quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

No 60.º aniversário da Cáritas Portuguesa

No próximo dia 10 de dezembro, a Cáritas Portuguesa assinalará os 60 anos da aprovação oficial dos seus primeiros estatutos, numa homenagem a quantos nestas décadas têm sido vítimas da pobreza e exclusão social. A este respeito, o Presidente Eugénio Fonseca refere:
“Temos presentes as pessoas que sofrem a pobreza e a exclusão, violentamente, agravadas nos últimos anos. Procuramos atuar nas manifestações e nas causas desses problemas, cooperando entre nós e com cada pessoa e família atingidas”.
O líder deste serviço da Igreja Católica em Portugal, num comunicado que a agência Ecclesia publicitou, sublinha o facto de os portugueses terem sido confrontados com “muitas exigências, muitos cortes, muitos medos” e terem sido “obrigados a repensar a sua vida”.
Do programa comemorativo consta a celebração da Eucaristia às 11 horas e 30 minutos, na igreja paroquial de São Maximiliano Kolbe, Bairro de Chelas, em Lisboa; segue-se o almoço comemorativo no Centro Paroquial São Maximiliano Kolbe; e, pelas 15 horas e 30 minutos, terá lugar o Concerto Camerata de cordas da Orquestra Municipal Geração da Amadora, no Teatro da Trindade, com entrada livre.
Sobre o programa e, em concreto, sobre a celebração da Eucaristia, Eugénio da Fonseca destaca:
“Neste dia, com esta celebração, queremos lembrar todo este esforço e todas as lutas que já foram travadas pelo nosso país e nas quais a Cáritas foi chamada a concretizar”.
E, relativamente ao almoço e ao concerto, declara:
“Queremos também manifestar a nossa alegria por todos os que conseguimos servir com dignidade, construindo com todos a esperança de uma vida mais humana”.
A organização escolheu, para assinalar os 60 anos desde a aprovação oficial dos seus primeiros estatutos, o Dia Internacional dos Direitos Humanos (68.º aniversário da aprovação da Declaração Universal dos Diretos Humanos pela assembleia geral da ONU), para “reafirmar” que a sua ação “se guiará sempre” por essa concretização. E aproveitará a efeméride para se associar ao “número incontável de pessoas” que procuram um mundo mais equitativo do qual “se extinga a pobreza absoluta e se consiga uma distribuição mais justa da riqueza produzida”.
Para Eugénio da Fonseca, a celebração de seis décadas da existência da Cáritas Portuguesa não pode limitar-se a recordar o que a “tem satisfeito”, mas exige o compromisso de se colocar e manter “em processo de renovação contínua e apropriada às necessidades de cada tempo”.
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É de recordar que a Caritas Portugal ou “Cáritas Portuguesa” é a organização oficial da Igreja Católica para a caridade social, instituída pela Conferência Episcopal Portuguesa em 1945, tendo os seus primeiros estatutos sido aprovados em 1956. É uma confederação Católica de desenvolvimento social de organizações de serviços católicas que operam em Portugal – composta por 20 organizações regionais coincidentes com os territórios das 20 dioceses.
Dos anos 50 a meados dos anos 70, as suas atividades centraram-se na distribuição de bens alimentares pela população portuguesa, doados pelos EUA e no acolhimento, por famílias portuguesas, de crianças vindas dos países do centro da Europa, no período imediato ao termo da II Grande Guerra Mundial e no início das tensões da chamada Guerra Fria.
Infelizmente, a organização entrou na mente das pessoas com a vertente assistencialista e como um apêndice da estrutura organizativa da Igreja ou, se quisermos, como uma mal acabada organização de beneficência, quando a criação da Cáritas surgiu como a necessidade moderna de instituir e levar à prática, de modo orgânico e operacional, um dos serviços essenciais da Igreja. O primeiro é o serviço da evangelização, o serviço da Palavra, como primeiro anúncio e como catequese; o segundo é o da santificação, através da oração pessoal e comunitária, alimentada pela Palavra e expressa sobretudo na Liturgia pela celebração da Eucaristia, dos demais sacramentos e dos sacramentais; e o terceiro é o serviço pastoral da caridade.
São três serviços essenciais, igualmente importantes, que se distinguem por necessidade de arrumação metodológica. Porém, a terceira dimensão da caridade é aquela que identifica os cristãos: reconhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros (cf Jo 13,35).
E é de notar que a caridade de que se fala não é um substituto da justiça nem um ato de despachar o pobre. É, antes e sobretudo, a concretização anímica e consolidada da justiça no sentido de exigir de cada um segundo as suas possibilidades e retribuir a cada um segundo as suas necessidades (cf At 2,45; 4,34) – princípio que alguns atribuem em exclusivo a Karl Marx.
É o serviço da caridade não só interpessoal, mas sobretudo política e comunitária que espelha uma das três missões messiânicas de Jesus, a realeza (a par da missão profética e da missão sacerdotal), que a Igreja tem de continuar colocando-se em saída às periferias existenciais e caminhando em conjunto no dinamismo da sinodalidade. Assim, a caridade comunitária, enquanto promotora da comunhão cristã de bens (materiais e espirituais), exprime de forma visível a comunicação dos santos, inscrita no símbolo dos apóstolos (o credo batismal).
Impõem-se, neste âmbito duas dimensões: a colmatação das situações emergentes; e a debelação e a resolução das causas da existência das estruturas de injustiça e de desigualdade. Não se pode pregar a dádiva da cana de pesca, quando o pobre, roto, faminto ou doente precisa de pão, água, peixe, roupa ou remédios. Tem de se acudir e já. Porém, é preciso promover a caridade política, investigando as causas das estruturas de ignorância, desorientação, pobreza sistémica, injustiça, exploração e desigualdade; e aí ensinar a pesca. Mas não basta: é preciso elucidar sobre os direitos de cada um e ensinar a exprimir a cidadania, mesmo que esta leve ao protesto e à contestação. Mansos, devemos sê-lo, mas não complacentes com o espezinhamento sistemático.    
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Mas no 60.º aniversário da Cáritas Portuguesa, há que salientar a reunião, em Fátima, nos dias 19 e 20 de novembro, do seu Conselho Geral, em que participaram 19 da 20 Cáritas Diocesanas que o constituem.
Na sessão de abertura, Dom José Traquina, Bispo Auxiliar de Lisboa e membro da Comissão Episcopal da Pastoral Social e da Mobilidade Humana responsável pela Cáritas, acentuou a importância da caridade e do amor na missão que a Cáritas desempenha, de um amor que
[…] é Cáritas, um Amor que não é deste mundo, mas está neste mundo e nos anima e envolve em projetos de ajuda e desenvolvimento, a pensar nas pessoas mais necessitadas, de perto e de longe”.
E salientou a relevância deste Conselho que leva a
Refletir em conjunto a missão da Cáritas como missão da Igreja que a todos é confiada. Ouvir, aprofundar, refletir, observar, avaliar e tomar decisões com discernimento.”.
Por sua vez, o Presidente lembrou, no final do Ano da Misericórdia, que coincidiu com a realização deste Conselho Geral:
“A Misericórdia não termina com o fechar da porta santa, pois nós ficamos responsáveis por ter sempre a mão no trinco de cada porta dos centros de acolhimento de cada Cáritas ou grupo que integramos e, sobretudo, da abertura dos nossos corações daqui para a frente”.
O Conselho saudou as novas direções das Cáritas Diocesanas de Setúbal e da Guarda, na pessoa dos seus presidentes e a posse do novo Bispo da Diocese de Beja, Dom João Marcos. E deixou a Dom António Vitalino o agradecimento pela dedicação que sempre prestou ao trabalho da Cáritas em Portugal e, em especial, na sua diocese.
Foram indicados os resultados da campanha “Cáritas Ajuda as Vítimas dos Incêndios em Portugal”, com a angariação de 311.856,67€, para apoio de projetos de reconstrução e/ou reabilitação de habitações de pessoas em situação de pobreza e de recuperação dos meios de sobrevivência. Ainda neste âmbito, o Conselho deixou nota para a importância da intervenção da Cáritas ao nível da prevenção, para que não se repita anualmente o flagelo incendiário.
O Conselho aprovou unanimemente o Plano Estratégico da Cáritas em Portugal – “Uma Só Família Humana” – para o período de 2017-2020, realçando a decisiva colaboração da UCP (Universidade Católica Portuguesa), concretamente da Faculdade de Teologia de Lisboa. Foram ainda aprovados o Plano de Atividades e o Orçamento Previsional da Cáritas Portuguesa para 2017.
O Conselho refletiu sobre a estratégia de ação a promover durante a Operação “10 Milhões de Estrelas – Um Gesto pela Paz” e a “Semana Nacional Cáritas” e aprovou a continuação do grupo de trabalho para aprofundar as temáticas inerentes à melhoria destas iniciativas.
Foi, a seguir, apresentada a proposta de estrutura para o novo website da Cáritas e decidido que o grupo de trabalho continuará a acompanhar este processo. E a Cáritas de Lamego disponibilizou-se para acolher a realização do 1.º Conselho Geral de 2017.
Durante a noite de 19, as Cáritas Diocesanas dos Açores, de Coimbra e de Setúbal apresentaram projetos de inovação social e de apoio a famílias que implementam nas suas dioceses e que poderão vir a ser replicados nas dioceses que os solicitarem; e, na manhã do dia 20, foi apresentado o Relatório da Cáritas em Portugal, que aborda 3 dimensões: quem são as pessoas que estão na Cáritas; quem são as pessoas que a procuram e como são servidas; e os recursos financeiros que a Cáritas administra.
Os trabalhos encerraram com a celebração da Luz da Paz, inserida na Eucaristia celebrada na Basílica da Santíssima Trindade, sob a presidência de Dom José Traquina, já mencionado.
Ocorreu este encontro após o falecimento de Monsenhor Alexandrino Brochado e do Professor Doutor Alfredo Bruto da Costa. Por isso, o Conselho enalteceu o primeiro como um dos pioneiros da criação da Cáritas em Portugal, que durante 55 anos serviu a Cáritas do Porto, e como exemplo de atenção às famílias em situação de pobreza, proporcionando-lhes cuidados de primeira linha. E evocou a figura e a ação do segundo como o cidadão e cristão que deixou o testemunho exemplar da coerência de vida, no respeitante aos valores que defendia e praticava e como defensor dos mais pobres, que acreditava que um dia viveria num mundo sem pobreza – o legado a que a Cáritas deve dar continuidade.
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Também a Cáritas Portuguesa noticiou que a Caritas Europa lançou, a 23 de novembro, a sua mais recente publicação “Social Justice and Equality in Europe – it is possible!”, que apresenta a visão da Cáritas em relação aos modelos sociais que favorecem o bem-estar de todas as pessoas, baseada na análise das realidades sociais no terreno e de práticas inovadoras na rede Cáritas. O estudo é dum grupo de trabalho sobre Modelos Sociais Europeus da Cáritas Europa, cujo objetivo é analisar a melhor forma de pôr em prática a solidariedade, reduzir eficazmente as desigualdades e erradicar a pobreza. E condiz com o modelo Cáritas, que assenta em três pilares: a família como célula vital da sociedade e rede de segurança primária; mercados de trabalho inclusivos, reconhecendo o valor do trabalho e da contribuição das pessoas para a sociedade; e o sistema de proteção social como mecanismo essencial de solidariedade que garante o bem-estar da sociedade como um todo. São três pilares que necessitam de atenção para a adequação dos diversos modelos sociais existentes na Europa em resposta aos desafios económicos, sociais e demográficos.
Cada pilar é analisado a partir dos dados oficiais, apresenta histórias de vida de pessoas que vivem situações de pobreza e de exclusão social, reúne exemplos de práticas de projetos da rede Cáritas de diversos países e contém recomendações que ajudam a conceber políticas nos três domínios, servindo de itinerário para a solidariedade e a coesão social.
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Enfim, combater as causas que perpetuam a pobreza e ferem a dignidade humana é o grande objetivo – o que postula a ajuda das pessoas de boa vontade e coragem em gestos de lucidez, generosidade e capacidade de intervenção sociopolítica. De facto, só juntos podemos construir um mundo mais justo e solidário.

2016.12.07 – Louro de Carvalho

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