sábado, 31 de agosto de 2019

Regresso às aulas e a mudança de ano e de ciclo


Entre 10 e 13 de setembro, uns entram na escola e outros regressam.
Sou ainda do tempo em que a entrada na escola primária (hoje, 1.º Ciclo) constituía a primeira socialização das crianças. Hoje, para muitas, o primeiro contacto sistemático com a sociedade é marcado pelo tantas vezes difícil ingresso na creche e, para a maioria, o grande dado social é a entrada na educação pré-escolar, que tantos desgraçadamente nomeiam como “o pré-escolar”.
Os sucessivos Governos têm falado em universalização da educação pré-escolar, mas a frequência desses estabelecimentos de educação depende de vagas e são definidas prioridades para a aceitação das crianças (como nos outros ciclos obrigatórios?), algo contraditório, não?!
Seja como for, as crianças que frequentam o estabelecimento de educação pré-escolar, aos 6 anos de idade já se sentem finalistas e preparam-se para a entrada no 1.º Ciclo do Ensino Básico. A grande mudança consistirá em as crianças estarem sentadas a maior parte do tempo em sala de aula, de preferência duas a duas frente a uma mesa quando dantes passavam a maior parte do tempo sentadas no chão ou junto a um objeto de suporte (rasteiro) dos objetos de aprendizagem ou de brincadeira. É óbvio que, tanto dantes como agora, há muitos espaços e tempos de brincadeira e jogos em que a locomoção e a dança são predominantes.
Um menino ou uma menina entra para o 1.º ano da escolaridade (1.º ciclo de 4 anos) e começa a usar 3 manuais escolares – português, matemática e estudo do meio – com as respetivas fichas de aprendizagem e treino de caligrafia, ortografia, contorno de letras, algarismos e números e contorno de algarismos, colagens, desenhos, etc. Acresce a área das expressões. Mas tudo é trabalhado sob a orientação de um/a professor/a: é o regime de monodocência, quebrado, no 1.º ano e no segundo, apenas nas AEC (atividades de enriquecimento curricular), sendo que no 3.º ano e no 4.º é também quebrado para a disciplina de inglês.     
A transição do 1.º para o 2.º Ciclo do Ensino Básico é feita de novidades e de uma nova escola, mesmo que eventualmente as aulas decorram no mesmo complexo escolar, como sucede nas antigas EBI ou agora nalguns centros escolares, que Durão Barroso confundia com os agrupamentos de escolas, quando era Primeiro-Ministro. São mais professores, mais disciplinas, mais livros. Alteram-se rotinas e métodos. Há mais cadernos na mochila, outras tarefas de estudo. É preciso dar tempo ao tempo e espaço às crianças. É importante ouvi-las e respeitar os ritmos de cada uma – dizem os pedagogos. Mas como é isso possível com tantas crianças na turma e professores com mais que um nível de ensino na classe?
As crianças têm de ser mais autónomas e organizadas, têm mais cadernos, mais docentes – um docente por disciplina ou por par de disciplinas. Deixam de ser as mais velhas do 1.º Ciclo e passam a ser as mais novas do 2.º Ciclo. Já não há apenas um professor numa sala, há várias salas, mais docentes e tarefas de estudo. 
Assim, quando um novo ano letivo coincide com um ano de transição, é preciso redobrar as atenções. O 1.º Ciclo e o 2.º são diferentes em vários aspetos. Enquanto no 1.º Ciclo, o regime é de monodocência e de monossala, no 2.º Ciclo cada disciplina tem o seu horário semanal com sala e professor predefinidos e há mais matéria do que no 1.º Ciclo. Da monodocência passa-se à pluridocência. A escola normalmente é maior, há mais alunos, mais salas para percorrer, mais intervalos na manhã e na tarde, e há, na maior parte dos casos, o toque da campainha a avisar das horas de entrada na sala e de saída de lá. 
Armanda Zenhas, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, mestre em Educação, doutorada em Ciências da Educação professora, autora de livros na área da Educação, refere junto do “educare.pt”:
Todas estas diferenças apontam para a necessidade de uma autonomia crescente. As crianças vão precisar de saber consultar o seu horário e movimentar-se na escola, para se dirigirem à sala correspondente a cada disciplina, na hora exata. Vão ter de prestar atenção aos toques e respeitá-los. A seu cargo, ficará a decisão de qual ou quais os intervalos em que devem ou precisam de realizar algumas tarefas, tais como lanchar, comprar senhas para a cantina ou ir ao quarto de banho.”. 
Toda a ajuda é importante porque as rotinas mudam. Assim, gerir mais e diferentes tarefas, saber consultar o horário, selecionar os livros e o material para levar para a escola no dia seguinte, preparar a mochila, decidir o que estudar em cada dia, almoçar ou não almoçar na escola – é tudo trabalho que as crianças têm de fazer, mas o/a professor/a e sobretudo o/a encarregado/a de educação. E Armanda Zenhas escreveu:
As fases de transição de ciclo de escolaridade e a integração numa nova realidade escolar introduzem grande complexidade no percurso escolar das crianças”.
Escreveu-o na sua tese de doutoramento “A experiência de crianças na sua integração numa nova escola e num ano de transição de ciclo”, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto – trabalho académico para o qual acompanhou uma turma de 5.º ano do ensino articulado de música ao longo dum ano letivo, utilizando a metodologia etnográfica, complementada com entrevistas semiestruturadas, diários das crianças, atividades participativas, questionários aos pais, conversas com professores, diretora de turma, assistentes operacionais, entre outros processos.
No pressuposto de que diálogo é bom conselheiro e uma estratégia que facilita a adaptação a novos métodos, pois conversar de forma aberta, franca, e amigável, ajuda a resolver problemas, alguns que não se detetam facilmente, escreveu, num artigo publicado no “educare.pt”:
Tal como Roma e Pavia, também a integração numa nova escola ou num novo ciclo de ensino não se faz num dia. É importante que os pais tenham bem presente que, se estiverem muito ansiosos, essa inquietude e preocupação será transmitida aos filhos. Aos primeiros dias ou semanas de ansiedade segue-se, normalmente, uma adaptação progressiva e uma vivência saudável da nova escola. Os pais precisam de dar tempo ao tempo e de deixar espaço aos filhos. (…) Sem descurar, com a continuação dos dias de aulas, a atenção (sem ansiedade) a sinais que possam indiciar a eventualidade de dificuldades na integração, há que criar condições para que ela corra o melhor possível, com alegria e com confiança”.
Transição, integração e inclusão, à luz dos decretos n.º 54/2018 e n.º 55/2018, ambos de 6 de julho, são conceitos complexos, com múltiplas dimensões, processos distintos que se interligam.
Por isso, se requer grande atenção na articulação entre os curricula e atividades educativas do 1.º Ciclo e do 2.º, como entre cada um dos dois anos do Ciclo, porque está aqui a grande transição. Isto não quer dizer que não se deva proceder de igual modo na transição do 2.º Ciclo para o 3.º e deste para o Ensino Secundário, bem como nos anos intermédios (antes pelo contrário). Só que o aluno, à medida que avança no percurso escolar, tem maior possibilidade de se auto-orientar e mais responsabilidade em o fazer. Entretanto, advirta-se para a floresta de disciplinas que envolvem o 3.º Ciclo e com carga horária semanal exígua na maior parte dos casos.
O estudo de Armanda Zenhas mostra elementos que se conjugam numa mudança de ciclo:
A integração das crianças foi facilitada pela mobilização dos vários tipos de capital acumulado no seio da família, repercutido na riqueza do nível de linguagem, na capacidade de lidar com conceitos abstratos e na capacidade de apropriação criativa de atividades para-curriculares”.
A docente indica a diferença de estatuto ante os alunos mais velhos, caraterísticas arquitetónicas da escola, regras de circulação e uso dos espaços como fatores que dificultaram a integração. E sustenta:
As crianças concebem estratégias criativas para contornarem obstáculos à sua integração. A integração ativa das crianças pelas escolas nos anos de transição é essencial, principalmente na ausência de capital cultural, social e económico-familiar.”. 
A transição, integração e inclusão escolares mexem com emoções, interpretações da realidade, ritmos diferentes. Assim, a integração da turma observada por Armanda Zenhas durante um ano letivo não sucedeu ao mesmo tempo com todos os alunos. A integração curricular, pedagógica e disciplinar estava concluída no final do 1.º período do ano escolar. E a docente refere:
As primeiras experiências apresentaram-se marcadas por sentimentos mistos de medo, curiosidade e desafio, alimentados por representações de novas disciplinas, difíceis mais interessantes”.
Mas a linguagem rica em vocabulário e estruturas frásicas permitiu aos alunos uma rápida apropriação dos conceitos das diferentes disciplinas. Aqui devo dizer que a turma devia ser excecional, porquanto muitos professores se queixam da pobreza vocabular dos seus alunos no 2.º ciclo e no 3.º e da dificuldade que têm em entender o vocabulário próprio de cada disciplina e em se apropriarem dos conceitos, fazendo constantes apelos aos professores de português.  
Diz a especialista que a integração nos espaços da escola foi lenta, enquanto as atividades extracurriculares foram oportunidades de descoberta e superaram as expectativas. E refere:
Uma turma, enquanto grupo de pares infantis, por muito harmoniosa e homogénea que pareça, encerra sempre complexidade e diversidade nas relações interpessoais que comporta. É marcada por relações diferenciadas entre os seus elementos, por grupos de amigos com maior consistência ou volubilidade, alianças entre pares e interações estabelecidas com base em diferentes emoções e finalidades, existência de conflitos de gravidade e duração variáveis.”. 
Mudar de ano, de ciclo, de hábitos e tentar corresponder às expectativas – tudo isso implica empenho, esforço, dedicação por parte dos alunos e atenção por parte de professores e encarregados de educação. Diz a especialista:
As crianças perfilham o objetivo de alcançar sucesso escolar – elevado, em muitos casos – e intentam responder às solicitações da escola e da família nesse âmbito. Mostrando graus diferentes de autonomia, procuram, quando o fazem, estar envolvidas num processo de familiarização ou, pelo contrário, optam pela individualização.”.
Todo o apoio é importante, como demonstra o estudo realizado, que verifica:
As crianças encontraram na família e em elementos da escola um apoio estrutural forte que propiciou condições para o desenvolvimento da sua agência ao longo do processo de integração e de todo o ano letivo”. 
No âmbito das recomendações, Armanda Zenhas sustenta que “as transições de ciclo de escolaridade e de escola precisam de um olhar atento e de uma intervenção refletida, cuidada e intencional para facilitar uma integração harmoniosa das crianças, em todas as dimensões”. Por isso, “as crianças devem ser ouvidas e envolvidas, ou seja, é fundamental considerar o ponto de vista dos alunos em fase de transição, como atores centrais desse processo que não é assim tão simples quanto parece à primeira vista”.
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A entrada no ensino secundário merece atenção especial, pois trata-se da escolha de um percurso de vida definidor do futuro e o aluno tem de ser aprovado em todas as disciplinas.
Não está em causa maior número de professores, de disciplinas ou de livros (muitos destes são de consulta), mas o curso de que se gosta e que tem saída para o mercado de trabalho ou diretamente, tratando-se de um curso profissional de dupla certificação, ou através do ingresso no ensino superior para a valorização académica de nível superior – licenciatura, mestrado e doutoramento, bem como as diversas pós-graduações.
É certo que também há os cursos de nível 4 que, concluídos em instituições do ensino superior, sobretudo institutos politécnicos, conferem uma certificação de nível superior, mas sem graus académicos, que dão saída para o mercado de trabalho.

E o Ministro da Educação, revelando atenção especial aos cursos profissionais, defendeu no dia 30, em Monsaraz, que o ensino profissional não pode continuar a ser tratado como “uma via periférica e secundária”, como querem alguns.
Numa sessão perante os 40 jovens universitários que participam no SummerCEmp, iniciativa da Representação da Comissão Europeia em Portugal, Tiago Brandão Rodrigues, ao ser questionado sobre o seu futuro político, respondeu:
Eu sempre me sinto motivado para servir, para fazer serviço público. Nunca disse que não quando me chamaram.”. O Ministro admitiu que “algo acontece no ensino profissional que não deve acontecer”. 
E, depois de questionar os presentes, refletiu sobre “como é que em 40 [participantes] não há nenhum” que tenha feito o ensino secundário por via profissionalizante. E apontou o dedo por essa secundarização a “um conjunto de governos” anteriores e contestou: “É uma via de ensino de corpo inteiro”. Resta saber se a sociedade o reconhece!

O governante garantiu que “as universidades estão ávidas de receber esses alunos”, sendo necessário “criar as condições” para isso acontecer; anotou que “só 13 a 14% desses alunos estão a seguir para as universidades”; e acrescentou:
Não podemos tratar de forma igual o que é verdadeiramente diferente”. 
As instituições de ensino superior “têm de dizer aos ensinos básico e secundário que alunos querem e como os querem” – vincou. 
Respondendo a perguntas dos participantes, o governante sublinhou que “as notas são sempre um indicador” a ter em conta, mas que importa considerar “outros critérios”, como o voluntariado, por exemplo. Ou seja, “um conjunto de outras competências deve ser salvaguardado”, porque são essas que, segundo crê, darão aos estudantes “as ferramentas para fazer diferente” quando tentarem entrar no mercado de trabalho. E realçou:
Há um peso excessivo dos exames e da avaliação contínua, mas as regras são conhecidas de todos. (…) As instituições de ensino superior têm de começar essa discussão.”.
E, notando que nas universidades a regra tem sido “cada cabeça sua sentença”, referiu:
Não há igualdade de oportunidades e equidade à partida, mas o que tem de existir é uma igualdade de oportunidades à saída, tentando mitigar essa diferença”. 
Reconhecendo que levará “cinco gerações para subverter o determinismo da condição social”, o Ministro acredita na “escola como elevador social”.  E, reconhecendo que Portugal ainda tem “um défice muito grande de qualificações”, Brandão Rodrigues assinalou que o país tem “a taxa de abandono escolar mais baixa de sempre” (11,6% no ano passado, valor que já diminuiu para 10,6 no primeiro semestre deste ano). 
Disse que os “Erasmus” começaram quando estudava na universidade e recordou “a grande transformação” para Coimbra que representou receber estudantes estrangeiros. “Eles vinham em bandos, era a verdadeira revolução” – afirmou. Atualmente, “as instituições têm de se reconfigurar” face ao aumento significativo de estudantes estrangeiros em Portugal, considerou, admitindo algumas “inquietações” face ao assunto. E opinou que “as nossas instituições de ensino superior, quando comparadas com outras, na Europa, têm uma qualidade alicerçada”. 
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Talvez a universidade e o politécnico tenham de cuidar a transição do secundário ao superior!
2019.08.31 – Louro de Carvalho

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