quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Sobre o crime de corrupção pública e não só…

Tem saltado recorrentemente para a ribalta da comunicação social informação a denunciar o crime de corrupção em várias áreas da atividade pública.
Corrupção – do latim corruptio e com as cognatas corruptus e corrumpere (“quebrar aos pedaços”, “decompor e deteriorar algo”) – é o ato ou efeito  de corromper alguém ou algo, com a finalidade de obter vantagens em relação aos outros por meios considerados ilegais ou ilícitos.
A Infopédia da Língua Portuguesa define corrupção nas aceções seguintes:
1- Em direito, “aliciamento de uma ou mais pessoas, geralmente através da oferta de bens ou de dinheiro, para a prática de atos ilegais em benefício próprio ou de outrem; suborno”. E
2- Em direito, “prática de ato lícito, ilícito ou omissão contrária à lei ou aos deveres inerentes a determinado cargo, por parte de alguém que, no cumprimento das suas funções, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço”.
3. “Decomposição de matéria orgânica, putrefação”.
4. “Modificação das caraterísticas originais, adulteração”.
5. “Em sentido figurado – degradação de costumes, de valores morais, etc.; perversão”.
A ação de corromper pode ser entendida ainda como o resultado duma modalidade de suborno, dando dinheiro ou presentes para alguém em troca de benefícios especiais de interesse próprio.
A corrupção é sempre um meio ilegal de consecução de algo, sendo considerada grave crime em alguns países. Normalmente, a sua prática está relacionada com a baixa de salários ou a baixa instrução política da sociedade, que muitas vezes compactua com os sistemas corruptos. 
A corrupção na política pode estar presente em todos os poderes da governança, como o legislativo, judiciário e executivo. No entanto, a corrupção não existe apenas na política, mas também nas relações sociais humanas, como a empresa, o trabalho e o desporto. 
Para que se configure o crime de corrupção, são precisos no mínimo dois atores: o corruptor e o corrompido, além do sujeito conivente e o sujeito irresponsável, em alguns casos.
O corruptor é quem propõe ação ilegal para benefício próprio, de amigos ou familiares, sabendo que está a infringir a lei ou um ato lícito que de outra forma seria de mais difícil consecução; o corrompido é quem aceita a execução da ação ilegal em troca de dinheiro, presentes ou outros serviços que o beneficiem. Tanto um como outro sabem que estão a infringir a lei;
O conivente é o indivíduo que sabe do ato de corrupção, mas não faz nada para o evitar, favorecendo o corruptor e o corrompido sem ganhar nada em troca. O conivente também é passível de ser arguido do crime de corrupção
O irresponsável é alguém que normalmente está subordinado ao corrompido ou ao corruptor e executa ações ilegais por ordens dos superiores, sem ao menos saber que esses atos são ilegais. O irresponsável age mais por amizade do que por profissionalismo;
A corrupção ainda pode significar, num sentido figurado, como acima ficou dito, o desvirtuamento e a devassidão de hábitos e costumes, tornando-os imorais ou antiéticos, não raro aliada da corrupção no sentido jurídico.
A corrupção é, muitas vezes, o ato final e criminalmente punível, iniciado por outro crime menor, nomeadamente falsidade, abuso de poder, abandono de funções, denegação de justiça (...), cujo objetivo é, gestualmente, verbalmente ou sem respostas, intimidar, consentir, aguardar, aceitar, solicitar ou prometer uma vantagem patrimonial ou não patrimonial indevida, para si ou para terceiro. O ato, se for habitual e continuado, traduz-se em prejuízo grave para a economia e, por consequência, cria uma crise ao desestruturar a função utilidade ou a economia do investimento, que assegurariam a igualdade.
Seguindo o site da Direção-Geral da Política de Justiça, são tidas em conta as seguintes considerações sobre a matéria:
Genericamente fala-se em corrupção quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço. O nosso Código Penal prevê o crime de corrupção no quadro do exercício de funções públicas (artigos 372.º a 374.º-A).
Porém, a corrupção pode existir nos mais diversos setores de atividade. Assim, a Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, visando dar cumprimento a recomendações dirigidas a Portugal em matéria de corrupção pelo GRECO, pela ONU e pela OCDE, introduziu alterações ao Código Penal, à lei relativa a crimes da responsabilidade de cargos políticos e altos cargos públicos (Lei n.º 34/87, de 16 de julho), à lei atinente à corrupção no comércio internacional e na atividade privada (Lei n.º 20/2008, de 21 de abril), à lei respeitante à corrupção na atividade desportiva (Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto) e à lei respeitante à garantia de denunciantes em matéria de corrupção (Lei n.º 19/2008, de 21 de abril). O crime de corrupção implica a conjugação dos seguintes elementos: uma ação ou omissão; a prática de um ato lícito ou ilícito; a contrapartida de uma vantagem indevida; a finalidade de proveito próprio ou de terceiro.
A corrupção é ativa, se a ação ou omissão for praticada pela pessoa que corrompe. Por exemplo, pratica crime de corrupção ativa quem entrega dinheiro ou bens em género em troca de favor ilícito ou mesmo lícito que, de outro modo, seria mais difícil de conseguir. Também pratica ação de corrupção ativa quem, para conseguir um favor, deixa de tomar uma medida que devia tomar em razão do cargo ou do dever público.
A corrupção é passiva, quando a ação ou omissão é praticada pela pessoa que se deixa corromper, aceita ser corrompida ou solicita dádiva, ato ou omissão para que possa dispensar um favor. Por exemplo, quando alguém recebe dinheiro para cumprir ou omitir certos atos, pratica o crime de corrupção passiva.
Há corrupção pública ativa quando uma pessoa diretamente ou através de outra pessoa, para si ou para outra pessoa, faz uma oferta, promessa ou propõe um benefício de qualquer natureza a um funcionário público para que este cumpra ou se abstenha de cumprir um determinado ato. E há corrupção pública passiva quando o funcionário público pede, aceita ou recebe, diretamente ou através de outra pessoa, para si ou para outra pessoa, oferta, promessa ou benefício de qualquer natureza para cumprir ou se abster de cumprir um determinado ato.
A corrupção será para ato lícito se o ato ou omissão não for contrário aos deveres de quem é corrompido. Mas, caso haja violação desses deveres, trata-se de corrupção para ato ilícito.
O elemento determinante no crime de corrupção é o elo de ligação entre o que é prometido ou entregue e o objetivo que se quer alcançar, a saber, a adoção dum determinado comportamento. Existe corrupção, mesmo que o ato (ou a sua ausência), legítimo ou não legítimo no quadro das funções desempenhadas pelo interessado, não se tenha realizado. Da mesma forma, existe corrupção, qualquer que seja a natureza ou o valor do benefício.
O ato unilateral de oferecer, dar, solicitar ou receber uma vantagem é suficiente para existir corrupção. O acordo entre as partes constitui uma circunstância agravante do crime.
***
O Código Penal, sem formular definições, tipifica os crimes de corrupção e similares e estabelece as penas para cada situação. A corrupção preenche a Secção I do Capítulo IV Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, do Título V – Dos crimes contra o Estado, identificando as seguintes situações e as respetivas penas:  
- Art.º 372.º – Recebimento indevido de vantagem: funcionário que, no exercício de funções ou por causa delas, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial não devida, é punido com pena de prisão até 5 anos (ou de multa até 600 dias); quem, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial não devida, no exercício de funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até 3 anos (ou de multa até 360 dias); mas destas situações excluem-se as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes (quiseram aqui encaixar os casos GALP/futebol/secretários de Estado).
- Art.º 373.º – Corrupção passiva: funcionário que por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores a tal solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos; se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
- Art.º 374.º – Corrupção ativa: quem, por si ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º (ato ou omissão contrários aos deveres do cargo), é punido com pena de prisão de um a cinco anos; se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º (ato ou omissão contrários aos deveres do cargo), o agente é punido com pena de prisão até 3 anos (ou de multa até 360 dias); e a tentativa é punível em termos proporcionais.
- Art.º 374.º-A – Agravação: se a vantagem referida nos artigos anteriores for de valor elevado, (se exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto) o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo; se for de valor consideravelmente elevado (se exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto), o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo; e é punível quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa coletiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem.
- Art.º 374.º-BDispensa ou atenuação de pena: o artigo prevê as circunstâncias de dispensa (denúncia, restituição, repúdio…) e de atenuação da pena (colaboração com a justiça ou ter sido levado a cometer o ato).
***
Entretanto, o Código Penal prevê outros crimes no capítulo IV, do mesmo Título V. Assim, o peculato (apropriação ilegítima de dinheiro ou outros bens – art.º 375.º), o peculato de uso (uso próprio ou autorizado a outrem de bens para fins diferentes dos legítimos – art.º 376.º) e a participação económica em negócio (art.º 377.º) vêm na Secção II – Do peculato.
A concussão vem prevista no art.º 379.º, que integra a Secção III – Do abuso de autoridade. Consiste em o funcionário, no exercício das suas funções ou de poderes de facto delas decorrentes, por si ou interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, receber, para si, para o Estado ou para terceiro, mediante indução em erro ou aproveitamento de erro da vítima, vantagem patrimonial não devida ou superior à devida, nomeadamente contribuição, taxa, emolumento, multa ou coima (a pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal). E, se o facto for praticado por meio de violência ou ameaça com mal importante, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Há também um crime que, por vezes se confunde com o de corrupção, que é o suborno. Deste trata o art.º 363.º, que integra a o Capítulo III (do mesmo título V) – Dos crimes contra a realização da justiça. Consiste em convencer ou tentar convencer outra pessoa, através de dádiva ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial, a praticar os factos da falsidade de depoimento (de parte) ou declaração e falsidade de testemunho (por quem é testemunha), perícia, interpretação ou tradução. E a pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias.
***
Tratando-se de crimes claramente tipificados e de penas tão gravosas, a ajuizar pelo disposto no CP e tendo em consideração as leis acima referenciadas, é de questionar como são tão frequentes os casos indiciantes de crimes de corrupção e similares e raramente são apanhados os seus agentes ou, se o são, os processos teimam em não chegar ao fim. Rompem-se as malhas de segurança económica, social e financeira do Estado, arruínam-se empresas, com os consequentes custos sociais (e tantas vezes os mesmos criam outras). Resta saber se as provas são insuficientes ou se o é o interesse em as conseguir. E a ruína do país segue o seu caminho!
Aponta-se o setor da saúde como ninho propício à corrupção, alegando-se que os Estados querem manter o investimento em pessoal, produtos (excessivamente caros) e serviços; e os fornecedores de produtos específicos são poucos. Pois bem. Se esse dado é confirmado, das duas, uma: ou o Estado cuida da prevenção eficaz ou continua a ser defraudado por incúria.
O mesmo se deve dizer, com adaptações, da Segurança Social, do Fisco, do desporto, das empresas e do sistema financeiro. Já pouco se fala da corrupção futebolística ou da economia subterrânea. Ora, o Estado tem o dever de fazer funcionar os sistemas e de induzir as correções necessárias. Caso contrário, para que serve o Estado?

2016.12.15 – Louro de Carvalho   

Sem comentários:

Enviar um comentário