segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

José de Calasanz, um “grande Profeta de Deus entre os pequenos”

O Papa Francisco enviou, a 2 de dezembro, uma Mensagem ao Padre Pedro Aguado Cuesta, Prepósito Geral dos Padres Escolápios, por ocasião, em 2017, dos 400 anos da fundação da Congregação das Escolas Pias e do 250.º aniversário da canonização de São José de Calasanz.
A Congregação tem origem na Associação das “Escolas Pias”, criada pelo santo em 1602, como piedosa sociedade leiga para o mantimento dum colégio popular e gratuito, instalado no coração de Roma. A pequena escola de Santa Doroteia, com o seu regulamento e seu diretor, o fundador, tinha crescido muito (tinha uns 500 alunos) e os associados estavam movidos de bom espírito. Mas procurava outro lugar mais espaçoso e maior reconhecimento. Assim, em 1617, a pedido de José de Calasanz, o Papa Paulo V criou a “Congregação Paulina das Escolas Pias”. Gostou tanto da ideia que lhe deu o seu próprio nome papal e a ajuda com dinheiro, porque vivem de esmola. Nada recebem dos alunos e pais (a casa de São Pantaleão acolhe já 1500 alunos) nem pedem esmola pelas casas. Mas ninguém tinha que passar por dificuldades para frequentar aquelas escolas.
Ensina-se desde ler e escrever, passando pelo “ábaco” (matemática), latim, gramática, retórica (letras), caligrafia, música e doutrina cristã – enfim, tudo o que ajude os meninos e jovens a ter bom trabalho e bom salário. Os que desejem e possam entram no Colégio Romano dos Jesuítas. Têm os padres a vontade de libertar aqueles jovens da escravidão da pobreza, ignorância e pecado e desejam, através dos alunos, influenciar as famílias. “Piedade e Letras” é o lema dos Escolápios, esperando a mudança da vida dos jovens e da sociedade.
Com a chegada de muitas petições para novas fundações das cidades da Itália e do Centro da Europa a pedir que os Escolápios abram colégios para a educação dos seus cidadãos, o fundador viverá o resto da vida em tensão entre a alegria das petições, que atestam a utilidade da obra, e a escassez de professores religiosos. Muitos solicitam o ingresso na Congregação, mas urge uma formação séria e, às vezes, não há tempo suficiente para adquiri-la.
Entretanto, em 1621, o Papa eleva as Escolas Pias ao grau de “Ordem de Clérigos Regulares” (Ordem dos Clérigos Regulares Pobres da Madre de Deus das Escolas Pias), com votos solenes, equiparando o “ministério” escolápio – de dedicação a trabalho tão humilde (e muito pouco apreciado ao tempo) e tão profano, como era o ministério de educar as crianças e os jovens – ao ministério das Ordens Religiosas de São Bento, do Carmelo, de São Francisco, de São Domingos e Companhia de Jesus. Porém, nem todos compreendiam esta ousadia. Havia, nas esferas religiosas e civis, pessoas alarmadas: se ensinamos aos pobres, faltará quem fará os serviços (trabalhos) de que se necessita. E ordens religiosas influentes sentiam-se assoladas pela competição.
Calasanz, não obstante, luta denodadamente por dotar os seus religiosos duma boa organização (imitando os Jesuítas) e duma forte espiritualidade (inspirada nos Franciscanos e Carmelitas), para melhor defender e melhorar as escolas e atender os alunos cada vez melhor. Mas, em 1646, o Papa Inocêncio X determinou a redução da Ordem à Congregação sem votos nem superiores. Em menos de 30 anos de história, as Escolas Pias alcançaram o número de 490 religiosos e 37 colégios estendidos em numerosas cidades da Itália e da Europa Central. Também a França queria começar, mas não conseguiu.
Com a Ordem destruída e os Colégios desagregados, muitos ficam desconcertados. Porém, a tenacidade de José não se deixa vencer e o Santo continua animado, convencido de que Deus não permitirá o desaparecimento de obra tão benemérita e fazendo com que muitos permanecem fiéis à sua vocação.
Em 1648, José de Calasanz morre rodeado dos seus religiosos. E povo de Roma celebra a morte como a morte de um grande Santo.
Na sua Mensagem a propósito do ano jubilar escolápio, Francisco encoraja a Congregação das Escolas Pias a prosseguir, com entusiasmo, dedicação e esperança, no carisma deixado pelo seu fundador: “Fazer tudo pela glória de Deus e a utilidade do próximo”. E assegura:
“Hoje, como no tempo de Calasanz, as crianças e os jovens continuam a precisar do pão da piedade e do saber; os pobres continuam a apelar-nos e a convocar-nos; a sociedade pede para ser transformada, segundo os valores do Evangelho e o anúncio de Jesus, que deve ser levado a todos os povos e nações”.
Nestes quatro séculos, reconhece o Pontífice, as Escolas Pias mantiveram-se em contínua abertura à realidade e de saída pelo mundo. Por isso, vem o convite aos filhos e filhas de São José Calasanz à vivência deste Ano Jubilar, que tem como tema “Educar, anunciar e transformar”, como um novo “Pentecostes dos Escolápios”.
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José de Calasanz, homem singular nos planos de Deus e na história da educação, nasceu em Peralta de La Sal, no norte da Espanha, em Aragão, a 11 de setembro de 1557. Ordenou-se sacerdote em 17 de dezembro de 1583, depois de ter estudado em Valência. E, em 1592, aos 35 anos, com o título de doutor em teologia, embarcou para Roma com a intenção de voltar em breve, não imaginando encontrar ali a sua vocação definitiva.
Roma, no fim do século XVI, estava invadida por enorme multidão de excluídos: peregrinos, pobres, doentes – forte miséria social e moral. Aí, Calasanz descobriu a face da pobreza e da ignorância, o abandono da maior parte da população. Não foi insensível a tal realidade.
Sendo a educação privilégio de poucos e as escolas insuficientes e com poucos recursos, as crianças e os jovens perdiam a vida jogados na rua, incapazes de sair da situação de abandono, privados de cultura e sem futuro. Em 1597, o sacerdote começou a trabalhar entusiasmado com crianças pobres numa escolinha de periferia, no Trastévere, vindo crescer no coração o desejo de assumir esta difícil missão: 
“Oferecer educação a meninos e jovens abandonados, levando-os a descobrir o valor da vida, despertando neles o desejo de ser alguém, de libertar-se das ignorâncias, de ser filhos de Deus”.
Em 1600, levou a escolinha, popular e gratuita, para dentro da cidade, onde a situação de pobreza era generalizada. E a obra foi-se desenvolvendo. Não achou resposta adequada na ajuda procurada em instituições existentes, pois ninguém apostava em escola para pobres. Ficou sozinho. Cheio de fé em Deus e amor pelos pequenos abandonados, fez a definitiva opção de vida no encontro, em Roma, da melhor maneira de agradar a Deus, educando as crianças pobres e nunca abandonando esta tarefa. Descobriu a sua vocação “na entrega total à educação do menor carente”, que se revelava como um espelho da face misericordiosa de Deus.
Calasanz, que aspirara a cargos importantes, renunciou a tudo e aprendeu a humildade. Deixado de lado o prestígio, dedicou a vida a uma profissão tida na época como desprezível. Vivia com austeridade, para se doar melhor aos pequenos, com quem partilhou tempo, dinheiro e a vida.
A obra foi ganhando espaço. Estava a nascer, de forma silenciosa e humilde, uma das obras mais importantes da época, confirmando um direito fundamental de toda pessoa: “o direito a ter educação, a ter uma escola gratuita e popular”. O caminho foi difícil. Os meninos aumentavam diariamente e às escolas punham-se inúmeros desafios: falta de locais apropriados, dificuldades económicas, falta de professores que aceitassem o trabalho com os pobres, calúnias e invejas.
Tudo foi superado pela funda convicção do valor da obra, fé inabalável e generosa dedicação.
Calasanz foi fiel até aos 91 anos, com uma fidelidade feita de sacrifício devotado, trabalho generoso, oração confiante e presença de Deus constante.
Pouco a pouco, a escola para crianças pobres foi tomando consistência. Era um projeto singular:  a Primeira Escola Popular Gratuita da história, escola universal, aberta a todo tipo de pessoas: católico, protestante, judeu – sem que vez alguma a porta se fechasse a quem quer que fosse. Vendo nos pobres a figura de Jesus, a obra não era de simples filantropia, mas um verdadeiro “sinal do Reino de Deus”. Na verdade, Jesus disse: “quem recebe uma criança em meu nome, é a mim que recebe” (Mc 9,37). O fundador encarnou na vida o amor preferencial de Jesus pelos pequenos; as suas escolas foram fundadas para servir a Cristo neles. Foi assim que Calasanz manifestou e viveu o seguimento de Jesus, na entrega total aos “pequenos pobres”.
Para dar estabilidade à obra é que Calasanz promoveu a fundação da “Ordem Religiosa dos Padres Escolápios”, a 1.ª Ordem Religiosa da Igreja dedicada totalmente ao ministério da educação cristã. Paulo V bem o entendeu, mas ao Cardeal Tonti teve de endereçar um dos documentos mais vibrantes e corajosos, em defesa da educação dos pobres:
O ministério da educação é o mais digno, o mais nobre, o de maior mérito, o mais necessário, o mais natural, o primeiro; dele depende a vida toda da pessoa; é o mais razoável por parte do Estados, pois deveriam ser os primeiros interessados em ter cidadãos bem preparados para a vida e para o trabalho”.
Calasanz criou polémica: nos padrões da época, a educação era privilégio de poucos. Por isso, teve de lutar contra a discriminação e defender a dignidade do educador num tempo em que se desvalorizava o ministério docente, ao passo que para ele era a missão mais digna.
Para ele, a educação deveria ser a perfeita combinação entre fé e cultura. Por isso, a escola que fundou pretendia educar na fé, com uma boa catequese, e instruir a crianças e jovens de forma que pudessem inserir-se na sociedade como pessoas conscientes e responsáveis. E as suas aspirações, bem chocantes no início do século XVII, continuam a ser da maior atualidade nos tempos atuais. Daí as muitas dificuldades que enfrentou.
Para poder dar corpo a esta missão, Calasanz queria colaboradores competentes, de profundas virtudes humanas, espírito de serviço, sólida experiência de fé e boa preparação pedagógica. Definia o educador escolápio como um “cooperador da Verdade”. O verdadeiro educador (religioso, leigo, professor, catequista...) é aquele que acompanha o nascimento de Jesus no coração de cada criança e de cada jovem, induzindo-os a viver segundo o evangelho, dentro dos planos do Pai. Vive aberto à VERDADE e à VIDA e anuncia Jesus como o único caminho para o Pai.
José de Calasanz morreu em 25 de agosto de 1648, aos 91 anos. Foi beatificado por Bento XIV, em Roma, a 7 de agosto de 1748, e canonizado por Clemente XIII, também em Roma, a 16 de julho de 1767. E, em 1948, o Pio XII atribuiu-lhe o título “Padroeiro universal das Escolas Populares Cristãs”, com as seguintes palavras: 
“O que São José de Calasanz sofreu nos últimos anos de sua longa vida, o que suportou com heroica virtude resplandece como uma das mais preciosas joias na história”.
Foi um efetivamente um “Grande Profeta de Deus entre os pequenos”, um “apóstolo das periferias”, sem nunca perder a força haurida no centro.
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Em 1648 assina-se a “Paz de Westfália”, que põe termo à Guerra dos 30 anos, gera-se um novo equilíbrio europeu, com a estabilização das respetivas áreas de influência, e consolida-se a plena soberania dos estados nacionais. O absolutismo afiança-se. E os monarcas absolutos não têm interesse pela situação do povo e, em especial, pelo ensino. O nível de analfabetismo chega muitas vezes ao 90% da população. As instituições religiosas cobrem esse vazio, destacando-se a Companhia de Jesus, as Escolas Pias e as Escolas Cristãs (1681).
Dentro e fora das Escolas Pias fazem-se esforços para recuperar a situação jurídica e eclesial anterior. E vai-se conseguindo: em 1656, chega a declaração de Congregação Religiosa de votos simples, com Alexandre VII; em 1669, com Clemente IX, recupera-se o grau de Ordem com votos solenes, começando a reorganizar-se e crescer novamente, a princípio muito devagar, devido principalmente à penúria económica em que se desenvolviam; e, a partir de 1686, o Papa Inocêncio XI autoriza a posse de bens próprios.
Ante as controvérsias com outras Ordens Religiosas, o Papa define com maior claridade o ministério da Ordem: pode ensinar nas suas escolas as ciências maiores (filosofia, teologia, latim, grego, etc.); deve admitir as crianças pobres, carentes e também crianças ricas e nobres; pode dirigir internatos e seminários; e pode fundar casas sem o consentimento de outros religiosos, de tal modo que possam viver sem mendigar.
No século XVIII, as Escolas Pias alcançaram notável crescimento em vários sentidos: expansão geográfica e numérica, prestígio científico, desenvolvimento e influência pedagógica.
A expansão geográfica realiza-se, basicamente, em três âmbitos políticos: Itália, Império Germânico e Reino de Polónia. Na Espanha, depois de algumas tentativas falhadas ainda em vida do fundador, difundem a obra os Escolápios que chegam da Sardenha e de Nápoles: Moiá (1683), Peralta de la Sal (1697) e Balaguer (1700). No campo pedagógico, os Escolápios criam uma boa organização do ensino: três séries de ensino primário e cinco (depois, seis ou oito) no secundário. As séries não se distribuem pela idade, mas por níveis de conhecimento, tendo muita flexibilidade a passagem duma a outra. O planeamento de cada série estava perfeitamente determinado em conteúdos, métodos e, inclusive, em livros de texto. Tudo isso era geral para toda a Ordem, embora cada Província tivesse que adaptá-lo a seu modo. Muitos Governos adaptaram depois numerosos elementos dessa organização escolar.
Hoje, o carisma escolápio fica sintetizado na fórmula seguinte:
Nós Escolápios, Religiosos e Leigos, colaboradores da verdade, como São José de Calasanz, faz 400 anos, sentimo-nos hoje enviados por Cristo e a Igreja a Evangelizar Educando, a partir da primeira infância, as crianças e jovens, especialmente pobres, por meio da integração de Fé e Cultura (“Piedade e Letras”) naqueles ambientes e lugares por onde nos guia o carisma, para servir a Igreja e transformar a sociedade segundo os valores evangélicos de justiça e paz.
Recebemos para isso um carisma que vem de Deus, uma leitura calasância do Evangelho, uma história, uma espiritualidade e pedagogia próprias, pessoas em comunhão, escolas e instituições específicas, que nos permitem fazer presente a Jesus Mestre e à Maternidade da sua Igreja aos pequenos.”.

Enfim, o Reino de Deus é grande e nele todos têm lugar.

Vd: Mensagem do Papa aos Padres Escolápios pelo Ano jubilar Calasanziano, in Vd Rádio Vaticano http://br.radiovaticana.va/news/2016/12/02/mensagem_do_papa_ao_prep%C3%B3sito_geral_dos_padres_escol%C3%A1pios/1276417;

“Escolápios” – https://pt.wikipedia.org/wiki/Escol%C3%A1pios;
“São José de Calasanz”, Escolápios – http://www.escolapiosbrasil.com.br/p/sao-jose-de-calasanz.

2016.12.05 – Louro de Carvalho

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