domingo, 18 de dezembro de 2016

O papel singular de São José no Advento e no Natal

No quadro das figuras do Advento e Natal, é comum sintetizar o papel de José, esposo de Maria, como o homem justo e humilde que aceita a missão de pai adotivo de Jesus, o Verbo de Deus feito carne. As Escrituras falam pouco de José. Mencionam-no os evangelhos da infância de Jesus (Mateus e Lucas). É da linhagem de David, o rei justo. Deus prometera a David um descendente para ocupar o seu trono. Aceitando Jesus como filho, José abre caminho para que Jesus seja considerado legítimo descendente da casa real, “filho de David” (Mt 1,1). José era um homem humilde, justo, de poucas palavras e exercia a profissão de carpinteiro (cf Mt 13,55). Aparece ao lado de Maria no nascimento e na apresentação de Jesus no templo. Conduz Maria e Jesus na fuga para o Egito e está presente durante a perda e o encontro de Jesus no Templo.
Na verdade, enquanto Lucas, no âmbito do Evangelho da Infância de Jesus, aquando do anúncio do nascimento do Messias, destaca o lugar de Maria, embora refira a personalidade de José aliada à de Maria – “a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David” (Lc 1,27) – Mateus dá-nos conta do anúncio do nascimento do Menino através do anjo do Senhor que apareceu em sonhos a José.
Logo na listagem da genealogia nos diz Mateus que “Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo” (Mt 1,16). Ora, embora alguns digam que a referência a Maria terá sido acrescentada mais tarde para atestar a sua inclusão na descendência de David, referindo que era dele descendente por outra via, é pertinente relevar a importância que as tradições israelitas davam ao contrato matrimonial e à filiação estabelecida pela lei e pelo direito consuetudinário. Ainda que Maria não descendesse pela via geracional de David, passava a integrar a sua descendência pela via dos desposórios com José. Além disso, a história da Salvação privilegiou sempre a via espiritual. Assim, José é um verdadeiro pai de Jesus. É óbvio que não esgota a paternidade, porque Deus Pai não largou mão da paternidade em relação a Jesus, nem o podia fazer. Por isso, escusamos de nos refugiar nos adjetivos da paternidade em relação a José: pai putativo, como se dizia antigamente (porque todos pensavam que ele era o pai de Jesus); pai adotivo (como se fosse pai de segunda categoria); pai legal (respondia por ele segundo a lei); e pai nutrício (tratava da sua alimentação e educação). Tudo isso é verdade, mas não é assaz definidor da paternidade de José. José é verdadeiro pai, por escolha de Deus para tal missão.
Também Lucas fala dos pais de Jesus, José e Maria: “Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele” (Lc 2,33). “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa” (Lc 2,41). “O menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem” (Lc 2,43). “Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!” (Lc 2,48).
Mas José não esgota a paternidade. O Menino, ao ser encontrado no Templo, interpela Maria e José: “Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?” (Lc 2,49). E, na vida pública, quando Jesus rezava ou ensinava, o Pai que invocava ou bendizia era Deus Pai, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo e fonte de toda a paternidade no céu e na terra.
No entanto, há que explicitar que, sendo da descendência de David e “pai” de Jesus, José tem um lugar especial na encarnação, colaborando para que se cumpra em Jesus o título messiânico de Filho de David. Com efeito, a lista genealógica (Mt 1,1-17) fornece o tema: Jesus, filho de David, filho de Abraão, é o Messias de Israel e das Nações, enviado para a salvação dos justos e dos pecadores. Em sucessivos quadros, Mateus tenta demonstrar a sua tese e aclarar a apresentação do Messias e das suas realizações.
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Porém, a leitura da perícopa atinente ao anúncio do nascimento de Jesus é mais explícita e detalhada (cf Mt 1,18-25), relacionando a família davídica e a missão de Cristo:
“Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se ter concebido pelo poder do Espírito Santo. José, seu esposo, homem justo, não querendo difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: ‘José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.’. Tudo isto sucedeu para se cumprir o que o Senhor dissera pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: ‘Deus connosco’. Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo e recebeu sua esposa. E, sem que antes a tivesse conhecido, ela deu à luz um filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus.”
O texto abre a janela sobre a origem divina de Jesus (a sua conceção é obra do Espírito Santo) e a sua missão (salvar o povo dos seus pecados, tarefa exclusiva de Deus). Graças à sua origem divina e por força da sua missão, Ele é o “Deus Connosco” ou o Emanuel. Ele é o Verbo que Se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14). Entretanto, deve notar-se que o texto acima transcrito parte da crise existencial de José face à inesperada e humanamente inexplicável gravidez da sua desposada, acabando por nos apresentar o esposo da Virgem como a testemunha mais fidedigna da virginal conceção do Redentor. A narrativa de Mateus consta de duas partes: a evocação do facto que deu origem à crise de José, com os seus pensamentos (vv 18-20a), e a intervenção do anjo (vv 20b-25). Esta consta do discurso angélico (vv 20b-23) e a conclusão do evangelista narrador (vv 24-25).
Por outro lado, é relevante destacar na perícopa três momentos da narração: o anúncio (vv 20-21); a citação bíblica (vv 22-23); e a realização da profecia (vv 24-25). E é pertinente anotar o encontro aqui dos elementos caraterizadores do género literário dos anúncios, recorrentes na Bíblia (cf por exemplo: Gn 17-18; Ex 3; Jz 16; Lc 1), a saber: a aparição (v 20a); a perturbação (v 20b); a mensagem (vv 20-21); a objeção (v 20); e o sinal e o nome (v 21).
O Papa comentou esta perícopa no IV domingo do Advento de 2013. Então, sublinhou que o Evangelho não explicita os pensamentos de José, mas diz o essencial: procurando fazer a vontade de Deus, está pronto para a renúncia mais radical. Em vez de se defender e fazer valer os seus direitos, escolhe a solução que representa enorme sacrifício para si: “Porque era homem justo e não queria denunciar Maria publicamente, pensava em deixá-la, sem ninguém saber” – uma breve frase que resume um verdadeiro drama interior, se considerarmos o amor de José por Maria. Mesmo assim, José pretende fazer a vontade de Deus e decide, com grande dor, deixar Maria em segredo. Meditando tais palavras, entenderemos a provação que José teve de enfrentar nos dias que precederam o nascimento de Jesus:
“Uma provação semelhante ao sacrifício de Abraão, quando Deus lhe pediu seu filho Isaac: renunciar à coisa mais preciosa, à pessoa mais amada. Mas, como no caso de Abraão, o Senhor interveio: Ele encontrou a fé que procura e abriu um caminho diferente, um caminho de amor e felicidade: José – disse-lhe – não receies receber Maria como esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.
Francisco frisou que “este Evangelho nos mostra a grandeza de São José. Ele estava a seguir um bom projeto de vida, mas Deus reservou para ele outro projeto, uma missão maior”.
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Nas referências que se fazem a José, salienta-se a sua humildade e a sua justiça. A humildade consiste em se disponibilizar, mesmo sem entender tantas coisas, a aceitar o desígnio divino e a sua missão paternal, o que em José corresponde a uma vocação realizada com audácia e coragem. Não é missão pequena ser e permanecer esposo e protetor da Virgem e cuidar do próprio Filho de Deus com todos os cuidados paternais que a Vida e a Lei exigem, aceitando a trajetória dos insondáveis desígnios do querer de Deus com total disponibilidade e amor.
Com razão o Bispo do Porto e seus cooperadores assumem, nesta caminhada de Advento e Natal, José como o homem do sonho. E o sonho é vital quando integra a vida do homem, mas é sublime quando vem de Deus e revela o Seu mistério. Ora, José aceita a palavra do anjo do Senhor, escutada num sonho, e toma Maria para sua esposa (cf Mt 1,18-25). Por consequência, ele que vai acompanhá-la nos meses de gestação, faz-se acompanhar dela na sua obrigatoriedade de viagem a Belém para cumprir o dever do recenseamento. E lá assiste ao momento em que a Virgem dá à luz no presépio, conformado com o facto de não haver lugar para eles nas hospedarias (cf Lc 2,1-20). É a Ele que incumbe a apresentação do Menino à circuncisão para a integração no Povo escolhido por Deus e conduzir mãe e filho ao momento da apresentação no Templo, onde escutam a profecia de Simeão (cf Lc 2, 21-40). Depois, com Maria vai ao Templo reencontrar o Menino, que desce com eles para Nazaré onde lhes era submisso (cf Lc 2, 41-52).
E Mateus refere como, à voz do anjo em sonhos, José parte com Maria e Jesus para o Egito para escapar à sanha de Herodes e, depois, obedece para regressar do Egito (cf Mt 2,13-15.19-21).
Ora, é bom que aprendamos com José a humildade de seguir os sonhos que, vindos de Deus, nos inspiram a vida de santidade pessoal e comunitária, dando a mão a todos os que precisam, na comunhão de irmãos que se ajudam na convivência e na solidariedade em caminhos de vida.
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Mas José era um homem justo. E a sua justiça manifesta-se em não tomar atitudes precipitadas que prejudiquem a fama, o nome, a honra de quem eventualmente tenha errado. Ele até sabia que naquele tempo o adultério dificilmente seria objeto de lapidação da mulher e sabia que o caso de Maria, a ser obra de transgressão, não seria propriamente adultério, já que ainda não viviam em comum, visto que o marido ainda não tinha levado consigo a esposa para sua casa. Não obstante, Maria ficaria exposta ao juízo malévolo dos conterrâneos. Mas José estava confuso. Assim, socorrer-se-ia da disposição legal que permitia a declaração de repúdio discreta, feita apenas perante duas testemunhas – o que só por si não constituía caso de divórcio. Porém, o anjo tudo esclareceu, atestando que tudo aconteceu para cumprimento das promessas messiânicas. Maria não era culpada, mas obediente, serva, pobre, casta e santa.
Instado, num primeiro momento, ao cumprimento da Lei, José não ficou preso à letra da Lei, pois, desde a sua infância meditava a Lei de Deus. Tinha-a gravada no coração, tinha atingido o espírito da Lei e procurava conhecer a real vontade de Deus em cada circunstância concreta. A justiça de José não é “justiça de José”, mas de Deus. A sua justiça é banhada pela prudência, bondade e forte desejo de conhecer e praticar a vontade de Deus, que é Bom e Justo.
Ora, José é justo por esta atitude prudente e silenciosa, mas também por causa da sua fé, que se tornou modelo de fé abraâmica dos que querem entrar em diálogo e em comunhão com Deus.
Com José aprenderemos o que nos ajuda a viver o Advento e o Natal: silêncio e recolhimento que nos centram em Deus; obediência à sua Vontade, mesmo quando não entendemos os seus caminhos insondáveis, complicados e difíceis; amor devotado a Maria e, por Ela, a Jesus que enchem os corações de ternura de que devemos dar testemunho; preparação do que é necessário para acolher o nascimento do Verbo de Deus feito homem, convertendo o coração e a vida, acolhendo os irmãos a cujo serviço nos queremos colocar.

2016.12.17 – Louro de Carvalho

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