Já
nos tínhamos habituado ao comentador Marcelo Rebelo de Sousa, que todos os
domingos opinava sobre tudo e mais alguma coisa e cujo mérito consistia
sobretudo em fornecer uma panorâmica do que tinha acontecido na semana em referência
e uma perspetiva da semana que se avizinhava. Obviamente, o professor pronunciava-se
com mérito muitas vezes, embora não raro o seu comentário se revestisse de
desabafo em relação a semirrivalidades com alguns dos correligionários que
subiram na cena pública. Além disso, mostrava um ou outro clichê como: o povinho não percebe; é preciso explicar bem aos portugueses; ponto final, parágrafo, etc.
A
sua omnisciência começou a eclipsar-se quando passou a integrar no seu comentário
respostas telegráficas a perguntas de expectadores e claudicou quando não se
pôde furtar ao juízo sobre descalabro do BES/GES. E, algumas vezes, via-se bem que
não conhecia os meandros da matéria sobre que se pronunciava. A título de exemplo,
recordo que nem sempre se mostrava atualizado sobre o sistema educativo e funcionamento
das escolas não superiores, bem como sobre o papel dos centros de saúde e sua articulação
com o sistema hospitalar.
Em
compensação por algumas falhas do passado, temo-lo agora no seu comentário
diário sobre tudo o que é importante e sobre o que é menos importante, ora
sendo profícuo pelo sentido de Estado e pela oportunidade, ora sendo entediante
e descabido.
***
Não
falando de outros comentadores que já no tempo de Marcelo usavam o púlpito televisivo
e alguns dos quais prevalecem no comentário político – obviamente menos omniscientes
– é de destacar Marques Mendes, que tem a pretensão da omnisciência pública e
se dá ao arrojo de noticiar factos antes de eles acontecerem (é
uma espécie de porta-voz dos desígnios do Estado), ficando satisfeito quando as notícias da
Comunicação Social lhe confirmam os vaticínios. Porém, mais do que Marcelo,
Mendes é mais categórico nos juízos de valor que emite, nem sempre com a devida
justeza, embora sempre segundo a sua ténue linha de pensamento.
***
Também
Paulo Rangel é pródigo em artigos de opinião em que ressalta o dado político. E
a sua poderosa assertividade aproxima-se muito duma notória modalidade de
omnisciência política. Lembro-me de que o ora eurodeputado, quando, na condição
de deputado à Assembleia da República, falou em nome do seu partido numa sessão
comemorativa da revolução abrilina, denunciou o que ele denominava de claustrofobia
democrática.
Agora
na sua catedrática maestria política sentenciou que “a emissão omnipresente de boletins invasivos sobre a
saúde do Presidente Soares é deplorável”.
Com o seu
artigo de opinião no Público, o eurodeputado do PSD critica o Hospital da Cruz Vermelha e os meios de comunicação
social pelo excesso de informação prestada diariamente sobre o estado de saúde
do ex-Presidente da República Mário Soares. E justifica:
“Há momentos
em que a intimidade é um valor supremo. O que custa respeitá-la? Uma ou duas
notas esporádicas cumpririam a função”.
Parecendo
ter razão de princípio, o articulista crítico esquece que a unidade hospitalar
em referência começou por fazer apenas dois comunicados diários, por acordo com a família, e que atualmente emite uma
nota todas as manhãs, sendo
o seu porta-voz altamente comedido, furtando-se a responder às insistentes
perguntas de jornalistas. Sendo assim, o hospital salvaguarda, em certa medida,
a privacidade do internado e a vontade da família.
Já
é diferente o que se passa com as rádios e os canais televisivos que emitem
notícias de hora a hora ou as edições de jornais on line: todos reptem até à exaustão as ditas notas sobre o estado
clínico do ex-presidente.
Por
outro lado, queiramos ou não, Mário Soares, pelo seu passado, pelos altos
cargos que desempenhou e pela sua atuação mesmo em tempos mais recentes –
concorde-se com ele ou discorde-se dele – não deixou de ser um homem público,
interessando à comunidade nacional e internacional o seu estado de saúde. Que diriam
do Hospital se este se fechasse em copas ou se a família se mostrasse hostil à
opinião pública?
***
Também
Miguel Sousa Tavares, que escreve muito bem, se alça à omnisciência e ao juízo de
valor ex catedra.
Assim, o comentador analisou, no habitual espaço de comentário no Jornal da Noite de segunda-feira (dia 26) na SIC, a popularidade
do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. No geral, concordo com a
sua apreciação sobre o desempenho do PR. Na verdade, o esforço do Presidente em prol da sua popularidade pode ser
contraproducente na medida em que algum dia terá de tomar alguma decisão
impopular, o que lhe pode afetar a credibilidade, ou seja, poderemos ter
necessidade de o ouvir quando já estivermos saturados com o seu discurso.
Lá diziam os latinos: “Assueta vilescunt”
– na rotina diária até as coisa mais extraordinárias se tornam vulgares.
Já
o juízo de valor, em concreto, de que “o comunicado da Presidência sobre a
morte de George Michael foi completamente despropositado” é de mérito duvidoso.
Penso que o Presidente não deve ser notado por este ou aquele comunicado em
relação a determinadas figuras, mas por o fazer indistintamente de quem quer
que sejam tais figuras ou do seu impacto na vida do país ou do mundo. De facto,
parece que o Chefe de Estado tinha que dizer alguma coisa, dando mostra de
andar aos papéis, como se pode ver pelo texto:
“Manifesto o meu pesar pela morte de
George Michael, um artista e compositor versátil e talentoso, com uma longa
carreira de inequívoca qualidade.
Tal como David Bowie e Prince, para
mencionar apenas alguns que este ano nos deixaram, partiu demasiado cedo e de
forma inesperada. É difícil não pensar no que George Michael nos podia ainda
ter dado, mas pelo menos teremos sempre o que a vida dele nos deixou.”.
O
primeiro parágrafo pode dizer-se praticamente de qualquer autor ou executor; o
segundo configura o que se pode dizer de qualquer pessoa, mesmo que se fine com
mais de 100 anos.
É pena se Marcelo produziu tal lamento
apenas para agradar à onda jovem.
Apontam alguns cibernautas que do acidente
com o avião russo não terá falado. E eu no site
da Presidência também não vi tal referência na secção das mensagens, embora
tenha visto a mensagem de condolências pelo assassinato do embaixador russo na
Turquia. Mas do acidente aéreo nada vi. A ser verdade, esta falha é esquisita.
É verdade que a presidência
marcelista é um produto do populismo. Talvez não tivesse sido eleito, se não
fosse a magna exposição na TVI nos anos anteriores às eleições. Todas as suas atuações
públicas são a continuidade do seu estilo jovial e galante. Como a massa
popular não tem de estar interessada na profundidade das análises sobre o
presente e o futuro, tem o presidente consentâneo para esta sociedade. Porém,
querer agradar a gregos e troianos alguma vez dará torto.
Mas Tavares é contundente na
apreciação que faz da Mensagem de Natal do Primeiro-Ministro.
Por um lado, diz que não tem
substância, por outro, julga que não faz sentido um Primeiro-Ministro de um
Estado laico emitir uma mensagem de Natal tornado cardeal patriarca civil.
Tenho de contestar Sousa Tavares já pela
falta de substância. Uma Mensagem de Natal é um ato de simpatia para com a
comunidade nacional, para com os portugueses da diáspora e para com os estrangeiros
que optaram por Portugal, vivendo cá ou passando por aqui. Não é propriamente um
programa de Governo. E tem algo de circunstancial, embora sem negar a época.
No entanto, não se pode dizer que não
haja substância em segmentos discursivos como quando se acusa o défice de conhecimento
e se mostra o que se tem feito e se propõe fazer para o ultrapassar, assegurando
a necessidade de investimento; se insiste na educação e qualificação dos portugueses,
com especial incidência nas crianças; se pretende incrementar a economia com
melhores empresas e melhores empregos, elegendo “a pobreza e a precariedade
laboral” com “as maiores inimigas de uma melhor economia; e se diz que “somos a
favor de uma sociedade civil forte”, que “não queremos que ninguém fique para
trás”, referindo-se à educação e à saúde, e que “não alinhamos na ocultação,
opacidade e encenação”.
Porém, Sousa Tavares confunde o
laicismo com o alheamento da sociedade. O Estado é secular, laico, aconfessional,
mas a sociedade é o que é. E, por mais que custe aos líderes religiosos que o
espírito do Natal se afaste do núcleo que o originou, o Natal mexe com toda a
nossa sociedade por motivos vários. E é assim que tradicionalmente o Primeiro-Ministro
se dirige a todos os portugueses por ocasião do Natal. E este fez bem em
relevar as crianças como seus protagonistas e as famílias que as geram, criam e
educam, e em relevar o serviço prestado por tantos para que todos vivessem
Natal, bem como o abraço aos portugueses da diáspora.
Finalmente, não posso deixar de
esclarecer que, por mais respeito que o cardeal patriarca mereça como alta e eminente
voz de Igreja, a sua palavra dirige-se à Igreja que está presente na diocese de
Lisboa, não vinculando as demais dioceses. De resto, para as outras dioceses,
os respetivos bispos elaboram a suas mensagens, as suas cartas pastorais ou
selecionam os gestos e orientações que o seu prudente juízo lhes dita. Obviamente
que isto não colide com a precedência protocolar (só isso) em relação aos outros bispos.
Mas o Primeiro-Ministro é a terceira
figura do Estado e tem responsabilidades por todo o país.
***
Enfim,
não tenho inveja dos omniscientes, mas queria que a sua pretensa “omnisciência”
fosse sempre sabedoria no que esta mostra de saber, sabor, justeza, equilíbrio
e benevolência.
2016.12.27 – Louro de Carvalho
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