Veio
a Portugal o Presidente de Angola e, apesar do “irritante” que ensombrava as
relações diplomáticas, foi bem recebido, fizeram-lhe festa e foram assinados
vários protocolos de cooperação. Depressa se esqueceu o passado em que Angola
não respeitava os direitos humanos, contexto em que José Eduardo dos Santos
também esteve em Portugal. E, mesmo o “irritante” desapareceu porque a Justiça
portuguesa acabou por fazer a vontade a Angola no caso Manuel Vicente.
Esteve
em Portugal o Presidente chinês e tudo correu às mil maravilhas. Praticamente
todos esqueceram que o regime político chinês é de partido único, controla as
empresas e os cidadãos cujo bom comportamento regularmente monitorizado consiste
na coadunação com os ditames do partido. Direitos humanos nem vê-los.
É óbvio
que estão, no caso de Angola e China as relações diplomáticas que são regra de
ouro no concerto das nações. Porém, não esqueço que Mário Soares, quando
Presidente da nossa República, clamava que os direitos humanos eram para ser
respeitados em todos os países. Disse-o, por exemplo, em relação a situações
desagradáveis e dramáticas ocorridas ao tempo na Guiné-Bissau.
No caso
de Angola, além dos angolanos, estão em causa cidadãos e empresas portuguesas,
como no caso da China estão em causa cidadãos e empresas de Macau sobre os
quais Portugal teve e tem responsabilidades históricas, o encontro de culturas
e a internacionalização das nossas empresas. China e Índia são portas abertas
para o diálogo entre o Ocidente e o Oriente.
Nas
relações com Angola e com a China estão em causa interesses estrangeiros em
Portugal que os respetivos poderes políticos querem proteger.
***O
Presidente Marcelo, aquando da toma de posse de Jair Bolsonaro (a 1 de janeiro
de 2019), manifestou a cortesia diplomática de o convidar
para uma visita a Portugal em tempo oportuno. A ideia ficou em banho-maria, até
que o Ministro das Relações Exteriores
do Brasil, Ernesto Araújo, revelou, em entrevista à Lusa, na cidade cabo-verdiana do Mindelo, a 19 de julho pp, que o Presidente
brasileiro deverá visitar Portugal no início de 2020.
Disse, a
este respeito, o governante brasileiro:
“Hoje tive uma reunião bilateral com o Ministro
[dos Negócios Estrangeiros] Augusto Silva, de Portugal, e estamos a programar
[a visita do Presidente brasileiro], se tudo der certo, para o ano que vem.
Espero que mais para o começo do ano que vem. Ainda não temos data, preciso de
falar com o próprio Presidente, ver na agenda do Presidente, mas ele quer muito
ir a Portugal.”.
O chefe da diplomacia do Brasil falava no Mindelo (ilha cabo-verdiana de São Vicente), onde participou na XXIV reunião
ordinária do conselho de ministros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). E justificou-se:
“Este ano já temos uma agenda muito pesada,
inclusive porque o Brasil está envolvido na presidência do BRICS [grupo de
países de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul], temos a presidência do Mercosul neste semestre, mas esperamos
que no começo do ano que vem seja possível concretizar isso [visita de Jair
Bolsonaro a Portugal].”.
E Ernesto Araújo concluiu:
“É um país irmão, não podia ser mais
próximo, de uma amizade muito produtiva e que nos alegra muito”.
Por seu turno, Bolsonaro disse que Portugal é “um país
irmão”, priorizando o Governo os países de língua portuguesa através da presença
do chefe da diplomacia na reunião da CPLP, organismo que Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe e Timor-Leste integram. Com efeito, naquele mesmo dia, em Brasília, Bolsonaro
declarou, num pequeno-almoço com a imprensa estrangeira, respondendo a uma
questão da Lusa:
“O Brasil é um país irmão. Estamos à
disposição da embaixada, como é normal e natural, para buscarmos o aprofundamento
das nossas relações.”.
***
Em Junho
passado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desafiou
os EUA a concorrerem a uma presença no Porto de Sines, defendendo que seria
estrategicamente importante como porta de entrada para a Europa. Disse-o
numa intervenção em inglês, na FLAD (Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento), em
Lisboa, assegurando: “Os que estão ausentes estão sempre errados”. E
adiantou: “Vai haver uma decisão sobre
Sines. É óbvio, há décadas, que é um ponto vital para entrar na Europa”,
acrescentando: “Vocês têm de estar lá quando chegar o
momento”.
Marcelo salientou que “os chineses
têm sempre um ministro a visitar Sines, quase todos os meses, e não é o
único caso, outros países asiáticos também”.
Segundo o Chefe de Estado português, o
embaixador norte-americano em Lisboa “está a trabalhar nisso” e “sabe que o
tempo está a esgotar-se”. Ora, o embaixador norte-americano em Portugal é
George E. Glass, um
ex-banqueiro de investimento que passou também pelo ramo imobiliário e
que é, há vários anos, financiador de campanhas dos republicanos.
Nesse sentido, constou que Trump iria estar a
caminho de Portugal para travar o apetite chinês, sendo que a embaixada norte-americana em
Lisboa estaria desde junho preparada para a decisão final de Trump. A visita não
tinha data definitiva, mas Sines deveria fazer parte do menu.
Aliás, as
palavras de Marcelo Rebelo de Sousa vêm na sequência do convite que fez a
Donald Trump em Washington, em Junho de 2018.
Assim, acreditava-se que o Presidente norte-americano visitaria Portugal
em breve, aceitando o repto lançado pelo
Presidente português. Um dos pontos da agenda seriam os investimentos
norte-americanos, nomeadamente o eventual
interesse no concurso internacional para a ampliação do terminal de
contentores de Sines.
A TVI
admitia “ser muito provável” que o
Presidente dos Estados Unidos visitasse Portugal no final de agosto, uma
visita de um dia antes de partir para Espanha. O Ministério dos Negócios
Estrangeiros comentou à TVI “não ter nada a dizer a propósito de uma eventual
visita” de Trump. E o Público
confirmava que houve esforços
diplomáticos para que esta visita ocorresse primeiro em junho e depois em julho.
O mês passaria afinal a ser agosto, sendo que a Casa Branca não anuncia
deslocações do Presidente com muita antecedência.
Atualmente, o terminal de contentores de Sines, por onde
entra um terço do gás liquefeito exportado pelos EUA para a Europa, é gerido
por Singapura. O concurso para a construção do novo Terminal de Sines, denominado de Vasco da Gama, será lançado em breve pelo
Governo, tendo a Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, anunciado que será
feita concessão por 50 anos.
Todavia, os
EUA, para entrarem no predito concurso, não precisam de cá mandar o Presidente.
Assim, a visita de Trump a Portugal parece estar gorada para já, vindo a embaixada dos
Estados Unidos a confirmar que “não está a planear uma visita do Presidente
Trump a Portugal neste momento”. A
informação foi avançada em tempo pelo jornal “Expresso”, referindo que o Presidente dos Estados Unidos da América
já não aproveitará a viagem à cimeira do G7, que acontece em Biarritz, França,
para visitar Portugal.
O jornal citava fonte da Embaixada
dos Estados Unidos, que diz que “não está a planear uma visita do Presidente
Trump a Portugal neste momento”. Segundo o mesmo jornal, uma visita de Estado
do Presidente dos Estados Unidos da América só deverá acontecer depois das
eleições americanas, em 2020.
***
As vozes
fizeram-se levantar contra a propalada visita do líder da América, dado o
perfil de Trump, as declarações erráticas e insolentes que faz, as medidas
desgarradas e iníquas que toma, as alianças que privilegia, as simpatias que
manifesta. Exemplo de tais vozes protestativas é um conhecido colunista do “Expresso” que diz não se sentir
representado nesse convite de Marcelo, que nós elegemos, a Trump e afirma
sentir-se incomodado com o caso. É pena, do meu ponto de vista, que esqueça
que, mal ou bem, o Presidente norte-americano foi escolhido pelo povo em
eleições normais, independentemente de ter havido ou não manipulação do
eleitorado, o que acontece noutros países. E lamento que o predito colunista
não tenha levantado a sua voz ou afiado o seu lápis azul contra outras visitas
de Chefes de Estado cuja eleição resultou de duvidosa normalidade
democrática.
Sobre a
iminente visita de Bolsonaro, diz o Bloco de Esquerda que “Bolsonaro não é bem-vindo
a Portugal” e pede ao MNE que cancele a visita, pois o Presidente brasileiro levantou dúvidas sobre as circunstâncias da morte
de um ativista estudantil em 1974 que o seu próprio Governo atestara há dias
que morrera por violência causada pelo Estado durante a ditadura militar.
Diz
o BE que Bolsonaro “parece ignorar os fundamentos do Estado Democrático de
Direito”. E, depois de mais declarações polémicas do Presidente do
Brasil, desta feita sobre a morte de um ativista em 1974, e sabendo-se que
visitará Portugal no início do próximo ano, o Bloco quer que o Ministério dos
Negócios Estrangeiros cancele a visita quanto antes.
Sustenta o
partido, num comunicado divulgado ao início da manhã de hoje, dia 1 de agosto,
que “Jair Bolsonaro não é bem-vindo a Portugal”, considerando “inaceitável” a
realização da visita programada para daqui a alguns meses. A concretizar-se,
ela sinalizaria ao povo irmão do Brasil que o nosso Governo é conivente com o
contínuo desrespeito pela democracia demonstrado pelo executivo brasileiro
liderado por Bolsonaro.
Recorda o
BE que Bolsonaro interpelou, há dias, o presidente da Ordem dos Advogados
do Brasil a levantar dúvidas sobre as circunstâncias da morte do seu pai, em
1974, quando este era um ativista estudantil contra a ditadura militar. E disse
que Fernando Santa Cruz, então com 26 anos e estudante de Direito, não foi
morto pelos militares, mas pela própria organização que integrava, a Ação
Popular – asserção que que contradiz a CNV (Comissão Nacional da Verdade), organismo estatal que investigou, entre 2011 e 2014,
as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado durante o regime que
vigente entre 1964 e 1985, e que representou a única iniciativa governamental
de reparar a vítimas da ditadura, quase 30 anos depois.
Refere o BE
que as afirmações de Bolsonaro “causaram uma onda de indignação generalizada,
até partilhada por muitos que o têm defendido e apoiado em outras ocasiões”. E
exemplificou com os casos do governador e do prefeito de São Paulo, João
Doria e Bruno Covas, respetivamente, que consideraram as afirmações do
Presidente inaceitáveis.
Além disso,
os comentários foram feitos poucos dias depois de a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ligada ao
Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos do Governo de Bolsonaro, ter emitido o atestado de
óbito do ativistas em que afirma que este “faleceu
provavelmente no dia 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, em razão de
morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da
perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora
política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”. Assim, o Bloco sustenta:
“Os
portugueses e o Governo não podem ficar indiferentes face a um presidente que (...)
parece ignorar os fundamentos do Estado democrático de direito, entre eles a
dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória
dos mortos”.
Também
não podemos esquecer que, tal como Trump, Bolsonaro foi eleito pelo seu povo.
***
O Brasil
é um país irmão e estão em causa milhões de descendentes de portugueses e
milhares de portugueses que ali trabalham, como temos aqui milhares de
brasileiros. Também na América há milhares de emigrantes portugueses e há
interesses mútuos entre os dois países. Não interessa que se fechem portas de
Portugal, da América ou do Brasil no âmbito das bilateralidades. As críticas
não podem deixar de ser feitas, mas o interesse dos cidadãos e das empresas tem
de ser zelado. E as visitas de Estado são um trunfo para isso nas democracias
modernas, no pressuposto da boa cooperação e da não ingerência interna de
países estrangeiros, mesmo que irmãos ou aliados.
Ademais,
além de ter sido um erro Portugal ter procedido a determinadas privatizações –
EDP e REN – e ter deixado que a China tivesse abocanhado tantas empresas
portuguesas, será erro continuar a deixar aos chineses de forma desequilibrada
ou quase exclusiva mais interesses estratégicos nossos. Sabemos como funcionam
americanos e brasileiros, mas não sabemos como funciona a China em matéria
negocial.
Por fim,
devemos ter um só peso e uma medida para com os Estados soberanos. Porque se
aceitou a Guiné Equatorial na CPLP, apesar da pena de morte e do regime de
partido único? Só a política da língua?
2019.08.01 –
Louro de Carvalho
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