Os
dirigentes políticos e os comentadores do regime deveriam ler o artigo de Miguel
Mattos Chaves publicado nas páginas centrais do semanário “O Diabo”, de hoje, 6 de dezembro sobre a matéria.
Na
verdade, a alegada culpa das crises é dos funcionários públicos e dos
pensionistas (reformados, aposentados, jubilados, eméritos…). E, para lá dos aumentos
brutais de impostos (e invenção de outros, às vezes, sob a
forma de sobretaxa ou de contribuição especial ou ainda de tarifa) que deviam tocar a todos, o
remédio para as crises cifra-se, antes de mais, em reduzir drasticamente ou não
atualizar salários dos funcionários públicos e dos pensionistas. E, no caso
destes, inventam-se múltiplas formas de penalização, como: fator de
sustentabilidade com base na dita esperança média de vida (os
herdeiros dos falecidos antes do tempo da reforma/aposentação deviam exigir a
restituição das verbas descontadas),
falta de meses e anos para atingir a idade de aposentação/reforma, cortes percentuais
à cabeça…
Quanto
aos funcionários públicos, mexe-se-lhes no salário porque, é claro, estão ao
serviço do interesse público e não do interesse próprio: só não se lhes pode
tirar o salário por inteiro para não violar a Constituição. Quanto aos
pensionistas, há que dizer, com o articulista mencionado, que se trata de “uma
das mais frágeis classes de portugueses”, já que “não faz greve, tem idade que
já não lhe permite ser agressiva para com os poderes políticos” e facilmente se
resignam às determinações públicas. Depois, como integram como maioria o setor
dos abstencionistas em eleições, o voto deles pouca mossa faz ao poder
político.
Posto
isto, intoxica-se a opinião pública com a ideia ventosa e demolidora de que as
pensões e as remunerações que pensionistas e funcionários públicos, respetivamente,
auferem “são demasiado pesadas para o Estado português”. Cria-se a guerra
intergeracional e intersectorial.
Os
funcionários públicos têm o dever do trabalho, que o Estado, que até há relativamente
pouco tempo nem sabia quantos eram, devia estabelecer, orientar e avaliar,
criando para isso as reais condições de desempenho sem exploração e sem abusos.
Nem sempre o tem feito. Que bata no peito e não atire com as culpas para os subordinados
hierarquicamente. Em contrapartida, os funcionários têm direito – por justiça
comutativa e não por favor – ao salário, à carreira (e
esta implica progressão e promoções)
e aos prémios de mérito. Sejam contratados, sejam providos por nomeação, os
funcionários encontram-se ao abrigo das disposições legais e/ou contratuais. O que
se lhes tira é esbulho, embora não perpetrado por esbulhadores profissionais.
Só
em último caso o Estado poderia recorrer à diminuição salarial e nunca à
exploração laboral. Porém, sabe que a carteira do seu funcionário tem dinheiro
que pode a todo o momento avocar.
E
a situação dos pensionistas é mais melindrosa e mais grave.
O
corte nas pensões pelas vias acima referidas é esbulho e grave sob a capa das
dificuldades do Estado, que devia encontrar formas mais lúcidas e profissionais
de gerir a coisa pública sem defraudar o contrato social com os cidadãos
contribuintes. Mesmo a não atualização é esbulho, já que a inflação, embora
possa apresentar-se diminuta hic et nunc,
retira poder de compra aos pensionistas e aos funcionários, pois os preços dos
géneros, as taxas e as tarifas por serviços habitualmente aumentam, raramente
permanecem intactas e muito mais raramente diminuem.
***
O
Estado estabeleceu um contrato com os cidadãos para a garantia da reforma/aposentação
a troco da arrecadação das verbas que regularmente são retiradas dos salários. Essa
verba já há muitos anos que está fixada numa taxa de 11%. O Estado não tem
descontado sobre o ordenado de cada seu trabalhador a taxa de patrão – terá corrigido
em parte tal situação recentemente. Por outro lado, vedou há anos a entrada de
mais subscritores na Caixa Geral de Aposentações (CGA). Assim, terá que assumir as
consequências das medidas políticas por que optou e não queixar-se dos
pensionistas e dos funcionários. Se a CGA, pelas razões apontadas, está deficitárias,
só resta outra via, a do Orçamento.
Porém,
às empresas o Estado exige como contribuição 11% sobre o salário de cada
trabalhador, a descontar no seu salário bruto e ainda 23,75% de contribuição
patronal por cada salário de trabalhador – o que dá uma contribuição de 34,75%
por cada salário de trabalhador. Este número percentual é importante para o que
vem a seguir.
Convém
recordar que a grande maioria dos reformados é oriunda do setor privado cujos
trabalhadores nunca tiveram nada a ver com o Estado, a não ser o pagamento de
impostos, as verbas cobradas por taxas municipais e emolumentos e a participação
nas eleições. O Estado arrogou-se o direito e o dever de gerir todos os fundos
da previdência social, procedendo às respetivas cobranças e comprometendo-se a
satisfazer os pagamentos das pensões de reforma através do Centro Nacional de
Pensões. Ora, quem não tem carta de condução não se mete a taxista, dizem na
minha terra. E o Estado colocou-se deliberadamente nessa posição de incompetência
gestionária.
Além
disso, o Estado capturou os fundos de pensões dos CTT, da CGD, da então PT e
sobretudo da banca e de algumas seguradoras. Mais: através do Instituto de
Segurança Social e órgãos similares fartou-se de comprar dívida. Agora, irónica
e desgraçadamente para nós, cidadãos comuns, queixa-se de que não tem dinheiro.
Em tempos, os nortenhos diriam: “Se não tem dinheiro, vá ao Totta”! Hoje estamos
menos agressivos…
***
Mattos
Chaves faz contas referentes a um triénio: 2011, 2012 e 2013. E estabelece
quatro parâmetros, como se discrimina (a referência numérica é
de mil milhões de euros):
-
Receitas do Estado e peso das pensões líquidas sobre as receitas do Estado: em
2011, respetivamente, 77,04 mm€ e 17,3%; em 2012, respetivamente, 67,57 mm€ e
20,13%; e, em 2013, respetivamente, 72,41 mm€ e 19,89%.
Note-se
que a diminuição das receitas reflete a diminuição de salários da função
pública, que obviamente dá menos imposto em IRS e contribuição para a Segurança
Social. Depois, mesmo numa economia em recessão, as pensões de reforma e
aposentação significam um peso entre os 17,3% e os 20,13% nos piores anos da
crise portuguesa – muito longe dos propalados 30 a 35% em discursos e comentários,
em que os peritos se esquecem de subtrair os impostos, taxas e outros descontos
cobrados aos pensionistas.
-
PIB, pensões líquidas e peso das pensões sobre o PIB: em 2011, respetivamente, 176,17
mm€, 13,20 mm€ e 7,49%; em 2012, respetivamente, 169,07 mm€, 13,60 mm€ e 8,04%;
e, em 2013, respetivamente, 167,02 mm€, 14,40 mm€ e 8,62%.
Como
se pode ver, o impacto das pensões líquidas sobre o PIB é residual em confronto
com o compromisso que o Estado assumiu com os pensionistas enquanto foram
trabalhadores. Tal situação mostra como o Estado se esquece de que deve ser
pessoa de bem na honra dos compromissos e que a Administração Pública falha nos
princípios basilares da boa-fé e da verdade da informação.
-
Receitas do Estado e despesas com o seu pessoal: em 2011, respetivamente, 77,04
mm€ e 14,67%; em 2012, respetivamente, 67,57 mm€ e 14,80%; e, em 2013, respetivamente,
72,41 mm€ e 14,78%.
Os
salários estão, pois, longe do peso propagandeado de 30 a 40% sobre as receitas
do Estado, ao cifrar-se entes os 14,67 e 0s 14,80%. Diz Mattos Chaves que o
normal em empresas bem geridas do setor industrial anda entre os 25 e o 30%. Mais:
é verdade que é possível melhorar o rácio do Estado, mas não se pode atribuir aos
salários dos funcionários públicos a causa das desgraças do país, mas, antes,
aos desmandos da governação, como muitas das obras públicas não necessárias, em
contexto de não sustentabilidade económica e social, e encomenda sistemática de
serviços a escritórios de advogados, de economistas, gabinetes de arquitetura, engenharia,
etc., quando o Estado dispõe ou deve dispor de técnicos superiores de alta
competência e cujo desempenho devia remunerar devidamente.
-
Receitas do Estado e peso do somatório das despesas de pessoal (pensionistas
+ funcionários públicos)
sobre as receitas do Estado: em 2011, respetivamente, 77,04 mm€ e 31,80%; em
2012, respetivamente, 67,57 mm€ e 34,92%; e, em 2013, respetivamente, 72,41 mm€
e 34,66%.
Estes
valores percentuais, que vão dos 31,80 a 34,92%, estão bem longe dos 75 a 80%, propalados
Urbi et Orbi.
***
Não
contentes com a mentira sobre pensões (Já se esqueceram de
quem autorizou pensões chorudas e a colocação de altos funcionários em lugares
mais rendosos nos últimos dois anos de serviço para auferirem melhores pensões
ou de quem autorizou pensão completa por três meses de trabalho!), agitam o espantalho da privatização
da Segurança Social ou o plafonamento das pensões.
O
Tribunal Constitucional alemão estatuiu que “as reformas são intocáveis e são
propriedade dos reformados”.
Será
que os governantes portugueses têm de ir à Alemanha fazer um curso de
governação, como alguns dos anteriores administradores da CGD tinham de ir não
sei onde fazer formação bancária por ordem do famoso BCE? Mas os governantes
alemães também não são fiáveis nas pronúncias que fazem sobre Portugal…
Ponham
as universidades as investigar, a produzir conhecimento e a ensinar os
políticos; e estes que as frequentem e concluam os cursos. Depois que cresçam e
apareçam!
2016.12.06 – Louro de Carvalho
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