quinta-feira, 22 de agosto de 2019

O certo é que a Amazónia, o pulmão do mundo, está a arder


Imagens captadas pela NASA mostram o fumo vindo da Amazónia, onde ocorrem 52,6% dos fogos do Brasil. Os fogos aumentam ali e os fumos escurecem os céus. Bolsonaro diz que o alto número de incêndios na Amazónia é normal, já que “é época de queimada por lá” e responde ironicamente a quem o responsabiliza e diz que passou de “Capitão motosserra” a “Nero”.
Segundo os observadores, o número de incêndios no Brasil cresceu 84% até ao dia 20 de agosto deste ano (o país registou 74.155 focos até esse dia), em comparação com período homólogo de 2018.
Na Amazónia, o bioma (conjunto de ecossistemas) mais afetado no país, a dimensão dos fogos já permitiu que manchas de fumo fossem captadas em imagens da NASA.
Segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Amazónia regista 39.033 focos, ou seja, 52,6% dos incêndios no país, seguindo-se o cerrado (ecossistema que cobre um quarto do território do Brasil) com 30,1% dos focos registados, neste ano, até agora.
Nas imagens de satélites da NASA podem ver-se 4 dos 8 estados que a Amazónia – região coberta de manchas de fumo – ocupa no país: Mato Grosso, Amazonas, Rondónia e Pará. E Mato Grosso é o estado com mais focos de incêndios no Brasil, com 13.999, sendo seguido pelo Pará, com 9.818. O número de focos de incêndio no país já é o maior dos últimos 7 anos.
Sobre o fenómeno dos incêndios, a agência explica que em “julho e agosto a atividade tipicamente aumenta, devido à chegada da época seca”, mas costuma atingir “o seu pico no início de setembro”. Embora o caso no território brasileiro seja crítico, a NASA garante que no território da bacia amazónica – que percorre 8 países diferentes – o registo de incêndios “estava ligeiramente abaixo da média em comparação com os últimos 15 anos”.
A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta. Tem cerca de 5 milhões e meio de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (território pertencente à França).
Jair Bolsonaro reagiu à divulgação dos dados, lamentando a responsabilidade que lhe atribuem na destruição da Amazónia e dizendo com ironia que passou de “capitão motosserra” a “Nero”, o imperador acusado de incendiar e destruir Roma.
Depois de responder ironicamente, Bolsonaro passou ao ataque e colocou em cima da mesa a possibilidade de os incêndios que deflagram na Amazónia brasileira terem sido causados por ONG (Organizações Não Governamentais) para prejudicarem o Governo, estando na origem de tais ações os cortes em fundos do Governo destinados a essas organizações.
A agência Reuters refere que, ao perguntarem ao Presidente brasileiro, à saída do Palácio da Alvorada, em Brasília, se tinha provas que justificassem as acusações, Bolsonaro disse que não existia nada escrito e acrescentou:
Não é assim que as coisas funcionam (…) O crime existe, e isso aí nós temos que fazer o possível para que esse crime não aumente, mas nós tiramos dinheiros de ONG. Dos repasses de fora, 40% ia para as ONG. Não tem mais. (…) De forma que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro.”.
No início de agosto, o Governo do Amazonas decretou situação de emergência no sul do Estado e na Região Metropolitana de Manaus devido ao “impacto negativo da desflorestação ilegal e queimadas não autorizadas”.
Segundo o site do Estado do Amazonas, “o Amazonas registou, de janeiro a julho deste ano, 1.699 focos de calor (focos com temperatura acima de 47°C, registados por satélite, que indicam a possibilidade de fogo) e, destes, 80% foram registados em julho, mês em que teve início o período de estiagem”.
Também o Governo do Acre declarou, no dia 16, o estado de alerta ambiental devido aos incêndios em matas.
O pesquisador Alberto Setzer explicou ao jornal Estadão que o clima em 2019 está mais seco do que no ano passado, o que propicia incêndios, mas garante que grande parte deles não tem origem natural. E frisou:
Nesta época do ano não há fogo natural. Todas essas queimadas são originadas em atividade humana, seja acidental, seja propositada. A culpa não é do clima, ele só cria as condições, mas alguém coloca o fogo.”.
A expectativa do especialista é que a situação piore nas próximas semanas com a intensificação da seca. E o INPE, órgão do governo brasileiro que faz o levantamento dos dados sobre a desflorestação e queimadas no país, foi alvo de críticas recentes por parte do Presidente Bolsonaro, que acusou o Instituto de estar a serviço de algumas ONG, por divulgar dados que apontam para o aumento da desflorestação da Amazónia sem primeiro os mostrar à tutela.
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O Presidente brasileiro quer mesmo sair airosamente da cena dos incêndios. Estranha que os incêndios deflagrem em diversas áreas da Amazónia e, por isso, acredita que podem fazer parte de um alegado plano orquestrado para prejudicá-lo, embora não tenha apresentado qualquer prova para fundamentar as suas suspeitas. E diz a este respeito:
Então, pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o Governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos.”.
O Chefe de Estado voltou a afirmar que as ONG que atuam na proteção do ambiente no Brasil estariam ao serviço de “interesses estrangeiros”.
Dados INPE, com base em imagens de satélite, indicam que as queimadas no Brasil aumentaram 82% de janeiro a agosto deste ano, em comparação com o mesmo período de 2018. Neste ano, o INPE já detetou 72 843 queimadas no país ao passo que, em 2018, detetou 39 759.
No dia 19, uma nuvem de fumo produzida por queimadas no Paraguai, Bolívia e também na região amazónica dentro do território do Brasil, transformou o dia em noite na cidade de São Paulo, onde o céu pareceu escurecer pouco depois das 15 horas locais.
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Por seu turno, as ONG brasileiras apontam que os incêndios “refletem irresponsabilidade de Bolsonaro”. São declarações que surgiram horas depois de o Presidente ter dito que as ONG brasileiras podem ser responsáveis pelos incêndios que estão a destruir a Amazónia.
A coordenação do Observatório do Clima, coligação de cerca de 50 ONG brasileiras em prol do ambiente, afirma que o “recorde de queimadas no país reflete a irresponsabilidade do Presidente Jair Bolsonaro”. O grupo indicou em comunicado: 
O fogo reflete a irresponsabilidade do Presidente com o bioma (conjunto de ecossistemas) que é património de todos os brasileiros, com a saúde da população da Amazónia e com o clima do planeta, cujas alterações alimentam a destruição da floresta e são por ela alimentadas, num círculo vicioso. (…) As queimadas são apenas o sintoma mais visível da antipolítica ambiental do Governo de Jair Bolsonaro e do seu Ministro do Meio Ambiente, o ímprobo Ricardo Salles, que turbinou o aumento da taxa de desflorestação no último ano.”.
O Observatório do Clima frisa que, desde que assumiram os seus mandatos, Bolsonaro e Salles têm “desmontado as estruturas de governança ambiental e os órgãos de fiscalização”. Alguns dos exemplos citados pelo grupo de ONG são a extinção de órgãos responsáveis por planos de controlo da desflorestação na Amazónia, os cortes de verbas dedicadas à proteção ambiental, a redução de ações de fiscalização e a suspensão do Fundo Amazónia.
Pode ler-se no site da predita coligação das ONG:
A combinação de autoritarismo e fanatismo ideológico do Presidente e do seu ministro transformam em fumaça não apenas as árvores da Amazónia e a reputação do Brasil, mas também o bem-estar de uma população que o Governo federal deveria proteger e o nosso acesso a mercados internacionais e a investimentos”.
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Da responsabilidade do Capitão Motosserra e Nero (assim se autoapelidou Bolsonaro) dos incêndios na Amazónia, que o Presidente diz ser “nenhuma”, além das ONG, falam outras entidades.
De facto, a dimensão dos incêndios é assustadora, Só nesta semana arderam 68 áreas protegidas no Brasil, em terras indígenas e em unidades de conservação. De 2018 para 2019, o número de incêndios (quase 73 mil focos de incêndio em 2019) cresceu 83%, incluindo áreas indígenas. Especialistas afirmam que há relação entre a política de desmatamento de Bolsonaro e os fogos. E o Ministro do Meio Ambiente fala em fake news e sensacionalismo.
No passado dia 19, os quase 20 milhões de paulistanos assustaram-se por, a meio de uma tarde supostamente de sol, verem afinal o céu escuro, preto, como se estivessem no meio de um filme apocalíptico de ficção científica. Entretanto, voos no norte do país foram desviados das rotas por falta de visibilidade causada pelo excesso de fumo. No Parque Nacional da Ilha Grande, no Paraná, arderam 33 mil hectares, a Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, perdeu 12% da sua área, o Parque do Araguaia, no Tocantins, soma mais de 1000 incêndios este ano.
E a pergunta política do momento no Brasil é: O aumento dos incêndios tem a ver com o desmatamento promovido pelo presidente Jair Bolsonaro ou não?
Segundo o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia), outro órgão governamental, há relação entre desmatamento e incêndios: os municípios com mais problemas de fogos (em Estados como a Rondónia, o Roraima, o Pará e o Amazonas) são aqueles onde houve mais desmatamento.
Arnaldo Carneiro, pesquisador daquele Instituto frisa que “todo o desmatamento gera uma queimada”. E o académico aponta o dedo a Bolsonaro pelo enfraquecimento da fiscalização ambiental promovido pelo Governo, que acusa os diversos institutos públicos de agirem como “ambientalistas xiitas”. Ricardo Salles, o controverso Ministro do Meio Ambiente, chamou de fake news a associação da escuridão vespertina de São Paulo ao desmatamento, baseado em dados de especialistas que atribuem a situação à frente fria associada a queimadas no Paraguai. E, no âmbito dos incêndios, culpou apenas o tempo seco.
Assim, as opiniões dividem-se: Bolsonaro, que pergunta se querem que culpe os marcianos ou os índios, atribui o aumento de 83% dos incêndios em 2019 – que alastram pela Amazónia e vão deixando cidades às escuras a meio da tarde e obrigando voos a desviarem a rota por falta de visibilidade, entre outros efeitos – ao vento, a queimadas e até a fogos postos por ONG brasileiras; os institutos públicos ambientalistas apontam o dedo ao Planalto, encontrando relação entre as políticas do Ministério do Meio Ambiente, de incentivo ao desmatamento, e o aumento dos incêndios; e Marina Silva, ex-ministra da área e candidata à presidência por três vezes fala em “barbárie”.
Na escalada de argumentos, Bolsonaro chegou até a avançar com a possibilidade de terem sido ONG brasileiras a atear fogo na floresta, acusação que reiterou hoje, dia 22, interpelando:  
Quer que eu culpe os índios? Quer que eu culpe os marcianos? É, no meu entender, um indício fortíssimo que é esse pessoal de ONG que perdeu a teta deles, é simples.”.
O Presidente até admitiu que a culpa pelos incêndios pode ser dos fazendeiros, garantindo: “Todo o mundo é suspeito. Mas a maior suspeita vem de ONG.”. “Não se tem prova disso. Ninguém escreve isso: eu vou queimar lá”.
Na véspera, justificara o alto número de incêndios na floresta com a estação do ano: “É a época da queimada por lá...”.
O Ministro do Meio Ambiente atribui “ao tempo seco, vento e calor o aumento dos incêndios em todo o país”. Pelo Twitter anunciou:
Os membros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, além de equipamentos e aeronaves, estão integralmente à disposição dos estados e já em uso”.
O jornal O Estado de S. Paulo noticiou que o dinheiro usado para combater os fogos vem da verba destinada por países europeus para preservar a Amazónia, apesar de o Presidente ter dito que o Brasil não precisava disso, numa troca de farpas com o Governo alemão e o norueguês.
O susodito ministro foi vaiado durante o 3.º dia da Semana Latino-Americana e Caribenha do Clima, realizada em Salvador, pelo que recusou falar à imprensa presente e alterou a sua agenda.
Os especialistas, que se têm manifestado sobretudo por meio de comunicados oficiais, discordam de Bolsonaro e de Salles. E, segundo uma nota técnica dos pesquisadores do IPAM, “as chamas costumam seguir o rasto do desmatamento: quanto mais derrubadas as árvores, maior é o número de focos de calor”. O levantamento feito pelo Instituto aponta que os dez municípios amazónicos que mais registaram focos de incêndios foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento, na Rondónia, no Roraima, no Pará e no Amazonas.
Recorde-se que Arnaldo Carneiro, apontando o dedo ao Governo pelo enfraquecimento da fiscalização ambiental, diz que “todo o desmatamento gera uma queimada”.
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, diz que o Governo “é irresponsável” e vinca:
A Amazónia está em chamas. O Ministro do Meio Ambiente fala em fake news e sensacionalismo. O presidente diz que ONG podem estar por trás disso. A falta de compromisso com a verdade é uma patologia crónica. Essa atitude irresponsável só agrava a emergência ambiental no Brasil. (…) Estamos vivendo um momento de barbárie ambiental no Brasil, promovida pelo governo Bolsonaro. O povo brasileiro, sua parcela sensível e consciente, deve responder em nome das gerações futuras, da Amazónia e de toda a natureza.”.
O colunista Joel Pinheiro da Fonseca, do jornal Folha de S. Paulo, escreveu: 
Queimar o património ambiental parece ser projeto. (…) A população não deixa de corresponder ao discurso que vem de cima. No dia 10, fazendeiros e grileiros [pessoas que se apossam ilegalmente de terras] do sul do Pará promoveram um ‘dia do fogo’, produzindo queimadas em nível recorde.”.
O Amazonas – o enorme estado no noroeste do Brasil, coberto quase na sua totalidade pela floresta tropical da Amazónia, cuja capital, Manaus, um porto fluvial com pontos de referência que datam do ciclo da borracha de finais do século XIX, incluindo o Teatro Amazonas, uma grande casa de ópera, marca o “Encontro das Águas”, onde o rio Negro, de água negra, e o rio Solimões se juntam para formar o rio Amazonas está em 3.º lugar no ranking das queimadas neste ano com 7003 focos de incêndio, 5305 apenas em agosto, até ao dia 19. Entre 2018 e 2019, o estado do norte do Brasil registou um aumento de 146% no número de incêndios florestais. Na Rondónia, o número de queimadas disparou 190%. O estado está desde o início de agosto coberto por fumo. Pelo menos dois voos comerciais com destino ao Estado já foram desviados das rotas por falta de visibilidade pelo excesso de fumo. Mato Grosso, entretanto, é o Estado com maior quantidade de queimadas: já foram registados mais de 13 mil focos de incêndio entre janeiro e agosto deste ano. Os efeitos fazem-se sentir mesmo na região sudeste, em pontos a 2200 km da Amazónia, como São Paulo. Especialistas apontaram também queimadas no Paraguai e uma frente fria como outras causas, além das queimadas, para o escurecimento dos céus.
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Enfim, a salvação da Amazónia, pulmão do mundo, passa também pela travagem aos incêndios!
2019.08.22 – Louro de Carvalho

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