Celebra-se, a 20 de agosto, a memória litúrgica de São Bernardo de
Claraval, abade e doutor da Igreja, que nasceu perto de Dijon (França), em 1090, e recebeu uma piedosa educação. Tendo entrado com
trinta companheiros no novo mosteiro de Cister, foi depois fundador e primeiro
abade do mosteiro de Claraval (“Vale claro”) – a grande
abadia-mãe a que ficou ligada a maioria das abadias portuguesas e espanholas –, onde dirigiu
sábia e espiritualmente os monges pelo caminho dos mandamentos de Deus, com a
vida, doutrina e exemplo. Por causa dos cismas que ameaçavam a Igreja,
percorreu a Europa para restabelecer a paz e a unidade e ilustrou a toda a
Igreja com os seus escritos de teologia e ascética e as suas ardentes
exortações, até que, no território de Langres, na França, adormeceu no Senhor
em 1153. Foi canonizado a 18 de Julho de 1174 por Alexandre III e declarado
Doutor da Igreja por Pio VIII em 1830.
Durante
os 38 anos que durou o seu abaciado, a ação de Bernardo marcou definitivamente
a política de França e do próprio Ocidente medieval, enquanto Cister atinge 165
mosteiros, tendo o próprio fundado cerca de 68.
Homem
de constituição frágil, exigente no cumprimento da Regra e da penitência,
dividia as horas entre a oração e o trabalho manual. Pretendia fazer reviver
aos cistercienses a austeridade e pureza monástica no seu hábito branco e a
vida em comunidade no mais absoluto silêncio.
Como
Doutor da Igreja destacam-se os seus escritos, sermões, planos e projetos que
estruturavam as suas ideias dentro da própria Ordem.
Bernardo
é autor de diversos escritos onde ressalta a doçura e a dedicação a Deus como
entidade de amor e caridade, mas evidenciou-se sobretudo por ser o grande impulsionador
do culto e contemplação de Maria, bem como o autor da Regra para a Ordem dos
Cavaleiros Templários.
No
âmbito da devoção a Maria, podiam ser anotados vários episódios, mas ficamo-nos
pelo atinente à composição da Salve
Regina, de que não é autor inicial, mas compositor do remate.
***
Muitas
pessoas são indicadas como possíveis autores desta antífona tão rezada e
cantada. Até há quem sustente que seria um hino dos combatentes da Primeira
Cruzada. Mas o mais provável é que tenha
sido composta pelo monge alemão beneditino Herman Contrat, em 1050, que
nascera a 18 de julho de 1013, com graves problemas de saúde num tempo de
crises, pestes e calamidades. Os bárbaros vindos do Leste invadiam as cidades
destruindo igrejas e conventos, provocando medo, sofrimento, dor e morte.
Conta-se que, ao nascer, Miltreed, sua mãe, o consagrou à Virgem Maria. Portador
de raquitismo que o deixaria progressivamente paralítico, tinha o palato
fendido e era vítima de paralisia cerebral e esclerose amiotrófica ou atrofia
muscular espinal. Enfim, tinha enorme dificuldade em movimentar-se e quase não
falava. Era uma das pessoas que tinha tudo para dar errado na vida. Os pais não
suportavam o peso de criar uma criança com aqueles problemas e confiaram-no, aos
sete anos de idade, aos monges beneditinos que o acolheram no mosteiro para os
estudos em regime de internato.
Naquele
ambiente de silêncio, trabalho, estudo e oração, Contrat foi superando cada um
dos seus limites por meio da disciplina perseverante. Jamais perdeu a fé na vida
e a vida de fé. Era um apaixonado pela ciência e pelas artes. É notável o seu
exemplo de autossuperação. Tornou-se astrónomo, matemático, físico, teólogo,
poeta e músico. Compôs diversas antífonas e canções para a liturgia, devendo,
para se entender o tom dramático de seus poemas e melodias, situarmo-nos na
Europa do século XI que passava por guerras, devastações e muitas
calamidades. A Salve Regina é uma destas saudações-prece
que reconhece as dificuldades desta vida em que, tantas vezes, “gememos e
choramos neste vale de lágrimas” e que revela a pedagogia da piedade mariana
acentuando que Maria tem a função de nos mostrar Jesus, o fruto bendito do seu
ventre.
Conhecendo
um pouco a história deste monge, é possível entender o significado da saudação-prece.
Mas no último segmento discursivo, a oração não estaciona na tragédia. Contrat
é um homem de fé e esperança. Ele acredita que Deus sempre prepara um final
feliz para quem se coloca em seus braços e confia na sua misericórdia
providente. A oração que sai dos seus lábios é uma declaração
de confiança amorosa no Deus que jamais nos abandona.
Aos 20 anos,
Herman Contrat tornou-se monge beneditino e passou a sua vida na Abadia de
Reichenau, numa ilha do Lago Constança, no sul da Alemanha. Acabou por se
tornar o Mestre dos Noviços. Além da famosa Salve
Regina, chegaram até nós outras obras. Compôs ofícios em memória de alguns
santos; elaborou um tratado de música; tem alguns escritos sobre geometria e
aritmética e são famosos os seus tratados sobre astronomia. Ofereceu importante
contribuição para o aperfeiçoamento do astrolábio, que iria tornar possíveis as
grandes navegações. Foi historiador fecundo que numa única obra reuniu os
diversos relatos do cristianismo desde o nascimento de Cristo, até por volta do
ano mil. Aprendeu diversos idiomas, incluindo árabe, grego e latim. E construiu
novos instrumentos musicais e astronómicos.
Os seus limites
iam aumentando e ele ultrapassava-os um a um. No final da vida, como se não
bastasse mais nada, ficou cego. Parece que este seria o limite determinante
para parar a força de superação de Herman Contrat. Mas foi nesta fase que ele
compôs a obra-prima que deixaria a sua marca diária na história da humanidade
até os nossos dias: a Salve Regina.
Faleceu no mosteiro de Reichenau no dia 24 de setembro de 1054. Foi beatificado
em 1863.
Mas Contrat
não compôs toda a Salve Regina como a
conhecemos hoje. A oração originalmente terminava na frase: “Et Iesum, benedictum fructum ventris tui,
nobis post hoc exsilium ostende” (“E,
depois deste desterro, mostra-nos Jesus, bendito fruto do teu ventre”). É curioso que o poema orante não pronunciava em
nenhum momento o nome de “Maria”. Nem admira, pois também os dizeres do Anjo e
os de Isabel, para Maria, não dizem o nome da interlocutora. Já o Anjo quando
fala com José pronuncia o nome de Maria, como pronunciou o nome de Isabel
quando falou com Maria. É economia e a pertinência do discurso oral.
Passaram-se
cerca de cem anos. E a antífona rapidamente se tornou muito popular. Era
cantada e rezada com frequência em muitos lugares. Numa dessas ocasiões foi a
oração escolhida para uma celebração na Catedral de Espira. Estavam presentes
personalidades importantes como o Imperador Conrado. No meio do povo, quase anónimo,
estava um jovem desconhecido que, mais tarde, o mundo conhecerá como São Bernardo, o “cantor da Virgem Maria”.
Foi ele quem popularizou para Maria, por exemplo, o título de “Nossa Senhora”.
Dantes, era Santa Maria. O jovem Bernardo, naquele dia, uniu-se ao coro que
entoava a Salve Regina naquela catedral. Mas, quando todos terminaram e se fez o
reverente silêncio, a voz do jovem continuou com a inspirada frase em latim
que ele criou naquele momento: “O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria”.
A partir de então, o verso improvisado passou a integrar a antífona e é assim
que a terminamos hoje: “Ó clemente, ó
piedosa, ó doce sempre Virgem Maria”.
***
E, por
falarmos de Nossa Senhora, não posso deixar de falar do gesto de ontem, dia 19
de agosto, das minhas duas meninas.
Depois
de um momento de entretimento no parque infantil público de Santa Maria de
Lamas, as duas, uma de 6 anos e outra de quase 4, correram à apanhada e
colheram flores bravias no resto do Parque ajardinado adjacente à igreja
paroquial. Depois contemplaram o cenário bucólico-religioso da Virgem de Fátima
em cima do toco da azinheira e a cujos pés estão ajoelhados São Francisco Marto,
Santa Jacinta Marto e a Venerável Lúcia, ficando de pé atrás de cada pastorinho
uma ovelha. As meninas passaram as mãos pelas ovelhas e a mais velha
ajoelhou-se ao lado esquerdo de São Francisco Marto, pôs as mãos muito
direitinhas e, olhando para a imagem de Nossa Senhora, rogava reiteradamente: “Olha para mim! Olha para mim!”. E pedia
à mana; “Mana, imita-me! Mana, imita-me!”. O que nos ensina a inocência e a candura de
criança!… Era mimetismo. Mas é bom rezar comprometendo-se a ser motivo de
imitação.
***
O Santuário de Fátima, na lógica de que intencionalmente cada
uma das seis aparições da Virgem aos pastorinhos seria sempre no dia treze de
cada um dos seis meses consecutivos selecionados, realizou e acolheu a Peregrinação
Internacional Aniversária de agosto, evocativa da 4.ª aparição, no passado dia
13, presidida pelo Prefeito da Congregação para os Bispos, a que fizemos referência
oportunamente. Porém, apesar da multidão reunida, a Senhora não apareceu nesse
dia de 1917 porque os pastorinhos estavam retidos em Ourém pelo administrador
do concelho, para interrogatório. E a aparição ocorreu a 19 de agosto nos
Valinhos, a uns 500 metros do lugar de
Aljustrel. Aí, a Virgem pediu aos videntes que continuassem a ir à Cova da Iria
no dia 13 e que rezassem o terço todos os dias. Disse-lhes Nossa Senhora:
“Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios
pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se
sacrifique e peça por elas”.
O monumento
celebrativo desta aparição foi construído a expensas dos católicos húngaros e
inaugurado a 12 de agosto de 1956. A branca imagem de Nossa Senhora de Fátima é
obra da escultora Maria Amélia Carvalheira da Silva.
Assim, além da Peregrinação de 13 de agosto, já referida, o
Santuário promoveu momentos celebrativos da aparição no passado dia 19.
O Padre
Vítor Coutinho, vice-reitor do Santuário de Fátima, presidiu à celebração da
Eucaristia na Basílica da Santíssima Trindade, de manhã, e considerou, na
homilia, que “Fátima vem assegurar e garantir a toda a humanidade e a cada um
de nós, que não estamos sós e abandonados”. E acrescentou:
“Passar por este lugar mostra que somos
acompanhados por uma presença divina que nos sustenta, mostra que somos
abraçados num colo materno que nos acolhe e se importa connosco”.
O presidente
da celebração assegurou que neste lugar em que Nossa Senhora apareceu e deixou
uma mensagem, “há um lugar para os nossos gritos e silêncios”, porque há o
sentimento de que “Deus está do lado da humanidade”. E explicitou:
“Na cruz, Cristo garante a presença de todos
os crucificados humanos e também nessas circunstâncias está Maria, que nos é
entregue como mãe e acompanha os dramas humanos com o seu cuidado materno”.
“A aparição
de agosto fala daqueles que sucumbem ao pecado”, disse. E lembrou que
“precisamos de nos sacrificar uns pelos outros, porque a vida só faz sentido
quando nos importamos com os irmãos”. É um cuidado que exige “entrega de si,
exige estar atento e solidário”, e aí Fátima “mostra [que] na vida o nosso papel não é só fazer a nossa parte
do bem, o sacrifício por reparação, é fazer mais além daquilo que estamos
habituados”. E reiterou:
“A Cruz mostra que não estamos sós, e aí
encontramos outros irmãos e irmãs que aceitam ser discípulos do crucificado
(…) A mensagem de Fátima mostra que Deus está connosco porque a nossa vida
se realiza se incluirmos os outros nas nossas histórias, porque a vida não é
aventura solitária e precisamos levar a sério o que é dito na aparição de
agosto.”.
E, à noite,
pelas 21,30 horas, o Santuário de Fátima evocou a 4.ª aparição de Nossa Senhora
aos pastorinhos, nos Valinhos. A saída foi em procissão da Capelinha das
Aparições com recitação do Rosário até ao Caminho dos Pastorinhos, durante o
qual se fez a Via-sacra, lembrando os acontecimentos de 1917, e um momento de oração
junto ao monumento dos Valinhos.
***
***
Na manhã do
dia 15, o Bispo de Leiria-Fátima presidiu à celebração da Missa no Recinto de Oração
do Santuário de Fátima, destacando que a
Solenidade da Assunção de Maria é um convite à esperança e à vitória do bem
sobre o mal. “É uma festa que nos fala do presente e do futuro” –
disse o Cardeal Dom António Marto, sublinhando que “na assunção de Nossa
Senhora à glória celeste compreendemos que o Céu de Deus tem um coração de
mãe”.
“Que
mistério grande é este, que nos fala sobretudo de esperança, de consolação e de
alegria para todos nós!” – precisou o purpurado aos milhares de peregrinos que,
(no rescaldo
dia 13), voltaram a participar numa
celebração em Fátima, oriundos de Portugal, mas também da Costa do Marfim, da
França, da Áustria, da Alemanha, do Vietname, de Itália, dos Estados Unidos, de
Espanha e da Lituânia. E Dom António Marto lembrou:
“Foi este mistério que os pastorinhos tão bem compreenderam, em especial
a pequena vidente Lúcia a quem Nossa Senhora consolou com a promessa de que o
seu coração imaculado seria o refúgio e o caminho que a conduziria até Deus
(…) Também nós estaremos ao lado de Jesus na sua plenitude. Esta é a nossa
esperança na vida para além desta vida – a vida eterna.”.
O prelado
diocesano destacou, por outro lado, que esta festa, além da esperança nos
convida a “crer no poder da ressurreição de Cristo e a vivermos como homens e
mulheres corajosos, capazes de levar a luz onde existe o mal e as trevas”. E deixou
um desafio:
“Não nos deixemos vencer pelo poder do mal do dragão sanguinário, pois
onde há a presença de Deus, o mundo torna-se melhor. Tenhamos, pois, coragem!”.
Dom António
Marto lembrou que Maria é sempre a mãe que “do Céu nos olha, com amor, está
perto de nós e nos segue com a sua solicitude materna”. Assim, exortou: “Agarremo-nos a Ela”.
E, convidando
os peregrinos a olhar para Maria como “a
porta do Céu, onde nos espera o seu filho”, apelou:
“Olhemos para Nossa Senhora de Fátima e peçamos-Lhe a sua intercessão
para que não nos abandone, continue a proteger-nos, nos momentos felizes e nos
mais difíceis e nos acolha junto do seu filho”.
Depois,
concluindo, rezou:
“Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora da Assunção, Porta do Céu,
rogai por nós”.
A celebração
terminou com uma saudação do presidente nas várias línguas, como é seu
apanágio, num dia que a Igreja Católica assinala, em todo o mundo, a solenidade
litúrgica da Assunção de Maria, um dogma solenemente definido pelo Papa Pio
XII, a 1 de novembro de 1950, e celebrado há vários séculos, numa data que é
feriado em Portugal. Refere a constituição apostólica ‘Munificentissimus Deus’ com a qual se deu a definição deste dogma
da fé católica:
“Declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a imaculada
Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi
assunta em corpo e alma à glória celestial”.
A importância
do culto a Nossa Senhora reside na convicção de que Maria tem uma “missão
de intercessão e salvação”, pois “Nossa Senhora, ao ser assunta ao Céu
fica mais próxima de seus filhos aqui na terra, intercedendo por eles junto a
Jesus, e torna-se um sinal luminoso da vida futura que esperamos” como
referiu a seu tempo Bento XVI.
Será que,
tal como Bernardo de Claraval é o cantor de Maria, António Marto (que, jovem,
pouco caso fazia disto) virá a ser
o cantor de Fátima, disputando o lugar com Alberto Cosme do Amaral?
2019.08.20 – Louro de Carvalho
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