O Ministério Público (MP) pediu a
dissolução do Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) numa ação que deu entrada este mês junto do Tribunal do
Trabalho de Lisboa
O MP sustenta haver “desconformidades” na constituição e
nos estatutos do SNMMP, razão pela qual pediu a sua extinção junto do Tribunal
de Trabalho de Lisboa.
Na área de distribuição de processos do Portal CITIUS, do Ministério da Justiça, é
possível verificar que a Petição Inicial, que tem como “autor” o MP e como
“réu” o SNMMP, deu entrada no Juízo do Trabalho de Lisboa a 9 de agosto, foi
distribuída ao Juiz 3 no dia seguinte e o processo está classificado como “Impugnação
Estatutos/Delib. Assembleias/Atos Eleitorais”.
Segundo apurou a agência Lusa junto de fontes judiciais, como a ação deu entrada em período
de férias judiciais, só no início de setembro o processo chegará às mãos do
juiz a quem foi distribuído, razão pela qual o SNMMP ainda não foi “citado”
para se pronunciar. Assim pode, segundo o DN
e o Observador, ler-se
numa nota do site da comarca de
Lisboa:
“O Ministério
Público do Juízo do Trabalho de Lisboa instaurou uma ação declarativa de
Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP – Sindicato Nacional dos
Motoristas de Matérias Perigosas. A referida ação foi instaurada na sequência da
Apreciação Fundamentada sobre a legalidade da constituição e dos Estatutos do
SNMMP, a qual foi, nos termos da lei, efetuada pela DGERT – Direção-Geral do
Emprego e das Relações do Trabalho e remetida ao Ministério Público. Da
análise do processo de constituição e dos estatutos da mencionada associação,
concluiu-se pela existência de desconformidades com preceitos legais de caráter
imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo
menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito
profissional indicado nos estatutos.”.
***
Pedro Pardal Henriques estranha o processo e diz
que os estatutos foram “sindicados pelo MP” e por vários juristas, ao passo que
o MP diz que a fundação do sindicato
viola os estatutos; e Pardal Henriques diz que o processo feito agora é “ataque
claro às vozes que se levantam contra a corrupção”. E a ANTRAM quer
desconvocação da greve.
A Procuradoria-Geral
da Republica (PGR) diz que, “da análise do processo
de constituição e dos estatutos da mencionada associação, concluiu-se pela
existência de desconformidades com preceitos legais de caráter imperativo,
designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma
pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional
indicado nos estatutos”. Porém, a predita nota ou comunicado não diz se a
pessoa em causa é Pardal Henriques, o advogado que assumiu as funções de porta-voz
do sindicato durante as duas greves dos motoristas, mas que também já foi vice-presidente
do sindicato. Porém, ao jornal ECO Pardal Henriques afirmou que era o único
membro dessa assembleia constituinte que não era motorista de matérias
perigosas.
Ao Observador Francisco São Bento,
presidente do SNMMP, disse estar surpreendido com
a ação judicial e estar, neste momento, a analisar o processo.
O advogado
Pardal Henriques, que foi o porta-voz do sindicato durante a greve e que já foi
vice-presidente do SNMMP, reagiu ao processo já ao final da tarde de hoje, dia
28, afirmando aos jornalistas que só teve conhecimento do caso pela comunicação
social e considerando-o um “ataque claro às vozes que se levantam contra a
corrupção, contra a fraude fiscal e contra os baixos salários”. Diz que é
“estranho” que o sindicato e os respetivos estatutos tenham sido aprovados e
“sindicados pelo Ministério Público e por vários juristas da DGERT”, e que “só
depois de vários meses, depois das lutas que temos travado contra os poderes
que estão instituídos, que estão instalados e que estão a prejudicar os
trabalhadores, venham agora dizer que afinal, se calhar, aqueles estatutos não
estariam em condições”.
O advogado
garante que “nada foi feito contra os estatutos”, assinalando que as normas
internas permitem que sejam sócios os motoristas, quem tenha sido motorista e pessoas
que contribuam para os fins do sindicato, bem como preveem a existência de
sócios honorários. Porém, as pessoas não motoristas “só são admitidas no
sindicato depois de serem aprovados pela Assembleia Geral”.
Com efeito,
no artigo 8.º dos estatutos do SNMMP, constam as três condições para a admissão
dos membros. Assim, podem aderir ao sindicato todas as pessoas que (a) “exerçam
a atividade de motorista de matérias perigosas”; (b) “tenham exercido a
atividade de motorista de matérias perigosas, e que pela prática de atos
relevantes, contribuam para o prestígio e desenvolvimento da Associação”; e
ainda todos os que (c) “desenvolvam
atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da Associação”.
Ora, em tese, esta última alínea permitiria que, em teoria, qualquer pessoa
faça parte do sindicato.
A este respeito,
Pardal Henriques confessa:
“Eu não sou motorista de matérias perigosas,
obviamente. Mas também não estou como associado deste sindicato contrariamente
àquilo que os estatutos preveem.”.
E continua
dizendo que, “se é uma irregularidade, basta que o Ministério Público nos
notifique e nos diga: o Dr. Pedro Pardal Henriques não pode ser associado deste
sindicato porque nós entendemos que não”. E, relativamente à possibilidade de
haver ou não irregularidades nos estatutos, o advogado diz que o sindicato está
disponível para as retificar, mas que nunca foi notificado para o fazer. Isto
no quadro da sanação de irregularidades.
Aqui tenho
de lhe dar razão. O sindicato, em caso de irregularidade à face dos estatutos, devia
ter sido anteriormente notificado para se fazer a correção de alguma irregularidade,
em vez de ser intentada ação judicial contra ele. Com efeito, “não é o MP que
vem agora dizer ‘olha, vamos fechar um sindicato, porque há aqui um artigo que
não está em conformidade’. A haver irregularidade, o sindicato deveria ser
notificado para a sanar. Caso não fosse sanada, é que se partia para a
dissolução.”.
***
Já depois
das declarações de Pedro Pardal Henriques, o presidente do SNMMP fez chegar aos
meios de comunicação social um comunicado em que se declara que “é, no mínimo, insólito o Ministério Público
instaurar uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical, quer porque
estamos em férias judiciais quer porque até hoje o SNMMP nunca foi notificado
de qualquer irregularidade dos estatutos”. E, no entender do SNMMP “qualquer irregularidade seria sempre
sanável, nunca estando em causa a extinção”.
Francisco
São Bento vai mais longe e acusa o MP de estar alinhado com o Governo,
considerando que a decisão do MP “coloca
em causa o Estado de Direito, violando um dos pilares da nossa democracia que é
a da separação de poderes, nomeadamente entre o poder executivo e o poder
judicial”. Esquece que o MP não é o poder judicial (este está
nos tribunais); é o
acusador público em nome do interesse público, que, à falta de melhor (o que se
apura em tribunal), coincide
com o que está nas leis cuja execução cabe ao Governo.
No entanto,
há motivos aparentes para se aceitar o que diz o sindicato que “é óbvio que estamos perante uma tentativa de
acabar com o Direito à Greve e a liberdade sindical, recorrendo a todos os
estratagemas possíveis, mas o SNMMP garante que os seus Associados se manterão
unidos contra este terrorismo sindical”. De facto, o Governo parece ter
exagerado no âmbito dos serviços mínimos talvez por força do período
pré-eleitoral em que parece valer a apresentação dum Governo musculado contra
ventos e marés para que nada de essencial faltasse aos portugueses. Mas isso é
terrorismo governativo e não terrorismo sindical. Terrorismo sindical é a
intenção manifesta de parar o país a ponto de, por eventual falta de serviços
mínimos para o essencial, o país ficar sem bens modernamente considerados
essenciais como combustíveis para serviços estratégicos, medicamentos abastecimento
de víveres, etc.
Paralelamente
Francisco São Bento diz mais:
“Pensamos que ou deverá existir algum
equívoco por parte de quem emitiu esta notícia ou a difusão da mesma teve o
intuído de fazer silenciar quem tenta lutar pelos Trabalhadores. Também não
compreendemos como é possível o SNMMP ainda não ter sido notificado e outros terem
tido conhecimento antecipado desta situação. Uma coisa é certa, hoje, mais uma
vez, fica confirmado que o SNMMP tinha toda a razão em ter decretado a greve a
9 de agosto, pois o poder instituído tem de ser combatido.”.
Mais uma vez
o sindicato erra o alvo na sua declaração: a greve não é contra o poder
político instituído, mas contra o excesso de poder económico dos patrões à custa
da exploração dos trabalhadores. Assim, dá razão a quem acusa a greve de feição
política!
***
Entretanto,
o Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS) esclareceu que “o Ministério
Público solicitou informações à DGERT, no âmbito de um processo por si
desencadeado, sobre algumas normas estatutárias do sindicato em causa”. E,
“na sequência deste pedido, a DGERT
analisou os aspetos específicos requeridos pelo MP, tendo remetido a sua
apreciação fundamentada a esse respeito”, sendo que agora cabe ao MP “a promoção da declaração judicial de
extinção da associação sindical ou empresarial, caso entenda que a sua
constituição ou os seus estatutos são desconformes com a lei”. Ao mesmo
tempo, acrescenta o MTSSS, “só uma
decisão judicial transitada em julgado pode, a partir do momento da publicação
em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) dos estatutos
de associações empresariais e sindicais, decretar a extinção de uma associação
empresarial ou sindicato”. E o
comunicado conclui:
“Assim, a associação em causa continua a ter
personalidade e capacidade jurídica para tal, enquanto não for proferida decisão
judicial transitada em julgado e o cancelamento do seu registo não for
publicado no BTE”.
Assim, nas negociações com a ANTRAM (Associação Nacional dos Transportadores Públicos
Rodoviários de Mercadorias), na mediação feita
em nome do Governo e numa eventual greve, o SNMMP não fica sob o efeito da
dissolução ou extinção e continua com personalidade e capacidade jurídicas até
sentença transitada em julgado e publicada no BTE.
***
O advogado
Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito do trabalho, explicou à Rádio Observador que “havia pessoas nos órgãos sociais que nunca
exerceram a atividade de camionista”. Ora, para se exercer cargos nos
órgãos sociais, é necessário estar filiado no sindicato. O advogado não percebe “como é que alguém pode ser filiado num sindicato sem realizar essa
atividade” e sublinha que a existência de uma cláusula que, em
teoria, abre a pertença ao sindicato “a qualquer pessoa” é uma forma de “esvaziar”
o objetivo do sindicato. E pode ser, no entender de Gonçalves da Silva, essa a
base do pedido do MP. “Podem ser estas as
questões que estão na base do pedido”, afirma Gonçalves da Silva. “Ninguém tem dúvidas de que alguém que não
exerce uma determinada atividade não pode ser filiado nesse sindicato”,
acrescenta, sublinhando que isto é “claro para o comum dos cidadãos”. A
verificação destas condições faz parte do processo de fundação do sindicato,
durante o qual são analisados os estatutos e a ata da assembleia constituinte.
Se houver necessidade de efetuar mudanças, o sindicato é notificado para que o
faça. Se não o fizer, então o MP
pode avançar com uma ação de extinção como a que está em causa aqui.
E, questionado
sobre se esta ação pode ser uma forma de evitar a próxima greve convocada
pelo sindicato, o especialista em direito do trabalho, diz acreditar que o MP “não
esteve sujeito nem condicionado por timings políticos”. “Não creio que o MP se deixasse condicionar.
Fê-lo quando teve condições” (Nas férias judiciais? - pergunto), afirma, sublinhando que “havia manifestas e
evidentes situações de ilegalidade” e que a ação até foi “algo lenta”. Na
análise deste especialista, o sindicato já deverá ter recebido a possibilidade
de corrigir os estatutos para os colocar de acordo com a lei – enfrentando
agora este pedido relativo à extinção. Terá o sindicato ocultado o facto de ter
sido notificado?
Sendo
decidida a extinção, o sindicato será extinto, e umas horas depois,
eventualmente, será criada uma nova associação”, acrescenta o advogado,
sublinhando que “mesmo que esteja em
causa a extinção da associação sindical, nada impede que 24 ou 48 horas depois haja uma nova, com os mesmos
objetivos e com os mesmos filiados”. Uma coisa é certa: se o sindicato for
extinto, o pré-aviso da greve convocada para a partir de 7 de setembro cai: “A greve não poderia ser decidida por uma
entidade que deixa de ter existência jurídica”.
Mas o
advogado não responde à questão das férias judiciais e aos factos de o processo
ainda não ter chegado às mãos do juiz e de o sindicato ainda não ter sido
citado para poder contestar. E, ainda que a instância julgue pela extinção,
ainda há a possibilidade de recurso.
***
A ANTRAM defende
que o sindicato dos motoristas deve desconvocar a greve perante a “sombra que
paira” sobre a sua constituição”, após o MP ter pedido a dissolução da
estrutura.
André Matias
de Almeida, advogado e porta-voz dos patrões, em declarações à Lusa, disse:
“A ANTRAM tomou conhecimento deste pedido
pela comunicação social. A confirmar-se, é um pedido com natural gravidade. Não
nos vamos pronunciar sobre uma matéria que é da justiça, a justiça tem o seu
tempo, todavia não podemos ficar alheios ao impacto que uma situação destas
terá numa greve que, a existir, poderá ter um problema grave para os
trabalhadores.”.
Em defesa
dos direitos dos trabalhadores, o SNMMP deve assim “desconvocar a greve até que
este processo esteja esclarecido”, considerou também o advogado.
Não me parece
que tenha que o fazer à face da nossa lei processual, ainda que socialmente
isso possa ser conveniente, como o é a melhoria salarial e a das condições de
trabalho. No entanto, cada macaco no seu galho, patrões a defender os
interesses dos patrões e trabalhadores a defender os interesses dos
trabalhadores, com advogados a assessorar uns ou outros, mas ninguém a jogar ao
mesmo tempo nos dois tabuleiros. Caso contrário, baralha-se a dialética
capital-trabalho, que é proveitosa para que a sociedade e o progresso avancem.
2019.08.28 – Louro de Carvalho
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