domingo, 4 de dezembro de 2016

De Áustria, um pesadelo que sai do espectro político

Decorreu hoje, 4 de dezembro, a nova segunda volta das eleições presidenciais e, contra o que se temia, o pesadelo parece estar a terminar. Com efeito, segundo as projeções feitas após o encerramento das urnas, confirmadas pelos primeiros resultados da votação (sensivelmente metade), o candidato ecologista Alexander Van der Bellen venceu a corrida das eleições presidenciais austríacas, deixando para trás o candidato ultranacionalista Nobert Hofer, do partido de extrema-direita (FPÖ), o partido da liberdade para a Áustria.
A participação foi de 74,1%. Desde o primeiro momento percebeu-se que Van der Bellen estava a ter um desempenho ligeiramente superior em várias localidades ao que tinha tido nas primeiras eleições – invalidadas por uma série de irregularidades.
O FPÖ já reconheceu a derrota. Na verdade, o seu secretário-geral Herbert Kickl declarou à televisão pública que deseja “felicitar Van der Bellen por este sucesso”. Também o candidato Norbert Hofer felicitou o vencedor pelo seu “sucesso” nestas presidenciais e apelou a “todos os austríacos para trabalharem em conjunto”, como se pode ler numa sua mensagem na rede social Facebook.
Van der Bellen, 72 anos, é creditado com 53,6% dos votos contra 46,4% do seu adversário, de 45 anos, segundo as projeções que incluem os votos por correspondência que só serão contados na segunda-feira.
O independente e ex-ecologista já tinha vencido as eleições anteriores, que foram repetidas, por ordem do tribunal devido a irregularidades nos boletins por correspondência.
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Foi há sete meses, mais precisamente a 22 de maio, que os eleitores austríacos foram pela última vez às urnas na tentativa de elegerem o presidente – uma segunda tentativa que terminou com uma Áustria abananada com suspeitas de fraude eleitoral.
A primeira tentativa de eleição presidencial foi a 24 de abril, mas a não obtenção de maioria obrigou à realização duma segunda volta, a 22 de maio. E aqui uma vitória transformou-se numa derrota e as duas resultaram num berbicacho de mais de meio ano. Primeiro ganhou Norbert Hofer, do FPÖ, de extrema-direita, com 51,9%. Depois, o independente e ex-dirigente dos Verdes, Alexander Van der Bellen, viu a vitória com a contabilização dos votos postais que ainda não tinham sido considerados e surgiu a reviravolta de 30.000 votos. Então começou a ganhar forma a “Bananen-Republik”.
O FPÖ apresentou queixa alegando irregularidades, que, por sinal, foram encontradas, como, por exemplo, funcionários sem acreditação para contar votos. E, por ordem judicial, foi determinada a repetição da segunda volta a 2 de outubro. Porém, foram detetados novos problemas ainda antes do ato eleitoral se realizar, desta feita com os votos postais. Os envelopes autocolantes onde seguiriam os votos não colavam, problema importado da vizinha Alemanha, onde foram produzidos.
A repetição da segunda volta acabou por ser novamente adiada, desta vez para 4 de dezembro, este domingo. O Parlamento, em todo o caso, agendou para o final de janeiro o juramento do presidente eleito, para que as autoridades disponham de tempo suficiente para investigar potenciais “situações” de irregularidade.
E passa-se quase um ano nisto. Até parece que o tempo da política é tão lento como o da justiça.
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Até 4 de dezembro, as eleições presidenciais já terão custado, de acordo com a agência France Presse (AFP), cerca de 15 milhões de euros aos cofres austríacos.
Por outro lado, neste domingo houve novos eleitores. Desde 24 de abril, morreram 45 mil, enquanto cerca de 46 mil fizeram 16 anos e tornaram-se, por isso, elegíveis.
Mais de meio ano depois, mudam as circunstâncias e aumentam os custos. Os dois candidatos continuavam a braços com um empate técnico, de acordo com as sondagens (sendo que sete davam vitória a Hofer): o primeiro, um engenheiro aeronáutico de 45 anos, que tem o apoio do “povo”, como gosta de dizer, e esteve à beira da vitória das eleições, o que daria no primeiro chefe de Estado de extrema-direita; o segundo, um economista de 72 anos, que tem garantido o apoio das celebridades, da classe política e dos mais instruídos. Parece uma espécie de versão de Donald Trump e Hillary Clinton, em que se encontram semelhanças, para lá das diferenças de opinião dos candidatos, em temas como a imigração e o Brexit.
A determinado momento da campanha, Van der Bellen, fumador muito ativo, foi obrigado a divulgar os seus registos médicos, para abafar os rumores de cancro com uns “pulmões maravilhosos”, tal como Hillary Clinton, que teve dificuldade em ocultar e vencer uma pneumonia.
Também, nos meses que decorreram desde a tentativa de segunda volta até agora, os dois candidatos perderam o respeito um pelo outro, como se pôde verificar pelo último debate televisivo, que se realizou na noite de quinta-feira, dia 1. Os temas centrais de governação ficaram de lado, apesar da insistência da moderadora da televisão pública ORF, para se focarem na roupa suja.
Hofer, do FPÖ, acusou Van der Bellen de tudo e do seu contrário, como por exemplo, de ser nazi, ou melhor, de o pai, um aristocrata russo, ser nazi; de ter sido espião durante a Guerra Fria e de ser comunista filo-soviético. O independente respondeu que tais considerações não poderiam ser mais “ridículas”.
E Van der Bellen exibiu perante as câmaras uma composição de imagens divulgada nas redes sociais, inclusive por um porta-voz do FPÖ, que associa o rival a Hitler, sobretudo ao posar com o cão, tal como fez o Führer em duas fotografias emblemáticas. O post tinha sido apagado, mas o candidato independente guardou-o para se vitimizar no último ensejo de ganhar a benevolência dos eleitores. Por outro lado, os cartazes de Hofer foram frequentemente vandalizados com bigodes e suásticas – ação nada recomendável.
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Hofer, o candidato do FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria), da extrema-direita tem 45 anos e é engenheiro aeronáutico, como se disse, e mostra-se um nacionalista convicto e um fervoroso apoiante das armas, a ponto de ele próprio andar munido de uma Glock, “não vá o diabo tecê-las”. É visto pelos analistas como o “lobo em pele de cordeiro”, que logrou, através de um discurso mais moderado, isto é, menos xenófobo que o líder do partido, Heinz-Christian Strache, cativar simpatizantes e eleitores. Mas está sob fogo cruzado do olhar de meia Europa, pela sua postura de apologia da saída da Áustria da União Europeia, cenário para o qual ameaçou com a realização de um referendo, no caso de ser eleito e caso a Turquia passasse a integrar a União ou Bruxelas tentasse reforçar o seu poder.
Usa bengala depois dum acidente de parapente, mas não precisou de ajuda para a primeira volta das eleições presidenciais, tendo granjeado 35% de votos, uma votação histórica para o partido, graças à popularidade de que desfrutou.
O candidato tinha consciência de que, para ter sucesso, não podia ser demasiado agressivo, particularmente face a um Van der Bellen que aparece como o candidato simpático, um “senhor” da política.
O candidato independente, que já liderou os Verdes, é um professor de Economia de 72 anos, pró-União Europeia. Este filho de um aristocrata russo e de uma mãe estónia goza do apoio dos mais esclarecidos e mais presentes na cena pública. Enquanto esteve à frente dos Verdes, o partido obteve resultados de popularidade recorde.
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Esperando, de acordo com os dados disponíveis, que se confirmem os resultados com a vitória para Van der Bellen, a Europa, que temia a vitória de Hofer, encontrará aqui um forte motivo para satisfação. Apesar de o cargo ser principalmente cerimonial, temia-se Hofer, que fez campanha numa plataforma anti-imigração, defendendo um eventual referendo para a Áustria sair da União Europeia, ao estilo do “Brexit”.
Da parte da Áustria terminou o pesadelo. Resta saber o que nos apresentará hoje a Itália com os resultados do seu referendo sobre a reforma constitucional. E a UE tem de se repensar e ganhar juízo tentando minorar os efeitos de uma certa transferência da soberania dos Estados-Membros para a União, que está a cavar, a traços cada vez mais visíveis, o ceticismo e a desintegração.

2016.12.04 – Louro de Carvalho

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