Mais de 500
mil trabalhadores da administração central do Estado foram convidados, por e-mail, desde 18 de julho, a responder
até ao próximo dia 30 de setembro a questionário enviado pela DGAEP (Direção-Geral
da Administração e Emprego Público) que inclui
algumas perguntas que vêm sendo fortemente criticadas e que estão a indignar
alguns funcionários. Estas surgem na secção “Fatores de motivação/satisfação no trabalho na Administração Pública”.
E são:
- “O período da
Troika influenciou negativamente a minha motivação no trabalho?”;
- “A reposição
dos salários afetou positivamente a minha motivação no trabalho?”;
- “O
descongelamento progressivo das carreiras é motivador?”;
- “Sinto-me
hoje mais motivado no trabalho do que há 5 anos?”.
É sempre
complicado responder a tais questões, mas sobretudo agora em que estamos sob o
espectro da preparação de eleições legislativas, de que resultará um Parlamento
do qual emanará um Governo, que é o órgão de superintendência na administração
pública. Se fosse um inquérito da responsabilidade duma entidade privada com
vista a um estudo de opinião ou científico era menos mal, mas um inquérito duma
entidade estatal cujo responsável máximo é nomeado pelo Governo cheira, neste
momento, a controlo, a dividendo eleitoral ou a pressão eleitoral.
Na verdade,
o juízo avaliativo sobre a atuação dum governo como dum parlamento faz-se
através do ato eleitoral, que é rodeado pela proteção do voto por escrutínio
secreto para garantir a liberdade integral do cidadão eleitor. E, nesse ato, o
eleitor não responde perante ninguém, apenas perante a sua consciência
cívico-política.
Questionada
pelo Observador sobre este inquérito,
a DGAEP referiu que o questionário constituía “um follow up do
questionário realizado em 2015 sobre a motivação dos trabalhadores em funções
públicas” e que a decisão sobre o teor das perguntas foi uma resposta à “taxa
de resposta e sugestões recolhidas dos resultados do inquérito de 2015, em que
se identificaram precisamente algumas das questões colocadas nesta versão de 2019”.
A DGAEP revelou que “foi preparado um novo questionário pela equipa de
investigadores (e docentes universitários) que concebeu e analisou o instrumento anterior,
sendo suportado na literatura científica especializada”. Como é que os
académicos continuam nas nuvens sem aterrar?
Lucinda
Dâmaso, presidente da UGT e da mesa do Congresso dos TSD (Trabalhadores
Sociais Democratas), considera
que em “período de campanha
eleitoral não se fazem estas perguntas em questionários aos funcionários
públicos” e que “obviamente eram de evitar”. Todavia, não se
surpreende, já que “em ano eleitoral acaba por valer tudo”. E acrescenta:
“Não tenho memória de um questionário deste
tipo alguma vez ter sido feito, que assim acaba por ser uma espécie de uma
sondagem”.
Já no dia 7,
e depois de a notícia ter vindo a público, a DGAEP referiu que o questionário
foi construído com referência a modelos usados por outras administrações
públicas. Assim afirmou à Lusa fonte
oficial daquele organismo estatal:
“A construção do questionário é da
responsabilidade da equipa de investigadores e teve como referência modelos de
questionários de outras administrações públicas, uma vez que são comuns nos
países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).”.
Como se vê
pelo teor das questões, o inquérito convida os funcionários públicos a
responder se o período da troika (coincidente com a governação de
Passos Coelho) os
desmotivou ou se políticas marcantes da atual maioria parlamentar (vigente
desde fins de 2015 até ao presente) – como a
“reposição dos salários” ou o “descongelamento progressivo das carreiras” – os
deixaram mais motivados.
Em causa está
a 2.ª edição dum inquérito que foi lançado, pela primeira vez em 2015, mas que,
desta feita, questiona os funcionários sobre se “o período da troika
influenciou negativamente” a sua motivação no trabalho e se a “reposição dos
salários a afetou positivamente”.
Entre as
questões novas está ainda uma que procura saber se “o descongelamento
progressivo das carreiras é motivador” e outra sobre se o trabalhador se sente
“hoje mais motivado no trabalho do que há cinco anos”.
Relativamente
aos motivos que levaram a incluir nesta 2.ª edição este tipo de questões e as
razões para que tenha sido escolhido um horizonte temporal de 5 anos para os
funcionários públicos compararem com a motivação que sentem atualmente, a mesma
fonte oficial refere que este foi considerado um “lapso de tempo adequado”. E
sublinha a DGAEP:
“Sendo
um ‘follow up’ do questionário realizado em 2015, adotou-se como referência o
período de cinco anos por se considerar ser um lapso tempo adequado para os
trabalhadores se pronunciarem tendo presentes os factos desse período temporal,
mas já com distanciamento necessário para responder com maior objetividade”.
Na edição de
2015, os funcionários que responderam ao questionário (16.816 trabalhadores num universo de
mais de 500 mil)
referiram que este devia incluir perguntas sobre o horário de trabalho,
nomeadamente, sobre o aumento das 35 para as 40 horas semanais promovido pelo
anterior governo e que, entretanto, foi revertido.
A DGAEP
recorre precisamente ao facto de a medida ter sido revertida e de o horário ter
regressado às 35 horas para justificar a ausência de perguntas sobre este tema,
ainda que a redução do horário semanal tenha sido alvo de críticas pela forma
como foi aplicada, pelo que, em meu entender, deveria ter mesmo formulado a
pergunta, até porque o funcionamento de alguns serviços se ressentiu da não
reposição do número funcionários equivalente ao dos que se aposentaram e dos
que foram objeto de rescisão de contrato por mútuo acordo.
Este
questionário foi lançado em 18 de julho podendo ser respondido até ao dia 30 de
setembro, a poucos dias das eleições legislativas que estão marcadas para 6 de
outubro.
A data de
“fecho”, como explica a DGAEP, teve em consideração o facto de se estar em
período de férias e a necessidade de “dar oportunidade a todos os trabalhadores
interessados de responderem e garantir uma amostra de respondentes
estatisticamente significativa”. Segundo as previsões da DGAEP, o estudo deverá
ficar concluído no final do ano. Na 1.ª edição, o respetivo relatório foi
apresentado 5 meses depois de o questionário ter “fechado”, em 15 de maio.
Ouvidos pela Lusa, os dirigentes das estruturas
sindicais da administração pública teceram várias críticas ao conteúdo do
questionário, considerando-o incompreensível e “extemporâneo”, a exemplo do que
ficou dito supra.
Também o deputado do CDS-PP Pedro Mota Soares lê politicamente
o facto e acusa o PS de “achar que é dono do Estado” e de usar meios estatais,
nomeadamente o inquérito sobre questões motivacionais dirigido aos funcionários
públicos, para fazer campanha eleitoral.
O deputado centrista assinalou que se aproxima a campanha eleitoral
para as eleições legislativas de 6 de outubro e frisou que “não pode valer
tudo, não pode valer usar os meios do Estado para fazer campanha eleitoral”. E
rematou:
“E por isso mesmo, se calhar sugiro eu uma
pergunta ao Primeiro-Ministro. Quem é que inscreveu aquelas perguntas, quem é
que autorizou que aquelas perguntas fossem feitas e o que é que o Primeiro-Ministro
vai fazer para assacar responsabilidades a quem permitiu que aquelas perguntas
fossem feitas?”.
Não menos política é a leitura do PSD: “Uma vergonha, um aproveitamento
inacreditável dos meios do Estado para recolher informação e sobretudo para
tentar apelar ao voto dos funcionários públicos no Partido Socialista”, acusou o deputado socialdemocrata
Duarte Marques no Facebook, sugerindo a inclusão no inquérito de uma nova
questão: “Gostei do período em que não
havia dinheiro para mais um mês de salários e se chamou a troika?”.
***
Entretanto,
o Governo decidiu suspender temporariamente o susodito questionário enviado
pela DGAEP a mais de 500 mil trabalhadores da administração central do Estado.
No
comunicado enviado pelo Ministério das Finanças, o Governo justifica a
suspensão com a “visibilidade do assunto em período pré-eleitoral” e
informa que o inquérito será retomado depois das eleições legislativas. É uma decisão
que surge depois de o Observador ter
avançado, no dia 7, com a notícia que dava conta de que o questionário lançado
aos funcionários públicos tinha perguntas novas em relação ao de 2015 e que
estavam a indignar alguns funcionários. Isto porque são “convidados” a comparar
a incidência de dois períodos politicamente contraditórios no devir do trabalho
na administração pública, nomeadamente nos aspetos motivacionais.
Assim a
suspensão do inquérito determinada pelo Governo, que nada quer que surjam
factos que possam colocar em causa a sua credibilidade eleitoral, tem em conta
“a elevada visibilidade do assunto em período pré-eleitoral” que “pode
comprometer a fiabilidade dos resultados” do próprio inquérito. O Governo
sabe que o anonimato nestes inquéritos não é totalmente garantido, como sabe
que os funcionários do Estado hoje não respiram a mesma liberdade e à vontade
de há uns 30 anos.
O Governo só
tomou esta decisão agora porque só teve conhecimento esta semana do lançamento
da segunda edição do inquérito de 2015 sobre questões motivacionais.
E no comunicado divulgado pelo
gabinete do Ministro das Finanças pode ler-se:
“Considerando que a elevada visibilidade do
assunto em período pré-eleitoral pode comprometer a fiabilidade dos resultados,
inviabilizando todo o inquérito e a comparabilidade com os resultados obtidos
em 2015, o Governo determinou a suspensão temporária do inquérito e que o
preenchimento dos questionários e as fases subsequentes sejam retomados após as
eleições legislativas marcadas para dia 6 de outubro”.
Na nota, o ministério de Centeno refere que o Governo tomou
conhecimento esta semana do lançamento da segunda edição de um inquérito sobre
questões motivacionais promovido pela DGAEP, um questionário “dirigido a todos
os trabalhadores em funções públicas” e que “aborda um conjunto de questões
relacionadas com a motivação no trabalho, nomeadamente decorrentes da ação
governativa”.
***
Obviamente não é o Governo que dirige a DGAEP, pelo que não é curial atacá-lo nesta matéria. E as
direções-gerais, que devem acolher as orientações políticas do Governo, bem
podiam, no quadro da sua autonomia, não fazer fretes ao Governo nem criar-lhe sarilhos. De facto, não é sendo mais
papista que o Papa que a DGAEP ajuda o Governo e a sua imagem, devendo saber
que um período pré-eleitoral é demasiado sensível. Quem o não sabe?
Acho hipócrita a
crítica ao uso dos meios do Estado para fins eleitorais. Todos o fazem quando estão
no poder executivo, não?!
Por mim, penso que o Governo fez bem em suspender o inquérito
e invocou os motivos certos. Bom era que acertasse em tudo, como agora!
2019.08.08
– Louro de Carvalho
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