Na catequese
semanal do passado dia 21 de dezembro, na sala Paulo VI e no quadro das
audiências gerais, Francisco considerou o Natal, que se avizinhava, como o
momento em que Deus “demonstra a sua
fidelidade e inaugura um Reino Novo” de tal modo que induz “uma nova
esperança à humanidade”. E sustenta a sua declaração nas passagens do profeta
Isaías, que agora se cumprem: “uma
Virgem conceberá e dará à luz um filho, ao qual será dado o nome de Emanuel” (Is
7,14); e “um renovo
sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará das suas raízes (Is
11,1). E para o
Bispo de Roma a esperança ora entrada no mundo desemboca na “vida eterna”.
Na verdade, a esperança que apresentamos ultrapassa o que está no poder
do homem. Por causa dela, esperamos
o que “vai além das nossas forças e do nosso olhar”. Mas o Natal de Cristo,
inaugurando a redenção, mostra-nos “uma esperança confiável, visível e
compreensível, porque fundada em Deus”. Deus entra visivelmente no mundo e
visivelmente “caminha ao nosso lado em Jesus”. Ora, “caminhar com Ele rumo à
plenitude da vida dá-nos a força de viver o presente de maneira nova, embora
difícil”. Se, para o cristão, a esperança dá “a certeza de estar a caminho com
Cristo rumo ao Pai que nos aguarda”, torna-se firme que “a esperança nunca está
parada, a esperança está sempre a caminho e leva-nos a caminhar”. E a esperança,
que o Menino nos comunica constitui “uma meta, um destino bom para o presente,
a salvação à humanidade, a bem-aventurança a quantos confiam em Deus
misericordioso”.
O Papa
sublinha que Jesus nasceu em Belém,
lugar modesto onde há um milénio nascera “David, o pequeno pastor escolhido por
Deus como rei de Israel”. Não sendo uma capital, Belém “é preferida pela
providência divina, que gosta de agir através dos pequeninos e dos humildes”. E,
em Belém, contemplamos Maria a dar à luz o menino Emanuel e a envolvê-lo em
panos para o expor na manjedoura. Ela tornou-se “Mãe da esperança”, pois, com o
seu ‘sim’ “abriu a Deus a porta do nosso mundo”. Ela, que “por nove meses foi a
arca da nova e eterna Aliança, na
gruta contempla o Menino e nele vê o amor de Deus, que vem para salvar o seu
povo e a humanidade inteira”. Com Maria está José,
que também “acreditou nas palavras do anjo e, olhando para Jesus na manjedoura,
medita que aquele Menino vem do Espírito Santo e que o próprio Deus lhe ordenou
que o chamassem assim, Jesus”. Este
nome compagina a esperança para cada homem, porque Jesus “salvará a humanidade
da morte e do pecado”.
E, no
presépio, o Papa vê os
pastores como representantes dos humildes e dos pobres “que esperavam o
Messias, a consolação de Israel (Lc 2,25) e a libertação
de Jerusalém (Lc 2,38)”, vendo naquele Menino “o cumprimento das promessas”
e aguardando que “a salvação de Deus finalmente chegue para cada um deles”. Confiar
“nas próprias seguranças” implica não esperar “a salvação de Deus”, pois, “a
única segurança que nos salva é a esperança em Deus”. Assim, “os pequeninos, os
pastores, confiam em Deus, esperam n’Ele e alegram-se quando reconhecem naquele
Menino o sinal indicado pelos anjos (cf Lc 2,12). E é “o coro de anjos” que
anuncia o desígnio que o Menino realiza: “Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens, que Ele
ama” (Lc 2,14). A esperança
louva e glorifica a Deus, “que inaugurou” o Reino Novo, o “Reino de amor, de
justiça e de paz”.
Nestes
termos, o Natal é “verdadeiramente uma festa, se recebermos Jesus, semente de
esperança que Deus coloca nos sulcos da nossa história pessoal e comunitária”. E
“cada ‘sim’ a Jesus que vem é um rebento de esperança”, que salva. Por isso, o
Papa apela à confiança “neste rebento de esperança, neste sim”, porque
efetivamente Jesus pode salvar-nos.
***
Na sua homilia na missa da noite de Natal, na Basílica Vaticana, o Papa
comentou as palavras do Apóstolo na carta a Tito, “Manifestou-se a graça de Deus, portadora de salvação
para todos os homens” (Tt 2,11). E o seu comentário insiste no dom gratuito de Deus
que a noite de Natal constitui. É a noite de glória, a noite de
luz, a noite de
alegria – “porque, desde agora e para sempre, Deus, o Eterno, o Infinito,
é Deus connosco: não está longe, não temos de O procurar nas
órbitas celestes nem em qualquer ideia mística”. É a luz, profetizada por
Isaías, que havia de iluminar quem caminha em terra tenebrosa (cf Is 9,1) que se manifestou e “envolveu os pastores” (cf Lc 2,9), porque toda a glória, alegria e luz confluem no
sinal dado pelo anjo: “Encontrareis um
menino envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lc 2,12). É “o
sinal de sempre para encontrar Jesus”, o sinal da “simplicidade frágil
dum pequenino recém-nascido”, da “mansidão que demonstra no estar deitado, a
ternura afetuosa das fraldas que O envolvem”.
O Papa
salienta que o Evangelho nos fala paradoxalmente do imperador, do governador, dos
grandes” e que “Deus não Se apresentou lá”, “mas na pobreza dum curral” – o que
“nos deixa surpreendidos”. E, “para O encontrar, é preciso ir aonde Ele está”,
inclinando-se, abaixando-se, fazendo-se pequenino. O Menino interpela-nos desde
a manjedoura, mas também desde “as crianças que, hoje, não são reclinadas num
berço nem acariciadas pelo carinho duma mãe e dum pai, mas jazem nas miseráveis
manjedouras de dignidade”, ou seja “no abrigo subterrâneo para escapar
aos bombardeamentos, na calçada duma grande cidade, no fundo dum barco
sobrecarregado de migrantes”. Interpela-nos nas crianças impedidas de nascer, nas
que “choram porque ninguém lhes sacia a fome”, nas que “na mão não têm
brinquedos, mas armas”.
Assim, o
mistério do Natal, sendo “luz e alegria, interpela e mexe connosco”, por ser ao
mesmo tempo “mistério de esperança”
e mistério “de
tristeza”. O sabor de tristeza resulta do amor “não acolhido”,
da vida “descartada”, como sucedeu “a José e Maria, que encontraram as portas
fechadas e puseram Jesus numa manjedoura, por não haver lugar para eles na
hospedaria (Lc 2, 7). Jesus nasce rejeitado por alguns e na indiferença
da maioria. A indiferença com que Jesus foi prendado pelos homens “pode reinar
também hoje, quando o Natal se torna uma festa onde os protagonistas somos nós,
em vez de ser Ele”, como acontece “quando as luzes do comércio põem na sombra a
luz de Deus” ou “nos afanamos com as prendas”, ficando “insensíveis a quem está
marginalizado”. É, pois, urgente libertar o Natal desta mundanidade que o fez refém.
Mas o Papa
vê aqui “um sabor de esperança”, pois, apesar das nossas trevas, “resplandece a luz de Deus”,
que, “enamorado por nós”, nos atrai com a sua ternura dum nascimento “pobre e
frágil no nosso meio, como um de nós”. O seu nascimento em Belém, “casa do
pão”, sugere que Ele “nasce como pão para nós, vem à nossa vida,
para nos dar a sua vida, vem ao nosso mundo, para nos trazer o seu amor”. Há –
ensina Francisco – “uma linha direta que liga a manjedoura e a cruz, onde Jesus
será pão repartido: é a linha direta do amor que se dá e nos salva,
que dá luz à nossa vida, paz aos nossos corações”.
Assim, é
imperativo para nós deixarmo-nos “interpelar e convocar nesta noite por Jesus”
– temos de ir sem detença ao seu encontro, “a partir daquilo em que nos
sentimos marginalizados, a partir dos nossos limites, a partir dos nossos
pecados”, deixando-nos “tocar pela ternura que salva”, por “Deus que Se faz
próximo”. Entrando “no verdadeiro Natal com os pastores”, levaremos “a Jesus o
que somos, as nossas marginalizações, as nossas feridas não curadas, os nossos
pecados”; e n’Ele, “saborearemos o verdadeiro espírito do Natal: a beleza de
ser amado por Deus”. Parando, com Maria e José, diante da manjedoura e de Jesus
“que nasce como pão” para a nossa vida, contemplaremos “o seu amor humilde e
infinito” e dir-Lhe-emos “pura e simplesmente obrigado: Obrigado, porque fizestes tudo isto por mim”.
***
Por seu
turno, o Cardeal Patriarca de Lisboa também se pronunciou sobre o sentido do
Natal em Mensagem radiotelevisiva, que pré-sintetizou ao jornal “Voz da Verdade”. Apontou o Natal como “ocasião
oportuna e necessária para nós aprendermos o
modo divino de acontecer e o modo
solidário de agir”: o primeiro, porque “é sempre para nós uma surpresa” o
modo “como Deus apareceu no mundo” – esperado por tantas gerações, aparece num lugar
recôndito em Belém, “sem lugar na hospedaria”; o segundo, porque “é assim que
Deus acontece no mundo”, pelo que “temos de estar muito atentos a este modo
divino de acontecer para também podermos coincidir com Ele em tudo o que é mais
simples e que foge às atenções, mas é o lugar de Deus”. Tirando daqui a razão
de ser do modo solidário de agir, Dom Manuel interpela-nos:
“Quantas pessoas ainda hoje, quantos
meninos, quantos outros que já nasceram há mais tempo não têm um teto que os
abrigue com dignidade, não têm uma casa onde possam viver como Deus quer. Daí a
solidariedade, para que, de ano para ano, de Natal em Natal, todos nós como
sociedade – e nós, cristãos, integramos uma sociedade que deve crescer
precisamente aí, na solidariedade – vamos resolvendo esta problemática da
habitação, que é uma problemática fundamental para que tudo o resto possa
acontecer bem. O crescer, a educação, a convivência, a família, tudo! Porque a
casa é a nossa maneira correta de vivermos e de convivermos, de guardar e
fomentar a vida familiar e de possibilitar que depois a vizinhança seja cada
vez mais concreta, mais próxima e mais realizadora.”.
***
E Francisco,
na sua mensagem Urbi et Orbi, falou
do sentido do Natal para a Igreja:
“Hoje, a Igreja revive a maravilha
sentida pela Virgem Maria, São José e os pastores de Belém ao contemplarem o
Menino que nasceu e jaz numa manjedoura: Jesus, o Salvador. Neste dia cheio de
luz, ressoa o anúncio profético: Um
menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus
ombros e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe
da Paz.” (Is 9,5).
Trata-se de
um poder que não é do mundo. É, antes,
“O poder que criou o céu e a terra,
que dá vida a toda a criatura: aos minerais, às plantas, aos animais; é a força
que atrai o homem e a mulher e faz deles uma só carne, uma só existência; é o
poder que regenera a vida, que perdoa as culpas, reconcilia os inimigos, transforma
o mal em bem. É o poder de Deus. Este poder do amor levou Jesus Cristo a
despojar-Se da sua glória e fazer-Se homem; e levá-Lo-á a dar a vida na cruz e
ressurgir dentre os mortos. É o poder do serviço, que estabelece no mundo o
reino de Deus, reino de justiça e paz.”.
Sendo este o
poder do amor encarnado, o poder redentor, é justo que os anjos o anunciem
cantando:
“Glória a Deus nas alturas e paz na
terra aos homens do seu agrado” (Lc 2,14).
É um anúncio que
hoje “percorre a terra inteira e quer chegar a todos os povos, especialmente
aos povos que vivem atribulados pela guerra e duros conflitos e sentem mais
intensamente o desejo da paz”. E, sob a égide deste anúncio, o Papa propõe a todos
o compromisso da Paz:
- Paz
aos homens e mulheres na martirizada Síria, onde demasiado sangue foi vertido
e onde é preciso calar as armas e entrar na via negocial eficaz;
- Paz
às mulheres e homens da Terra Santa, eleita e predileta de Deus, onde “Israelitas
e palestinenses” devem ter “a coragem e a determinação de escrever uma página
nova da história”, fazendo que “o ódio e a vingança cedam o lugar à vontade de
construir, juntos, um futuro de mútua compreensão e harmonia”;
- Paz
ao Iraque, à Líbia e ao Iémen, onde “as populações padecem a guerra e
brutais ações terroristas”, sendo ali urgente o reencontro da unidade e da concórdia;
- Paz
aos homens e mulheres em várias regiões da África, em particular na
Nigéria, onde “o terrorismo fundamentalista usa mesmo as crianças para
perpetrar horror e morte”, no Sudão do Sul e na República Democrática do Congo,
onde urge que sejam “sanadas as divisões e todas as pessoas de boa vontade se
esforcem por embocar num caminho de desenvolvimento e partilha, preferindo a
cultura do diálogo à lógica do conflito”;
- Paz
às mulheres e homens que sofrem ainda as consequências do conflito no leste da
Ucrânia, onde urge a “vontade comum de levar alívio à população e implementar
os compromissos assumidos”;
- Paz
e concórdia ao povo colombiano, que “anela realizar um novo e corajoso
caminho de diálogo e reconciliação”, e à Venezuela, para que dê “os passos
necessários para pôr fim às tensões atuais” e edifique “um futuro de esperança
para toda a população”;
- Paz
a todos os que “suportam sofrimentos devido a perigos constantes e
injustiças persistentes”, podendo “o Myanmar consolidar os esforços por
favorecer a convivência pacífica e, com a ajuda da comunidade internacional,
prestar a necessária proteção e assistência humanitária a quantos, delas, têm
grave e urgente necessidade, e “a Península Coreana” ver as suas tensões “superadas
num renovado espírito de colaboração”;
- Paz
a quem foi ferido ou perdeu uma pessoa querida por “brutais atos de
terrorismo, que semearam pavor e morte no coração de muitos países e cidades”;
- Paz
– não em palavras, mas real e concreta – aos nossos irmãos e irmãs abandonados
e excluídos, aos que “padecem a fome e a quantos são vítimas de violência”;
- Paz
aos deslocados, aos migrantes e aos refugiados, “a todos os que hoje são
objeto do tráfico de pessoas”;
- Paz
aos povos que sofrem por causa das ambições económicos “de poucos e da
avidez insaciável do deus-dinheiro que leva à escravidão”;
- Paz
a quem suporta dificuldades “sociais e económicas e a quem padece as
consequências dos terramotos ou doutras catástrofes naturais”;
- Paz
às crianças, neste dia especial em que “Deus Se faz criança, sobretudo às
privadas das alegrias da infância por causa da fome, das guerras e do egoísmo
dos adultos”;
- Paz
na terra a todas as pessoas de boa vontade, “que trabalham diariamente, com
discrição e paciência, em família e na sociedade para construir um mundo mais
humano e mais justo”, sustentadas na convicção de que só há possibilidade de
futuro próspero para todos “com a paz”.
***
Parece que
ninguém foi esquecido pelo Pontífice. Será que, por absurdo, Deus tem de renunciar
à dilatação daquele Reino Novo e assumir as categorias mentais e
comportamentais dos homens? Ou será, antes, que temos de dizer que os homens
resistem estoicamente à mensagem do Natal? Se calhar, é mesmo necessário e
oportuno seguir o conselho do Bispo de Roma:
“Um menino nasceu para nós, um filho nos
foi dado: é o Príncipe da Paz. Acolhamo-Lo!”.
Ou por outras
palavras:
“Neste dia de alegria, todos somos chamados a contemplar o Menino Jesus,
que devolve a esperança a todo o ser humano sobre a face da terra. Com a sua
graça, demos voz e demos corpo a esta esperança, testemunhando a solidariedade
e a paz.”
2016.12.25 – Louro de Carvalho
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