sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Centenário da morte de Charles de Foucauld, apóstolo silencioso do Evangelho

Depois de se converter, Foucauld dedicou a sua vida aos tuaregues, nos desertos de Marrocos. O exemplo deste presbítero e eremita continua a inspirar muitos cristãos. Bem merece a justa homenagem e o acolhimento da sua memória por ocasião do centenário do seu assassinato por um bando de ladrões a 1 de dezembro de 1916.
Charles de Foucauld (em português: Carlos de Foucauld), ou Carlos de Jesus, ou Irmão Carlos de Jesus, como é popularmente conhecido, é o nome de um ex-militar convertido que nos legou a verdadeira espiritualidade do escondimento, do deserto, do serviço aos mais humildes e da intimidade profunda com Deus a partir do Evangelho de Jesus e da Sua presença eucarística. 
Nasceu a 15 de setembro de 1858, em Estrasburgo, na França, com o título nobiliárquico de visconde. Aos 9 anos ficou órfão, pelo que foi criado com a irmã Marie sob os cuidados do avô, o coronel de engenharia, Charles de Morlet. A formação cristã recebida na infância permitiu-lhe fazer uma sentida Primeira Comunhão em 1870.
Seguindo carreira militar, encontrou-se, em 1878, na Escola de Cavalaria de Saumur, a mais aristocrata das instituições francesas. Em 1880, partiu como tenente do regimento de Hussardos, para a Argélia, colónia francesa norte-africana. Na juventude de jovem aristocrata, o futuro santo teve uma vida dissoluta de amantes, luxos e prazeres, começando a dilapidar a sua fortuna.
Porém, o contacto com o deserto do norte de África trouxe-lhe novas perspetivas de vida. Depois de ajudar a jugular algumas revoltas, em vez de voltar para França, preferiu ficar no deserto da Argélia e de Marrocos, onde se tonou explorador e escreveu dois livros de valor científico e estratégico-militar: “Reconhecimento de Marrocos” e “Itinerários de Marrocos”. A sua ação de investigação no Norte de África valeu-lhe a atribuição de uma medalha da Sociedade Francesa de Geografia. Para o êxito do seu trabalho de explorador e de cientista e estratega fez longas incursões a cavalo percorrendo milhares de quilómetros pelos desertos, pondo-se em contacto com a hospitalidade tradicional dos muçulmanos e como aquele Sahara que o fascinou graças à sua imensidão, solidão e silêncio e onde os muçulmanos rezam três vezes ao dia ao seu Deus misericordioso e clemente.
À medida que descobre o Deus presente na fé dos muçulmanos, interroga-se sobre a sua própria fé e começa a procurar a luz de Deus num cristianismo decadente até ao momento em que, já em Paris, em outubro de 1886 (aos 28 anos), surpreendido pelo discreto e carinhoso acolhimento da família, profundamente cristã, procura e encontra o Padre Huvelin, vigário da Igreja de Santo Agostinho. Em conversa com ele confidencia que não tem fé e pede-lhe que o instrua. O padre atalhou e disse: “Ajoelhe-se e confesse-se. Então, crerá!” Contrariado, o jovem retorquiu de pronto que não viera ali para isso. Mas o padre, velho e cego, ordenou-lho intempestivamente e o interlocutor acabou por aceder. A partir daquele momento, aconteceu a conversão como mudança de vida e o jovem aristocrata, mulherengo e entregue aos luxos e aos prazeres, abandonou-se nas mãos de Deus. Entrou num mosteiro trapista em França e, pouco depois, foi enviado para a Terra Santa, onde pretendeu imitar a vida oculta de Jesus em Nazaré. Viveu 7 anos na Trapa, primeiro em Nossa Senhora das Neves, depois em Akbés, na Síria. E, após uma passagem como jardineiro e dedicado à oração num mosteiro de clarissas, voltou à Europa para concluir os estudos e receber, em 1901 (aos 43 anos) a ordenação sacerdotal na Diocese de Viviers. Nesse ano, já se encontra na fronteira de Argélia com Marrocos no meio dos muçulmanos, no oásis de Benni-AbbSs. Não querendo fazer proselitismo cristão, pretende ser uma testemunha vital de Jesus Cristo. A ideia-força da sua espiritualidade era: dar testemunho de Cristo, do seu amor, bondade e misericórdia, sem pregações ou proselitismo, apenas dando testemunho d’Ele no meio aos homens. Em 1904, vai viver no meio dos muçulmanos mais pobres, os tuaregues nómadas. E a imagem dominante no mundo de Charles foi a de Jesus como carpinteiro de Nazaré. Preferiu ver Jesus Salvador do mundo como obscuro carpinteiro da remota aldeia da desprezada Nazaré – imagem que se evidencia em todas as dimensões da sua busca espiritual.
Em 1916, apesar da estima e do reconhecimento da população tuaregue e muçulmana, o Padre Charles de Foucauld vê-se no fogo cruzado da I Guerra Mundial entre franceses e alemães. No dia 1 de dezembro deste ano foi assassinado por um bando de ladrões de passagem. Tencionava criar uma nova ordem religiosa, o que sucedeu apenas após a sua morte: “os Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus” – também chamados de “Irmãozinhos e Irmãzinhas de Foucauld”. 
O Papa Bento XVI determinou a sua beatificação em 13 de novembro de 2005, a que presidiu, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, o cardeal português Dom José Saraiva Martins, então prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Por essa ocasião, dele disse o Pontífice:
“Demos graças pelo testemunho oferecido por Carlos de Foucauld. Com a sua vida contemplativa e escondida em Nazaré, ele reencontrou a verdade da humanidade de Jesus, convidando-nos a contemplar o mistério da Encarnação; nesse lugar, ele compreendeu muito acerca do Senhor, o qual desejava seguir com humildade e pobreza. Descobriu que Jesus, que veio entre nós na nossa humanidade, nos convida à fraternidade universal, que viveu mais tarde no deserto do Sahara, e ao amor do qual Cristo nos deu o exemplo. Como sacerdote, colocou a Eucaristia e o Evangelho no centro da sua existência, as duas tábuas da Palavra e do Pão, fonte da vida cristã e da missão.
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Charles de Foucauld escreveu a seu respeito: 
“Logo que descobri que existe Deus entendi que não podia mais fazer outra coisa a não ser viver por ele: a minha vocação religiosa começa no exato momento em que despertou a minha fé”. 
Na verdade, “aquele que vive a fé tem a alma cheia de novos pensamentos, de novos julgamentos, de novos afetos”. Assim, desde o momento da descoberta, Charles esvaziou-se de tudo o que não é o Evangelho, “porque há uma grande diferença entre Deus e o que não é Ele”.
No silêncio e no abandono, mergulhou no essencial: “o nosso aniquilamento é o meio mais poderoso que temos para nos unir a Jesus e fazer o bem”.
Ainda estava no mosteiro trapista e, ao decidir deixá-lo, escreveu:
“No mosteiro passei seis anos e meio, depois, desejando querer assemelhar-me a Jesus, fui autorizado a viver como alguém desconhecido, vivendo do meu trabalho quotidiano”.
Exatamente porque se torna pequeno, escondido, partícipe da humildade do Senhor, o coração de Foucauld alargou-se numa dimensão universal. É chamado o “irmão universal” porque abrangeu o mundo todo e todos os povos a partir da intensidade da presença entre os tuaregues. A sua universalidade tem, pois, duas vertentes: uma é representada pela potencialidade e a intensidade da presença e a outra pela extensão e abertura até aos confins da terra.
A presença e o aniquilamento não são dimensões que alimentem a pretensa tristeza da vida cristã, mas representam o caminho mais simples do seguimento de Jesus que se fez pobre e que para e por todos ofereceu a vida. O esvaziamento é o processo de diminuição para que, como João Batista, o missionário deixe que Deus intervenha e aja na história dos povos e das pessoas.
Na vida de Foucauld, é Deus o protagonista que tem sempre de aparecer e agir através do discípulo. Ele emprestou a Deus a sua própria vida, uma vida não retida, mas doada, pois “quem guarda a própria vida para si perde-a, mas quem a entrega ganha-a”. E a decisão que o levou a viver com os tuaregues, os pobres do deserto, é a condição de um caminho místico, de uma entrega de que nasce o amor radical. Nesse caminho está o processo de evangelização: antes de evangelizar, é necessário amar. Antes de proclamar as palavras e anunciar a mensagem, é preciso vivê-las na própria vida, sem arrogância e orgulho. Movidos por este exemplo, os tuaregues passam a chamá-lo de “marabuto branco”, ou seja, homem da oração e homem de Deus. A sua missão era inversa do proselitismo. Enquanto este quer conquistar o outro para ele entrar no mundo do benévolos conquistador, Charles, através da vida, revela Deus presente e completamente comprometido com os pobres.
A biografia publicada pelo Vaticano, a propósito da sua beatificação, destaca a sua fervorosa e generosa fé, o ardente amor por Jesus Eucaristia, o respeito pelos homens, a predileção pelos mais pobres, em quem sabia descobrir o reflexo do rosto do Filho do Homem, nunca deixando de atrair, mesmo após a morte, um número cada vez maior de almas para o mistério de Nazaré.
O seu sonho foi sempre compartilhar a sua vocação com os outros: após ter escrito diversas regras de vida religiosa, pensou que esta “Vida de Nazaré” pode ser vivida por todos e em toda parte. Hoje a “família espiritual de Carlos de Foucauld” inclui diversas associações de fiéis, comunidades religiosas e institutos seculares de leigos ou sacerdotes dispersos pelo mundo.
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A propósito do centenário de Charles de Foucauld e para “dar a conhecer a vida, a figura e a espiritualidade” do beato francês através de pinturas de L. Sadino, a Comissão de Arte Sacra da Diocese de Setúbal (CDASS) e a Comunidade de Setúbal da Fraternidade dos Irmãos de Jesus, inauguraram – após a Eucaristia, presidida pelo bispo diocesano Dom José Ornelas, às 16 horas, na igreja de Nossa Senhora da Anunciada, a 1 de dezembro, na Biblioteca Pública Municipal sadina, a exposição “Nazareth. Pinturas de L. Sadino no centenário da morte de Charles de Foucauld’, tendo encerrado com o filme “Des hommes et des Dieux, 2010”, comentado pelo jornalista Mário Augusto. A exposição estará patente até 4 de janeiro de 2017.
Segundo a CDASS,
 “A exposição reúne um conjunto de 30 trabalhos de diversas técnicas, nomeadamente aguarela, acrílico, óleo, grafite e pastel, onde o autor revisita, através de distintas abordagens estilísticas de índole figurativa, o percurso de um homem que tentou viver ao jeito da Sagrada Família, em Nazaré”.
Também o jornal do Vaticano, ‘L’Osservatore Romano’, recordou, na sua edição de 30 de novembro, o 100.º aniversário do assassinato do Beato Charles de Foucauld, morto aos 58 anos por um grupo armado no Saara argelino, referindo que “o religioso passará aos olhos da história como um dos mais importantes da sua geração, atravessando dois séculos”. O jornal recorda que a sua primeira biografia foi escrita em 1923, por René Bazin, que “consagrou a sua posteridade espiritual” de “personalidade fora do comum”, com uma obra “prolífica”.
Charles de Foucauld ficou conhecido como o “irmão universal” pela sua vivência como monge eremita, no deserto do Saara, em respeito pelas outras religiões. A sua vida deu origem a 8 associações de fiéis e a 10 congregações religiosas, entre as quais as fraternidades dos Irmãozinhos e Irmãzinhas de Jesus, criadas depois da sua morte.

2016.12.02 – Louro de Carvalho

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