O
enunciado em epígrafe é um bom propósito político alinhado com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, com a Convenção sobre os Direitos da Criança e com a
Constituição da República Portuguesa (nomeadamente o art.º 69.º). Mas deve ser o propósito de toda a sociedade e,
em especial, de todas as famílias, a quem incumbe o dever e assiste o direito
de educar. E é o móbil dos votos de Natal de Costa a todos os portugueses,
residentes aqui ou na diáspora, a todos os que escolheram Portugal para viver.
Num contexto de Natal
demasiado comercializado e enublado pelas prendas em torno da figura mítica do
Pai Natal – tendo António Costa acusado de Mãe Natal uma sua opositora que no
recente debate parlamentar lhe quis oferecer três prendas – pareceu-me bem o facto
de o Primeiro-Ministro ter optado por emitir a sua primeira mensagem de Natal “a partir de um local também muito
especial, a sala de um jardim de infância”. É óbvio que se trata duma atitude
meramente simbólica: nem lá estavam as crianças. Mas a mensagem é para os portugueses,
que se fartam de falar (a cada passo e por tudo e por nada) do superior interesse da
criança, sem definirem o que isso é, quando a verdade é que, na maior parte dos
casos, pensam na satisfação dos seus interesses e em usar as crianças como
escudo das suas birras com familiares, amigos e escolas.
Mesmo
o Natal, que devia ser, para crentes em Jesus Cristo ou para pessoas de boa
vontade, a festa das crianças, acaba por se tornar a ocasião para satisfazer a
necessidade ou mesmo a ambição de lucro das indústrias e dos comércios das
prendas e iguarias – onde cabe toda a espécie de produtos – ficando a família e
as crianças como meros figurantes no palco da comercialização e da azáfama
natalícias. Depois, mecanicamente lá vem o votinho de “Feliz Natal”, o
sapatinho, a chaminé, a rena e o trenó! Vá lá que já não ensinam às criancinhas
que os bebés vêm de Paris, de Estrasburgo, da Senhora da Lapa ou de Figueira de
Castelo Rodrigo no bico da cegonha.
Fez
bem o Primeiro-Ministro em “sublinhar que – tal como no Natal – as crianças têm
de estar todos os dias no centro das nossas preocupações e que a sua educação
tem de ser a primeira das nossas prioridades, enquanto famílias e enquanto
sociedade”. Só desejo que o Governo seja consequente com esta diretiva
batutista do seu regente Costa e que Tiago Brandão Rodrigues nunca se esqueça
disto, fazendo a síntese entre o dever do Estado e o dever/direito das
famílias, vigiando para que os conteúdos transversais sejam ministrados de
forma progressiva – e não fora de tempo e importunamente – às crianças (nesta
designação de crianças englobam-se, segundo dos documentos internacionais, os
seres humanos que ainda não tenham completado os 18 anos).
Podem
dizer-nos que o Estado não pode ser o “educador”. Na verdade, o n.º 2 art.º 43.º
da CRP estabelece que “o Estado não pode
programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas,
estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. Porém, é o Estado que
designa os grupos de trabalho que elaboram os programas das diversas áreas e
disciplinas no ensino básico, no secundário e na educação pré-escolar; e agora
o contestado referencial de educação para a saúde é das penas da Direção-Geral
de Saúde e da Direção-Geral da Educação.
O
preceito constitucional poderia ser cumprido ou com a entrega da definição
programática a entidades independentes como as associações de professores,
sociedades temáticas, ordens profissionais, etc, ou com a constituição de
grupos de trabalho a partir de representantes das diversas tendências
científicas, estéticas, sociais, culturais, económicas e educacionais. Porém, uma
coisa é certa: não podem os conteúdos básicos – ou competências ou objetivos
estratégicos – da educação ser identificados e selecionados a bel-prazer de
cada família. Ler, escrever e contar – de forma mais elementar ou mais
desenvolta não pode sair duma plataforma comum estabelecida a nível da grande
comunidade.
***
Mas
o Primeiro-Ministro entende que a preocupação central do Estado é a própria
democratização. E esta passa pela realização de plúrimo desígnio vertido em projetos,
a saber:
-
Antes de mais, vem o esforço para “reduzir as desigualdades e garantir a todos
iguais oportunidades de realização pessoal”. E Costa verifica que as crianças
que frequentam a educação pré-escolar (Fala em ensino, mas
nesta fase, trata-se propriamente de educação, que pressupõem um acompanhamento
fortemente individualizado)
“têm maior sucesso escolar”; “os Jovens que estão no ensino profissional têm
mais oportunidades de obter um trabalho mais qualificado”; “os que acedem ao
ensino superior têm mais oportunidades de ter um emprego melhor”; e “os adultos
que frequentam ações de formação melhoram as perspetivas de progredir na sua
carreira ou de reencontrarem trabalho se estiverem desempregados”.
-
Face a tais pressupostos, o Chefe do Governo, denuncia o défice de conhecimento
e, acreditando “que o conhecimento é a chave para o nosso futuro”, o Governo
fixou como objetivo fundamental a generalização da educação pré- escolar a
todas as crianças a partir dos 3 anos de idade e lançou o programa Qualifica, “dirigido especialmente à
educação e formação dos adultos”. Com efeito, o Governo pretende “construir uma
sociedade decente em que todos possam aceder ao conhecimento”. E, em prol duma “cidadania
exigente e informada”, de “melhores empregos”, de “empresas mais produtivas” e de
“uma economia mais competitiva”, há que “investir na cultura e na ciência, na
educação e na formação ao longo da vida”.
-
Todavia, a preocupação de promoção da cidadania condigna passa pela “erradicação
da pobreza”, com “prioridade ao combate à pobreza infantil”. Para tanto, o
Governa quis e quer alargar “a majoração do abono família às crianças até aos 3
anos”.
-
Por outro lado, não querendo que “ninguém fique para trás”, cada agrupamento escolar
tem o seu instrumento de promoção do sucesso escolar, que António Costa quer
que se torne “sucesso educativo” e está em vigor “um novo modelo de avaliação
que se preocupa em detetar, o mais cedo possível, as necessidades educativas de
cada criança” e está em marcha “um grande programa de formação digital dirigido,
em especial, a licenciados em áreas com baixa empregabilidade”.
Por
opção do Governo, “a escola pública é a garantia universal de uma educação de
qualidade”, assim como “o Serviço Nacional de Saúde garante a todos o acesso
aos melhores cuidados de saúde”. Mas não sei se o Governo conseguirá, sobretudo
na área da saúde, britar a contenda ideológica e a dos interesses, como não sei
se o Ministério da Educação não verá frustradas as suas intenções em equilibrar
o mérito da escola pública e da escola privada, dado que a escola pública é,
muitas vezes, palco de desinteresse, indisciplina, comportamentos desviantes,
sem que se consigam tomar atitudes corretivas e dissuasoras, que passam pela recuperação
e reforço da autoridade dos docentes, a quem todos querem dar ordens. E que
dizer da instalação de largos e fundos negócios em torno da saúde?
Alguns
não gostaram de ouvir Costa dizer que “o
nosso maior e verdadeiro défice, quando comparamos Portugal com os outros
países Europeus, é o do conhecimento”. E parece que o próprio se
contradisse ao aduzir:
“Os
excelentes resultados recentemente alcançados, em estudos internacionais,
revelam o sucesso do esforço, da dedicação e da qualidade dos nossos alunos,
educadores e professores e o investimento continuado que as famílias e o País
têm feito desde o 25 de Abril, na cultura e na educação, na ciência e na
formação, para vencermos este atraso histórico”.
E
essa contradição aparece reforçada quando diz:
“Foi
este investimento no conhecimento que permitiu recuperar setores como o calçado
ou o têxtil, que melhorou a qualidade dos nossos produtos agrícolas e dos
serviços turísticos e que nos abriu as portas para novos setores como o
automóvel, as energias renováveis e para as enormes oportunidades da nova
economia digital”.
Com
efeito, alguns dizem que os estudos valem o que valem; outros querem
apropriar-se do mérito dos resultados. Recordo que Nuno Crato quis reivindicar
recentemente a paternidade do sucesso internacional dos alunos de 15 anos (em
2015), em que se
ultrapassou a média europeia nos testes de Leitura e Ciência e se atingiu tal
média em Matemática. E recordo que Maria de Lurdes Rodrigues também em 2009
quis, com base num alegado relatório da OCDE (todo ele
fabricado em Portugal),
apresentar o mérito imediato das suas políticas educativas, nomeadamente aulas
de substituição, divisão da carreira dos professores, consignação de objetivos
de nível nos projetos educativos. Ora, toda a gente sabe que uma reforma
educativa produz frutos a longo prazo, coisa que Lurdes não teve em conta. E Crato
esqueceu que aqueles alunos de 2015 não passaram pelas provas finais no 4.º ano
e no 6.º ano, como esquece que os testes PISA não incidem sobre programas de ensino
em nenhuma daquelas áreas (até porque eles diferem grandemente
de país para país),
mas sobre competências que os organizadores entendem como essenciais para
aquele nível etário e escolar – conclusão do ensino básico ou equivalente.
Mais: nem todos os alunos são sujeitos aos preditos testes.
Entretanto,
Costa faz justiça mais equitativa: o progresso deve-se a todo o esforço crescente
de décadas e dos diversos agentes. E entende que “é este o caminho que temos de
prosseguir”.
Para
tanto, há que formar as diversas gerações e melhorar “os mecanismos de
transferência do conhecimento para as empresas”, o que postula o aumento dos “empregos
de qualidade que ofereçam confiança no futuro à geração mais qualificada que
Portugal já formou” e que não queremos que “seja forçada a emigrar”, pois “precisamos
destes jovens”.
Sabendo
que “a pobreza e a precariedade laboral são as maiores inimigas de uma melhor
economia”, teremos de obter “melhores empresas” e “com melhores empregos”.
E
o Primeiro-Ministro entende que, “neste Natal, quando as famílias se reúnem”, nos
devemos lembrar de que “a melhor prenda que podemos dar aos nossos filhos,
sobrinhos ou netos é o futuro de uma sociedade digna em que todos possam aceder
ao melhor conhecimento”, sendo para isso que “trabalhamos e trabalham no dia a dia
os auxiliares, professores e educadores”, “com o sentido de serviço à
comunidade”, próprio de todos “os que asseguram os diversos serviços públicos”.
E deixa uma palavra especial de apreço às Forças Armadas, às Forças de
Segurança, aos serviços de emergência e a todos os Portugueses que se encontravam
a trabalhar, na noite de Natal, muitos no estrangeiro, longe das suas famílias.
2016.12.26 – Louro de Carvalho
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