segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O 16 de agosto: dia histórico e marca de eleitoralismo


O JN, de 17 de agosto, tinha em primeira página a manchete “Professores colocados mais cedo a mês e meio das eleições”. E, logo a seguir, sumariava:
Número de contratados aumentou 40%. Maioria dos docentes ficou com horário anual e completo. Diretores antecipam início de aulas pacífico.”.  
O título na página 4 é: “Colocações antecipadas elevam fasquia para o futuro”. E ilustram a página duas informações: “pela 1.ª vez, professores do quadro e contratados forma colocados cerca de um mês antes do arranque das aulas” e “número de contratados aumentou cerca de 40% e quase 63% destes 8600 ficaram em horários anuais e completos”.
A veridicidade da segunda informação dispensa comentários, mas a primeira carece de precisão. Os professores dos quadros (de escola, de agrupamento de escolas ou de zona pedagógica) foram colocados em junho, como nos mais anos, com exceção do ano passado em que, por força duma alteração legislativa determinada pela Assembleia da República, o processo se atrasou. Com efeito, não estava previsto concurso interno em que pudessem concorrer os professores dos quadros. E, este ano, o concurso que deu colocações em junho foi simplesmente o concurso externo a que puderam ser opositores unicamente os professores que não pertenciam aos quadros. E os colocados foram-no na quase totalidade em QZP (quadros de zona pedagógica).
Os colocados a 16 de agosto foram os que concorreram à mobilidade interna, designadamente os professores do QE/AE (quadro de escola/agrupamento de escolas) em que a escola/agrupamento em cujo quadro estavam providos não lhes garantia para o próximo ano letivo pelo menos 6 tempos de componente letiva, bem como os professores de QZP que ali foram colocados por força do concurso externo, para ficarem afetos uma escola/agrupamento, e bem assim os professores de QZP em que a escola/agrupamento a que estavam afetos não lhes garantia para o próximo ano letivo pelo menos 6 tempos de componente letiva.    
Foram também divulgadas, a 16 de agosto, as listas dos professores colocados por força do concurso para contrato para obviar às necessidades eventuais do sistema educativo.   
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É óbvio que as listas foram divulgadas duas semanas (15 dias) mais cedo do que é habitual. No ano passado, as listas foram divulgadas a 30 de agosto com a colocação de cerca de 6000 professores contratados, metade com horários completos; em 2017, foram colocados a 25 de agosto; em 2016, a 30 de agosto; e, em 2015, a 28 de agosto. E, se recuarmos mais um pouco, teremos que, em 2014, foram colocados a 9 de setembro; em 2013, a 12 de setembro; em 2012 e 2011, em 31 de agosto; em 2010, em 30 de agosto; e, em 2009, a 28 de agosto.
Ficaram colocados 8600 professores a contrato (mais 2600 que no ano anterior), 5400 dos quais em horário completo (22 tempos letivos semanais). E 2200 conseguiram renovar o contrato. Havia cerca de 34 mil candidatos. E a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) reavisa que os quadros das escolas estão subdimensionados – refere Sara Oliveira no “educare.pt”. Uma das provas disso é o facto de se registar “um aumento, em relação a 2018, de cerca de 2600 contratações para horários completos” (mais 86,6% em relação ao ano passado).
Os grupos de recrutamento com mais colocações foram Educação Física (435), 1.º Ciclo (421) e Física e Química (409). E cerca de 70 docentes foram colocados ao abrigo das quotas para pessoas com deficiência, que passaram a ser obrigatórias a partir de 2001, embora o ME só as tenha aplicado nos concursos que não se destinam à entrada no quadro, como é o caso do procedimento da contratação inicial. No concurso de mobilidade interna, foram abrangidos 2400 docentes, 300 dos quais sem horários atribuídos. Refere um comunicado do ME:
Na mobilidade interna foram distribuídos mais de 1.700 horários completos e cerca de 400 horários incompletos. Todos os restantes cerca de 13 mil docentes mantiveram a colocação nas escolas onde estiveram no ano letivo anterior.”.
Todos os que não têm horário atribuído e os não colocados para contrato transitam para as reservas de recrutamento, abertas durante o ano letivo de forma a fazer face às necessidades das escolas (durante o ano letivo passado foram colocados mais de 20 mil a contrato). 
As colocações têm sido conhecidas no final de agosto, quase em cima do início do ano escolar (que tem início a 1 de setembro), diferente do ano letivo que arranca, este ano, entre 10 e 13 de setembro. Este ano, foi diferente. Duas semanas antes permitem aos docentes organizarem a sua vida, sobretudo para os que são colocados longe de casa. Para a ANVPC (Associação Nacional dos Professores Contratados), 16 de agosto torna-se uma data importante para o sistema educativo e, por isso, saúda o ME (Ministério da Educação) e toda a administração educativa “não só por terem ousado quebrar com um preconceito duradouro (que sempre apontou para a impossibilidade de ser concretizada esta antecipação na colocação de docentes, estabelecendo-a como uma ‘barreira intransponível’), mas sobretudo por terem alcançado o cumprimento da mesma logo no primeiro dia útil da quinzena definida no calendário de concursos para o ano letivo 2019-2020”. E sustenta, em comunicado:
Estamos, nessa medida, seguramente diante de um dia histórico na colocação de professores no sistema educativo português, pela concretização de uma das maiores exigências dos professores e das suas organizações, nos últimos 20 anos”.
César Israel Paulo, porta-voz da ANVPC, reforça que está cumprida uma das exigências dos professores e das suas organizações. A antecipação da divulgação das listas tem impacto a vários níveis. Desde logo, na “redução brutal das ultrapassagens nos concursos de professores” (esmagadora maioria das necessidades docentes do sistema educativo aferidas até ao arranque do ano letivo). E a colocação atempada de todos os professores necessários para o próximo ano letivo promove “a estabilidade no sistema educativo” e facilita a “organização das escolas na distribuição de serviço e conhecimento do perfil dos docentes afetos a funções a desempenhar ao longo de todo o ano letivo e respetivos horários a distribuir”, além de assegurar a “possibilidade de participação dos docentes em todas as importantes reuniões preparatórias do arranque do ano letivo”.  Com efeito, diz o Presidente da ANDE (Associação Nacional de Dirigentes Escolares):
Esta é a altura certa para as colocações, mas este concurso cria uma barreira grande para os próximos anos”.
E o Presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores e Agrupamentos e Escolas Públicas) frisa que a proeza foi conseguida “graças ao trabalho extenuante exigido às direções dos agrupamentos”.
César Paulo destaca a “promoção da estabilidade na vida pessoal e profissional dos docentes” (no período de férias dos professores), por já saberem que têm colocação, ou “qual a sua posição final nas listas” e poderem ter a “organização da sua vida pessoal, familiar, dos próximos meses”. 
Nos últimos 4 anos, cerca de 8000 professores entraram nos quadros. A ANVPC analisou as listas e constata que continuam a ser contratados docentes com muitos anos de serviço em escolas diretamente tuteladas pelo ME. Segundo o Público, cerca de 20 dos 8600 professores contratados que foram colocados no dia 16 estão a fazer 60 anos, sendo que pelo menos dois docentes estão há mais de 30 anos a dar aulas, sempre a contrato. E vários outros têm entre 18 e 20 anos de aulas em cima. Português, História, Filosofia e Informática são os grupos de recrutamento (disciplinas ou grupos de disciplinas) com maior concentração de colocados com esta idade. O concurso de contratação inicial registou cerca de 47 mil candidaturas. Ora, como os professores podem concorrer a mais que um grupo de recrutamento, o número de candidaturas não é igual ao de candidatos, que deve andar à volta de 34 mil.
No entender de César Paulo, é possível não defraudar expectativas criadas aos docentes, manter no sistema um número de docentes que proporcione a estabilidade presente e futura, tal como dar lugar à construção dum modelo de ensino adequado ao século XXI, que necessitará do reforço de recursos humanos, para atingir os objetivos hoje claramente estabelecidos.
A ANVPC quer acabar com a precariedade docente em nome da melhoria da qualidade do serviço educativo e das aprendizagens, em nome da valorização e desenvolvimento pessoal e profissional da classe. E assegura, no predito comunicado:
Num dia histórico como o presente, em que foram quebradas barreiras outrora consideradas totalmente intransponíveis, abrem-se, hoje, seguramente novas expectativas para os professores contratados, nomeadamente nos limites da sua justa e efetiva estabilidade profissional”.
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A FENPROF afirma que os números confirmam que os quadros de escola /agrupamento “estão subdimensionados” e faz leitura política da divulgação das listas agora, referindo:
A esta antecipação não é alheio o facto de o ano letivo abrir em plena campanha eleitoral o que demonstra que, para o Ministério da Educação/Governo, contam mais as eleições do que o interesse dos professores e das escolas”. 
Ao jornal Público, o ME explica que a antecipação da divulgação das listas
Foi possível graças ao inexcedível empenho e trabalho das escolas e do Ministério da Educação, por ser ano em que não houve nem concursos extraordinários, nem concurso interno, e por não ter havido outras vicissitudes perturbadoras do procedimento”.
Contudo, a FENPROF, frisando que a ideia de subvalorização dos quadros é reforçada pelo facto de só terem ficado cerca de 300 docentes em horário-zero, refere, em comunicado:
Os quadros das escolas/agrupamentos estão subdimensionados, tendo capacidade para integrar um número mais elevado de educadores e professores, como confirmam as cerca de 13 mil colocações de docentes dos quadros na mesma escola/agrupamento em que estiveram no ano anterior, a que acrescem as quase 2189 renovações de contrato”.
E desafia, sem meias palavras:
Tivesse o ME/Governo sinceras preocupações com a estabilidade do corpo docente das escolas/agrupamentos e a maioria destes mais de 15 mil lugares teriam sido preenchidos na sequência de concurso para preenchimento de vagas de quadro de escola/agrupamento”. 
Depois, garante que o número de vinculações poderia ter sido pelo menos o dobro “não fosse o facto de a Educação ser gerida com critérios ditados pelo Ministério das Finanças”. E vinca:
As necessidades permanentes das escolas/agrupamentos, que exigiriam a abertura e preenchimento de lugares nos seus quadros, ficam patentes no aumento, em relação a 2018, de cerca de 2600 contratações para horários completos (mais 86,6% em relação ao ano passado). Em relação ao total de colocações em horários completos, mais de 40% correspondem a renovações de contrato.”. 
Milhares de professores continuam com incertezas em relação ao futuro. As listas divulgadas deixam de fora cerca de 25 mil docentes candidatos a um contrato. O que, para a FENPROF, é “situação curiosa”, pois, como assegura, “há grupos de recrutamento que, de ano para ano, denotam uma crescente falta de professores qualificados”. 
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Segundo o ME, ficaram colocados cerca de 24 mil professores, 13 mil dos quais no mesmo estabelecimento em que estavam no ano anterior. Na mobilidade interna foram distribuídos mais de 1700 horários completos e cerca de 400 horários incompletos. E a tutela sustenta:
A manutenção das colocações de docentes do quadro e a renovação dos contratos dos docentes contratados são um inequívoco sinal de uma maior estabilidade do sistema”.
A FNE (Federação Nacional da Educação) está satisfeita com a antecipação da divulgação das listas de colocação, mas insiste que sejam conhecidas logo no final de cada ano letivo, vincando:
Normalmente, as listas saem sempre no fim de agosto, para as pessoas se apresentarem nas escolas no dia 1 de setembro. Portanto, temos de registar que foi muito melhor as listas terem saído com algum tempo de antecedência”.
Todavia, Lusa Lucinda Manuela Dâmaso, vice-secretária-geral da FNE, lamentou que a tutela não tenha anunciado essa decisão, pois os professores estão de férias, e sublinhou:
O correto, ideal e justo seria que, no final de cada ano letivo, todos os professores soubessem onde estão colocados no ano seguinte. Se não todos, quase todos.”.
Cerca de 300 professores não têm horário atribuído, mas terão prioridade nas reservas de recrutamento. E Lucinda Dâmaso refere que, na primeira reserva, a maior parte deles terá lugar em escolas, pois “esses lugares vão aparecer porque ainda vão surgir mais horários completos, de certeza”, tendo de se aguardar e os professores terem “alguma serenidade”. 
Segundo uma nota do ME, cerca de 300 professores ficaram em “ausência de componente letiva”, ou seja, sem horário atribuído, mas terão prioridade nas “reservas de recrutamento”. E o ME anota que os 300 docentes nesta situação representam “um valor significativamente baixo quando comparado com anos anteriores”. A discrepância entre a oferta e a procura é uma constante nos concursos para professores contratados que se realizam anualmente.
Ao longo dos anos, os professores contratados têm sabido em que escola vão ficar praticamente nas vésperas do arranque do ano escolar, a 1 de Setembro, sendo que muitos deles podem ser colocados a centenas de quilómetros do estabelecimento escolar em que deram aulas no ano anterior. É por isso que a ANVPC considera que se viveu a 16 de agosto um “dia histórico na colocação de professores”. E o ME refere que a antecipação na divulgação as listas “foi possível graças ao inexcedível empenho e trabalho das escolas e do Ministério da Educação, por ser ano em que não houve nem concursos extraordinários, nem concurso interno, e por não ter havido outras vicissitudes perturbadoras do procedimento”. No ano passado foram sete os concursos de colocação de professores que decorreram em simultâneo.
Já a FENPROF tem, como vimos, outra leitura.
Os professores que não ficaram colocados agora transitam para as chamadas reservas de recrutamento, que ficam ativas durante todo o ano lectivo de modo a acudir às necessidades das escolas. Em 2018/2019 foram colocados ao longo do ano mais de 20 mil docentes a contrato. 
E note-se que, segundo o diploma que regulamenta o concurso de professores,   
     A mobilidade interna destina-se aos candidatos que se encontrem numa das seguintes situações:
  a) 1.ª prioridade - docentes de carreira a quem não é possível atribuir pelo menos seis horas de componente letiva;
  b) 1.ª prioridade - docentes de carreira do quadro de zona pedagógica não colocados no concurso interno;
  c) 2.ª prioridade - docentes de carreira do quadro dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas que pretendam exercer transitoriamente funções docentes noutro agrupamento de escolas ou escola não agrupada.”. (art.º 28.º/1 do DL n.º 132/2012, de 27 de junho na redação atual).
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Resta saber se a proeza deste ano se repercutirá nos próximos anos. É que poderá haver mais anos como o de 2018. E o ME oscila entre a incompetência e a competência. Se calhar à incompetência deveria chamar-se-lhe desleixo ou negligência e arrogância, tantas vezes. Não é crível que por mais novatos que os funcionários dos departamentos do ME não tenham possibilidade técnica de saber o que andam a fazer. Ainda não há muito, o IAVE, IP foi remexido e isso mal se percebeu pelos produtos do Instituto.
Creio que o espectro das eleições deu a mãozinha à questão. É normal como estímulo.
Não lamento as colocações em férias sem aviso. Os grandes interessados são os docentes atingidos, um pequeno número em relação ao total. Não se exija tudo de um fôlego!   
2019.08.19 – Louro de Carvalho

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