segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Crise política italiana cujo desfecho é uma incógnita



Há várias semanas que as relações entre os parceiros de Governo italiano não são as melhores, devido a vários desentendimentos políticos, principalmente desde que as últimas sondagens davam uma maior percentagem nas intenções de voto para a Liga, ao contrário do Movimento Cinco Estrelas (M5E), que está em queda. Recorde-se que a Liga, partido de extrema-direita, faz parte do Executivo em coligação com o M5E.
Animado pelas sondagens e presumivelmente convicto de que a aliança já não é viável, Matteo Salvini, Vice-Primeiro-Ministro italiano e líder da Liga, apresentou uma moção de censura ao próprio governo de coligação com o M5E, de Luigi di Maio. Com esta moção de censura, os eleitores italianos poderão ser convocados para eleições antecipadas, podendo a Itália vir a ser a primeira democracia da Europa ocidental a ser governada por um governo liderado pelo chefe dum partido da extrema-direita. Salvini quer eleições antecipadas e Renzi, líder da terceira força política com assento parlamentar, tenta formar um governo de união nacional com o M5E.
À frente nas sondagens e em constante campanha eleitoral, Salvini quer que os italianos lhe deem o “poder total”, mas tem, segundo os observadores, o caminho cheio de obstáculos.
Nas eleições de março de 2018, o Parlamento italiano ficou dividido: a coligação de centro-direita liderada pela Liga ganhou mais deputados, mas o M5E foi sozinho o partido que elegeu mais representantes. A coligação de centro-esquerda, que estava antes no poder, ficou em terceiro lugar. Assim, após negociações, o independente Giuseppe Conte foi escolhido em junho de 2018 para Primeiro-Ministro da coligação de dois opostos: a Liga, anti-imigração e populista de direita, e o M5E, antissistema e politicamente amorfo. Salvini ficou com a pasta do Interior, enquanto Di Maio ficou com a da Economia; e ambos são vice-primeiros-ministros.
Agora, o líder da Liga, que pretende romper com a coligação e ir a votos, apresentou uma moção de censura ao Governo, que já há de ser votada no Parlamento e no Senado. O centro-esquerda de Matteo Renzi quer um governo com vários partidos e o M5E não exclui essa hipótese. Cabe, porém, ao Presidente Sergio Matarella, a palavra final.
Entretanto, enquanto Matteo Salvini descansa na praia e faz fotos com os muitos admiradores que o abordam, em Roma desenham-se os vários cenários possíveis depois de votada a moção de censura apresentada pela Liga, o próprio partido do Ministro do Interior e número dois do Governo italiano. Salvini ambiciona chegar ao poder, mas o percurso até ao Palazzo Chigi, sede da presidência do Conselho de Ministros, não é tão linear como ele gostaria que fosse.
Tanto a presidente do Senado, Elisabetta Casellati, como o presidente do parlamento, Roberto Fico, têm que discutir com os líderes dos vários partidos a mudança do calendário das férias parlamentares, para que a moção da Liga possa ser votada rapidamente. O atual chefe do Governo, Giuseppe Conte, que já não tem o apoio da Liga, pode ter o lugar a prazo, mas isso não quer dizer que as eleições antecipadas sejam um dado adquirido, mesmo que a moção passe no Parlamento. O poder de dissolver o Parlamento e marcar eleições pertence a Sergio Mattarella, o Presidente da República.
A oposição votou ao lado da Liga, no Senado, contra a moção apresentada pelo parceiro de coligação, o M5E, de Luigi Di Maio, que pretendia travar a construção da linha de alta velocidade Lyon-Turim. Mas isso não significa que o volte a fazer. E Matteo Renzi, antigo Primeiro-Ministro e figura cimeira do Partido Democrático (PD), já disse que “é uma loucura” ir a eleições numa altura em que o Governo se prepara para apresentar o orçamento para 2020, mas a ambição de Matteo Salvini em chegar à chefia do governo é alimentada pelas sondagens, que lhe dão uma maioria confortável.
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A questão agora é ir às urnas ou não ir. É esta a dúvida que ensombra os vários atores políticos em Itália, depois de o Ministro do Interior e líder do partido de extrema-direita e da Liga ter desfeito a coligação governamental com o M5E, no passado dia 9. Hoje, dia 12, as lideranças dos vários grupos parlamentares reúnem-se para decidir se devem ou não votar a moção de censura ao Primeiro-Ministro, o independente Giuseppe Conte, proposta por Salvini.
Ao mesmo tempo, começam a delinear-se estratégias: de um lado, uma possível união entre o M5E e o PD (do centro-esquerda) para formar um governo antiliga; do outro, uma união à direita da Liga com o Força Itália e os Irmãos de Itália. A última palavra, essa, pertence ao Presidente, Sergio Matarella, que estará cauteloso face à possibilidade de marcar eleições mesmo em cima das negociações do próximo Orçamento do Estado, em setembro.
Matteo Salvini anunciou que chegou a hora de dar a palavra aos eleitores, depois de mais dum ano duma coligação tensa entre M5E e Liga. A dar-lhe alento estão as mais recentes sondagens: muito embora o vencedor das últimas legislativas tenha sido Luigi di Maio, do M5E, quem segue agora à frente nas intenções de voto dos italianos é mesmo Salvini e a sua Liga, com mais de 35%. O M5E não vai, atualmente, além dos 17% nas sondagens.
O antigo Primeiro-Ministro, do PD, contra-atacou ao anúncio de Salvini, na noite do dia 11. Na sua conta de Facebook, afirmou estar convencido de que “há uma maioria para um governo institucional que está em posição de salvar Itália”. Ao Corriere della Sera, Renzi concretizou a sua ideia de avançar com um “governo institucional”, que reúna partidos do centro-esquerda e do centro-direita para evitar a ida às urnas e assim encurralar Salvini. E disse sintetizando:
Precisamos de um governo institucional que permita aos italianos votar no referendo sobre a redução de deputados, que evite o aumento do IVA, que marque eleições sem explorar [a situação]. Acho que, quando Mattarella iniciar as consultas, uma parte dos deputados já terá expressado a sua adesão a este projeto. Assim, o Presidente poderá avaliar a possível nomeação de um primeiro-ministro com autoridade.”.
Di Maio reagiu nas horas seguintes e não descartou a hipótese avançada por Renzi. Sublinhando que, para o M5E, o importante é aprovar a reforma da redução do número de deputados antes de ir a eleições, reforma a que Salvini se opõe, e uma ida às urnas neste momento seria, para o líder do M5E, “uma loucura e um perigo”. Na verdade, segundo a sua ótica, Salvini não traiu o Movimento ou [o Primeiro-Ministro] Conte, mas milhões de italianos – acusou o líder do partido antissistema, segundo o La Repubblica. Mais concretamente, outras fontes do partido não torceram o nariz à proposta do PD. Assim, Roberta Lombardi, também do M5E, declarou: Depois de termos governado com a Liga, acho que até somos capazes de fazer um acordo com Belzebu. Um deputado do partido, que preferiu não se identificar, foi ainda mais longe em declarações à edição europeia do Politico: uma aliança com o PD “seria a única forma de impedir que a Itália tenha o primeiro Governo de direita da Europa Ocidental desde a II Guerra Mundial”. Também Beppe Grillo, fundador do 5 Estrelas e antigo comediante, se pronunciou contra Salvini e escreveu no seu blogue, referindo-se à Liga: “Erguer-me-ei para salvar a Itália dos novos bárbaros. Não podemos deixar o país nas mãos destas pessoas só porque acreditamos que sem elas não sobreviveríamos”. E hoje, dia 12, depois de ser conhecida a proposta de Renzi, Grillo disparou em todas as direções: sobre Salvini disse que parecia um “xerife a fugir da cidade”, mas também atacou o líder do PD, que classificou de “abutre”. Enfim, afloram as divisões internas no M5E e no PD face a um acordo antiSalvini.
A ideia duma espécie de governo de salvação nacional que reúna partidos de vários quadrantes, com exceção da Liga, enfrenta outras dificuldades para lá da necessidade de unir PD e M5E, durante muito tempo desavindos. Dentro do próprio PD há fortes divisões, com o atual líder do partido, Nicola Zingaretti, a assumir-se contra a sugestão de Renzi ao afirmar:
Todos estamos conscientes do perigo que Salvini representa, mas duvido de que a solução seja ter um governo a resolver as finanças públicas que Salvini estragou”.
Em artigo de opinião no Huffing Post Italia, Zingaretti concretizou o ataque: 
Durante meses o PD rejeitou qualquer tipo de aliança com o 5 Estrelas e eu até fui injustamente acusado de ter conspirado a favor deste plano. Agora não acho que haja atalhos possíveis.
A situação é, nas palavras de Carlo Calenda, ex-ministro de Renzi, a de um partido dividido, como resumiu à Radio Capital, citado pelo La Repubblica: “Existem dois PD: o dos deputados [mais leais a Renzi] e o do partido [leal a Zingaretti]”.
Como há dois PD, levanta-se a questão de se saber qual é o vencedor. E, na opinião do antigo governante, o mais provável é que seja a fação a Renzi a sair vencedora, porque os deputados não querem abdicar dos lugares, pois é gigantesco o impulso de autopreservação da classe política. Mas, como diz, o risco dessa atitude é alto: “Vamos oferecer uma oportunidade gigantesca a Salvini”. Porém, mesmo que o PD e o M5E se entendam, precisam do apoio de outros para conseguir uma maioria parlamentar. Segundo as contas do EU observer, os dois partidos ficam a três deputados de distância da maioria, pelo que terão de assegurar o apoio de partidos mais pequenos, possivelmente até do Força Itália, de Silvio Berlusconi. Por isso, nos corredores da política italiana já se fala na constituição da coligação Ursula, designação que evoca a junção dos três partidos que aprovaram Ursula Von der Leyen como presidente da Comissão Europeia (PD, M5E e Força Itália). Sabendo disso, Salvini já se antecipou. Após ter criticado, no dia 11, “os acordos feitos debaixo da mesa, as intrigas palacianas, as administrações de união nacional ou tecnocratas”, hoje o líder da Liga anunciou que se vai reunir com Berlusconi e com Giorgia Meloni, líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália. “Vou oferecer-lhes um pacto: a Itália do sim contra a Itália do não” – resumiu em entrevista o Il Giornale (cujo dono é Paolo Berlusconi, irmão do líder do Força Itália). A aliança está a ser negociada e uma fonte próxima de Berlusconi disse ao Il Messaggero que o acordo será assinado nas próximas horas, mas resta saber se a informação se confirma ou se o Força Itália decide dar a mão ao PD e ao M5E.
Por outro lado, permanece a incógnita sobre o que pensa o Presidente. Só Sergio Matarella tem o poder de dissolver o Parlamento mas, como relembra a Reuters, o calendário não é favorável a essa decisão, pois em setembro começa o trabalho de preparação do Orçamento do Estado, que terá de ser apresentado à Comissão Europeia em outubro. Mas ainda pode surgir uma terceira via às propostas de Salvini e de Renzi: segundo o La Stampa, está em cima da mesahipótese dum governo de tecnocratas; e fala-se de Mario Draghi, que abandonará o cargo de presidente do BCE em novembro, para o lugar de Primeiro-Ministro, à semelhança do que se passou em tempos com Mário Monti.
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É caso para rezar God bless Italia, God bless Europe e repetir Salus Reipublicae lex suprema esto!
2019.08.12 – Louro de Carvalho

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