Os
motoristas de mercadorias e de matérias perigosas estão a cumprir hoje, dia 13 de
agosto, o segundo dia da greve convocada por tempo indeterminado pelo
SNMMP (Sindicato Nacional
de Motoristas de Matérias Perigosas) e pelo SIMM (Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias), que levou o Governo a decretar a
requisição civil por, ao fim do primeiro dia de greve, não estarem, a ser
cumpridos os serviços mínimos estipulados pelo Governo, ouvida a entidade
patronal e os sindicatos.
Tiago Antunes, Secretário de Estado da Presidência do Conselho de
Ministros, após uma reunião do executivo por via eletrónica, justificou a
medida depois de o Governo ter constatado que os sindicatos que convocaram a
greve “não asseguraram os serviços mínimos”, particularmente no turno da tarde.
O pré-aviso de greve foi entregue no dia 15 de julho, no final duma reunião
com a ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias), no seguimento das negociações para a revisão do
acordo coletivo de trabalho, sob a mediação da DGERT (Direção
Geral do Emprego e Relações de Trabalho). À saída
da reunião, Pedro Pardal Henriques, vice-presidente e advogado do SNMMP,
anunciou que avançavam para a greve, já que a ANTRAM não pretendia “cumprir
aquilo a que se comprometeu com os motoristas”, remetendo para dois
acordos assinados em maio e que levaram os sindicatos a desconvocar a greve de
então.
Entretanto, o Governo não desiste e chama patrões e sindicatos a novas negociações
para ultrapassar a situação, apesar de Santana Lopes ter ido visitar os sindicatos
acusando o Governo de falta de equidistância.
Os representantes dos motoristas pretendiam um acordo para
aumentos graduais no salário-base até 2022: 700 euros em janeiro de
2020, 800 euros em janeiro de 2021 e 900 euros em janeiro de 2022, o que, com
os prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria 1.400 euros
em janeiro de 2020, 1.550 euros em janeiro de 2021 e 1.715 euros em janeiro de
2022.
No entanto, no plenário com associados, no dia 10, em Aveiras de Cima, Francisco
São Bento, presidente do SNMMP, disse que os sindicatos não vão aceitar nada
menos do que os 900 euros de salário base já em janeiro de 2020.
André Matias de Almeida, advogado e representante da ANTRAM, que atribui o falhanço das negociações aos sindicatos. Afirmou
recentemente:
“A ANTRAM está sempre disponível para
negociar, como negociou, mas ninguém pode negociar sob ameaça e sob pressões constantes
de pré-aviso de greve. (…) O que estava em cima da mesa por parte da ANTRAM era
um aumento de 300 euros para o próximo ano, o SNMMP quer discutir uma greve
para este ano relativamente a um aumento que não negociou para 2022.”.
A 5 de agosto, após reunião com os respetivos sindicatos, o Governo propôs a possibilidade de ser desencadeado “um mecanismo
legal de mediação”, que obriga patrões e sindicatos a negociar e
que permite que a greve seja desconvocada – hipótese rejeitada pelos
sindicatos.
O Governo então decretou serviços mínimos entre 50% e 100%, o que foi
contestado pelos sindicatos que convocaram a greve. Os serviços mínimos são
de 100% para abastecimento destinado à REPA (Rede de
Emergência de Postos de Abastecimento),
portos, aeroportos e aeródromos, que
sirvam de base a serviços prioritários, bem como para abastecimento de
combustíveis para instalações militares, serviços de proteção civil, bombeiros
e forças de segurança. Para abastecimento de combustíveis destinados a
abastecimento dos transportes públicos foram decretados serviços mínimos de
75%. Já nos postos de abastecimento para clientes finais, os serviços
mínimos são de 50%. O Governo fixou os serviços mínimos para a greve
depois das propostas dos sindicatos e da ANTRAM terem divergido entre os 25% e
os 70%, bem como sobre se incluem trabalho suplementar e operações de cargas e
descargas. No final do primeiro dia de greve, ou seja, na noite de 12 para 13, após
reunião do executivo por via eletrónica, o Governo decretou uma requisição civil “parcial e gradual” dos motoristas
em greve com efeitos até 21 de agosto, alegando que os serviços mínimos não
estavam a ser cumpridos.
De acordo com o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de
Ministros, o Governo constatou, particularmente no turno da tarde, que os sindicatos que convocaram a greve “não asseguraram os serviços
mínimos” fixados pelo executivo. E o Governante declarou:
“O Governo não teve alternativa senão a de
reconhecer a necessidade de proceder à requisição civil dos motoristas em
situação de greve com vista a assegurar o cumprimento dos serviços mínimos”.
E, na
declaração, acrescentando que a medida é “gradual” e aplicada às áreas “em que
se constata o incumprimento”, refere que a portaria, que define
os termos em que se efetiva a intervenção das Forças Armadas no âmbito da
requisição civil dos motoristas em greve, estabelece que os militares podem “substituir, parcial ou totalmente” os
trabalhadores em greve “e em incumprimento dos serviços mínimos”. Na
portaria lê-se:
“A intervenção das Forças Armadas abrange a
realização de operações de carga e descarga de veículos-cisterna de
combustíveis líquidos, gás de petróleo liquefeito (GPL) e gás natural, por parte dos militares que possuam o conhecimento das prescrições
da regulamentação aplicável ao transporte de mercadorias perigosas”.
O assessor jurídico do sindicato dos motoristas de matérias perigosas disse
que os trabalhadores viram com “tristeza” a requisição civil e vincou que o
Governo está a colocar à margem os motoristas. Pardal Henriques disse aos
jornalistas em Aveiras de Cima, distrito de Lisboa:
“É com alguma tristeza que vemos o Governo a
decretar a requisição civil, quando os serviços mínimos que
foram decretados estavam a ser assegurados por estes trabalhadores”.
Anacleto Rodrigues, porta-voz do sindicato que representa os motoristas de
mercadoria geral, referiu que a decisão do Governo de requisição
civil se baseou em informação distorcida e garantiu que os
trabalhadores cumpriram os serviços mínimos. Disse ele à Lusa:
“O Governo decidiu com base em informação
distorcida feita chegar pela ANTRAM e não teve o mínimo cuidado de perceber o
porquê de as cargas não estarem a ser efetuadas”.
Também a CGTP-IN, central sindical da qual faz parte a FECTRANS, que não
aderiu à greve e continuou as negociações com a ANTRAM, considerou que o Governo “deu um novo passo na escalada contra o direito à greve” ao
decretar a requisição civil.
No âmbito das restrições, o Governo determinou que os veículos ligeiros só
podem abastecer no máximo 25 litros de combustível e os pesados 100 litros,
em postos que não pertencem à REPA, que tem dois tipos de postos: uns de
abastecimento exclusivo e outros para o público em geral.
Os de abastecimento exclusivo são só para as entidades prioritárias, como
por exemplo forças armadas e emergência médica. Na restante rede podem
abastecer os veículos prioritários e equiparados, como transporte de produtos
agrícolas em fase de colheita, transporte de valores, entre outros. Também o
público em geral pode abastecer nos postos da REPA que não são exclusivos a
transporte prioritário ou equiparado, no entanto, com um limite
de 15 litros de combustível, tanto para veículos ligeiros como para
pesados.
***
O exposto
revela coisas curiosamente relevantes. Desde logo, uma calendarização negocial que
parece ambiciosa a consistir em aumentos salariais e outras remunerações pagas
com o salário desde 2020 a 2022, mas em que os dados são contraditórios. Primeiro,
queriam um aumento salarial para 700 euros, em 2020, para 800, em 2021, e para
900, em 2022; a seguir, queriam o aumento para 900 euros já em 2020. Por outro
lado, os patrões já preveem um aumento em mais 300 euros já em 2020. Assim, a
ser verdade, pergunta-se pelo porquê da greve, bem como o porquê de as
reivindicações aumentarem durante o que devia ser um processo negocial, supostamente
com eventuais cedências mútuas e não com aumento de encargos. Contudo, já com
os enfermeiros as reivindicações eram progressivas.
A pari, como poucas vezes, o Governo, enquanto
apela à negociação e oferece mediação, mostra-se determinado em afirmar uma
autoridade musculada, sem ultrapassar o risco, embora o pise, no atinente ao
direito à greve, já que uma greve desta dimensão e por tempo indeterminado pode
privar o país de bens considerados essenciais ao funcionamento dos serviços
básicos.
Apesar dos
protestos, os sindicatos não conseguem levar a melhor na defesa das suas
posições, nomeadamente no cumprimento dos serviços mínimos só a 25% e cumprem a
requisição civil, tendo apenas sido notificados 14 trabalhadores de
incumprimento, incorrendo em crime de desobediência.
Mas o Governo
não pode repetir o erro de aconselhar um “açambarcamento” de combustível antes da
greve – recomendação a não reiterar – tal como o de confiar no bom senso em relação
aos postos que não integram a REPA, tanto assim que impôs racionamento em todos
os postos de abastecimento de combustível, embora diferente do da REPA.
Sendo o
Primeiro-Ministro o grande rosto das medidas governamentais, também neste caso,
nem se expõe em excesso nem incorre em omissão, tanto assim que Marques Mendes
vaticinou que a greve pode elevar o PS à maioria absoluta nas próximas eleições.
Mas há
duas coisas que a greve revela: a deficiente organização do trabalho no setor;
e a subtração ao fisco e à segurança social.
No atinente
ao primeiro aspeto, é de questionar como havendo um cumprimento dos serviços
mínimos a 100% nas 8 horas do dia de trabalho no setor da distribuição de combustível,
têm militares, a GNR e a PSP de conduzir camiões para que o combustível não
falte em vários serviços vitais.
Quer
isto dizer que, se não forem as horas suplementares e as horas extraordinárias,
o país não se abastece. Assim se conclui que o emprego poderia ter crescido
muito mais, os salários poderiam ser mais decentes e talvez ficasse mais barato
às empresas pagar a mais gente o turno de trabalho que abusar das horas
suplementares e das horas extraordinárias e reduzindo as ajudas de custo. E aí
o Estado tem de intervir pela via legislativa e pela via fiscalizadora.
Quanto ao
segundo aspeto, é miserável o salário-base vigente para os camionistas, tendo
em conta os riscos da profissão, muito embora eles recebam bastante mais em
ajudas de custo, prémios, horas suplementares e horas extraordinárias. Ora, o salário-base
de camionista deveria ser aumentado para o que eles estão a receber efetivamente
em média por mês, acrescentando a percentagem legal de aumento em horas
suplementares e horas extraordinárias, bem como a conversão de folgas em
trabalho.
No entanto,
tudo o que não seja ajudas de custo e subsídio de refeição deveria ser sujeito
a IRS já de acordo com as tabelas mensais de retenção na fonte e sujeito ao
regime de contribuição para a segurança social por parte de patrões e de
trabalhadores.
Não venham,
depois, dizer que o pessoal não paga os impostos que deve pagar ou que a Segurança
Social está à beira do colapso.
Nestes termos,
talvez seja lícito extrapolar esta viciação para outros setores. E recordo que
não percebo o motivo por que deputados e jogadores de futebol profissional só
veem sujeita a IRS um parte do seu vencimento.
Já os pobres
dos funcionários públicos só não têm sujeição a IRS e Segurança Social no
subsídio de refeição e nas ajudas de custo – até um certo limite; e não podem
receber em horas extraordinárias e remunerações eventuais mais que um terço do
vencimento-base, exceto alguns que têm direito a uma percentagem maior em
despesas de representação.
E são os
funcionários públicos os mais atacados socialmente e o bode expiatório certo e indispensável
em tempo de crise.
2019.08.13 – Louro
de Carvalho
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