em que por ela se deixar habitar, a comunidade oferecerá ao mundo “a Luz
de Deus que preenche o Coração cheio de graça e misericórdia da Virgem Mãe,
custódia da inabalável esperança no triunfo do amor sobre os dramas da história”.
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A Carta Pastoral será,
pois, um bom guião da vivência do centenário de Fátima.
2016.12.19 – Louro de Carvalho
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