quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Ação declarativa de Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP


O Ministério Público (MP) pediu a dissolução do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) numa ação que deu entrada este mês junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa
O MP sustenta haver “desconformidades” na constituição e nos estatutos do SNMMP, razão pela qual pediu a sua extinção junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa.
Na área de distribuição de processos do Portal CITIUS, do Ministério da Justiça, é possível verificar que a Petição Inicial, que tem como “autor” o MP e como “réu” o SNMMP, deu entrada no Juízo do Trabalho de Lisboa a 9 de agosto, foi distribuída ao Juiz 3 no dia seguinte e o processo está classificado como “Impugnação Estatutos/Delib. Assembleias/Atos Eleitorais”.
Segundo apurou a agência Lusa junto de fontes judiciais, como a ação deu entrada em período de férias judiciais, só no início de setembro o processo chegará às mãos do juiz a quem foi distribuído, razão pela qual o SNMMP ainda não foi “citado” para se pronunciar. Assim pode, segundo o DN e o Observador, ler-se numa nota do site da comarca de Lisboa:
O Ministério Público do Juízo do Trabalho de Lisboa instaurou uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP – Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas. A referida ação foi instaurada na sequência da Apreciação Fundamentada sobre a legalidade da constituição e dos Estatutos do SNMMP, a qual foi, nos termos da lei, efetuada pela DGERT – Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho e remetida ao Ministério Público. Da análise do processo de constituição e dos estatutos da mencionada associação, concluiu-se pela existência de desconformidades com preceitos legais de caráter imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos.”.
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Pedro Pardal Henriques estranha o processo e diz que os estatutos foram “sindicados pelo MP” e por vários juristas, ao passo que o MP diz que a fundação do sindicato viola os estatutos; e Pardal Henriques diz que o processo feito agora é “ataque claro às vozes que se levantam contra a corrupção”. E a ANTRAM quer desconvocação da greve.
A Procuradoria-Geral da Republica (PGR) diz que, “da análise do processo de constituição e dos estatutos da mencionada associação, concluiu-se pela existência de desconformidades com preceitos legais de caráter imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos”. Porém, a predita nota ou comunicado não diz se a pessoa em causa é Pardal Henriques, o advogado que assumiu as funções de porta-voz do sindicato durante as duas greves dos motoristas, mas que também já foi vice-presidente do sindicato. Porém, ao jornal ECO Pardal Henriques afirmou que era o único membro dessa assembleia constituinte que não era motorista de matérias perigosas.
Ao Observador Francisco São Bento, presidente do SNMMP, disse estar surpreendido com a ação judicial e estar, neste momento, a analisar o processo.
O advogado Pardal Henriques, que foi o porta-voz do sindicato durante a greve e que já foi vice-presidente do SNMMP, reagiu ao processo já ao final da tarde de hoje, dia 28, afirmando aos jornalistas que só teve conhecimento do caso pela comunicação social e considerando-o um “ataque claro às vozes que se levantam contra a corrupção, contra a fraude fiscal e contra os baixos salários”. Diz que é “estranho” que o sindicato e os respetivos estatutos tenham sido aprovados e “sindicados pelo Ministério Público e por vários juristas da DGERT”, e que “só depois de vários meses, depois das lutas que temos travado contra os poderes que estão instituídos, que estão instalados e que estão a prejudicar os trabalhadores, venham agora dizer que afinal, se calhar, aqueles estatutos não estariam em condições”.
O advogado garante que “nada foi feito contra os estatutos”, assinalando que as normas internas permitem que sejam sócios os motoristas, quem tenha sido motorista e pessoas que contribuam para os fins do sindicato, bem como preveem a existência de sócios honorários. Porém, as pessoas não motoristas “só são admitidas no sindicato depois de serem aprovados pela Assembleia Geral”.
Com efeito, no artigo 8.º dos estatutos do SNMMP, constam as três condições para a admissão dos membros. Assim, podem aderir ao sindicato todas as pessoas que (a) “exerçam a atividade de motorista de matérias perigosas”; (b) “tenham exercido a atividade de motorista de matérias perigosas, e que pela prática de atos relevantes, contribuam para o prestígio e desenvolvimento da Associação”; e ainda todos os que (c) “desenvolvam atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da Associação”. Ora, em tese, esta última alínea permitiria que, em teoria, qualquer pessoa faça parte do sindicato.
A este respeito, Pardal Henriques confessa:
Eu não sou motorista de matérias perigosas, obviamente. Mas também não estou como associado deste sindicato contrariamente àquilo que os estatutos preveem.”.
E continua dizendo que, “se é uma irregularidade, basta que o Ministério Público nos notifique e nos diga: o Dr. Pedro Pardal Henriques não pode ser associado deste sindicato porque nós entendemos que não”. E, relativamente à possibilidade de haver ou não irregularidades nos estatutos, o advogado diz que o sindicato está disponível para as retificar, mas que nunca foi notificado para o fazer. Isto no quadro da sanação de irregularidades.
Aqui tenho de lhe dar razão. O sindicato, em caso de irregularidade à face dos estatutos, devia ter sido anteriormente notificado para se fazer a correção de alguma irregularidade, em vez de ser intentada ação judicial contra ele. Com efeito, “não é o MP que vem agora dizer ‘olha, vamos fechar um sindicato, porque há aqui um artigo que não está em conformidade’. A haver irregularidade, o sindicato deveria ser notificado para a sanar. Caso não fosse sanada, é que se partia para a dissolução.”.
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Já depois das declarações de Pedro Pardal Henriques, o presidente do SNMMP fez chegar aos meios de comunicação social um comunicado em que se declara que “é, no mínimo, insólito o Ministério Público instaurar uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical, quer porque estamos em férias judiciais quer porque até hoje o SNMMP nunca foi notificado de qualquer irregularidade dos estatutos”. E, no entender do SNMMP “qualquer irregularidade seria sempre sanável, nunca estando em causa a extinção”.
Francisco São Bento vai mais longe e acusa o MP de estar alinhado com o Governo, considerando que a decisão do MP “coloca em causa o Estado de Direito, violando um dos pilares da nossa democracia que é a da separação de poderes, nomeadamente entre o poder executivo e o poder judicial”. Esquece que o MP não é o poder judicial (este está nos tribunais); é o acusador público em nome do interesse público, que, à falta de melhor (o que se apura em tribunal), coincide com o que está nas leis cuja execução cabe ao Governo.
No entanto, há motivos aparentes para se aceitar o que diz o sindicato que “é óbvio que estamos perante uma tentativa de acabar com o Direito à Greve e a liberdade sindical, recorrendo a todos os estratagemas possíveis, mas o SNMMP garante que os seus Associados se manterão unidos contra este terrorismo sindical”. De facto, o Governo parece ter exagerado no âmbito dos serviços mínimos talvez por força do período pré-eleitoral em que parece valer a apresentação dum Governo musculado contra ventos e marés para que nada de essencial faltasse aos portugueses. Mas isso é terrorismo governativo e não terrorismo sindical. Terrorismo sindical é a intenção manifesta de parar o país a ponto de, por eventual falta de serviços mínimos para o essencial, o país ficar sem bens modernamente considerados essenciais como combustíveis para serviços estratégicos, medicamentos abastecimento de víveres, etc. 
Paralelamente Francisco São Bento diz mais:
Pensamos que ou deverá existir algum equívoco por parte de quem emitiu esta notícia ou a difusão da mesma teve o intuído de fazer silenciar quem tenta lutar pelos Trabalhadores. Também não compreendemos como é possível o SNMMP ainda não ter sido notificado e outros terem tido conhecimento antecipado desta situação. Uma coisa é certa, hoje, mais uma vez, fica confirmado que o SNMMP tinha toda a razão em ter decretado a greve a 9 de agosto, pois o poder instituído tem de ser combatido.”.
Mais uma vez o sindicato erra o alvo na sua declaração: a greve não é contra o poder político instituído, mas contra o excesso de poder económico dos patrões à custa da exploração dos trabalhadores. Assim, dá razão a quem acusa a greve de feição política!
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Entretanto, o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS) esclareceu que “o Ministério Público solicitou informações à DGERT, no âmbito de um processo por si desencadeado, sobre algumas normas estatutárias do sindicato em causa”. E, “na sequência deste pedido, a DGERT analisou os aspetos específicos requeridos pelo MP, tendo remetido a sua apreciação fundamentada a esse respeito”, sendo que agora cabe ao MP “a promoção da declaração judicial de extinção da associação sindical ou empresarial, caso entenda que a sua constituição ou os seus estatutos são desconformes com a lei”. Ao mesmo tempo, acrescenta o MTSSS, “só uma decisão judicial transitada em julgado pode, a partir do momento da publicação em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) dos estatutos de associações empresariais e sindicais, decretar a extinção de uma associação empresarial ou sindicato”. E o comunicado conclui:
Assim, a associação em causa continua a ter personalidade e capacidade jurídica para tal, enquanto não for proferida decisão judicial transitada em julgado e o cancelamento do seu registo não for publicado no BTE”.
Assim, nas negociações com a ANTRAM (Associação Nacional dos Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias), na mediação feita em nome do Governo e numa eventual greve, o SNMMP não fica sob o efeito da dissolução ou extinção e continua com personalidade e capacidade jurídicas até sentença transitada em julgado e publicada no BTE.
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O advogado Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito do trabalho, explicou à Rádio Observador que “havia pessoas nos órgãos sociais que nunca exerceram a atividade de camionista”. Ora, para se exercer cargos nos órgãos sociais, é necessário estar filiado no sindicato. O advogado não percebe “como é que alguém pode ser filiado num sindicato sem realizar essa atividade” e sublinha que a existência de uma cláusula que, em teoria, abre a pertença ao sindicato “a qualquer pessoa” é uma forma de “esvaziar” o objetivo do sindicato. E pode ser, no entender de Gonçalves da Silva, essa a base do pedido do MP. “Podem ser estas as questões que estão na base do pedido”, afirma Gonçalves da Silva. “Ninguém tem dúvidas de que alguém que não exerce uma determinada atividade não pode ser filiado nesse sindicato”, acrescenta, sublinhando que isto é “claro para o comum dos cidadãos”. A verificação destas condições faz parte do processo de fundação do sindicato, durante o qual são analisados os estatutos e a ata da assembleia constituinte. Se houver necessidade de efetuar mudanças, o sindicato é notificado para que o faça. Se não o fizer, então o MP pode avançar com uma ação de extinção como a que está em causa aqui.
E, questionado sobre se esta ação pode ser uma forma de evitar a próxima greve convocada pelo sindicato, o especialista em direito do trabalho, diz acreditar que o MP “não esteve sujeito nem condicionado por timings políticos”. “Não creio que o MP se deixasse condicionar. Fê-lo quando teve condições” (Nas férias judiciais? - pergunto), afirma, sublinhando que “havia manifestas e evidentes situações de ilegalidade” e que a ação até foi “algo lenta”. Na análise deste especialista, o sindicato já deverá ter recebido a possibilidade de corrigir os estatutos para os colocar de acordo com a lei – enfrentando agora este pedido relativo à extinção. Terá o sindicato ocultado o facto de ter sido notificado?
Sendo decidida a extinção, o sindicato será extinto, e umas horas depois, eventualmente, será criada uma nova associação”, acrescenta o advogado, sublinhando que “mesmo que esteja em causa a extinção da associação sindical, nada impede que 24 ou 48 horas depois haja uma nova, com os mesmos objetivos e com os mesmos filiados”. Uma coisa é certa: se o sindicato for extinto, o pré-aviso da greve convocada para a partir de 7 de setembro cai: “A greve não poderia ser decidida por uma entidade que deixa de ter existência jurídica”.
Mas o advogado não responde à questão das férias judiciais e aos factos de o processo ainda não ter chegado às mãos do juiz e de o sindicato ainda não ter sido citado para poder contestar. E, ainda que a instância julgue pela extinção, ainda há a possibilidade de recurso.
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A ANTRAM defende que o sindicato dos motoristas deve desconvocar a greve perante a “sombra que paira” sobre a sua constituição”, após o MP ter pedido a dissolução da estrutura.
André Matias de Almeida, advogado e porta-voz dos patrões, em declarações à Lusa, disse:
A ANTRAM tomou conhecimento deste pedido pela comunicação social. A confirmar-se, é um pedido com natural gravidade. Não nos vamos pronunciar sobre uma matéria que é da justiça, a justiça tem o seu tempo, todavia não podemos ficar alheios ao impacto que uma situação destas terá numa greve que, a existir, poderá ter um problema grave para os trabalhadores.”.
Em defesa dos direitos dos trabalhadores, o SNMMP deve assim “desconvocar a greve até que este processo esteja esclarecido”, considerou também o advogado.
Não me parece que tenha que o fazer à face da nossa lei processual, ainda que socialmente isso possa ser conveniente, como o é a melhoria salarial e a das condições de trabalho. No entanto, cada macaco no seu galho, patrões a defender os interesses dos patrões e trabalhadores a defender os interesses dos trabalhadores, com advogados a assessorar uns ou outros, mas ninguém a jogar ao mesmo tempo nos dois tabuleiros. Caso contrário, baralha-se a dialética capital-trabalho, que é proveitosa para que a sociedade e o progresso avancem.
2019.08.28 – Louro de Carvalho

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