O Jornal de Notícias (JN) de hoje, 10 de dezembro, avança
com a notícia da intenção propalada pelas autoridades nacionais de os condutores que pretendam revalidar a carta
de condução aos 65 anos terem de frequentar e concluir uma formação obrigatória
especial para atualizarem os seus conhecimentos.
A medida integra um rol de 106 medidas
da ANSR (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) que constituem o PENSE 2020 (novo Plano Estratégico de Segurança Rodoviária).
As preditas 106 medidas visam a redução da sinistralidade nas estradas,
pois, só em 2015 morreram nas estradas portuguesas 593 pessoas (em 2014, foram 638), sendo que 29% tinham mais de 65 anos e um terço eram peões.
***
O objetivo da redução da sinistralidade rodoviária é bem-vindo, pois, apesar
de todos os esforços feitos – Portugal ocupa a 18.ª posição europeia nessa
redução, tendo conseguido uma redução de 40,1% contra 41,6% da média europeia –,
a sinistralidade é ainda abundante e implica perda de vidas, sequelas graves e
danificação patrimonial (tudo despesas que significam destruição de
1,24% do PIB).
Porém, a medida da obrigatoriedade da formação especial para maiores de 65
anos, como condição de renovação da carta de condução, é estapafúrdia, como se especifica
a seguir.
Primeiro, não são os idosos (incluído todos os maiores
de 65 anos) quem mais intervém ativamente
nos acidentes rodoviários. Segundo, a ser necessária – e é – a introdução de uma
considerável melhoria quantitativa e qualitativa na formação, esta deve incidir
sobre outra faixa etária de condutores e não os especialmente visados no projeto
do PENSE 2020. Terceiro, a medida passa pela penalização das potenciais vítimas
em vez da penalização dos potenciais infratores.
Se a moda pega, passarão a frequentar obrigatoriamente ações de formação ou
a sofrer pena de multa ou de prisão as vítimas de assalto, roubo e furto, as
almas do outro mundo que morreram às mãos de criminosos. É a penalização da
vítima em vez da do infrator!
É caso para questionar a ANSR porque não obriga os peões e os maiores de 65
anos à frequência de ações de formação para poderem andar a pé e desviarem-se
dos automóveis? E a Direção-Geral de Segurança e a Direção-Geral de Saúde
também podiam obrigar os bebés a ações de formação antes de nascerem para ganharem
a capacidade de enfrentar o mundo!
Estando o PENSE 2020 em consulta pública até 8 de janeiro, espera-se que a
discussão faça luz junto da ANSR e que esta vire as câmaras do lado certo para
o sítio certo.
A respeito da medida acima referida, que julgo extremamente gravosa,
recorto do JN a afirmação de José Miguel
Trigoso, Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa:
“Que se dê importância ao que se passa com os idosos,
sim, mas acho estranho que se torne obrigatória a formação aos 65 anos. Não vejo
fundamento científico para isso. Ações concretas que visem a proteção dos
idosos, com certeza que sim. Mas eles, como condutores, não estão envolvidos na
maior parte dos acidentes.”.
***
Apesar de tudo, saúda-se o PENSE 2020 pelo conjunto de medidas e pela implicação
que induz às autarquias.
Há anos que se preconiza sem êxito a institucionalização dos planos estratégicos
municipais que abranjam os diversos setores por que passa a vida do município,
sendo relevante o da otimização das condições das vias de comunicação e a
fiscalização do trânsito.
Ora, o PENSE 2020 prevê, por exemplo, que as autarquias passem a ter novas
competências em matéria de prevenção, nomeadamente através da apresentação de
planos municipais de segurança rodoviária, infraestruturas adequadas e
sinalização, bem como a obrigação de identificar e corrigir os pontos negros
relacionados com a autarquia. E foca ainda uma medida de combate aos
atropelamentos instando a fiscalização em locais pontuais, a aplicação de um
sistema de georreferenciação de acidentes e um registo de vítimas de acidentes
rodoviários.
O PENSE 2020 apela à sensibilização para os dramas relacionados
com a idade, as doenças, os efeitos de medicação e de estupefacientes e as condições
de condução de tratores agrícolas; e censura a situações de distração na
condução, a condução sob fadiga e a utilização de telemóvel pelo condutor. Por outro
lado, levará a mais acurada fiscalização dos centros de inspeção de veículos,
ao apuramento da formação ministrada nas escolas de condução, incluindo a
disponibilização obrigatória de material de socorro para fins didáticos, e a
obrigatoriedade do uso de capacete por parte de ciclistas (Porque não também joelheiras e cotoveleiras?).
***
A par da discussão pública sobre o PENSE 2020 possibilitada até 8
de janeiro, os cidadãos poderão apresentar sugestões para a alteração do Código
da Estrada. A este respeito, afigura-se oportuno dizer que, aquando da entrada
em vigor de um novo código, mais do que a ampla divulgação das novas medidas e alterações
das normas, é importante o trabalho de esclarecimento dos agentes policiais,
longe da caça à multa.
Por exemplo, recentemente foi noticiada a aplicação de multas a
3000 condutores por “não saberem entrar” nas rotundas. Ora, reza a experiência
que muitos não têm em consideração, por desconhecimento ou por distração, a
nova disposição legal sobre essa matéria. E, perante a potencial infração de
outrem, das duas, uma: quem sabe ou se acautela transgredindo também, ou cumpre
e pode ser cilindrado por quem não cumpriu, recaindo sobre si os prejuízos. Com
efeito, é muito difícil na maior parte destes casos provar a culpa do outro, a
menos que se tenha a paciência de empatar o trânsito de forma indefinida até se
apurarem testemunhos suficientes. Habitualmente o que as pessoas querem é andar
e não há necessidade de enervamento coletivo.
É certo que o desconhecimento da lei não dispensa do cumprimento
da lei. Porém, quando está em causa a vida e a segurança das pessoas, todas as
medidas de informação são poucas.
Depois, exige-se que a lei seja universal e razoável – o que nem sempre
acontece.
2016.12.10 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário