sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Cónego Doutor Joaquim Mendes de Castro

Soube, pelas vias de comunicação das dioceses de Lamego e do Porto e pela ASEL, do falecimento do Cónego Doutor Joaquim Mendes de Castro, que foi a sepultar hoje, dia 23 de dezembro, no cemitério de Moldes, de concelho de Arouca, depois de haver exéquias solenes na igreja paroquial de Rio Tinto e de celebração da Missa também na predita paróquia de Moldes.
O eclesiástico ora finado não foi meu professor, justamente porque, após a minha entrada no Seminário Maior, foi cedido pela diocese à Universidade Católica Portuguesa, onde prestou serviço docente, sendo que, anos depois, cursou filologia Clássica na Faculdade de Letras, onde teve como professores antigos alunos seus. E completou a sua carreira no ensino como professor do ensino secundário. Aliás, também tinha sido professor de Português no Colégio da Imaculada Conceição de Lamego.
Como referi, não foi meu professor. No entanto, ainda o conheci no Seminário de Lamego e ouvi um dos seus brilhantes sermões, recordando que me ficou a impressão de uma verdadeira máquina falante. Era conhecida a sua competência como biblista e professor de Sagrada Escritura e bom conhecedor do grego, nomeadamente o dito grego bíblico, e da língua hebraica – sendo muito apreciado por aqueles que tiveram o dom de ser seus alunos.  
Vi-o e ouvi-o, pela última vez, na Vila da Ponte, do concelho de Sernancelhe, no dia 25 de outubro de 1992, no contexto de uma celebração evocativa da memória sacerdotal do Cónego José Cardoso de Almeida, dali natural e que faria naquele ano, se fosse ainda vivo, as bodas de ouro da ordenação presbiteral.
Aquele foi o dia escolhido pelo Município, pelo Seminário e pela Paróquia para a homenagem ao Cónego José Cardoso. Através da Voz de Lamego, foram convidados os sacerdotes e demais pessoas que tivessem memória do homenageado e a igreja de Vila da Ponte ficou repleta de crentes que se congregaram em torno do Bispo da diocese, na ocasião o Arcebispo-bispo Dom António de Castro Xavier Monteiro. Pregou o então Reitor do Seminário, João Augusto André Ribeiro e, depois duma romagem ao cemitério de Vila da Ponte, subimos a Sernancelhe. Ali, no ginásio da antiga Escola EB 2/3, ocorreu uma sessão evocativa da memória do homenageado, sendo orador oficial o Dr. Germano Duarte Cabral; e, na igreja matriz em cujo batistério, fora ministrado o batismo a José Cardoso, o arcipreste e pároco, padre Cândido de Azevedo, fez a evocação do acontecimento e apresentou as linhas de apreciação da igreja românica da vila.  
Menção especial mereceram os sacerdotes que ali receberam a ordenação presbiteral, no dia 26 de julho de 1972, das mãos de Dom Agostinho de Jesus e Sousa: o cónego José Cardoso, o padre A. Silveira, o padre Anselmo de Freitas e o padre Lucas Ribeiro. Mas também o cónego Joaquim Mendes de Castro, que na ocasião recebera ali a ordem de diácono, e o padre António Ribeiro (conhecido por Padre Ribeirinho), que ali recebeu a ordem de subdiácono. Destes seis ilustres estavam ali presentes os ainda vivos: Anselmo de Freitas, Joaquim Mendes de Castro e Lucas Ribeiro. Com o falecimento de Mendes de Castro, a lápide que figura na igreja de Vila da Ponte com aqueles nomes passa a monumento de ministério ordenado e clama, qual hino ao sacerdócio, modesto louvor ao divino e uma forte prece pela Salvação das pessoas e dos povos.
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Mas a Voz de Lamego on line refere que “dedicou parte importante do seu tempo ao estudo da Sagrada Escritura, publicando alguns livros, vários textos, artigos, reflexões”. E é verdade.
Mendes de Castro integrou uma vasta equipa de especialistas que empreenderam a obra da “primeira tradução da Bíblia feita em Portugal com critérios científicos”, a partir dos textos originais. Presidiu à comissão editorial o cónego José Galamba de Oliveira. Editada pela Editora Universus, Porto, foi publicada em fascículos entre 1957 e 1970 em 7 volumes. O Novo Testamento foi editado em 1957, em 2 volumes, e o Antigo Testamento saiu entre 1961 e 1970 em 4 volumes. No frontispício, lê-se: “Tradução do texto original e notas por um grupo de professores de Sagrada Escritura; direção literária do cónego Dr. José Galamba de Oliveira; direção artística do Arq.º Júlio Gil.”. O título desta Bíblia, na British Library, é o seguinte: “Bíblia Ilustrada. Tradução do texto original e notas por um grupo de professores de Sagrada Escritura. / Porto: Editorial Universus, 1957-1970. 7 v.: ill; 30 cm.” O imprimatur é de 13 de janeiro de 1957: “Copyright de tradução e notas, Editorial Universus, 1957”. Tem muitas gravuras de obras de arte, introduções e notas de rodapé. O texto desta Bíblia tem sido utilizado noutras edições. Foi alegadamente uma edição da Bíblia feita em formato grande e para elites.
Pensam alguns que os seus promotores achavam que, para este, bastava a tradução do padre Matos Soares, feita a partir da Vulgata latina e que continuava a ser editada. Esta Bíblia teve grande sucesso nas décadas em que foi vendida. Porém, o cónego Galamba comprometeu-se com a Conferência Episcopal a promover uma edição ao alcance de todos, mas não realizou este projeto, devido às convulsões provocadas pela revolução de 1974. O projeto desta Bíblia e sua realização são explicitados do seguinte modo:
“Começou-se pelo Novo Testamento e, graças a Deus, apesar de grandes dificuldades vindas de vários lados, chegou-se ao fim. A edição de 10.000 exemplares esgotou-se e está em reimpressão. Agora começa-se com o Antigo Testamento. Queremos a Bíblia inteira. Nada de mais razoável. Não fazia sentido que a Bíblia, o livro por excelência, não tivesse uma edição nobre, luxuosa, com apresentação condigna, em língua portuguesa (…). Oito ilustres sacerdotes professores de Sagrada Escritura nos nossos Seminários e quase todos diplomados em Estudos Bíblicos pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (...). Como no Novo Testamento, ilustram o texto notas claras e abundantes, devidas a um grupo dos mais categorizados estudiosos da Bíblia, adaptadas aos espíritos mais exigentes e inteiramente acessíveis às pessoas de qualquer cultura.”
Vd HERCULANO ALVES, Panorama das traduções da Bíblia em Português no século XX e a sua receção no meio católico, UCP. file:///C:/Users/user/Favorites/Documents/3964-1-13124-1-10-20131105%20(1).pdf.
Em 1961, esta Bíblia Ilustrada foi reunida em volume sob a designação de Bíblia Monumental, com o Nihil obstat de P.e José Galamba de Oliveira, dado em Leiria, a 19 de março de 1961, e o Imprimatur de Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal patriarca, dado em Lisboa, a 25 de março do mesmo ano.
Não me parece uma edição não acessível, porquanto eu a vi exposta em casas não ricas em Santa Cruz do Douro, nos três anos em que lá passei a fazer a visita pascal. Além disso, em maio de 2013, a Mel Editores fez uma edição da mesma obra sob o título de Bíblia Sagrada, com o Nihil obstat de D. António Taipa, Bispo Auxiliar do Porto, dado no Porto a 8 de outubro de 2012, e com o Imprimatur de D. António Francisco, então Bispo de Aveiro, dado em Aveiro a 10 de outubro do mesmo ano – o que mostra que, para lá da vontade de oferecer uma edição luxuosa, existia a intenção de empreender uma edição popular, que veio como muito atraso. Porém, a Difusora Bíblica fez o seu trabalho promovendo várias edições da Bíblia dos Capuchinhos e desenvolveu por todo o país um imparável movimento bíblico.
Ora, Mendes de Castro contribuiu com a tradução dos seguintes livros da Bíblia ilustrada ou monumental: Génesis, Êxodo, Rute, 1.º e 2.º de Samuel, Salmos, Isaías e Habacuc. Não foi contributo pequeno.
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E não posso passar sem referir alguns trabalhos de Joaquim Mendes de Castro, como:
- A Bíblia no “Leal Conselheiro”, in didaskalia, vol. 1, fasc. 2, 1971, pgs 251-261;
- O pródigo: tragicomédia, de Luís da Cruz; prefácio, treslado, notas J. Mendes de Castro Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica. Centro de Estudos Clássicos, 1989;
- “D. Jerónimo Osório, tradutor da Ilíada?”, com prefácio de Maria Helena Ureña Prieto, [Lisboa]: Instituto Nacional de Investigação Científica: Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 1991;
- “Carolina Michaëlis e Sá de Miranda”, in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto “LÍNGUAS E LITERATURAS”, Porto, XVIII, 2001, pp 79/92.
Além disso, foi o grande apoiante da obra poética e romanesca do Padre Joaquim Rodrigues da Cunha, que nasceu no lugar do Rossão, freguesia de Gosende, Concelho de Castro Daire, no dia 19 de outubro de 1915; e que, depois de ordenado sacerdote em 10 de agosto de 1941, foi pároco de Lazarim, durante 4 anos, após o que foi transferido para Vila Nova de Paiva e Fráguas, onde se manteve até à sua inesperada morte, a 7 de dezembro de 1972, na terra que o viu nascer, o lugar do Rossão.
A título de exemplo refira-se que, em homenagem do cónego Mendes de Castro, o romance “A Moleirinha das Fragas”, de Joaquim Rodrigues da Cunha, viu sair a sua 2.ª edição em 2003, na Tipografia Voz de Lamego, Lda. Mendes de Castro refere no prefácio dessa edição:
“Em dez anos, o padre Rodrigues da Cunha publicou três romances que o consagram como um dos melhores escritores portugueses nesta segunda metade do século. Senhor dum vocabulário rico e ajustado às personagens e ao estilo, dominando a língua pátria com maleabilidade; conhecedor dos segredos da narrativa e da descrição, o padre Rodrigues da Cunha tem a noção exata do uso oportuno dos vários registos literários, distribuindo no texto o sério e o jocoso, fazendo brotar copiosas lágrimas nos olhos mais renitentes e desabrochar risos francos nos rostos mais reservados...”.
Vd Hélio Rodrigues, “Joaquim Rodrigues da Cunha – um escritor da minha terra!”.
 http://www.esenviseu.net/Principal/Jornal/Edicoes/1/1-12.pdf
E o romance “A Fidalga do Balsemão” teve sorte semelhante com a sua reedição em 2005, por obra e graça do mesmo cónego Mendes de Castro.
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Aqui deixo este singelo apontamento em memória do eclesiástico devotado, do académico persistente e do professor que não desistiu da missão e da função de ensinar e de escrever. A cultura, a sociedade e a Igreja precisam de vultos destes.

2016.12.23 – Louro de Carvalho

1 comentário:

  1. Muito boa noite,
    Acidentalmente dei de caras com esta publicação no seu blog.
    Um feliz acidente! Muito me enche o coração reler as suas palavras sobre o meu tio. Sinto que conseguiu espelhar grande parte da sua essência. Foi um grande Homem durante a sua vida aqui connosco, cheio de conhecimento e sempre pronto para o transmitir a quem quisesse escutar. Ainda me lembro dos serões na sala dele em que, ainda uma criança, escutava atentamente as histórias de família e de vida. Ouvia a lição sobre um qualquer tema que lhe interessasse como se meu também ele fosse. Guardo esse tempo com muito carinho, assim como guardarei este seu arquivo.
    Uma boa continuação,
    Sara Mendes de Castro

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