É o
título de primeira página do JN de 4
de agosto, o qual, nas páginas 4 a 6, retém muitos dados de uma sondagem da “Pitagórica” sobre os ‘Os Portugueses e a Religião’, que mostra um país religioso, de
maioria católica, em que mais de um terço vai à igreja (templo) uma vez por mês ou mais, continuando os sacramentos a ser
seguidos, mas cada vez menos.
Obviamente trata-se dum estudo de opinião em que, em termos
genéricos, ressalta que os portugueses são católicos e devotos de Fátima, mas liberais nos costumes; e, sendo admiradores do Papa
Francisco, revelam-se não seguidores acríticos das posições da Igreja, como no
caso do fecho de shoppings e
hipermercados ao domingo. Este dado, fornecido como exemplo do não seguidismo,
é um remoque à sugestão do Bispo do Porto na Páscoa; e eu gostaria de saber se
estão os portugueses a favor do regime de turnos de trabalho não necessários,
sob o único ditame da ganância e do lucro, como também disse Dom Manuel Linda,
que muito aprecio.
São os
portugueses devotos de Fátima, assíduos no santuário e divididos quanto ao
Islão. Talvez não saibam que, se o topónimo Cova
da Iria é uma referência a Santa Iria ou Santa Irene em homenagem à qual
temos a grande cidade do gótico de nome Santarém (etapa atual
da evolução fonética de Santa Irene),o topónimo
Fátima é uma referência ao
antropónimo Fátima, a filha de Maomé, o que mostra resquícios do islão em
terras cristãs.
São os
portugueses liberais nos costumes? Não sei. É certo que estão em vigor leis que
levam à prática o consumo da pílula, mesmo a do dia seguinte, o uso do
preservativo (também para evitar o HIV e as hepatites), a interrupção voluntária da gravidez (?), a tolerância explícita da relação homossexual, o casamento de pessoas do
mesmo sexo, a procriação médica assistida, a excessiva proteção dos animais.
Ficam pelo caminho a eutanásia, o suicídio assistido, as barrigas de aluguer, a
adoção de crianças por casais homossexuais. Resta saber se estes casos –
admitidos ou não por lei – são tipicamente e liberais ou se resultam da onda
libertária (quase iconoclasta) e
hedonista ou de relaxamento social.
São os
portugueses críticos dos abusos sexuais por clérigos e membros de institutos
religiosos. Resta saber se fazem o mesmo tipo de crítica a outros setores da
sociedade.
Afirmar-se
católico ou católica pode ser uma declaração de fé professa e isso é de
aplaudir pela Igreja Católica, mas pode significar o reconhecimento da pertença
a um povo com a matriz identitária católica, o que é de apreciar, mas é muito
pobre. Em todo o caso, é essa a religião indicada por 74% das pessoas, com
maior incidência nas mulheres, nas classes sociais desfavorecidas e no Centro e
Norte (incluindo o
urbano Grande Porto). A exceção
são os jovens até aos 24 anos: pouco mais de metade se dizem católicos ou até
crem num Deus, mas 73% respondem “sim” a existência de alguma forma de espírito,
força de vida ou energia.
Diz a
professora da Universidade do Minho Helena Vilaça, socióloga da religião, que o
mundo ocidental é marcado por uma “modernidade líquida”, pela “dificuldade em
aderir a uma instituição”, marcada pela “bricolage religiosa” – aliás aspetos
denunciados, em tempos, pelo Cardeal Patriarca em entrevista à Ecclesia. Com efeito, segundo refere a
predita académica, não é nos ritos de passagem (como batizados, casamentos ou
funerais), mas na família que a religião se
transmite. Esquece que há tantos e tantas cujas famílias não são cristãs e que
adquirem a formação cristã nas catequeses de iniciação cristã fornecidas pelas
paróquias e grupos de apostolado, sobretudo juvenis. Dom Américo Aguiar confessou
que aquilo que o levou à frequência das catequeses foi, não a família, mas o
desejo e a necessidade que sentiu de ingressar no escutismo e, como se tratava
de escutismo católico, impunha-se como conditio
sine qua non a frequência das catequeses.
Embora os
ritos não sejam determinantes, são precisamente os sacramentos que mais levam
os portugueses à igreja (34%). Somando
os 21% que lá vão uma a duas vezes por ano, é mais de metade da população.
Olhando para outros países europeus, Portugal continua a ter assíduos
frequentadores dos ritos católicos: 17% vão à igreja todas as semanas e 36%
vão, pelo menos, uma vez por mês. Os valores fazem de Portugal um dos países
mais católicos da Europa, a seguir à Polónia e perto da Itália e Irlanda. É
certo que são, sobretudo, as pessoas acima dos 65 anos quem mais segue os ritos
católicos: só 14% nunca se confessaram e 20% fizeram-no há menos de um ano. Em
contraste, quase metade dos menores de 24 anos nunca se abeirou dum
confessionário (substituí “entrou” por “se abeirou”, pois só o confessor
e que entra no confessionário). Além
disso, 25% das pessoas com mais de 65 anos vai à igreja todas as semanas. Em
sacramentos como o batismo, até os mais novos têm indicadores acima dos 90% e mais
de metade fizeram a 1.ª comunhão – mas até aos 34 anos de idade, já não casam
pela Igreja nem batizam os filhos.
Quase todos os portugueses já visitaram um santuário e um terço fez uma
promessa. Em peregrinação ou em turismo, o
Santuário de Fátima já foi visitado, pelo menos uma vez, por 9 em cada 10
portugueses, e 60% das pessoas fizeram a viagem nos últimos cinco anos. Muitas
serão atraídas pela “energia espiritual muito forte” que lá encontram (87% dos
inquiridos), incluindo uma parte significativa
(79%) de quem professa outras religiões.
Contudo,
como adverte Helena Vilaça, este é um dado a ser lido com cautela: se é certo
que já rezaram em Fátima metade das pessoas vinculadas a outras religiões,
também é certo que muitas poderão ter pedido a recristianização do santuário,
encarado por alguns crentes não católicos como um lugar de paganismo. Assim,
“para os protestantes evangélicos”, exemplifica a docente, Maria é um apóstolo de Jesus, pelo que não deve receber o culto que
lhe é prestado (hiperdulia). Mas para as religiões orientais o santuário pode
ser um especial espaço promotor de diálogo inter-religioso. Vilaça lembra que o
Budismo e o Hinduísmo integraram a figura de Maria como a “mãe de todos os
budas” ou a “santíssima mãe”, que é também mencionada no Corão, pelo que é
propiciada a visita ao santuário por muçulmanos, sobretudo xiitas, muitos
vindos do Irão.
Em termos
globais, “Fátima continua a ser muito
marcada pela religiosidade popular” – disse a investigadora. Os seguidores
são sobretudo pessoas de mais idade e com menor capacidade económica, que são
as que mais professam o Catolicismo e aderem aos ritos da Igreja.
Quem mais
acredita na existência de “Nossa Senhora, mãe de Jesus”, tem mais do que 35
anos, enquadra-se sobretudo na classe média-baixa e baixa e vive nas ilhas,
Norte (exceto
Grande Porto) e Centro. Grosso modo são também estas as pessoas
que mais rezam no santuário (70% dos portugueses já o fizeram), que mais creem nos milagres de Maria (média de 60%) e que mais promessas fazem.
Quanto a
visitas ao santuário, a capacidade económica para suportar a deslocação pode
explicar o facto de 97,7% das famílias abastadas já o terem feito, contra só 87%
das mais pobres – apesar de tudo, uma percentagem expressiva. Há também uma
diferença entre idades: 99% das pessoas com mais de 65 anos já foram a Fátima e
a percentagem vai diminuindo à medida que se desce no escalão até chegar aos
70% de quem tem menos de 24 anos. Falta saber se os mais novos só não foram ao
santuário porque ainda não tiveram tempo para isso. E, a meu ver, a sondagem
não abarca as atividades recorrentemente feitas com jovens e crianças, os
congressos, encontros, círculos de estudos e institutos religiosos ali
presentes e atuantes. Se assim fosse, os resultados seriam diferentes.
***
Os
portugueses também não seguem a doutrina
oficial da Igreja em assuntos como o casamento de padres. Isto não é
doutrina, Senhoras e Senhores. Isto é lei para a Igreja Católica latina, que
integra no sacerdócio católico homens casados que se convertem de outras
religiões em que eram pastores ou sacerdotes, deixando-os continuar casados e
eventualmente com filhos, como ordena de padres homens viúvos. Até os católicos
mais velhos, por norma mais conservadores, são esmagadores a aceitar o
casamento de padres e o casamento religioso de homossexuais (quase 50%
dos idosos e mais de 80% dos jovens aprovam).
A linha é
igual para a possibilidade de freiras celebrarem eucaristias: qualquer que seja
a idade, a classe social dos inquiridos/as (exceto a mais desfavorecida), a religião professa e a região do país, 70% ou mais
aprovam a ideia. Com a crise de vocações católicas, acontece em povoações mais
pequenas só haver missa quando um padre lá pode ir. Porque hão de ser as
freiras a celebrar missa e não as mulheres em geral, desde que sujeitas a
módulos de formação adequados e suficientes? É que, por maior respeito que se tenha
pelas freiras, elas não pertencem ao clero. Não são simples leigas como código
de direito canónico parece considerá-las como aos religiosos não padres, mas,
apesar de a constituição dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium reconhecer um
estatuto especial aos religiosos e religiosas e aos membros dos institutos
seculares em virtude do estado de consagrados e consagradas, não integram o
clero. E isto é doutrina e não só lei. Resolver-se-ia, pois, a questão com a
ordenação sacerdotal de homens casados e de mulheres (freiras ou
não).
Desagrada a
interferência da Igreja em assuntos mundanos, bem como a inação da instituição
que a maioria quer ver afastada da política. Para metade das pessoas, deve
limitar-se a temas religiosos e para 10% pode pronunciar-se sobre tudo, menos
política. Veja-se o caso da abertura de centros comerciais e hipermercados ao
domingo: a Igreja é contra; a maioria é a favor.
Primeiro,
além do que ficou dito sobre esta matéria, admito que a maioria seja a favor da
abertura de centros comerciais e hipermercados ao domingo, mas pergunto porquê.
Porque acham bem em termos sociais ou por comodismo e utilidade própria? Pelo
lado da utilidade e do comodismo, também eu gostaria de ter transportes
públicos em todo o território e que satisfizessem as minhas deslocações sempre
que necessitasse. Comodidade nossa que esmaga a resistência física e psíquica
de outros!
Relegar a Igreja Católica para dentro do templo ou para a
sacristia (nesta até se pode conversar, comer,
beber, fumar, fazer pagamentos devidos pela prestação de serviços religiosos) é não perceber
as incidências vitais do Evangelho. Sempre se entendeu que, sendo a Igreja
assembleia da comunidade, tem o dever de abordar todos os assuntos que digam
respeito à comunidade e aos seus membros, seja a nível local, seja a nível
universal. E isso também se chama política. Assim, por exemplo, no fim da
celebração da Eucaristia, há um momento para os avisos de interesse
comunitário, tal como podem ser afixados no escaparate no átrio do templo (igreja, com minúscula).
Embora a religião e a política, como dizia o general Vasco
Gonçalves, sejam duas realidades diferentes, a fronteira entre elas é ténue,
uma vez que a política é a ação em prol do bem comum e a religião é a aceitação
ativa do zelo de Deus pelo homem, que se realiza na comunidade, ou seja, o
crente sabe que a sua fé tem consequências na relação com Deus, que se quer
intensa, e na relação o semelhante, que se quer denodada e solidária. É difícil
encontrar um tema humano que não atraia o crente como é difícil abordar uma
matéria que seja totalmente avessa à política. Por isso, querer que a Igreja só
trate de temas religiosos é redutor e revela ignorância sobre a religião e a missão
da Igreja, de que esta pode ter culpa em virtude de não ter apostado na
formação integral das pessoas; e admitir que trate de tudo menos de política
sabe a ignorância saloia sobre o que é política e a culpa pode ser dos
políticos, que não fazem formação correta e completa do que é a política, sua
abrangência e suas incidências.
Depois, é preciso distinguir entre Igreja e autoridade da
Igreja. Se a Igreja é “o povo que Deus convoca e reúne de todos os confins
da Terra, para constituir a assembleia daqueles que, pela fé e
pelo Batismo, se tornam filhos de Deus, membros do Corpo
de Cristo e templo do Espírito Santo” (É realidade universal que subsiste com vitalidade na realidade
local – pois universal aplica-se a
todo e a cada um identice et divisim), impedir os cristãos de intervir
politicamente seria deixar que mais de meio mundo em Portugal ficasse arredado
da ação política. Ao invés, a doutrina da Igreja acentua que os cristãos devem
estar presentes em todas as realidades como fermento de Evangelho na massa
humana (e arautos incansáveis do Reino) e não delas divorciados, como não
podem ali estar acorrentados sem terem uma palavra a dizer e a liberdade de
agir. Os crentes são chamados à liberdade de consciência, culto, expressão e
ação – em privado e em público.
Por outro lado, há que falar da autoridade da Igreja onde se
inscrevem os que têm na Igreja funções de liderança. Desde logo a hierarquia:
diáconos, sacerdotes e bispos. Se usam da palavra no templo ou na ágora, essa
palavra tem de ter consequências. Depois, é preciso considerar os que têm
funções permanentes e eventuais de liderança: o Papa, Bispo de Roma, e seus
colaboradores; o bispo em cada diocese com os seus colaboradores; o pároco em
cada paróquia com os seus colaboradores; as conferências episcopais com os seus
organismos; os superiores religiosos e as superioras religiosas; os
responsáveis pelos diversos departamentos, serviços e movimentos eclesiais.
Todos esses, perscrutando o sensus populi
ou o sensus ecclesiae, devem
pronunciar-se em termos de orientação ponderada (é
dever e é direito) sobre todas as matérias que possam afetar as consciências e
o senso comum, mesmo que incomodem, embora tolerando outras posições públicas. Nisso
se incluem os temas ditos fraturantes na sociedade. A única limitação que
sustento é a participação liderante em partidos políticos e órgãos da governação
por parte de membros da hierarquia: Papa, Bispo, Pároco – que não devem ser
foco de divisão na comunidade. Isto, se o país não se encontrar em situação de forte
emergência. Porém, não me repugnaria que outros sacerdotes e religiosos/as
militassem em partidos políticos e fossem governantes. De resto, detesto a
hipocrisia de quem não quer padres e bispos na política, mas fica amuado quando
estes não lhe satisfazem as vontades perto de eleições e em outros atos de
propaganda através de obra feita ou a fazer!
Por tudo isto, estará talvez na hora de reformular e
intensificar a formação integral por parte da Igreja em Portugal e dizer às pessoas
que autorizar casamento de padres com freiras, por serem freiras, é absurdo e não
resolve qualquer problema a não ser o do casal. Ademais, quem se compromete com
os conselhos evangélicos da pobreza voluntária, da obediência inteira e da
castidade perpétua, se volta atrás, já não é frade ou freira. Modus in rebus!
2019.08.05 – Louro de
Carvalho
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