O Presidente
francês, François Hollande, de 62 anos, não vai recandidatar-se às eleições
presidenciais previstas para o próximo ano. Na verdade, a 1 de dezembro, o
Chefe de Estado declarou, num discurso ao povo, a partir do Palácio do Eliseu, transmitido
pela televisão, que não será candidato, considerando que, nos próximos meses, o
seu “único dever” vai ser continuar a liderar o país. Eleito em 2012, contra Nicolas
Sarkozy, este é, segundo a agência France
Presse, o primeiro presidente francês a renunciar a uma recandidatura,
desde 1958 (ou seja, na V
República), ano da
instauração de um novo regime constitucional.
A
popularidade de Hollande atingiu o nível mais baixo depois de um mandato de
cinco anos, marcado por alterações nas principais políticas, atentados
terroristas, desemprego elevado e revelações de atitudes pouco recomendáveis relacionadas
com a sua vida privada. É mesmo o presidente francês com o mais baixo nível de
popularidade desde a II Guerra Mundial.
Uma sondagem
divulgada a 30 de novembro e citada pelo “New
York Times” reservava-lhe 7,0% das intenções de voto (menos de 10%) na 1.ª volta das eleições
presidenciais, a 23 de Abril do 2017, ao passo que atribuía a vitória a
François Fillon, o candidato do partido Republicano (direita), que viria seguido por Marine Le Pen, a candidata da
Frente Nacional (extrema-direita).
Não obstante,
os analistas recomendaram precaução nas previsões, visto que não são ainda
conhecidos todos os candidatos e por ser difícil antecipar o peso de
independentes, como o ex-ministro Emmanuel Macron, de 38 anos.
O anúncio da
retirada de Hollande, apesar de tudo surpreendente, abre caminho à apresentação
de candidatos socialistas, tendo já começado a ser aceites candidaturas às
primárias do Partido Socialista, previstas para 22 e 29 de Janeiro.
Arnaud
Montebourg, um antigo ministro da Economia de esquerda, já tinha apresentado a
sua candidatura; e o atual primeiro-ministro francês, Manuel Valls, também
deverá concorrer.
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Sobre a sua
baixa popularidade, há que ter em conta factos estranhos à sua vontade. Com
efeito, só em 2015, a França sofreu três grandes atentados terroristas
islamitas, primeiro contra o semanário Charlie Hebdo, a 7 de janeiro, depois em
Paris, a 13 novembro de 2015, e em Nice, em 14 julho deste ano de 2016 – o que
resultou, em 23 meses, num número de pelo menos 238 mortos. Além disso, o seu
mandato esteve marado por múltiplas operações militares no exterior, de que se
destacam as do Mali, da África Central e da Síria.
Porém, não
menos significativos são os factos que lhe são imputados, quer a nível
político, quer a nível pessoal. Assim, no âmbito da política económica, François
Hollande avançou com um programa de medidas sociais, que incluía um superimposto
de 75% para os mais ricos, mas mudou de rumo para introduzir reformas a favor
dos empresários. Por outro lado, em janeiro de 2014, a revista Closer divulgou o relacionamento entre
Hollande e a atriz francesa Julie Gayet, o que induziu o fim da relação com Valerie
Trierweiler.
O jornal Le Monde criticou ainda recentemente a
atuação de Hollande e vaticinou que o Partido Socialista corre o risco de sofrer
uma divisão antes das presidenciais em abril e maio e das legislativas em junho.
Neste sentido se pronunciou o editorial:
“A pessoa mais responsável é François
Hollande, que não deu um significado ao seu mandato, nem ocupou a presidência
com autoridade, nem se impôs como o candidato legítimo do partido”.
***
Seja como for – por sinceridade ou por não haver volta a dar –, o
Presidente assume uma avaliação realista, que não é vulgar em pessoas inchadas
com o poder, ao justificar-se:
“Hoje sou consciente dos riscos originados por
uma campanha em meu redor. Por isso, decidi não ser candidato à renovação do
meu mandato. Movo-me apenas em nome do superior interesse do país. A experiência trouxe-me a humildade
necessária à minha tarefa”.
O atual presidente, eleito em 2012, cuja baixa popularidade entre
os franceses lhe reduzia grandemente de ser reeleito, agora porfia que não quer
“dividir” a esquerda no país (como socialista, não podia permitir “a dispersão da esquerda”) e diz pautar-se pelo “superior interesse do país”, mas reconhece também a
sua incapacidade de, no momento, “mobilizar” para a sua candidatura
o apoio de pessoas
suficientes.
Esta decisão de Hollande acaba por abrir caminho a Valls, que visa
unir a esquerda em torno da sua candidatura. E tanto assim é que, apesar de não
haver nenhum anúncio oficial, o Primeiro-Ministro de França Valls, do mesmo partido do Presidente, já deu indicações de que pode avançar.
Com efeito, horas depois da declaração de Hollande, Manuel Valls, considerou
que a renúncia do Presidente François Hollande a recandidatar-se em 2017 é “a
decisão de um estadista”, como se pode ler num comunicado produzido a propósito:
“É uma decisão difícil,
ponderada, importante. É a decisão de um estadista. Quero transmitir a François
Hollande a minha emoção, o meu respeito, a minha
fidelidade e o meu afeto.”.
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Depois de a direita francesa ter escolhido François Fillon como o seu
candidato às presidenciais e de se saber, há já algum tempo, que Marine Le Pen
irá candidatar-se pela extrema-direita, faltava ouvir o que François Hollande
tinha para dizer em relação à matéria. E, a tempo, decidiu em conformidade com
a queda gradual, mas consistente até chegar ao limite mais baixo, da sua taxa
de popularidade junto do eleitorado. No seu discurso, Hollande disse que o seu
único “dever”, nos meses que lhe restam enquanto presidente, é a liderança do
país, confessando:
“O mundo, a Europa e a França enfrentaram desafios
particularmente difíceis durante o meu mandato e nessas circunstâncias
particularmente desafiantes eu quis manter a coesão nacional”.
Emmanuel Macron, o ex-ministro da Economia que abandonou o Partido
Socialista e fundou o seu próprio movimento político, foi dos primeiros a
reagir à notícia, denominando de “decisão corajosa” a declaração de Hollande. Macron
já anunciou a sua candidatura (como independente) à Presidência
da República, assim como o Primeiro-Ministro Manuel Valls (embora este
não em termos oficiais) e Arnaud
Montebourg, um antigo ministro da Economia de esquerda, de 54 anos. Também, a 1
de dezembro, foram anunciadas as datas para as primárias da esquerda, que se
realizarão em duas voltas, a 22 e 29 de janeiro.
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Também François Fillon – que venceu, a 27 de novembro, as primárias da
direita com 66,5% dos votos, contra os 33,5% de Alain Juppé (candidato
centrista considerado mais moderado) – reagiu
aos resultados dizendo que, para si, é importante ter o apoio de toda a gente e
que oferece “a sua mão a qualquer pessoa que queira ajudar” e trabalhar com
ele. No entanto, o candidato da direita, que tem 62 anos e foi
primeiro-ministro durante a presidência de Nicolas Sarkozy, escreveu, na
sua conta na rede social Twitter:
“O
presidente admite, com lucidez, que o seu fracasso evidente o impede de ir mais
longe”.
Todavia, volta a sua atenção para a linha da sua ótica política ao
sustentar que a França precisa de “qualidades como o respeito e o orgulho” e
garante que vai defender os valores franceses, mas sem excluir ninguém da
sociedade. Quer que “as crianças francesas sintam orgulho da sua nacionalidade”
e diz que vai lutar contra os extremistas “que declararam guerra ao país”,
agora que Holllande manifestou a sua “lucidez” face ao ambiente de revolta e ao
“caos político e vazio de poder” em que termina o seu mandato.
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Não
podemos esquecer que o golpe de misericórdia na popularidade do Presidente caiu
em meados de outubro com a publicação do novo livro “Um Presidente Não Devia Dizer Isso…” – que resulta duma série de entrevistas com dois
jornalistas de investigação e em que Hollande terá tecido comentários
controversos sobre o Islão, a imigração e o rival Sarkozy.
Porém,
o livro não veicula apenas as preditas declarações polémicas, mas também
detalhes da vida privada de Hollande que, pelos vistos, não se quer casar com a
atriz Juliet Gayet – o que a tem impedido e impedirá de ser primeira-dama
A
obra da pena de Gerard Davet e Fabrice Lhomme, jornalistas de investigação, que
se converteu no título mais vendido na loja francesa da Amazon, resulta de
entrevistas formais ao longo de três anos a Hollande. E, entre tantas
considerações, conta-se a sua relação com Julie Gayet, de 44 anos: não obstante
estarem juntos desde 2014, o Presidente não tenciona fazer dela a primeira-dama
de França. “É um tema quente e ela continua a perguntar, mas eu não quero e
esta situação fá-la sofrer”, diz Hollande. E di-lo falando pela primeira vez na
relação com a atriz que esteve há dois anos na origem dum escândalo mediático,
quando a revista Closer noticiou, em
janeiro de 2014, a infidelidade de Hollande com Gayet ao compromisso marital com
a jornalista Valérie Trierweiler, que era a primeira-dama no Eliseu.
Ironicamente,
fora Trierweiler a publicar um livro em que revelou as peripécias da sua vida
ao lado do Chefe de Estado, revelando detalhes escabrosos do relacionamento,
tal como recordava, em outubro deste ano, o
jornal El Español. É de recordar que,
antes dela, Hollande teve uma relação de vários anos com Ségolène Royal – com
quem teve quatro filhos –, que no livro é descrita como a mulher da sua vida. Dela
diz Hollande que “é a mulher de quem me
sinto mais próximo, está lá quando eu preciso” Nem de propósito, o El Epañol faz referência a alegados
ciúmes de Royal por parte da predita jornalista e ex-primeira-dama.
Além
disso, ao Presidente francês, pelos vistos, custa não ter uma vida familiar, pois
admite que, enquanto estiver na Presidência, não pode ter uma vida privada porque,
no Eliseu, “não há tempo para ser feliz”.
***
Hollande, apesar das culpas que tem no cartório, fica na página política
como um exemplo de avaliação realista das suas limitações, ao contrário de
tantos casos de políticos que se mantêm no poder até ficarem podres de descrédito
ou cederem-no como que por favor (caso, por exemplo de Salazar, Fidel
Castro ou José Eduardo dos Santos).
Se, por exemplo, José Sócrates ou Santana Lopes, quando viram que não
tinham hipótese de ganhar eleições, se tivessem retirado, ou se Mário Soares, quando
extemporaneamente se candidatou a Presidente em 2005, passado que foi o seu
tempo de ação, serviço e glória, talvez a política tivesse ficado mais
credibilizada pela autenticidade, pelo comedimento e pela justa ousadia.
2016.12.02 – Louro de Carvalho
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