O Papa Francisco enviou, a 2 de dezembro, uma Mensagem ao
Padre Pedro Aguado Cuesta, Prepósito Geral dos Padres Escolápios, por ocasião,
em 2017, dos 400 anos da fundação da Congregação das Escolas Pias e do 250.º
aniversário da canonização de São José de Calasanz.
A Congregação tem origem na
Associação das “Escolas Pias”, criada pelo santo em 1602, como piedosa sociedade leiga para o mantimento dum colégio
popular e gratuito, instalado no coração de Roma. A pequena escola de Santa Doroteia,
com o seu regulamento e seu diretor, o fundador, tinha crescido muito (tinha uns
500 alunos) e os associados estavam movidos de
bom espírito. Mas procurava outro lugar mais espaçoso e maior reconhecimento. Assim,
em 1617, a pedido de José de Calasanz, o Papa Paulo V criou a “Congregação
Paulina das Escolas Pias”. Gostou tanto da ideia que lhe deu o seu próprio nome
papal e a ajuda com dinheiro, porque vivem de esmola. Nada recebem dos alunos e
pais (a casa de
São Pantaleão acolhe já 1500 alunos) nem pedem
esmola pelas casas. Mas ninguém tinha que passar por dificuldades para
frequentar aquelas escolas.
Ensina-se
desde ler e escrever, passando pelo “ábaco” (matemática), latim, gramática, retórica (letras), caligrafia, música e doutrina cristã – enfim, tudo
o que ajude os meninos e jovens a ter bom trabalho e bom salário. Os que
desejem e possam entram no Colégio Romano dos Jesuítas. Têm os padres a vontade
de libertar aqueles jovens da escravidão da pobreza, ignorância e pecado e
desejam, através dos alunos, influenciar as famílias. “Piedade e Letras” é o lema dos Escolápios, esperando a mudança da
vida dos jovens e da sociedade.
Com a
chegada de muitas petições para novas fundações das cidades da Itália e do Centro
da Europa a pedir que os Escolápios abram colégios para a educação dos seus
cidadãos, o fundador viverá o resto da vida em tensão entre a alegria das
petições, que atestam a utilidade da obra, e a escassez de professores
religiosos. Muitos solicitam o ingresso na Congregação, mas urge uma formação
séria e, às vezes, não há tempo suficiente para adquiri-la.
Entretanto,
em 1621, o Papa eleva as Escolas Pias ao grau de “Ordem de Clérigos Regulares”
(Ordem dos Clérigos Regulares Pobres da Madre de Deus das
Escolas Pias), com votos
solenes, equiparando o “ministério” escolápio – de dedicação a trabalho tão
humilde (e muito
pouco apreciado ao tempo) e tão
profano, como era o ministério de educar as crianças e os jovens – ao
ministério das Ordens Religiosas de São Bento, do Carmelo, de São Francisco, de
São Domingos e Companhia de Jesus. Porém, nem todos compreendiam esta ousadia. Havia,
nas esferas religiosas e civis, pessoas alarmadas: se ensinamos aos pobres, faltará
quem fará os serviços (trabalhos) de que se
necessita. E ordens religiosas influentes sentiam-se assoladas pela competição.
Calasanz,
não obstante, luta denodadamente por dotar os seus religiosos duma boa
organização (imitando os Jesuítas) e duma forte
espiritualidade (inspirada nos Franciscanos e Carmelitas), para melhor defender e melhorar as escolas e
atender os alunos cada vez melhor. Mas, em 1646, o Papa Inocêncio X determinou
a redução da Ordem à Congregação sem votos nem superiores. Em menos de 30 anos
de história, as Escolas Pias alcançaram o número de 490 religiosos e 37
colégios estendidos em numerosas cidades da Itália e da Europa Central. Também a
França queria começar, mas não conseguiu.
Com a Ordem
destruída e os Colégios desagregados, muitos ficam desconcertados. Porém, a
tenacidade de José não se deixa vencer e o Santo continua animado, convencido de
que Deus não permitirá o desaparecimento de obra tão benemérita e fazendo com
que muitos permanecem fiéis à sua vocação.
Em 1648, José
de Calasanz morre rodeado dos seus religiosos. E povo de Roma celebra a morte
como a morte de um grande Santo.
Na sua Mensagem a propósito do ano jubilar escolápio, Francisco
encoraja a Congregação das Escolas Pias a prosseguir, com entusiasmo, dedicação
e esperança, no carisma deixado pelo seu fundador: “Fazer tudo pela glória de Deus e a utilidade do próximo”. E
assegura:
“Hoje,
como no tempo de Calasanz, as crianças e os jovens continuam a precisar do pão
da piedade e do saber; os pobres continuam a apelar-nos e a convocar-nos; a
sociedade pede para ser transformada, segundo os valores do Evangelho e o
anúncio de Jesus, que deve ser levado a todos os povos e nações”.
Nestes quatro séculos, reconhece o Pontífice, as Escolas Pias
mantiveram-se em contínua abertura à realidade e de saída pelo mundo. Por isso,
vem o convite aos filhos e filhas de São José Calasanz à vivência deste Ano
Jubilar, que tem como tema “Educar, anunciar e transformar”, como um novo
“Pentecostes dos Escolápios”.
***
José
de Calasanz, homem singular nos planos de Deus e na história da educação, nasceu
em Peralta de La Sal, no
norte da Espanha, em Aragão, a 11 de setembro de 1557. Ordenou-se sacerdote em 17
de dezembro de 1583, depois de ter estudado em Valência. E, em 1592, aos 35
anos, com o título de doutor em teologia, embarcou para Roma com a intenção de
voltar em breve, não imaginando encontrar ali a sua vocação definitiva.
Roma,
no fim do século XVI, estava invadida por enorme multidão de excluídos:
peregrinos, pobres, doentes – forte miséria social e moral. Aí, Calasanz
descobriu a face da pobreza e da ignorância, o abandono da maior parte da população.
Não foi insensível a tal realidade.
Sendo
a educação privilégio de poucos e as escolas insuficientes e com poucos
recursos, as crianças e os jovens perdiam a vida jogados na rua, incapazes de
sair da situação de abandono, privados de cultura e sem futuro. Em 1597, o
sacerdote começou a trabalhar entusiasmado com crianças pobres numa escolinha
de periferia, no Trastévere, vindo
crescer no coração o desejo de assumir esta difícil missão:
“Oferecer
educação a meninos e jovens abandonados, levando-os a descobrir o valor da
vida, despertando neles o desejo de ser alguém, de libertar-se das ignorâncias,
de ser filhos de Deus”.
Em
1600, levou a escolinha, popular e gratuita, para dentro da cidade, onde a
situação de pobreza era generalizada. E a obra foi-se desenvolvendo. Não achou
resposta adequada na ajuda procurada em instituições existentes, pois ninguém
apostava em escola para pobres. Ficou
sozinho. Cheio de fé em Deus e amor pelos pequenos abandonados, fez a
definitiva opção de vida no encontro, em Roma, da melhor
maneira de agradar a Deus, educando as crianças pobres e nunca abandonando esta
tarefa. Descobriu a sua vocação “na entrega total à educação do menor carente”,
que se revelava como um espelho da face misericordiosa de Deus.
Calasanz,
que aspirara a cargos importantes, renunciou a tudo e aprendeu a humildade.
Deixado de lado o prestígio, dedicou a vida a uma profissão tida na época como
desprezível. Vivia com austeridade, para se doar melhor aos pequenos, com quem
partilhou tempo, dinheiro e a vida.
A obra
foi ganhando espaço. Estava a nascer, de forma silenciosa e humilde, uma das
obras mais importantes da época, confirmando um direito fundamental de toda
pessoa: “o direito a ter educação, a ter
uma escola gratuita e popular”. O caminho foi difícil. Os meninos
aumentavam diariamente e às escolas punham-se inúmeros desafios: falta de
locais apropriados, dificuldades económicas, falta de professores que
aceitassem o trabalho com os pobres, calúnias e invejas.
Tudo
foi superado pela funda convicção do valor da obra, fé inabalável e generosa
dedicação.
Calasanz
foi fiel até aos 91 anos, com uma fidelidade feita de sacrifício devotado,
trabalho generoso, oração confiante e presença de Deus constante.
Pouco
a pouco, a escola para crianças pobres foi tomando consistência. Era um projeto
singular: a “Primeira Escola Popular Gratuita da história”, escola universal, aberta a todo
tipo de pessoas: católico, protestante, judeu – sem que vez alguma a porta se
fechasse a quem quer que fosse. Vendo nos pobres a figura de Jesus, a obra não
era de simples filantropia, mas um verdadeiro “sinal do Reino de Deus”. Na
verdade, Jesus disse: “quem recebe uma criança em meu nome, é a mim que recebe”
(Mc 9,37). O fundador encarnou na vida o amor
preferencial de Jesus pelos pequenos; as suas escolas foram fundadas para
servir a Cristo neles. Foi assim que Calasanz manifestou e viveu o seguimento
de Jesus, na entrega total aos “pequenos pobres”.
Para
dar estabilidade à obra é que Calasanz promoveu a fundação da “Ordem
Religiosa dos Padres Escolápios”, a 1.ª Ordem Religiosa da Igreja
dedicada totalmente ao ministério da educação cristã. Paulo V bem o entendeu,
mas ao Cardeal Tonti teve de endereçar um dos documentos mais vibrantes e
corajosos, em defesa da educação dos pobres:
“O
ministério da educação é o
mais digno, o mais nobre, o de maior mérito, o mais necessário, o mais natural,
o primeiro; dele depende a vida toda da pessoa; é o mais razoável por parte do
Estados, pois deveriam ser os primeiros interessados em ter cidadãos bem
preparados para a vida e para o trabalho”.
Calasanz
criou polémica: nos padrões da época, a educação era privilégio de poucos. Por
isso, teve de lutar contra a discriminação e defender a dignidade do educador
num tempo em que se desvalorizava o ministério docente, ao passo que para ele
era a missão mais digna.
Para
ele, a educação deveria ser a perfeita combinação entre fé e cultura. Por isso,
a escola que fundou pretendia educar na fé, com uma boa catequese, e instruir a
crianças e jovens de forma que pudessem inserir-se na sociedade como pessoas conscientes
e responsáveis. E as suas aspirações, bem chocantes no início do século XVII, continuam
a ser da maior atualidade nos tempos atuais. Daí as muitas dificuldades que
enfrentou.
Para
poder dar corpo a esta missão, Calasanz queria colaboradores competentes, de
profundas virtudes humanas, espírito de serviço, sólida experiência de fé e boa
preparação pedagógica. Definia o educador escolápio como um “cooperador da Verdade”. O verdadeiro educador (religioso, leigo, professor, catequista...) é aquele que acompanha o nascimento
de Jesus no coração de cada criança e de cada jovem, induzindo-os a viver
segundo o evangelho, dentro dos planos do Pai. Vive aberto à VERDADE e à VIDA e anuncia Jesus como o único caminho
para o Pai.
José
de Calasanz morreu em 25 de agosto de 1648, aos 91 anos. Foi beatificado por
Bento XIV, em Roma, a 7 de agosto de 1748, e canonizado por Clemente XIII,
também em Roma, a 16 de julho de 1767. E, em 1948, o Pio XII atribuiu-lhe o título
“Padroeiro universal das Escolas
Populares Cristãs”, com as seguintes palavras:
“O que São José de Calasanz
sofreu nos últimos anos de sua longa vida, o que suportou com heroica virtude
resplandece como uma das mais preciosas joias na história”.
Foi um
efetivamente um “Grande Profeta de
Deus entre os pequenos”, um “apóstolo das
periferias”, sem nunca perder a força haurida no centro.
***
Em 1648
assina-se a “Paz de Westfália”, que põe termo à Guerra dos 30 anos, gera-se um
novo equilíbrio europeu, com a estabilização das respetivas áreas de
influência, e consolida-se a plena soberania dos estados nacionais. O
absolutismo afiança-se. E os monarcas absolutos não têm interesse pela situação
do povo e, em especial, pelo ensino. O nível de analfabetismo chega muitas
vezes ao 90% da população. As instituições religiosas cobrem esse vazio,
destacando-se a Companhia de Jesus, as Escolas Pias e as Escolas Cristãs (1681).
Dentro e
fora das Escolas Pias fazem-se esforços para recuperar a situação jurídica e
eclesial anterior. E vai-se conseguindo: em 1656, chega a declaração de
Congregação Religiosa de votos simples, com Alexandre VII; em 1669, com
Clemente IX, recupera-se o grau de Ordem com votos solenes, começando a reorganizar-se
e crescer novamente, a princípio muito devagar, devido principalmente à penúria
económica em que se desenvolviam; e, a partir de 1686, o Papa Inocêncio XI autoriza
a posse de bens próprios.
Ante as
controvérsias com outras Ordens Religiosas, o Papa define com maior claridade o
ministério da Ordem: pode ensinar nas suas escolas as ciências maiores (filosofia,
teologia, latim, grego, etc.); deve
admitir as crianças pobres, carentes e também crianças ricas e nobres; pode dirigir
internatos e seminários; e pode fundar casas sem o consentimento de outros
religiosos, de tal modo que possam viver sem mendigar.
No século XVIII,
as Escolas Pias alcançaram notável crescimento em vários sentidos: expansão
geográfica e numérica, prestígio científico, desenvolvimento e influência
pedagógica.
A expansão
geográfica realiza-se, basicamente, em três âmbitos políticos: Itália, Império
Germânico e Reino de Polónia. Na Espanha, depois de algumas tentativas falhadas
ainda em vida do fundador, difundem a obra os Escolápios que chegam da Sardenha
e de Nápoles: Moiá (1683), Peralta
de la Sal (1697) e Balaguer (1700). No campo pedagógico, os Escolápios criam uma boa
organização do ensino: três séries de ensino primário e cinco (depois, seis
ou oito) no secundário. As séries não se
distribuem pela idade, mas por níveis de conhecimento, tendo muita
flexibilidade a passagem duma a outra. O planeamento de cada série estava perfeitamente
determinado em conteúdos, métodos e, inclusive, em livros de texto. Tudo isso
era geral para toda a Ordem, embora cada Província tivesse que adaptá-lo a seu
modo. Muitos Governos adaptaram depois numerosos elementos dessa organização
escolar.
Hoje,
o carisma escolápio fica sintetizado na fórmula seguinte:
“Nós
Escolápios, Religiosos e Leigos, colaboradores da verdade, como São José de Calasanz, faz 400 anos, sentimo-nos hoje enviados por Cristo e a Igreja a Evangelizar
Educando, a partir da primeira infância, as crianças e jovens, especialmente pobres, por meio da integração de Fé e Cultura (“Piedade e Letras”) naqueles ambientes e lugares
por onde nos guia o carisma, para servir a Igreja e transformar a sociedade segundo os valores evangélicos de justiça e paz.
Recebemos para isso um carisma
que vem de Deus, uma leitura calasância do Evangelho, uma história, uma espiritualidade e pedagogia próprias, pessoas em comunhão, escolas e instituições
específicas, que nos permitem fazer presente
a Jesus Mestre e à Maternidade da sua Igreja
aos pequenos.”.
Enfim, o Reino
de Deus é grande e nele todos têm lugar.
Vd: Mensagem do
Papa aos Padres Escolápios pelo Ano jubilar Calasanziano, in Vd Rádio Vaticano http://br.radiovaticana.va/news/2016/12/02/mensagem_do_papa_ao_prep%C3%B3sito_geral_dos_padres_escol%C3%A1pios/1276417;
“Escolápios” –
https://pt.wikipedia.org/wiki/Escol%C3%A1pios;
“São José de Calasanz”, Escolápios –
http://www.escolapiosbrasil.com.br/p/sao-jose-de-calasanz.
2016.12.05 – Louro de Carvalho
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