sábado, 10 de dezembro de 2016

“Isso, penalizem-se as vítimas!”

O Jornal de Notícias (JN) de hoje, 10 de dezembro, avança com a notícia da intenção propalada pelas autoridades nacionais de os condutores que pretendam revalidar a carta de condução aos 65 anos terem de frequentar e concluir uma formação obrigatória especial para atualizarem os seus conhecimentos.
A medida integra um rol de 106 medidas da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) que constituem o PENSE 2020 (novo Plano Estratégico de Segurança Rodoviária).
As preditas 106 medidas visam a redução da sinistralidade nas estradas, pois, só em 2015 morreram nas estradas portuguesas 593 pessoas (em 2014, foram 638), sendo que 29% tinham mais de 65 anos e um terço eram peões.
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O objetivo da redução da sinistralidade rodoviária é bem-vindo, pois, apesar de todos os esforços feitos – Portugal ocupa a 18.ª posição europeia nessa redução, tendo conseguido uma redução de 40,1% contra 41,6% da média europeia –, a sinistralidade é ainda abundante e implica perda de vidas, sequelas graves e danificação patrimonial (tudo despesas que significam destruição de 1,24% do PIB).
Porém, a medida da obrigatoriedade da formação especial para maiores de 65 anos, como condição de renovação da carta de condução, é estapafúrdia, como se especifica a seguir.
Primeiro, não são os idosos (incluído todos os maiores de 65 anos) quem mais intervém ativamente nos acidentes rodoviários. Segundo, a ser necessária – e é – a introdução de uma considerável melhoria quantitativa e qualitativa na formação, esta deve incidir sobre outra faixa etária de condutores e não os especialmente visados no projeto do PENSE 2020. Terceiro, a medida passa pela penalização das potenciais vítimas em vez da penalização dos potenciais infratores.
Se a moda pega, passarão a frequentar obrigatoriamente ações de formação ou a sofrer pena de multa ou de prisão as vítimas de assalto, roubo e furto, as almas do outro mundo que morreram às mãos de criminosos. É a penalização da vítima em vez da do infrator!
É caso para questionar a ANSR porque não obriga os peões e os maiores de 65 anos à frequência de ações de formação para poderem andar a pé e desviarem-se dos automóveis? E a Direção-Geral de Segurança e a Direção-Geral de Saúde também podiam obrigar os bebés a ações de formação antes de nascerem para ganharem a capacidade de enfrentar o mundo!
Estando o PENSE 2020 em consulta pública até 8 de janeiro, espera-se que a discussão faça luz junto da ANSR e que esta vire as câmaras do lado certo para o sítio certo.
A respeito da medida acima referida, que julgo extremamente gravosa, recorto do JN a afirmação de José Miguel Trigoso, Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa:
“Que se dê importância ao que se passa com os idosos, sim, mas acho estranho que se torne obrigatória a formação aos 65 anos. Não vejo fundamento científico para isso. Ações concretas que visem a proteção dos idosos, com certeza que sim. Mas eles, como condutores, não estão envolvidos na maior parte dos acidentes.”.
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Apesar de tudo, saúda-se o PENSE 2020 pelo conjunto de medidas e pela implicação que induz às autarquias.
Há anos que se preconiza sem êxito a institucionalização dos planos estratégicos municipais que abranjam os diversos setores por que passa a vida do município, sendo relevante o da otimização das condições das vias de comunicação e a fiscalização do trânsito.
Ora, o PENSE 2020 prevê, por exemplo, que as autarquias passem a ter novas competências em matéria de prevenção, nomeadamente através da apresentação de planos municipais de segurança rodoviária, infraestruturas adequadas e sinalização, bem como a obrigação de identificar e corrigir os pontos negros relacionados com a autarquia. E foca ainda uma medida de combate aos atropelamentos instando a fiscalização em locais pontuais, a aplicação de um sistema de georreferenciação de acidentes e um registo de vítimas de acidentes rodoviários.
O PENSE 2020 apela à sensibilização para os dramas relacionados com a idade, as doenças, os efeitos de medicação e de estupefacientes e as condições de condução de tratores agrícolas; e censura a situações de distração na condução, a condução sob fadiga e a utilização de telemóvel pelo condutor. Por outro lado, levará a mais acurada fiscalização dos centros de inspeção de veículos, ao apuramento da formação ministrada nas escolas de condução, incluindo a disponibilização obrigatória de material de socorro para fins didáticos, e a obrigatoriedade do uso de capacete por parte de ciclistas (Porque não também joelheiras e cotoveleiras?).
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A par da discussão pública sobre o PENSE 2020 possibilitada até 8 de janeiro, os cidadãos poderão apresentar sugestões para a alteração do Código da Estrada. A este respeito, afigura-se oportuno dizer que, aquando da entrada em vigor de um novo código, mais do que a ampla divulgação das novas medidas e alterações das normas, é importante o trabalho de esclarecimento dos agentes policiais, longe da caça à multa.
Por exemplo, recentemente foi noticiada a aplicação de multas a 3000 condutores por “não saberem entrar” nas rotundas. Ora, reza a experiência que muitos não têm em consideração, por desconhecimento ou por distração, a nova disposição legal sobre essa matéria. E, perante a potencial infração de outrem, das duas, uma: quem sabe ou se acautela transgredindo também, ou cumpre e pode ser cilindrado por quem não cumpriu, recaindo sobre si os prejuízos. Com efeito, é muito difícil na maior parte destes casos provar a culpa do outro, a menos que se tenha a paciência de empatar o trânsito de forma indefinida até se apurarem testemunhos suficientes. Habitualmente o que as pessoas querem é andar e não há necessidade de enervamento coletivo.
É certo que o desconhecimento da lei não dispensa do cumprimento da lei. Porém, quando está em causa a vida e a segurança das pessoas, todas as medidas de informação são poucas.
Depois, exige-se que a lei seja universal e razoável – o que nem sempre acontece.

2016.12.10 – Louro de Carvalho

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