Henrique Monteiro, no Expresso
de 23 de dezembro, fala-nos de “um Natal discreto e sombrio”, que chegou “quase
sem se dar por ele”. Entre os diversos motivos para tal, o colunista aponta
como “talvez o mais preocupante”
facto de termos, aos poucos, “perdido a espiritualidade que associávamos a este
tempo”. Diz ele: “perdemos as referências, os conceitos, as virtudes de tudo o
que não é material, concreto, mensurável”.
Se
ainda se encontra “a magia, a alegria e a esperança” nas crianças, os adultos
abandonaram as palavras e sentimentos da época – “generosidade, amabilidade,
fraternidade, amor, dádiva e tantos outros”. E, se os evocam, fazem-no “de
forma mecânica”, sem correspondência com a realidade. O Natal, para muitos,
transformou-se numa grande feira “insípida, grotesca”, em que, por falta de
magia e espiritualidade, a própria obrigação social do Natal se vai perdendo,
dando lugar às mensagens-chapa e às relações electrónicas. O indivíduo passou a
relacionar-se com os demais, que já não são próximos, de forma estereotipada.
Como
diz Henrique Monteiro, “cada um tornou-se o centro do mundo”, sendo que “nesta
frase está tudo o que o Natal não é”.
***
Na sua Mensagem de Natal, o Bispo do Porto,
depois de se interrogar sobre o panorama escuro que o mundo apresenta aos
nossos olhos, enuncia o que de essencial nos pede o Natal:
“O que
o Natal mais nos pede e o melhor que o Natal nos dá é a ousadia de manter viva
a essência do Natal e a capacidade de trazer até nós a presença do Filho de
Deus para O colocar no coração humano, que é o melhor presépio deste mundo novo
e diferente”.
Na verdade, urge recentrar o Natal no nascimento
de Jesus, Filho de Deus, e fazer presépio no coração humano e no seio da
comunidade, passando além do presépio de pedra, musgo e palhinhas. Dito de
outra maneira, Dom António Francisco dos Santos exprime-se deste modo a
implicar o Natal na vida:
“Centrados
no Natal – acolhido como nascimento de Jesus, Filho de Deus – devemos traduzir
para a complexidade do nosso tempo e para a perplexidade da nossa cultura a
mensagem que de Jesus recebemos”.
Sobre a simplicidade e a dimensão do Natal, o
prelado diocesano não tem dúvidas:
“Ao ver gente de rosto oriental ajoelhada em oração
silenciosa diante do tradicional presépio, sonhado por Francisco de Assis e
agora feito com esmero e gosto nas Igrejas da nossa cidade, apercebo-me de que
o Natal não tem fronteiras”.
Falando
dos sinais de Natal entre nós, diz o Bispo do Porto:
“Tocamos de muito perto a alegria do Natal ao descobrir, em
cada momento do nosso caminho, sinais de generosidade de tantos cuidadores da
vida que aconchegam com carinho quem nasce, que salvaguardam sem tréguas a
dignidade humana, que atendem com ternura os idosos e amparam quem sofre.
Acredito que assim acontece, porque o Natal, dom de Deus e nascimento de Jesus,
aconteceu antes. E o que dizer do milagre da multiplicação dos pães diariamente
repartidos pelos pobres, pelos sem-abrigo e pelos refugiados em mesas improvisadas
diante de multidões de gente sem nome, que o Natal fez nossos irmãos e tornou
nossa família!”.
***
Também
o Bispo de Lamego, na sua Mensagem de Natal, construída com um belo poema e uma
finda em prosa, nos deseja “Natal com
Jesus sempre no meio e um Novo Ano cheio de Maria e dos caminhos sempre novos
da Missão” e, assumindo-se como porta-voz do Mestre, diz: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho
a toda a criatura!”.
Depois,
emite a prece:
“Vem, Senhor Jesus, bate à nossa porta, encandeia a nossa
vida e conduz os nossos passos pelo caminho da Paz e do Carinho”.
***
Por
outro lado, apraz-me recolher do semanário
Ecclesia, de 23 de dezembro, algo da reflexão do padre Alexandre Palma.
Segundo
ele, a história de que Deus que “vai ao limite da condição humana” começou a
ser contada do “fim para o princípio” e não ao contrário. Assim, o que “fez
explodir o Cristianismo foi a morte e ressurreição de Jesus”. E explicitou: “É imenso raio de luz que vai permitir iluminar
retrospetivamente tudo o que passara na vida dele antes. Recuando tanto no
tempo quanto o seu próprio nascimento”.
Para o padre professor,
o nascimento de Jesus conferiu à humanidade “outro sentido”, visto que Deus, ao
unir-se-lhe desta forma, elevou “a humanidade a uma outra condição”; e, “a
partir daí, a humanidade torna-se lugar teológico”.
Porém, o
padre investigador-professor não deixa de reconhecer que “é evidente” uma
mercantilização e comercialização do Natal – um “grande momento” da narrativa
cristã que “penetrou” na cultura como nenhum outro. E assegura, justificando e
classificando o fenómeno de “meia derrota e meia vitória”:
“Foi porque o Natal passou tão bem a mensagem que
perdemos um pouco o controlo. É o problema que se vá afastando da sua raiz, mas
é elemento da mundividência cristã que se tornou cultura pelo menos no mundo
ocidental”.
***
E
concluo, voltando à Mensagem do bispo do Porto, que se interroga e nos
interroga:
“Quem
ouve, hoje, a voz dos anjos no silêncio da noite? Quem se apressa a acorrer à
gruta de Belém? Quem se deixa iluminar pela estrela que nos conduz a Deus,
nascido de Maria e velado por José, seu pai adotivo? Que mistérios divinos
contemplamos? Que sonhos de paz e de misericórdia embalamos? Que caminhos de
luz e de sabedoria percorremos?”.
Mas, no seu otimismo realista, vê sinais da
presença de Deus-Natal:
“Firmemente
enraizados na esperança cristã, há homens e mulheres, famílias inteiras e
comunidades vivas que ousam sonhar a alegria do Natal. Há gente feliz decidida
a fazer felizes os outros, porque sabem que as bem-aventuranças acontecem
quando temos Deus no coração e O transportamos connosco em cada palavra e em
cada gesto. Não faltam presépios carinhosamente cuidados e árvores de Natal que
crescem com sonhos de Deus no chão da cidade que habitamos e na alma da Igreja
que somos.”.
Seja! Saber que o Natal é Jesus encanta, mas
saber que este Jesus se vive nos irmãos, nomeadamente os mais sofrentes, desamparados,
oprimidos e explorados cria responsabilidade.
2016.12.24 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário