Entre
10 e 13 de setembro, uns entram na escola e outros regressam.
Sou ainda
do tempo em que a entrada na escola primária (hoje, 1.º Ciclo) constituía a primeira socialização das crianças.
Hoje, para muitas, o primeiro contacto sistemático com a sociedade é marcado
pelo tantas vezes difícil ingresso na creche e, para a maioria, o grande dado
social é a entrada na educação pré-escolar, que tantos desgraçadamente nomeiam como
“o pré-escolar”.
Os sucessivos
Governos têm falado em universalização da educação pré-escolar, mas a
frequência desses estabelecimentos de educação depende de vagas e são definidas
prioridades para a aceitação das crianças (como nos outros ciclos obrigatórios?), algo contraditório,
não?!
Seja
como for, as crianças que frequentam o estabelecimento de educação pré-escolar,
aos 6 anos de idade já se sentem finalistas e preparam-se para a entrada no 1.º
Ciclo do Ensino Básico. A grande mudança consistirá em as crianças estarem sentadas
a maior parte do tempo em sala de aula, de preferência duas a duas frente a uma
mesa quando dantes passavam a maior parte do tempo sentadas no chão ou junto a
um objeto de suporte (rasteiro)
dos objetos de aprendizagem ou de brincadeira. É óbvio que, tanto dantes como
agora, há muitos espaços e tempos de brincadeira e jogos em que a locomoção e a
dança são predominantes.
Um menino
ou uma menina entra para o 1.º ano da escolaridade (1.º ciclo de 4 anos) e começa a usar 3
manuais escolares – português, matemática e estudo do meio – com as respetivas fichas de aprendizagem e treino
de caligrafia, ortografia, contorno de letras, algarismos e números e contorno
de algarismos, colagens, desenhos, etc. Acresce a área das expressões. Mas tudo é trabalhado sob a orientação de um/a
professor/a: é o regime de monodocência, quebrado, no 1.º ano e no segundo,
apenas nas AEC (atividades
de enriquecimento curricular), sendo que no 3.º ano e no 4.º é também
quebrado para a disciplina de inglês.
A transição do 1.º para o 2.º Ciclo do Ensino Básico é
feita de novidades e de uma nova escola, mesmo que eventualmente as aulas
decorram no mesmo complexo escolar, como sucede nas antigas EBI ou agora
nalguns centros escolares, que Durão Barroso confundia com os agrupamentos de
escolas, quando era Primeiro-Ministro. São mais professores, mais disciplinas, mais livros.
Alteram-se rotinas e métodos. Há mais cadernos na mochila, outras tarefas de
estudo. É preciso dar tempo ao tempo e espaço às crianças. É importante
ouvi-las e respeitar os ritmos de cada uma – dizem os pedagogos. Mas como é isso
possível com tantas crianças na turma e professores com mais que um nível de
ensino na classe?
As crianças têm de ser mais autónomas e organizadas,
têm mais cadernos, mais docentes – um docente por disciplina ou por par de disciplinas.
Deixam de ser as mais velhas do 1.º Ciclo e passam a ser as mais novas do 2.º
Ciclo. Já não há apenas um professor numa sala, há várias salas, mais docentes
e tarefas de estudo.
Assim, quando um novo ano letivo coincide com um ano
de transição, é preciso redobrar as atenções. O 1.º Ciclo e o 2.º são
diferentes em vários aspetos. Enquanto no 1.º Ciclo, o regime é de monodocência
e de monossala, no 2.º Ciclo cada disciplina tem o seu horário semanal com sala
e professor predefinidos e há mais matéria do que no 1.º Ciclo. Da monodocência
passa-se à pluridocência. A escola normalmente é maior, há mais alunos, mais
salas para percorrer, mais intervalos na manhã e na tarde, e há, na maior parte
dos casos, o toque da campainha a avisar das horas de entrada na sala e de saída
de lá.
Armanda Zenhas, licenciada em Línguas e Literaturas
Modernas, mestre em Educação, doutorada em Ciências da Educação professora,
autora de livros na área da Educação, refere junto do “educare.pt”:
“Todas estas diferenças apontam para a
necessidade de uma autonomia crescente. As crianças vão precisar de saber
consultar o seu horário e movimentar-se na escola, para se dirigirem à sala
correspondente a cada disciplina, na hora exata. Vão ter de prestar atenção aos
toques e respeitá-los. A seu cargo, ficará a decisão de qual ou quais os
intervalos em que devem ou precisam de realizar algumas tarefas, tais como
lanchar, comprar senhas para a cantina ou ir ao quarto de banho.”.
Toda a ajuda é importante porque as rotinas mudam. Assim,
gerir mais e diferentes tarefas, saber consultar o horário, selecionar os
livros e o material para levar para a escola no dia seguinte, preparar a
mochila, decidir o que estudar em cada dia, almoçar ou não almoçar na escola –
é tudo trabalho que as crianças têm de fazer, mas o/a professor/a e sobretudo o/a
encarregado/a de educação. E Armanda Zenhas escreveu:
“As fases de transição de ciclo de
escolaridade e a integração numa nova realidade escolar introduzem grande
complexidade no percurso escolar das crianças”.
Escreveu-o na sua tese de doutoramento “A experiência de crianças na sua integração
numa nova escola e num ano de transição de ciclo”, apresentada à Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto – trabalho
académico para o qual acompanhou uma turma de 5.º ano do ensino articulado de
música ao longo dum ano letivo, utilizando a metodologia etnográfica,
complementada com entrevistas semiestruturadas, diários das crianças,
atividades participativas, questionários aos pais, conversas com professores,
diretora de turma, assistentes operacionais, entre outros processos.
No pressuposto de que diálogo é bom conselheiro e uma
estratégia que facilita a adaptação a novos métodos, pois conversar de forma
aberta, franca, e amigável, ajuda a resolver problemas, alguns que não se
detetam facilmente, escreveu, num artigo publicado no “educare.pt”:
“Tal como Roma e Pavia, também a integração
numa nova escola ou num novo ciclo de ensino não se faz num dia. É importante
que os pais tenham bem presente que, se estiverem muito ansiosos, essa
inquietude e preocupação será transmitida aos filhos. Aos primeiros dias ou
semanas de ansiedade segue-se, normalmente, uma adaptação progressiva e uma
vivência saudável da nova escola. Os pais precisam de dar tempo ao tempo e de
deixar espaço aos filhos. (…) Sem
descurar, com a continuação dos dias de aulas, a atenção (sem ansiedade) a
sinais que possam indiciar a eventualidade de dificuldades na integração, há
que criar condições para que ela corra o melhor possível, com alegria e com
confiança”.
Transição, integração e inclusão, à luz dos decretos
n.º 54/2018 e n.º 55/2018, ambos de 6 de julho, são conceitos complexos, com
múltiplas dimensões, processos distintos que se interligam.
Por isso, se requer grande atenção na articulação
entre os curricula e atividades educativas do 1.º Ciclo e do 2.º, como entre
cada um dos dois anos do Ciclo, porque está aqui a grande transição. Isto não
quer dizer que não se deva proceder de igual modo na transição do 2.º Ciclo
para o 3.º e deste para o Ensino Secundário, bem como nos anos intermédios (antes pelo contrário). Só que o aluno, à medida que avança no percurso escolar,
tem maior possibilidade de se auto-orientar e mais responsabilidade em o fazer.
Entretanto, advirta-se para a floresta de disciplinas que envolvem o 3.º Ciclo
e com carga horária semanal exígua na maior parte dos casos.
O estudo de Armanda Zenhas mostra elementos que se
conjugam numa mudança de ciclo:
“A integração das crianças foi facilitada
pela mobilização dos vários tipos de capital acumulado no seio da família,
repercutido na riqueza do nível de linguagem, na capacidade de lidar com
conceitos abstratos e na capacidade de apropriação criativa de atividades
para-curriculares”.
A docente indica a diferença de estatuto ante os
alunos mais velhos, caraterísticas arquitetónicas da escola, regras de
circulação e uso dos espaços como fatores que dificultaram a integração. E sustenta:
“As crianças concebem estratégias criativas
para contornarem obstáculos à sua integração. A integração ativa das crianças
pelas escolas nos anos de transição é essencial, principalmente na ausência de
capital cultural, social e económico-familiar.”.
A transição, integração e inclusão escolares mexem com
emoções, interpretações da realidade, ritmos diferentes. Assim, a integração da
turma observada por Armanda Zenhas durante um ano letivo não sucedeu ao mesmo
tempo com todos os alunos. A integração curricular, pedagógica e disciplinar
estava concluída no final do 1.º período do ano escolar. E a docente refere:
“As primeiras experiências apresentaram-se
marcadas por sentimentos mistos de medo, curiosidade e desafio, alimentados por
representações de novas disciplinas, difíceis mais interessantes”.
Mas a linguagem rica em vocabulário e estruturas
frásicas permitiu aos alunos uma rápida apropriação dos conceitos das
diferentes disciplinas. Aqui devo dizer que a turma devia ser excecional, porquanto
muitos professores se queixam da pobreza vocabular dos seus alunos no 2.º ciclo
e no 3.º e da dificuldade que têm em entender o vocabulário próprio de cada
disciplina e em se apropriarem dos conceitos, fazendo constantes apelos aos professores
de português.
Diz a especialista que a integração nos espaços da
escola foi lenta, enquanto as atividades extracurriculares foram oportunidades
de descoberta e superaram as expectativas. E refere:
“Uma turma, enquanto grupo de pares
infantis, por muito harmoniosa e homogénea que pareça, encerra sempre
complexidade e diversidade nas relações interpessoais que comporta. É marcada
por relações diferenciadas entre os seus elementos, por grupos de amigos com
maior consistência ou volubilidade, alianças entre pares e interações
estabelecidas com base em diferentes emoções e finalidades, existência de
conflitos de gravidade e duração variáveis.”.
Mudar de ano, de ciclo, de hábitos e tentar corresponder
às expectativas – tudo isso implica empenho, esforço, dedicação por parte dos
alunos e atenção por parte de professores e encarregados de educação. Diz a
especialista:
“As crianças perfilham o objetivo de
alcançar sucesso escolar – elevado, em muitos casos – e intentam responder às
solicitações da escola e da família nesse âmbito. Mostrando graus diferentes de
autonomia, procuram, quando o fazem, estar envolvidas num processo de
familiarização ou, pelo contrário, optam pela individualização.”.
Todo o apoio é importante, como demonstra o estudo
realizado, que verifica:
“As crianças encontraram na família e em
elementos da escola um apoio estrutural forte que propiciou condições para o
desenvolvimento da sua agência ao longo do processo de integração e de todo o
ano letivo”.
No âmbito das recomendações, Armanda Zenhas sustenta
que “as transições de ciclo de
escolaridade e de escola precisam de um olhar atento e de uma intervenção
refletida, cuidada e intencional para facilitar uma integração harmoniosa das
crianças, em todas as dimensões”. Por isso, “as crianças devem ser ouvidas e envolvidas, ou seja, é fundamental
considerar o ponto de vista dos alunos em fase de transição, como atores
centrais desse processo que não é assim tão simples quanto parece à primeira
vista”.
***
A entrada no ensino secundário merece
atenção especial, pois trata-se da escolha de um percurso de vida definidor do
futuro e o aluno tem de ser aprovado em todas as disciplinas.
Não está em causa maior número de professores, de disciplinas ou de livros (muitos destes são de consulta), mas o curso de que se gosta e que tem saída para o mercado de trabalho ou diretamente, tratando-se de um curso profissional de dupla certificação, ou através do ingresso no ensino superior para a valorização académica de nível superior – licenciatura, mestrado e doutoramento, bem como as diversas pós-graduações.
É certo que também há os cursos de nível 4
que, concluídos em instituições do ensino superior, sobretudo institutos politécnicos,
conferem uma certificação de nível superior, mas sem graus académicos, que dão saída
para o mercado de trabalho.Não está em causa maior número de professores, de disciplinas ou de livros (muitos destes são de consulta), mas o curso de que se gosta e que tem saída para o mercado de trabalho ou diretamente, tratando-se de um curso profissional de dupla certificação, ou através do ingresso no ensino superior para a valorização académica de nível superior – licenciatura, mestrado e doutoramento, bem como as diversas pós-graduações.
E o Ministro da Educação, revelando atenção especial
aos cursos profissionais, defendeu no dia 30, em Monsaraz, que o ensino
profissional não pode continuar a ser
tratado como “uma via periférica e secundária”, como querem alguns.
Numa sessão
perante os 40 jovens universitários que participam no SummerCEmp, iniciativa da Representação
da Comissão Europeia em Portugal, Tiago Brandão Rodrigues, ao ser questionado
sobre o seu futuro político, respondeu:
“Eu sempre me sinto motivado para servir, para fazer serviço público. Nunca disse que não quando me chamaram.”. O Ministro admitiu que “algo acontece no ensino profissional que não deve acontecer”.
“Eu sempre me sinto motivado para servir, para fazer serviço público. Nunca disse que não quando me chamaram.”. O Ministro admitiu que “algo acontece no ensino profissional que não deve acontecer”.
E, depois de questionar os presentes, refletiu sobre “como é que em 40
[participantes] não há nenhum” que tenha feito o ensino secundário por via
profissionalizante. E apontou o dedo por essa secundarização a “um
conjunto de governos” anteriores e contestou: “É uma via de ensino de corpo inteiro”. Resta saber se a
sociedade o reconhece!
O governante garantiu que “as
universidades estão ávidas de receber esses alunos”, sendo necessário “criar as
condições” para isso acontecer; anotou que “só 13 a 14% desses alunos estão a
seguir para as universidades”; e acrescentou:
“Não podemos tratar de forma igual o que é
verdadeiramente diferente”.
As instituições de ensino
superior “têm de dizer aos ensinos básico e secundário que alunos querem e como
os querem” – vincou.
Respondendo a perguntas dos
participantes, o governante sublinhou que “as
notas são sempre um indicador” a ter em conta, mas que importa considerar “outros critérios”, como o voluntariado,
por exemplo. Ou seja, “um conjunto
de outras competências deve ser salvaguardado”, porque são essas que,
segundo crê, darão aos estudantes “as ferramentas
para fazer diferente” quando tentarem entrar no mercado de trabalho. E
realçou:
“Há um peso excessivo dos exames e da
avaliação contínua, mas as regras são conhecidas de todos. (…) As instituições
de ensino superior têm de começar essa discussão.”.
E, notando que nas universidades
a regra tem sido “cada cabeça sua
sentença”, referiu:
“Não há igualdade de oportunidades e
equidade à partida, mas o que tem de existir é uma igualdade de oportunidades à
saída, tentando mitigar essa diferença”.
Reconhecendo que
levará “cinco gerações para subverter o
determinismo da condição social”, o Ministro acredita na “escola como elevador social”. E, reconhecendo
que Portugal ainda tem “um défice muito
grande de qualificações”, Brandão Rodrigues assinalou que o país tem “a taxa de abandono escolar mais baixa de
sempre” (11,6% no ano passado, valor que já diminuiu para
10,6 no primeiro semestre deste ano).
Disse que os “Erasmus” começaram quando
estudava na universidade e recordou “a grande transformação” para Coimbra que
representou receber estudantes estrangeiros. “Eles vinham em bandos, era a
verdadeira revolução” – afirmou. Atualmente, “as instituições têm de se
reconfigurar” face ao aumento significativo de estudantes estrangeiros em
Portugal, considerou, admitindo algumas “inquietações” face ao assunto. E opinou
que “as nossas instituições de ensino
superior, quando comparadas com outras, na Europa, têm uma qualidade alicerçada”.
***
Talvez a
universidade e o politécnico tenham de cuidar a transição do secundário ao
superior!
2019.08.31 –
Louro de Carvalho
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