segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

No 50.º Dia Mundial da Paz: a não violência como estilo de política

No próximo dia 1 de janeiro, passa o cinquentenário do Dia Mundial da Paz instituído pelo Beato Paulo VI. Na sua 4.ª mensagem para dias homólogos, o Papa Francisco vem propor como tema “a não violência como estilo de política para a paz”. As três anteriores mensagens pontifícias para o Dia Mundial da Paz – “Fraternidade, fundamento e caminho para a paz”, 2014; “Já não escravos, mas irmãos”, 2015; “Vence a indiferença e conquista a paz”, 2016 – foram divulgadas publicamente a 8 de dezembro do ano anterior a cada um desses dias.
A efeméride assinala-se sempre no dia 1 de janeiro e o texto pontifício é enviado aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de todo o mundo para salientar a linha diplomática da Santa Sé para o ano que se inicia.
O texto contextualizador da mensagem para o 50.º Dia Mundial da Paz realça que, “se se salvaguardam os direitos de cada pessoa e a igual dignidade de cada uma, sem discriminação nem distinção, a não violência, entendida como método político, pode constituir uma via realista e plena de esperança para superar os conflitos armados” – dinamismo em que se torna importante “que se reconheça sempre a força do direito, em vez do direito da força”. Na verdade, enquanto “a proliferação de surtos de violência dá origem a gravíssimas e negativas consequências sociais”, “a paz tem consequências sociais positivas e permite realizar um verdadeiro progresso”.
Francisco sustenta que a negociação de vias de paz deve ser tentada mesmo onde elas “parecem ambíguas e impraticáveis”, pois assim “a não violência poderá adquirir um significado mais amplo e novo: não só como aspiração, desejo, recusa moral da violência, das barreiras, dos impulsos destrutivos, mas também como enfoque político realístico, aberto à esperança”.
Com esta mensagem, o Pontífice deseja abrir “um caminho de esperança” que obtenha a resolução dos conflitos pela negociação, “evitando que degenerem em conflitos armados” e reconhecendo “o primado da diplomacia sobre o fragor das armas”. Com efeito, “o comércio mundial das armas é de tal magnitude que, em geral, é subvalorizado” e “o tráfico ilícito das armas sustenta, frequentemente, a maior parte dos conflitos no mundo”. Em contraponto, “a não violência como uma tática política pode fazer muito para combater este flagelo”.
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O texto começa por formular votos de paz a todos os povos e nações e aos seus líderes e salienta a necessidade do total respeito pela dignidade de cada pessoa, dado que foi criada à imagem e semelhança de Deus, para o que é preciso estabelecer a não violência como estilo de vida.
Já Paulo VI advertia contra o “perigo de crer que as controvérsias internacionais não se possam resolver pelas vias da razão, isto é, das negociações baseadas no direito, na justiça, na equidade, mas apenas pelas vias dissuasivas e devastadoras”. E, citando a Pacem in Terris, de João XXIII, enaltecia “o sentido e o amor da paz baseada na verdade, na justiça, na liberdade, no amor”. Agora, Francisco quer que a não-violência inspire “as profundezas dos nossos sentimentos e valores pessoais” e que, aliada à caridade, guie as “relações interpessoais, sociais e internacionais”.
Passa em revista um mundo dilacerado, que emerge das sequelas de duas devastadoras guerras mundiais, da ameaça de guerra nuclear e dum grande número de conflitos, mas que agora é assolado pela terrível guerra mundial aos pedaços. Assim, não sabemos se hoje o mundo é mais ou menos violento que ontem e se os meios de comunicação nos tornam “mais conscientes da violência ou mais rendidos a ela”. Todavia, o Papa denuncia o exercício da violência “de maneiras diferentes e a variados níveis” a gerar “enormes sofrimentos”:
Guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental”.
Porém, a violência nada resolve e responder-lhe com violência “leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia a dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra”. E pode mesmo “levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos”.
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Mas o mundo precisa da Boa Nova. Também Jesus viveu em tempos de violência, e a resposta que ofereceu foi a pregação incansável do amor de Deus e o ensino aos discípulos a amar os inimigos. E, traçado o caminho da não violência, Jesus seguiu- até ao fim. Por isso, quem acolhe a Boa Nova reconhece “a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus”, tornando-se “instrumento de reconciliação”, como exortava Francisco de Assis: “A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos vossos corações”. Ser discípulo de Jesus significa aderir à sua proposta de não violência, que, no dizer de Bento XVI,
“É realista, pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este ‘algo mais’ vem de Deus”.
O invés dos que entendem a não violência como rendição, negligência e passividade, o Papa apresenta personalidades que se deixaram captar pelo estilo da não violência. Assim, fala de Madre Teresa, que, ao receber o Prémio Nobel da Paz em 1979, declarou:
“Na nossa família, não temos necessidade de bombas e de armas, não precisamos de destruir para edificar a paz, mas apenas de estar juntos, de nos amarmos uns aos outros (...). E poderemos superar todo o mal que há no mundo”.
Depois, evoca “os sucessos alcançados por Mahatma Gandhi e Khan Abdul Ghaffar Khan, na libertação da Índia, e por Martin Luther King Júnior contra a discriminação racial”, que “nunca serão esquecidos”. E atesta que “as mulheres, em particular, são muitas vezes líderes de não violência, como, por exemplo, Leymah Gbowee e milhares de mulheres liberianas, que organizaram encontros de oração e protesto não violento (pray-ins), obtendo negociações de alto nível para a conclusão da segunda guerra civil na Libéria”. E refere o fenómeno da queda dos regimes comunistas na Europa para o qual “as comunidades cristãs deram a sua contribuição através da oração insistente e a ação corajosa”, bem como a especial influência de São João Paulo II, com o seu ministério e magistério. É o resultado do “empenho não violento de homens que sempre se recusaram a ceder ao poder da força e, ao mesmo tempo, souberam encontrar aqui e ali formas eficazes para dar testemunho da verdade”.
E, se é verdade que a Igreja se comprometeu “na implementação de estratégias não violentas para promover a paz em muitos países solicitando, inclusive aos intervenientes mais violentos, esforços para construir uma paz justa e duradoura”, também é certo que “este compromisso a favor das vítimas da injustiça e da violência não é um património exclusivo da Igreja Católica, mas pertence a muitas tradições religiosas, para quem a compaixão e a não-violência são essenciais e indicam o caminho da vida”. A este respeito, o Papa reitera as seguintes asserções fundamentais:
Nenhuma religião é terrorista. A violência é uma profanação do nome de Deus.”. 
E apela:
Nunca nos cansemos de repetir. ‘Jamais o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa, não a guerra’”.
No pressuposto de que “a origem donde brota a violência é o coração humano”, deve começar-se a “percorrer a senda da não violência dentro da família”. Com efeito, “esta constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão”, como se refere na Amoris Laetitia. E, “a partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade” na dinâmica da “ética de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos”, que “não se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero”. Por isso, Francisco apela ao desarmamento e à proibição e abolição das armas nucleares, já que “a dissuasão nuclear e a ameaça duma segura destruição recíproca não podem fundamentar este tipo de ética”. E, “com igual urgência”, suplica a cessação da violência doméstica e dos abusos sobre mulheres e crianças.
Do Jubileu da Misericórdia decorre a consciência “de como são numerosos e variados os indivíduos e os grupos sociais que são tratados com indiferença, que são vítimas de injustiça e sofrem violência” e que “fazem parte da nossa família” como “nossos irmãos e irmãs”, pelo que “as políticas de não-violência devem começar dentro das paredes de casa para, depois, se difundir por toda a família humana”. Assim, o Papa aos líderes políticos e religiosos, aos responsáveis das instituições internacionais e aos dirigentes das empresas e dos meios de comunicação social de todo o mundo lança o desafio: “aplicar as Bem-aventuranças na forma como exercem as suas responsabilidades”. É o desafio de construção da sociedade, comunidade ou empresa de que são responsáveis com o estilo dos obreiros da paz – que “requer a disponibilidade para suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo”. Mas “agir desta forma significa escolher a solidariedade como estilo para fazer a história e construir a amizade social”. Se as diferenças geram atritos, eles têm de ser enfrentados “de forma construtiva e não violenta”, de modo que “as tensões e os opostos alcancem uma unidade multifacetada que gera nova vida”, relevando “as preciosas potencialidades das polaridades em contraste”.
Como sinal de que “a Igreja Católica acompanhará toda a tentativa de construir a paz inclusive através da não-violência ativa e criativa”, nascerá no dia 1 de janeiro de 2017, o novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que ajudará a Igreja a promover os bens da justiça, da paz e da salvaguarda da criação e da solicitude pelos migrantes, necessitados, doentes e excluídos, marginalizados e vítimas dos conflitos armados e das catástrofes naturais, reclusos, desempregados e vítimas de toda e qualquer forma de escravidão e de tortura.
Evocando o dia da assinatura desta mensagem, o da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria invoca-A como a Rainha da Paz. E, no contexto de glorificação a Deus pelos anjos e anelo de paz pelo nascimento do Senhor, implora a guia e proteção de Maria e pede oração e ação em 2017, na certeza de que “todos podem ser artesãos de paz”.

2016.12.12 – Louro de Carvalho

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