sábado, 24 de dezembro de 2016

O que nos pede o Natal?

Henrique Monteiro, no Expresso de 23 de dezembro, fala-nos de “um Natal discreto e sombrio”, que chegou “quase sem se dar por ele”. Entre os diversos motivos para tal, o colunista aponta como “talvez o mais preocupante” facto de termos, aos poucos, “perdido a espiritualidade que associávamos a este tempo”. Diz ele: “perdemos as referências, os conceitos, as virtudes de tudo o que não é material, concreto, mensurável”.
Se ainda se encontra “a magia, a alegria e a esperança” nas crianças, os adultos abandonaram as palavras e sentimentos da época – “generosidade, amabilidade, fraternidade, amor, dádiva e tantos outros”. E, se os evocam, fazem-no “de forma mecânica”, sem correspondência com a realidade. O Natal, para muitos, transformou-se numa grande feira “insípida, grotesca”, em que, por falta de magia e espiritualidade, a própria obrigação social do Natal se vai perdendo, dando lugar às mensagens-chapa e às relações electrónicas. O indivíduo passou a relacionar-se com os demais, que já não são próximos, de forma estereotipada.
Como diz Henrique Monteiro, “cada um tornou-se o centro do mundo”, sendo que “nesta frase está tudo o que o Natal não é”.
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Na sua Mensagem de Natal, o Bispo do Porto, depois de se interrogar sobre o panorama escuro que o mundo apresenta aos nossos olhos, enuncia o que de essencial nos pede o Natal:
“O que o Natal mais nos pede e o melhor que o Natal nos dá é a ousadia de manter viva a essência do Natal e a capacidade de trazer até nós a presença do Filho de Deus para O colocar no coração humano, que é o melhor presépio deste mundo novo e diferente”.
Na verdade, urge recentrar o Natal no nascimento de Jesus, Filho de Deus, e fazer presépio no coração humano e no seio da comunidade, passando além do presépio de pedra, musgo e palhinhas. Dito de outra maneira, Dom António Francisco dos Santos exprime-se deste modo a implicar o Natal na vida:
“Centrados no Natal – acolhido como nascimento de Jesus, Filho de Deus – devemos traduzir para a complexidade do nosso tempo e para a perplexidade da nossa cultura a mensagem que de Jesus recebemos”.
Sobre a simplicidade e a dimensão do Natal, o prelado diocesano não tem dúvidas:
“Ao ver gente de rosto oriental ajoelhada em oração silenciosa diante do tradicional presépio, sonhado por Francisco de Assis e agora feito com esmero e gosto nas Igrejas da nossa cidade, apercebo-me de que o Natal não tem fronteiras”.
Falando dos sinais de Natal entre nós, diz o Bispo do Porto:
“Tocamos de muito perto a alegria do Natal ao descobrir, em cada momento do nosso caminho, sinais de generosidade de tantos cuidadores da vida que aconchegam com carinho quem nasce, que salvaguardam sem tréguas a dignidade humana, que atendem com ternura os idosos e amparam quem sofre. Acredito que assim acontece, porque o Natal, dom de Deus e nascimento de Jesus, aconteceu antes. E o que dizer do milagre da multiplicação dos pães diariamente repartidos pelos pobres, pelos sem-abrigo e pelos refugiados em mesas improvisadas diante de multidões de gente sem nome, que o Natal fez nossos irmãos e tornou nossa família!”.
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Também o Bispo de Lamego, na sua Mensagem de Natal, construída com um belo poema e uma finda em prosa, nos deseja “Natal com Jesus sempre no meio e um Novo Ano cheio de Maria e dos caminhos sempre novos da Missão” e, assumindo-se como porta-voz do Mestre, diz: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura!”.
Depois, emite a prece:
“Vem, Senhor Jesus, bate à nossa porta, encandeia a nossa vida e conduz os nossos passos pelo caminho da Paz e do Carinho”.
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Por outro lado, apraz-me recolher do semanário Ecclesia, de 23 de dezembro, algo da reflexão do padre Alexandre Palma.
Segundo ele, a história de que Deus que “vai ao limite da condição humana” começou a ser contada do “fim para o princípio” e não ao contrário. Assim, o que “fez explodir o Cristianismo foi a morte e ressurreição de Jesus”. E explicitou: “É imenso raio de luz que vai permitir iluminar retrospetivamente tudo o que passara na vida dele antes. Recuando tanto no tempo quanto o seu próprio nascimento”.
Para o padre professor, o nascimento de Jesus conferiu à humanidade “outro sentido”, visto que Deus, ao unir-se-lhe desta forma, elevou “a humanidade a uma outra condição”; e, “a partir daí, a humanidade torna-se lugar teológico”.
Porém, o padre investigador-professor não deixa de reconhecer que “é evidente” uma mercantilização e comercialização do Natal – um “grande momento” da narrativa cristã que “penetrou” na cultura como nenhum outro. E assegura, justificando e classificando o fenómeno de “meia derrota e meia vitória”:
“Foi porque o Natal passou tão bem a mensagem que perdemos um pouco o controlo. É o problema que se vá afastando da sua raiz, mas é elemento da mundividência cristã que se tornou cultura pelo menos no mundo ocidental”.
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E concluo, voltando à Mensagem do bispo do Porto, que se interroga e nos interroga:
“Quem ouve, hoje, a voz dos anjos no silêncio da noite? Quem se apressa a acorrer à gruta de Belém? Quem se deixa iluminar pela estrela que nos conduz a Deus, nascido de Maria e velado por José, seu pai adotivo? Que mistérios divinos contemplamos? Que sonhos de paz e de misericórdia embalamos? Que caminhos de luz e de sabedoria percorremos?”.
Mas, no seu otimismo realista, vê sinais da presença de Deus-Natal:
“Firmemente enraizados na esperança cristã, há homens e mulheres, famílias inteiras e comunidades vivas que ousam sonhar a alegria do Natal. Há gente feliz decidida a fazer felizes os outros, porque sabem que as bem-aventuranças acontecem quando temos Deus no coração e O transportamos connosco em cada palavra e em cada gesto. Não faltam presépios carinhosamente cuidados e árvores de Natal que crescem com sonhos de Deus no chão da cidade que habitamos e na alma da Igreja que somos.”.
Seja! Saber que o Natal é Jesus encanta, mas saber que este Jesus se vive nos irmãos, nomeadamente os mais sofrentes, desamparados, oprimidos e explorados cria responsabilidade.

2016.12.24 – Louro de Carvalho

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