No próximo dia 1 de janeiro,
passa o cinquentenário do Dia Mundial da
Paz instituído pelo Beato Paulo VI. Na sua 4.ª mensagem para dias
homólogos, o Papa Francisco vem propor como tema “a não violência como estilo
de política para a paz”.
As três anteriores mensagens pontifícias para o Dia Mundial da Paz – “Fraternidade, fundamento e caminho para a paz”,
2014; “Já não escravos, mas irmãos”, 2015; “Vence a indiferença e conquista a
paz”, 2016 – foram divulgadas publicamente a 8 de dezembro do ano anterior a
cada um desses dias.
A efeméride assinala-se
sempre no dia 1 de janeiro e o texto pontifício é enviado aos Ministérios dos
Negócios Estrangeiros de todo o mundo para salientar a linha diplomática da
Santa Sé para o ano que se inicia.
O texto
contextualizador da mensagem para o 50.º
Dia Mundial da Paz realça que, “se se salvaguardam os direitos de cada
pessoa e a igual dignidade de cada uma, sem discriminação nem distinção, a não violência,
entendida como método político, pode constituir uma via realista e plena de
esperança para superar os conflitos armados” – dinamismo em que se torna
importante “que se reconheça sempre a força do direito, em vez do direito da
força”. Na verdade, enquanto “a proliferação de surtos de violência dá origem a
gravíssimas e negativas consequências sociais”, “a paz tem consequências
sociais positivas e permite realizar um verdadeiro progresso”.
Francisco
sustenta que a negociação de vias de paz deve ser tentada mesmo onde elas “parecem
ambíguas e impraticáveis”, pois assim “a não violência poderá adquirir um
significado mais amplo e novo: não só como aspiração, desejo, recusa moral da
violência, das barreiras, dos impulsos destrutivos, mas também como enfoque
político realístico, aberto à esperança”.
Com esta
mensagem, o Pontífice deseja abrir “um caminho de esperança” que obtenha a resolução
dos conflitos pela negociação, “evitando que degenerem em conflitos armados” e
reconhecendo “o primado da diplomacia sobre o fragor das armas”. Com efeito, “o
comércio mundial das armas é de tal magnitude que, em geral, é subvalorizado” e
“o tráfico ilícito das armas sustenta, frequentemente, a maior parte dos
conflitos no mundo”. Em contraponto, “a não violência como uma tática política
pode fazer muito para combater este flagelo”.
***
O texto
começa por formular votos de paz a todos os povos e nações e aos seus líderes e
salienta a necessidade do total respeito pela dignidade de cada pessoa, dado que
foi criada à imagem e semelhança de Deus, para o que é preciso estabelecer a
não violência como estilo de vida.
Já Paulo VI advertia
contra o “perigo de crer que as controvérsias internacionais não se possam
resolver pelas vias da razão, isto é, das negociações baseadas no direito, na
justiça, na equidade, mas apenas pelas vias dissuasivas e devastadoras”. E,
citando a Pacem in Terris, de João XXIII, enaltecia “o sentido e o
amor da paz baseada na verdade, na justiça, na liberdade, no amor”. Agora,
Francisco quer que a não-violência inspire “as profundezas dos nossos
sentimentos e valores pessoais” e que, aliada à caridade, guie as “relações
interpessoais, sociais e internacionais”.
Passa em revista um mundo
dilacerado, que emerge das sequelas de duas devastadoras guerras mundiais,
da ameaça de guerra nuclear e dum grande número de conflitos, mas que agora é
assolado pela terrível
guerra mundial aos pedaços. Assim, não sabemos se hoje o mundo é mais ou menos
violento que ontem e se os meios de comunicação nos tornam “mais conscientes da
violência ou mais rendidos a ela”. Todavia, o Papa denuncia o exercício da
violência “de maneiras diferentes e a variados níveis” a gerar “enormes
sofrimentos”:
Guerras em diferentes países e
continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os
abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação
ambiental”.
Porém, a
violência nada resolve e responder-lhe com violência “leva, na melhor das
hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes
quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às
exigências do dia a dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos,
dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra”. E pode mesmo “levar à
morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos”.
***
Mas o mundo
precisa da Boa Nova. Também Jesus viveu em tempos de violência, e a
resposta que ofereceu foi a pregação incansável do amor de Deus e o ensino aos
discípulos a amar os inimigos. E, traçado o caminho da não violência, Jesus seguiu-
até ao fim. Por isso, quem acolhe a Boa Nova reconhece “a violência que carrega
dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus”, tornando-se “instrumento
de reconciliação”, como exortava Francisco de Assis: “A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos
vossos corações”. Ser discípulo de Jesus significa aderir à sua proposta de
não violência, que, no dizer de Bento XVI,
“É realista, pois considera que no
mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode
superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este ‘algo mais’
vem de Deus”.
O invés dos
que entendem a não violência como rendição, negligência e passividade, o Papa
apresenta personalidades que se deixaram captar pelo estilo da não violência. Assim,
fala de Madre Teresa, que, ao receber o Prémio Nobel da Paz em 1979, declarou:
“Na nossa família, não temos
necessidade de bombas e de armas, não precisamos de destruir para edificar a
paz, mas apenas de estar juntos, de nos amarmos uns aos outros (...). E
poderemos superar todo o mal que há no mundo”.
Depois, evoca
“os sucessos alcançados por Mahatma Gandhi e Khan Abdul Ghaffar Khan, na
libertação da Índia, e por Martin Luther King Júnior contra a discriminação
racial”, que “nunca serão esquecidos”. E atesta que “as mulheres, em
particular, são muitas vezes líderes de não violência, como, por exemplo,
Leymah Gbowee e milhares de mulheres liberianas, que organizaram encontros de
oração e protesto não violento (pray-ins), obtendo negociações de alto nível para a conclusão da segunda guerra
civil na Libéria”. E refere o fenómeno da queda dos regimes comunistas na
Europa para o qual “as comunidades cristãs deram a sua contribuição através da
oração insistente e a ação corajosa”, bem como a especial influência de São
João Paulo II, com o seu ministério e magistério. É o resultado do “empenho não
violento de homens que sempre se recusaram a ceder ao poder da força e, ao
mesmo tempo, souberam encontrar aqui e ali formas eficazes para dar testemunho
da verdade”.
E, se é verdade
que a Igreja se comprometeu “na implementação de estratégias não violentas para
promover a paz em muitos países solicitando, inclusive aos intervenientes mais
violentos, esforços para construir uma paz justa e duradoura”, também é certo
que “este compromisso a favor das vítimas da injustiça e da violência não é um
património exclusivo da Igreja Católica, mas pertence a muitas tradições
religiosas, para quem a compaixão e a
não-violência são essenciais e indicam o caminho da vida”. A este respeito,
o Papa reitera as seguintes asserções fundamentais:
“Nenhuma
religião é terrorista. A violência é uma profanação do nome de Deus.”.
E apela:
“Nunca nos cansemos de repetir. ‘Jamais
o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa,
não a guerra’”.
No pressuposto
de que “a origem donde brota a violência é o coração humano”, deve começar-se a
“percorrer a senda da não violência dentro da família”. Com efeito, “esta
constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e
irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde
os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com
o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão”,
como se refere na Amoris Laetitia. E,
“a partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para
toda a sociedade” na dinâmica da “ética de fraternidade e coexistência pacífica
entre as pessoas e entre os povos”, que “não se pode basear na lógica do medo,
da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo
sincero”. Por isso, Francisco apela ao desarmamento e à proibição e abolição
das armas nucleares, já que “a dissuasão nuclear e a ameaça duma segura
destruição recíproca não podem fundamentar este tipo de ética”. E, “com igual
urgência”, suplica a cessação da violência doméstica e dos abusos sobre
mulheres e crianças.
Do Jubileu da
Misericórdia decorre a consciência “de como são numerosos e variados os
indivíduos e os grupos sociais que são tratados com indiferença, que são
vítimas de injustiça e sofrem violência” e que “fazem parte da nossa família”
como “nossos irmãos e irmãs”, pelo que “as políticas de não-violência devem
começar dentro das paredes de casa para, depois, se difundir por toda a família
humana”. Assim, o Papa aos líderes políticos e religiosos, aos responsáveis das
instituições internacionais e aos dirigentes das empresas e dos meios de
comunicação social de todo o mundo lança o desafio: “aplicar as Bem-aventuranças na
forma como exercem as suas responsabilidades”. É o desafio de
construção da sociedade, comunidade ou empresa de que são responsáveis com o
estilo dos obreiros da paz – que “requer a disponibilidade para suportar o
conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo”. Mas
“agir desta forma significa escolher a
solidariedade como estilo para fazer a história e construir a amizade social”. Se
as diferenças geram atritos, eles têm de ser enfrentados “de forma construtiva
e não violenta”, de modo que “as tensões e os opostos alcancem uma unidade multifacetada
que gera nova vida”, relevando “as preciosas potencialidades das polaridades em
contraste”.
Como sinal de
que “a Igreja Católica acompanhará toda a tentativa de construir a paz
inclusive através da não-violência ativa e criativa”, nascerá no dia 1 de
janeiro de 2017, o novo Dicastério para o
Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que ajudará a Igreja a promover
os bens da justiça, da paz e da salvaguarda da criação e da solicitude pelos
migrantes, necessitados, doentes e excluídos, marginalizados e vítimas dos
conflitos armados e das catástrofes naturais, reclusos, desempregados e vítimas
de toda e qualquer forma de escravidão e de tortura.
Evocando o
dia da assinatura desta mensagem, o da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada
Virgem Maria invoca-A como a Rainha da Paz. E, no contexto de glorificação a
Deus pelos anjos e anelo de paz pelo nascimento do Senhor, implora a guia e proteção
de Maria e pede oração e ação em 2017, na certeza de que “todos podem ser
artesãos de paz”.
2016.12.12 – Louro de Carvalho
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