Soube,
pelas vias de comunicação das dioceses de Lamego e do Porto e pela ASEL, do
falecimento do Cónego Doutor Joaquim Mendes de Castro, que foi a sepultar hoje,
dia 23 de dezembro, no cemitério de Moldes, de concelho de Arouca, depois de
haver exéquias solenes na igreja paroquial de Rio Tinto e de celebração da
Missa também na predita paróquia de Moldes.
O
eclesiástico ora finado não foi meu professor, justamente porque, após a minha
entrada no Seminário Maior, foi cedido pela diocese à Universidade Católica
Portuguesa, onde prestou serviço docente, sendo que, anos depois, cursou filologia
Clássica na Faculdade de Letras, onde teve como professores antigos alunos
seus. E completou a sua carreira no ensino como professor do ensino secundário.
Aliás, também tinha sido professor de Português no Colégio da Imaculada Conceição
de Lamego.
Como
referi, não foi meu professor. No entanto, ainda o conheci no Seminário de
Lamego e ouvi um dos seus brilhantes sermões, recordando que me ficou a
impressão de uma verdadeira máquina falante. Era conhecida a sua competência
como biblista e professor de Sagrada Escritura e bom conhecedor do grego,
nomeadamente o dito grego bíblico, e da língua hebraica – sendo muito apreciado
por aqueles que tiveram o dom de ser seus alunos.
Vi-o
e ouvi-o, pela última vez, na Vila da Ponte, do concelho de Sernancelhe, no dia
25 de outubro de 1992, no contexto de uma celebração evocativa da memória
sacerdotal do Cónego José Cardoso de Almeida, dali natural e que faria naquele
ano, se fosse ainda vivo, as bodas de ouro da ordenação presbiteral.
Aquele
foi o dia escolhido pelo Município, pelo Seminário e pela Paróquia para a
homenagem ao Cónego José Cardoso. Através da Voz de Lamego, foram convidados os sacerdotes e demais pessoas que
tivessem memória do homenageado e a igreja de Vila da Ponte ficou repleta de
crentes que se congregaram em torno do Bispo da diocese, na ocasião o Arcebispo-bispo
Dom António de Castro Xavier Monteiro. Pregou o então Reitor do Seminário, João
Augusto André Ribeiro e, depois duma romagem ao cemitério de Vila da Ponte,
subimos a Sernancelhe. Ali, no ginásio da antiga Escola EB 2/3, ocorreu uma
sessão evocativa da memória do homenageado, sendo orador oficial o Dr. Germano
Duarte Cabral; e, na igreja matriz em cujo batistério, fora ministrado o
batismo a José Cardoso, o arcipreste e pároco, padre Cândido de Azevedo, fez a
evocação do acontecimento e apresentou as linhas de apreciação da igreja
românica da vila.
Menção
especial mereceram os sacerdotes que ali receberam a ordenação presbiteral, no
dia 26 de julho de 1972, das mãos de Dom Agostinho de Jesus e Sousa: o cónego José
Cardoso, o padre A. Silveira, o padre Anselmo de Freitas e o padre Lucas Ribeiro.
Mas também o cónego Joaquim Mendes de Castro, que na ocasião recebera ali a
ordem de diácono, e o padre António Ribeiro (conhecido por
Padre Ribeirinho),
que ali recebeu a ordem de subdiácono. Destes seis ilustres estavam ali
presentes os ainda vivos: Anselmo de Freitas, Joaquim Mendes de Castro e Lucas
Ribeiro. Com o falecimento de Mendes de Castro, a lápide que figura na igreja
de Vila da Ponte com aqueles nomes passa a monumento de ministério ordenado e
clama, qual hino ao sacerdócio, modesto louvor ao divino e uma forte prece pela
Salvação das pessoas e dos povos.
***
Mas
a Voz de Lamego on line refere que “dedicou parte importante do seu tempo ao estudo da
Sagrada Escritura, publicando alguns livros, vários textos, artigos, reflexões”. E é verdade.
Mendes
de Castro integrou uma vasta equipa de especialistas que empreenderam a obra da
“primeira tradução da Bíblia feita em Portugal com critérios científicos”, a
partir dos textos originais. Presidiu à comissão editorial o cónego José
Galamba de Oliveira. Editada pela Editora Universus, Porto, foi publicada em
fascículos entre 1957 e 1970 em 7 volumes. O Novo Testamento foi editado em
1957, em 2 volumes, e o Antigo Testamento saiu entre 1961 e 1970 em 4 volumes.
No frontispício, lê-se: “Tradução do
texto original e notas por um grupo de professores de Sagrada Escritura;
direção literária do cónego Dr. José Galamba de Oliveira; direção artística do
Arq.º Júlio Gil.”. O título desta Bíblia, na British Library, é o seguinte: “Bíblia
Ilustrada. Tradução do texto original
e notas por um grupo de professores de Sagrada Escritura. / Porto: Editorial
Universus, 1957-1970. 7 v.: ill; 30 cm.” O imprimatur é de 13 de janeiro de 1957: “Copyright de tradução e
notas, Editorial Universus, 1957”. Tem muitas gravuras de obras de arte,
introduções e notas de rodapé. O texto desta Bíblia tem sido utilizado noutras
edições. Foi alegadamente uma edição da Bíblia feita em formato grande e para
elites.
Pensam
alguns que os seus promotores achavam que, para este, bastava a tradução do
padre Matos Soares, feita a partir da Vulgata latina e que continuava a ser
editada. Esta Bíblia teve grande sucesso nas décadas em que foi vendida. Porém,
o cónego Galamba comprometeu-se com a Conferência Episcopal a promover uma
edição ao alcance de todos, mas não realizou este projeto, devido às convulsões
provocadas pela revolução de 1974. O projeto desta Bíblia e sua realização são
explicitados do seguinte modo:
“Começou-se
pelo Novo Testamento e, graças a Deus, apesar de grandes dificuldades vindas de
vários lados, chegou-se ao fim. A edição de 10.000 exemplares esgotou-se e está
em reimpressão. Agora começa-se com o Antigo Testamento. Queremos a Bíblia
inteira. Nada de mais razoável. Não fazia sentido que a Bíblia, o livro por
excelência, não tivesse uma edição nobre, luxuosa, com apresentação condigna,
em língua portuguesa (…). Oito ilustres sacerdotes professores de Sagrada
Escritura nos nossos Seminários e quase todos diplomados em Estudos Bíblicos
pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (...). Como no Novo Testamento,
ilustram o texto notas claras e abundantes, devidas a um grupo dos mais
categorizados estudiosos da Bíblia, adaptadas aos espíritos mais exigentes e
inteiramente acessíveis às pessoas de qualquer cultura.”
Vd HERCULANO ALVES, Panorama das
traduções da Bíblia em Português no século XX e a sua receção no meio católico,
UCP. file:///C:/Users/user/Favorites/Documents/3964-1-13124-1-10-20131105%20(1).pdf.
Em
1961, esta Bíblia Ilustrada foi reunida em volume sob a designação de Bíblia Monumental, com o Nihil obstat de P.e José Galamba de Oliveira,
dado em Leiria, a 19 de março de 1961, e o Imprimatur
de Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal patriarca, dado em Lisboa, a 25 de
março do mesmo ano.
Não
me parece uma edição não acessível, porquanto eu a vi exposta em casas não
ricas em Santa Cruz do Douro, nos três anos em que lá passei a fazer a visita
pascal. Além disso, em maio de 2013, a Mel Editores fez uma edição da mesma
obra sob o título de Bíblia Sagrada,
com o Nihil obstat de D. António
Taipa, Bispo Auxiliar do Porto, dado
no Porto a 8 de outubro de 2012, e com o Imprimatur
de D. António Francisco, então Bispo de Aveiro, dado em Aveiro a 10 de outubro
do mesmo ano – o que mostra que, para lá da vontade de oferecer uma edição
luxuosa, existia a intenção de empreender uma edição popular, que veio como
muito atraso. Porém, a Difusora Bíblica fez o seu trabalho promovendo várias
edições da Bíblia dos Capuchinhos e desenvolveu por todo o país um imparável movimento
bíblico.
Ora,
Mendes de Castro contribuiu com a tradução dos seguintes livros da Bíblia
ilustrada ou monumental: Génesis, Êxodo, Rute, 1.º e 2.º de Samuel, Salmos,
Isaías e Habacuc. Não foi contributo pequeno.
***
E
não posso passar sem referir alguns trabalhos de Joaquim Mendes de Castro,
como:
- A Bíblia no “Leal Conselheiro”, in didaskalia,
vol. 1, fasc. 2, 1971, pgs 251-261;
- O pródigo:
tragicomédia, de Luís da Cruz; prefácio, treslado, notas J. Mendes de Castro Lisboa:
Instituto Nacional de Investigação Científica. Centro de Estudos Clássicos,
1989;
-
“D. Jerónimo Osório, tradutor da Ilíada?”, com prefácio de Maria Helena Ureña Prieto, [Lisboa]:
Instituto Nacional de Investigação Científica: Centro de Estudos Clássicos da
Universidade de Lisboa, 1991;
- “Carolina Michaëlis e Sá de Miranda”, in Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto “LÍNGUAS E
LITERATURAS”, Porto, XVIII, 2001, pp 79/92.
Além
disso, foi o grande apoiante da obra poética e romanesca do Padre Joaquim
Rodrigues da Cunha, que nasceu no lugar do Rossão, freguesia de Gosende,
Concelho de Castro Daire, no dia 19 de outubro de 1915; e que, depois de ordenado
sacerdote em 10 de agosto de 1941, foi pároco de Lazarim, durante 4 anos, após o
que foi transferido para Vila Nova de Paiva e Fráguas, onde se manteve até à
sua inesperada morte, a 7 de dezembro de 1972, na terra que o viu nascer, o
lugar do Rossão.
A
título de exemplo refira-se que, em homenagem do cónego Mendes de Castro, o
romance “A Moleirinha das Fragas”, de
Joaquim Rodrigues da Cunha, viu sair a sua 2.ª edição em 2003, na Tipografia
Voz de Lamego, Lda. Mendes de Castro refere no prefácio dessa edição:
“Em
dez anos, o padre Rodrigues da Cunha publicou três romances que o consagram
como um dos melhores escritores portugueses nesta segunda metade do século.
Senhor dum vocabulário rico e ajustado às personagens e ao estilo, dominando a
língua pátria com maleabilidade; conhecedor dos segredos da narrativa e da
descrição, o padre Rodrigues da Cunha tem a noção exata do uso oportuno dos
vários registos literários, distribuindo no texto o sério e o jocoso, fazendo
brotar copiosas lágrimas nos olhos mais renitentes e desabrochar risos francos
nos rostos mais reservados...”.
Vd Hélio Rodrigues, “Joaquim Rodrigues da Cunha – um escritor da minha
terra!”.
http://www.esenviseu.net/Principal/Jornal/Edicoes/1/1-12.pdf
E
o romance “A Fidalga do Balsemão”
teve sorte semelhante com a sua reedição em 2005, por obra e graça do mesmo
cónego Mendes de Castro.
***
Aqui deixo este singelo apontamento em memória do eclesiástico devotado, do
académico persistente e do professor que não desistiu da missão e da função de
ensinar e de escrever. A cultura, a sociedade e a Igreja precisam de vultos
destes.
2016.12.23 – Louro de Carvalho
Muito boa noite,
ResponderEliminarAcidentalmente dei de caras com esta publicação no seu blog.
Um feliz acidente! Muito me enche o coração reler as suas palavras sobre o meu tio. Sinto que conseguiu espelhar grande parte da sua essência. Foi um grande Homem durante a sua vida aqui connosco, cheio de conhecimento e sempre pronto para o transmitir a quem quisesse escutar. Ainda me lembro dos serões na sala dele em que, ainda uma criança, escutava atentamente as histórias de família e de vida. Ouvia a lição sobre um qualquer tema que lhe interessasse como se meu também ele fosse. Guardo esse tempo com muito carinho, assim como guardarei este seu arquivo.
Uma boa continuação,
Sara Mendes de Castro