Decorreu
hoje, 4 de dezembro, a nova segunda volta das eleições presidenciais e, contra
o que se temia, o pesadelo parece estar a terminar. Com efeito, segundo as
projeções feitas após o encerramento das urnas, confirmadas pelos primeiros resultados
da votação (sensivelmente metade), o candidato ecologista Alexander Van der Bellen venceu a corrida das
eleições presidenciais austríacas, deixando para trás o candidato ultranacionalista Nobert Hofer, do partido de
extrema-direita (FPÖ), o partido
da liberdade para a Áustria.
A participação foi de 74,1%. Desde o primeiro momento
percebeu-se que Van der Bellen estava a ter um desempenho ligeiramente superior
em várias localidades ao que tinha tido nas primeiras eleições – invalidadas
por uma série de irregularidades.
O FPÖ já
reconheceu a derrota. Na verdade, o seu secretário-geral Herbert Kickl declarou
à televisão pública que deseja “felicitar Van der Bellen por este sucesso”. Também
o candidato Norbert Hofer felicitou o vencedor pelo seu “sucesso” nestas
presidenciais e apelou a “todos os austríacos para trabalharem em conjunto”, como
se pode ler numa sua mensagem na rede social Facebook.
Van der
Bellen, 72 anos, é creditado com 53,6% dos votos contra 46,4% do seu
adversário, de 45 anos, segundo as projeções que incluem os votos por
correspondência que só serão contados na segunda-feira.
O independente
e ex-ecologista já tinha vencido as eleições anteriores, que foram repetidas,
por ordem do tribunal devido a irregularidades nos boletins por
correspondência.
***
Foi há sete meses, mais precisamente a 22 de maio, que
os eleitores austríacos foram pela última vez às urnas na tentativa de elegerem
o presidente – uma segunda tentativa que terminou com uma Áustria abananada com
suspeitas de fraude eleitoral.
A primeira tentativa de eleição presidencial foi a 24
de abril, mas a não obtenção de maioria obrigou à realização duma segunda
volta, a 22 de maio. E aqui uma vitória transformou-se numa derrota e as
duas resultaram num berbicacho de mais de meio ano. Primeiro ganhou Norbert Hofer, do FPÖ, de extrema-direita, com 51,9%. Depois, o
independente e ex-dirigente dos Verdes, Alexander Van der Bellen, viu a vitória com a contabilização dos votos postais
que ainda não tinham sido considerados e surgiu a reviravolta de 30.000
votos. Então começou a ganhar forma a “Bananen-Republik”.
O FPÖ apresentou queixa alegando irregularidades,
que, por sinal, foram encontradas, como, por exemplo, funcionários sem
acreditação para contar votos. E, por ordem judicial, foi determinada
a repetição da segunda volta a 2 de outubro. Porém, foram detetados
novos problemas ainda antes do ato eleitoral se realizar, desta feita com os
votos postais. Os envelopes autocolantes onde seguiriam os votos não colavam,
problema importado da vizinha Alemanha, onde foram produzidos.
A repetição da segunda volta acabou por ser novamente
adiada, desta vez para 4 de dezembro, este domingo. O Parlamento, em todo
o caso, agendou para o final de janeiro o juramento do presidente eleito,
para que as autoridades disponham de tempo suficiente para investigar potenciais
“situações” de irregularidade.
E passa-se quase um ano nisto. Até parece que o tempo
da política é tão lento como o da justiça.
***
Até 4 de dezembro, as eleições presidenciais já terão custado, de
acordo com a agência France Presse (AFP), cerca de 15 milhões de euros aos cofres austríacos.
Por outro lado, neste domingo houve novos eleitores.
Desde 24 de abril, morreram 45 mil, enquanto cerca de 46 mil fizeram 16 anos e
tornaram-se, por isso, elegíveis.
Mais de meio ano depois, mudam as circunstâncias e aumentam os
custos. Os dois candidatos continuavam a braços com um empate técnico, de
acordo com as sondagens (sendo que sete
davam vitória a Hofer): o primeiro, um engenheiro aeronáutico de 45 anos, que
tem o apoio do “povo”, como gosta de dizer, e esteve à beira da vitória das eleições,
o que daria no primeiro chefe de Estado de extrema-direita; o segundo, um economista de 72 anos, que tem garantido o
apoio das celebridades, da classe política e dos mais instruídos. Parece uma espécie
de versão de Donald Trump e Hillary Clinton, em que se encontram
semelhanças, para lá das diferenças de opinião dos candidatos, em temas
como a imigração e o Brexit.
A determinado momento da campanha, Van der Bellen,
fumador muito ativo, foi obrigado a divulgar os seus registos médicos, para
abafar os rumores de cancro com uns “pulmões maravilhosos”, tal como Hillary
Clinton, que teve dificuldade em ocultar e vencer uma pneumonia.
Também, nos meses que decorreram desde a tentativa de
segunda volta até agora, os dois candidatos perderam o respeito um pelo outro,
como se pôde verificar pelo último debate televisivo, que se realizou na noite
de quinta-feira, dia 1. Os temas centrais de governação ficaram de lado, apesar
da insistência da moderadora da televisão pública ORF, para se focarem
na roupa suja.
Hofer, do FPÖ, acusou Van der Bellen de tudo e do
seu contrário, como por exemplo, de ser nazi, ou melhor, de o pai, um
aristocrata russo, ser nazi; de ter sido espião durante a Guerra Fria e de ser
comunista filo-soviético. O independente respondeu que tais considerações não
poderiam ser mais “ridículas”.
E Van der Bellen exibiu perante as câmaras uma
composição de imagens divulgada nas redes sociais, inclusive por um porta-voz
do FPÖ, que associa o rival a Hitler, sobretudo ao posar com o cão, tal como
fez o Führer em duas fotografias emblemáticas. O post
tinha sido apagado, mas o candidato independente guardou-o para se vitimizar
no último ensejo de ganhar a benevolência dos eleitores. Por outro lado, os
cartazes de Hofer foram frequentemente vandalizados com bigodes e suásticas –
ação nada recomendável.
***
Hofer, o candidato do FPÖ (Partido
da Liberdade da Áustria), da
extrema-direita tem 45 anos e é engenheiro aeronáutico, como se disse, e
mostra-se um nacionalista convicto e um fervoroso apoiante das armas, a ponto
de ele próprio andar munido de uma Glock, “não vá o diabo tecê-las”. É visto
pelos analistas como o “lobo em pele de cordeiro”, que logrou, através de um
discurso mais moderado, isto é, menos xenófobo que o líder do partido,
Heinz-Christian Strache, cativar simpatizantes e eleitores. Mas está sob fogo
cruzado do olhar de meia Europa, pela sua postura de apologia da saída da
Áustria da União Europeia, cenário para o qual ameaçou com a realização de um
referendo, no caso de ser eleito e caso a Turquia passasse a integrar a União ou Bruxelas
tentasse reforçar o seu poder.
Usa bengala depois dum acidente de parapente, mas não
precisou de ajuda para a primeira volta das eleições presidenciais, tendo
granjeado 35% de votos, uma votação histórica para o partido, graças à
popularidade de que desfrutou.
O candidato tinha consciência de que, para ter
sucesso, não podia ser demasiado agressivo, particularmente face a um Van der
Bellen que aparece como o candidato simpático, um “senhor” da política.
O candidato independente, que já liderou os Verdes, é
um professor de Economia de 72 anos, pró-União Europeia. Este filho de um aristocrata
russo e de uma mãe estónia goza do apoio dos mais esclarecidos e mais presentes
na cena pública. Enquanto esteve à frente dos Verdes, o partido obteve
resultados de popularidade recorde.
***
Esperando, de acordo com os dados disponíveis, que se confirmem
os resultados com a vitória para Van der Bellen, a Europa, que temia a vitória
de Hofer, encontrará aqui um forte motivo para satisfação. Apesar de o cargo ser
principalmente cerimonial, temia-se Hofer, que fez campanha numa plataforma
anti-imigração, defendendo um eventual referendo para a Áustria sair da União
Europeia, ao estilo do “Brexit”.
Da parte da Áustria terminou o pesadelo. Resta saber o que
nos apresentará hoje a Itália com os resultados do seu referendo sobre a
reforma constitucional. E a UE tem de se repensar e ganhar juízo tentando
minorar os efeitos de uma certa transferência da soberania dos Estados-Membros
para a União, que está a cavar, a traços cada vez mais visíveis, o ceticismo e a
desintegração.
2016.12.04 – Louro
de Carvalho
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