sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Exemplo de avaliação realista: François Hollande

O Presidente francês, François Hollande, de 62 anos, não vai recandidatar-se às eleições presidenciais previstas para o próximo ano. Na verdade, a 1 de dezembro, o Chefe de Estado declarou, num discurso ao povo, a partir do Palácio do Eliseu, transmitido pela televisão, que não será candidato, considerando que, nos próximos meses, o seu “único dever” vai ser continuar a liderar o país. Eleito em 2012, contra Nicolas Sarkozy, este é, segundo a agência France Presse, o primeiro presidente francês a renunciar a uma recandidatura, desde 1958 (ou seja, na V República), ano da instauração de um novo regime constitucional.
A popularidade de Hollande atingiu o nível mais baixo depois de um mandato de cinco anos, marcado por alterações nas principais políticas, atentados terroristas, desemprego elevado e revelações de atitudes pouco recomendáveis relacionadas com a sua vida privada. É mesmo o presidente francês com o mais baixo nível de popularidade desde a II Guerra Mundial.
Uma sondagem divulgada a 30 de novembro e citada pelo “New York Times” reservava-lhe 7,0% das intenções de voto (menos de 10%) na 1.ª volta das eleições presidenciais, a 23 de Abril do 2017, ao passo que atribuía a vitória a François Fillon, o candidato do partido Republicano (direita), que viria seguido por Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional (extrema-direita).
Não obstante, os analistas recomendaram precaução nas previsões, visto que não são ainda conhecidos todos os candidatos e por ser difícil antecipar o peso de independentes, como o ex-ministro Emmanuel Macron, de 38 anos.
O anúncio da retirada de Hollande, apesar de tudo surpreendente, abre caminho à apresentação de candidatos socialistas, tendo já começado a ser aceites candidaturas às primárias do Partido Socialista, previstas para 22 e 29 de Janeiro.
Arnaud Montebourg, um antigo ministro da Economia de esquerda, já tinha apresentado a sua candidatura; e o atual primeiro-ministro francês, Manuel Valls, também deverá concorrer.
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Sobre a sua baixa popularidade, há que ter em conta factos estranhos à sua vontade. Com efeito, só em 2015, a França sofreu três grandes atentados terroristas islamitas, primeiro contra o semanário Charlie Hebdo, a 7 de janeiro, depois em Paris, a 13 novembro de 2015, e em Nice, em 14 julho deste ano de 2016 – o que resultou, em 23 meses, num número de pelo menos 238 mortos. Além disso, o seu mandato esteve marado por múltiplas operações militares no exterior, de que se destacam as do Mali, da África Central e da Síria.
Porém, não menos significativos são os factos que lhe são imputados, quer a nível político, quer a nível pessoal. Assim, no âmbito da política económica, François Hollande avançou com um programa de medidas sociais, que incluía um superimposto de 75% para os mais ricos, mas mudou de rumo para introduzir reformas a favor dos empresários. Por outro lado, em janeiro de 2014, a revista Closer divulgou o relacionamento entre Hollande e a atriz francesa Julie Gayet, o que induziu o fim da relação com Valerie Trierweiler.
O jornal Le Monde criticou ainda recentemente a atuação de Hollande e vaticinou que o Partido Socialista corre o risco de sofrer uma divisão antes das presidenciais em abril e maio e das legislativas em junho. Neste sentido se pronunciou o editorial:
“A pessoa mais responsável é François Hollande, que não deu um significado ao seu mandato, nem ocupou a presidência com autoridade, nem se impôs como o candidato legítimo do partido”.
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Seja como for – por sinceridade ou por não haver volta a dar –, o Presidente assume uma avaliação realista, que não é vulgar em pessoas inchadas com o poder, ao justificar-se:
Hoje sou consciente dos riscos originados por uma campanha em meu redor. Por isso, decidi não ser candidato à renovação do meu mandato. Movo-me apenas em nome do superior interesse do país. A experiência trouxe-me a humildade necessária à minha tarefa”.
O atual presidente, eleito em 2012, cuja baixa popularidade entre os franceses lhe reduzia grandemente de ser reeleito, agora porfia que não quer “dividir” a esquerda no país (como socialista, não podia permitir “a dispersão da esquerda”) e diz pautar-se pelo “superior interesse do país”, mas reconhece também a sua incapacidade de, no momento, “mobilizar” para a sua candidatura o apoio de pessoas suficientes.
Esta decisão de Hollande acaba por abrir caminho a Valls, que visa unir a esquerda em torno da sua candidatura. E tanto assim é que, apesar de não haver nenhum anúncio oficial, o Primeiro-Ministro de França Valls, do mesmo partido do Presidente, já deu indicações de que pode avançar. Com efeito, horas depois da declaração de Hollande, Manuel Valls, considerou que a renúncia do Presidente François Hollande a recandidatar-se em 2017 é “a decisão de um estadista”, como se pode ler num comunicado produzido a propósito:
É uma decisão difícil, ponderada, importante. É a decisão de um estadista. Quero transmitir a François Hollande a minha emoção, o meu respeito, a minha fidelidade e o meu afeto..
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Depois de a direita francesa ter escolhido François Fillon como o seu candidato às presidenciais e de se saber, há já algum tempo, que Marine Le Pen irá candidatar-se pela extrema-direita, faltava ouvir o que François Hollande tinha para dizer em relação à matéria. E, a tempo, decidiu em conformidade com a queda gradual, mas consistente até chegar ao limite mais baixo, da sua taxa de popularidade junto do eleitorado. No seu discurso, Hollande disse que o seu único “dever”, nos meses que lhe restam enquanto presidente, é a liderança do país, confessando:
“O mundo, a Europa e a França enfrentaram desafios particularmente difíceis durante o meu mandato e nessas circunstâncias particularmente desafiantes eu quis manter a coesão nacional”.
Emmanuel Macron, o ex-ministro da Economia que abandonou o Partido Socialista e fundou o seu próprio movimento político, foi dos primeiros a reagir à notícia, denominando de “decisão corajosa” a declaração de Hollande. Macron já anunciou a sua candidatura (como independente) à Presidência da República, assim como o Primeiro-Ministro Manuel Valls (embora este não em termos oficiais) e Arnaud Montebourg, um antigo ministro da Economia de esquerda, de 54 anos. Também, a 1 de dezembro, foram anunciadas as datas para as primárias da esquerda, que se realizarão em duas voltas, a 22 e 29 de janeiro.
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Também François Fillon – que venceu, a 27 de novembro, as primárias da direita com 66,5% dos votos, contra os 33,5% de Alain Juppé (candidato centrista considerado mais moderado) – reagiu aos resultados dizendo que, para si, é importante ter o apoio de toda a gente e que oferece “a sua mão a qualquer pessoa que queira ajudar” e trabalhar com ele. No entanto, o candidato da direita, que tem 62 anos e foi primeiro-ministro durante a presidência de Nicolas Sarkozy, escreveu, na sua conta na rede social Twitter:
“O presidente admite, com lucidez, que o seu fracasso evidente o impede de ir mais longe”.
Todavia, volta a sua atenção para a linha da sua ótica política ao sustentar que a França precisa de “qualidades como o respeito e o orgulho” e garante que vai defender os valores franceses, mas sem excluir ninguém da sociedade. Quer que “as crianças francesas sintam orgulho da sua nacionalidade” e diz que vai lutar contra os extremistas “que declararam guerra ao país”, agora que Holllande manifestou a sua “lucidez” face ao ambiente de revolta e ao “caos político e vazio de poder” em que termina o seu mandato.
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Não podemos esquecer que o golpe de misericórdia na popularidade do Presidente caiu em meados de outubro com a publicação do novo livro “Um Presidente Não Devia Dizer Isso…” – que resulta duma série de entrevistas com dois jornalistas de investigação e em que Hollande terá tecido comentários controversos sobre o Islão, a imigração e o rival Sarkozy.
Porém, o livro não veicula apenas as preditas declarações polémicas, mas também detalhes da vida privada de Hollande que, pelos vistos, não se quer casar com a atriz Juliet Gayet – o que a tem impedido e impedirá de ser primeira-dama
A obra da pena de Gerard Davet e Fabrice Lhomme, jornalistas de investigação, que se converteu no título mais vendido na loja francesa da Amazon, resulta de entrevistas formais ao longo de três anos a Hollande. E, entre tantas considerações, conta-se a sua relação com Julie Gayet, de 44 anos: não obstante estarem juntos desde 2014, o Presidente não tenciona fazer dela a primeira-dama de França. “É um tema quente e ela continua a perguntar, mas eu não quero e esta situação fá-la sofrer”, diz Hollande. E di-lo falando pela primeira vez na relação com a atriz que esteve há dois anos na origem dum escândalo mediático, quando a revista Closer noticiou, em janeiro de 2014, a infidelidade de Hollande com Gayet ao compromisso marital com a jornalista Valérie Trierweiler, que era a primeira-dama no Eliseu.
Ironicamente, fora Trierweiler a publicar um livro em que revelou as peripécias da sua vida ao lado do Chefe de Estado, revelando detalhes escabrosos do relacionamento, tal como recordava, em outubro deste ano, o jornal El Español. É de recordar que, antes dela, Hollande teve uma relação de vários anos com Ségolène Royal – com quem teve quatro filhos –, que no livro é descrita como a mulher da sua vida. Dela diz Hollande que “é a mulher de quem me sinto mais próximo, está lá quando eu preciso” Nem de propósito, o El Epañol faz referência a alegados ciúmes de Royal por parte da predita jornalista e ex-primeira-dama.
Além disso, ao Presidente francês, pelos vistos, custa não ter uma vida familiar, pois admite que, enquanto estiver na Presidência, não pode ter uma vida privada porque, no Eliseu, “não há tempo para ser feliz”.
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Hollande, apesar das culpas que tem no cartório, fica na página política como um exemplo de avaliação realista das suas limitações, ao contrário de tantos casos de políticos que se mantêm no poder até ficarem podres de descrédito ou cederem-no como que por favor (caso, por exemplo de Salazar, Fidel Castro ou José Eduardo dos Santos).
Se, por exemplo, José Sócrates ou Santana Lopes, quando viram que não tinham hipótese de ganhar eleições, se tivessem retirado, ou se Mário Soares, quando extemporaneamente se candidatou a Presidente em 2005, passado que foi o seu tempo de ação, serviço e glória, talvez a política tivesse ficado mais credibilizada pela autenticidade, pelo comedimento e pela justa ousadia.

2016.12.02 – Louro de Carvalho

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