O Presidente da República promulgou, a 19 de agosto, o decreto parlamentar
que apresenta um conjunto de alterações à Lei Laboral, que entrou no Parlamento por proposta do Governo e foi aprovado com a “ajuda”
dos partidos à direita. A decisão do Chefe de Estado foi conhecida
através de nota da Presidência da República publicada no respetivo site, com esta justificação:
“Tendo em consideração
a amplitude do acordo tripartido de concertação social, que antecedeu e está
subjacente ao presente diploma, tendo reunido seis membros em sete, e ainda que
esse acordo não abarque um dos parceiros sociais, considerando o esforço de
equilíbrio entre posições patronais e laborais, ponderando os sinais que se
esboçam de desaceleração económica internacional e sua virtual repercussão no
emprego em Portugal – nomeadamente no primeiro emprego e nos desempregados de
longa duração –, não se afigurando que a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 632/2008, de 23 de dezembro, respeitante ao alargamento do período
experimental para os trabalhadores indiferenciados, valha, nos mesmos exatos
termos, para as duas situações ora mencionadas, o Presidente da República
decidiu promulgar o diploma que altera o Código de Trabalho, aprovado pela Lei
n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e respetiva regulamentação, e o Código dos
Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado
pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro”.
Antes de mais, devo dizer que a um Presidente que, enquanto comentador
televisivo gostava de emendar o português de outras entidades, devia ter
ressaltado o erro de sintaxe que vem quase no início susodita justificação: o
verbo “anteceder” rege um grupo nominal ou pronominal com a função de complemento
direto e o adjetivo “subjacente” rege um grupo nominal ou pronominal com
a função de complemento de adjetivo, semelhante a complemento indireto. E seria
fácil redigir bem: “Tendo em
consideração a amplitude do acordo tripartido de concertação social, que
antecedeu o presente diploma e lhe está subjacente…”.
Um dos motivos invocados por Marcelo é o abrandamento da conjuntura
internacional e o impacto “virtual” que pode ter em Portugal. Também parece que
o Presidente deixa um sinal ao Bloco de Esquerda e ao PCP de que o alargamento
do período experimental não justifica um recurso ao Tribunal Constitucional (TC).
O Chefe de Estado lembra a “amplitude do acordo tripartido
de concertação social”, subjaz ao presente diploma até porque o
antecedeu, tendo reunido seis sétimos dos parceiros sociais, considera “o
esforço de equilíbrio entre posições patronais e laborais” e acrescenta que é
necessário ponderar “os sinais que se esboçam de desaceleração económica
internacional e sua virtual repercussão no emprego em Portugal – nomeadamente
no primeiro emprego e nos desempregados de longa duração” Depois, aduz que, “não se afigurando que a
fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 638/2008, de 23 de
dezembro, respeitante ao alargamento do período experimental para
os trabalhadores indiferenciados, valha, nos mesmos exatos
termos, para as duas situações ora mencionadas”, o Presidente da
República decidiu promulgar o diploma que altera o Código de Trabalho e a respetiva
regulamentação.
Entre as medidas aprovadas, está a limitação dos contratos a termo, o
duplo alargamento dos contratos de muito curta duração, o estabelecimento do
número máximo de renovações dos contratos temporários, a eliminação do banco de
horas individual, a criação de uma contribuição adicional para a Segurança
Social a pagar pelas empresas que recorram a mais contratos a prazo do que a
média do setor em que se enquadram e o alargamento do período experimental para
jovens à procura do 1.º emprego e desempregados de longa duração. Fica ainda estipulado que deixa de ser possível contratar a prazo
pessoas à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração com base
nestas justificações. E, sobre uma das medidas mais polémicas deste
pacote (o alargamento de 90 para 180
dias do período
experimental para jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa
duração), Marcelo parece ter feito questão
de deixar um recado aos partidos de esquerda, que têm defendido que tal norma
contraria a própria Constituição.
Um ano depois de ter sido aprovada na generalidade a revisão do Código do
Trabalho subiu, a 19 de julho, a plenário para ir, pela última vez, a
votos, tendo então
merecido a aprovação final global. O PS votou
a favor, PSD e CDS abstiveram-se. PCP, BE, Verdes e PAN votaram
contra.
É certo que a revisão do Código do Trabalho teve por base um acordo
assinado na concertação social e, talvez por esse motivo, deixou de fora um
conjunto de propostas dos partidos à esquerda do PS feitas na Assembleia da
República. E, se o Presidente não incorresse no hábito de justificar os
atos de promulgação e de falar das situações em que não promulgaria, esta
promulgação poderia ficar no silêncio. Porém, a propósito de uma lei bem
importante como esta, em termos ideológicos e do interesse nacional, a Lei de
Bases da Saúde, Marcelo disse, ao promulgá-la, que “sempre defendeu
uma Lei de Bases da Saúde que fosse mais além, em base de apoio, do que a Lei n.º
48/90, de 24 de agosto, cobrindo os dois hemisférios governativos…”. Isto é, é uma lei que tem a concordância do partido
do Governo e do maior partido com representação parlamentar, o PSD. Ora no caso
vertente, o diploma tem apenas a concordância explícita do partido do Governo,
o PS, deixando de fora todos os outros, à direita, pela abstenção (estão nesta
lei a fazer ofício de corpo presente) e, à
esquerda, pelo voto contra.
Haveria mais que motivos para opor o veto político em consequência do que o
Presidente vem dizendo. Por outro lado, não parece curial que tenha advertido
que não vale a pena um recurso para o TC. Se quis dizer que não teve dúvidas
sobre a constitucionalidade do diploma, já o sabíamos pelo ato de promulgação;
se pretendeu condicionar as entidades que podem requerer a sujeição do diploma
à fiscalização sucessiva da constitucionalidade, nomeadamente um conjunto de
deputados (um décimo), e o
próprio TC, extrapola as suas competências.
***
Todavia, a Esquerda (PCP, BE e
PEV) vai avançar “nas próximas semanas” com
um pedido de fiscalização sucessiva do diploma que procede a várias alterações
ao Código do Trabalho junto do TC, segundo
avançaram, no dia 20, o comunista João Oliveira e o bloquista Jorge Costa –
usando como argumento precisamente o acórdão do TC que surge citado na nota da
Presidência. E sabe-se que o requerimento será também apoiado pelo PEV.
Como se disse, na nota que acompanhou a promulgação deste decreto-lei, o Chefe
de Estado sublinhou que a fundamentação usada pelo TC para
rejeitar, em 2008, o alargamento do período de experiência no caso dos
trabalhadores indiferenciados “não vale” para os dois casos a que a nova
mudança legislativa se refere, descartando, assim, um pedido de
fiscalização prévia ao TC.
A este respeito, o comunista João Oliveira declarou:
“Consideramos particularmente negativo que o
Presidente da República tenha decidido promulgar [o diploma], não requerendo a
apreciação das normas ao Tribunal Constitucional, sobretudo [tendo em conta]
que, pelo menos, uma delas foi declarada inconstitucional, com fundamentos que se mantêm inteiramente válidos”.
O deputado adianta que, face à decisão do Chefe de Estado, as bancadas de esquerda (PCP, BE
e PEV) vão avançar, nas próximas semanas, com
um requerimento de fiscalização sucessiva do novo Código do Trabalho junto do TC.
Também o deputado
bloquista Jorge Costa faz questão de lembrar que esta é a segunda vez que um
Governo socialista tenta introduzir o alargamento do período experimental no
quadro jurídico português, apoiado pela direita.
E em resposta a tais críticas, o Ministro do Trabalho da
Solidariedade e da Segurança Social diz:
“Estou convicto de que as razões que levaram
o Presidente da República a promulgar [este diploma] estão fundadas [na
convicção] de que a criação de um período experimental de 189 dias não choca
com nenhum preceito constitucional”.
Vieira da Silva salienta que, com estas mudanças legislativas, deixa de ser possível usar como causa para contratar a prazo o
facto de estarem em causa jovens à procura do primeiro emprego e desempregados
de longa duração, o que se deverá refletir num alívio da precariedade. E
disse o governante, referindo que os contratos a prazo eram, até agora, usados
como período de experiência para estes dois grupos de trabalhadores:
“Estamos a transformar um período
experimental que, muitas vezes, durava anos num período experimental de 180
dias”.
Além do período experimental, os deputados de esquerda querem ver
analisadas pelo TC as normas relativas à nova contribuição
adicional para as empresas que recorrem em excesso aso contratos a prazo e
ao duplo alargamento dos contratos de muito curta duração. No primeiro
ponto, está em causa uma taxa a pagar à Segurança Social pelas empresas que
recorram a mais contratos a termo do que a média do setor em que se inserem.
Tal contribuição extra só deverá ser cobrada a partir de 2021
e representa, segundo tem defendido
o PCP, a legitimação dessa forma de precariedade. E, no que diz respeito aos
contratos de muito curta duração, o Código do Trabalho, na
nova redação, prevê o seu alargamento não só ao nível da duração (de 15 para 35 dias), mas também
ao nível dos setores em que podem ser aplicados (passa a ser
suficiente alegar acréscimo excecional de trabalho, independentemente do setor).
Quanto aos sinais de desaceleração económica invocados por Marcelo, João Oliveira defende que o caminho tem de ser sempre pela
defesa dos direitos dos trabalhadores. Por seu turno, Jorge Costa, na mesma
linha, vinca:
“O que temos visto é que o aumento do
rendimento dos trabalhadores permitiu dinâmica económica positiva e criação de
emprego com contratos mais estáveis”.
E João Oliveira rematou:
“O mais certo é que [o Tribunal
Constitucional] venha a decidir apenas já na próxima legislatura”.
Em declarações aos jornalistas, o dirigente da CGTP (Confederação
Geral dos Trabalhadores Portugueses) confirmou
que irá solicitar reuniões com os grupos parlamentares do PCP,
BE e PEV para “com eles solicitar a fiscalização sucessiva” do diploma em causa
ao TC.
Arménio Carlos sublinhou que esta revisão do Código do
Trabalho “é uma lei de retrocesso”
que introduz “um conjunto de ilegalidades”,
como a taxa de rotatividade e o alargamento do período experimental para os
dois casos já mencionados. A propósito, o sindicalista salientou que “ninguém
entende” a razão pela qual os jovens são alvo de “discriminação com esta lei”.
Sobre os argumentos do Presidente, Arménio Carlos frisou que a Concertação Social (CS) não é
“um somatório das várias confederações”, não sendo,
portanto, válido frisar que apenas uma das partes, a CGTP, não subscreveu ao
acordo que serviu de base a esta revisão legislativa. E disse:
“Se o Presidente da República acha que deve
ponderar os argumentos económicos, deveria preocupar-se mais em
romper com o modelo de baixos salários e assegurar o cumprimento das normas
constitucionais da segurança no emprego, de uma mais justa distribuição da
riqueza e dos direitos fundamentais dos trabalhadores”.
Não
deixa de ter razão, pois as questões económicas têm de ser apreciadas dos
diversos ângulos, designadamente o capital, com os custos de produção,
circulação e distribuição, e o trabalho, com o rendimento, condições sociais,
consumo, articulação da vida profissional com a vida pessoal e familiar,
proteção na doença, no desemprego e na velhice. Por outro lado, a CS não é
somatório de confederações, pois, do lado dos patrões tem 5, enquanto do lado
dos trabalhadores tem apenas duas. E, quanto ao facto de uma central sindical ter
subscrito o acordo, até parece que foi criada por algum Governo, para
viabilizar as conclusões da Concertação social, como diz alguém.
***
Afinal,
o que muda? Os contratos
a termo certo têm a duração máxima de
2 anos (e já não de 3), com o limite de 3 renovações, desde que a duração
total das renovações não exceda a do período experimental. Os contratos a termo incerto têm a duração máxima de 4 anos (em vez
de 6).
Deixa de ser possível contratar a prazo para postos de
trabalho permanentes jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de
longa duração (de há mais
de 12 meses). Essa
possibilidade fica, ainda assim, aberta para desempregados de muito longa
duração (de há mais
de 24 meses).
A contratação a termo no caso de lançamento de nova
atividade de duração incerta fica limitada às empresas com menos de 250
trabalhadores (estava limitada às empresas com até 750 trabalhadores).
No caso dos contratos de muito curta duração (duplamente
alargados) o alargamento ocorre em dois
sentidos: a duração máxima passa de 15 para 35 dias; passam a estar disponíveis em todos os setores, bastando
que a empresa alegue acréscimo excecional de trabalho e esteja provado que o
seu ciclo anual apresenta tais irregularidades (por exemplo, devido à sazonalidade).
De acordo com a revisão da Lei Laboral, os contratos de trabalho temporário têm um limite máximo de 6
renovações. Até agora, esses contratos podiam ser renovados
enquanto se mantivesse “o motivo justificativo”. Se as regras forem violadas, a
empresa será obrigada a integrar o trabalhador no quadro. Há, contudo, exceções
a esse limite:
“Não está sujeito ao limite de renovações
referido no número anterior o contrato de trabalho temporário a termo certo
celebrado para substituição de trabalhador ausente, sem que a sua ausência
seja imputável ao empregador, como são os casos de doença, acidente, licenças
parentais e outras situações análogas”.
O período experimental (como foi
dito) passa de 90 dias para 180 dias para os jovens à procura do primeiro emprego e os
desempregados de longa duração, que são contratados sem termo. Já eram
alvo de um período experimental de 180 dias
“Os trabalhadores que exercem cargos de
complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma
especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança”.
E está inscrito no Código que o período experimental fica “reduzido ou excluído” (consoante
a duração do contrato a termo “para a mesma atividade” de trabalho
temporário “executado no mesmo posto de trabalho”, de prestação de serviços
“para o mesmo objeto” ou de estágio “para a mesma atividade”).
Embora tenha ficado acordada a eliminação do banco
de horas individual, a extinção dessa figura só
deverá acontecer no prazo de um ano, a contar da entrada em vigor das novas
regras (Isto para os bancos que estejam em aplicação). Mas é criado um novo banco de horas grupal, que, por referendo, pode ser
aplicado a toda a equipa, se 65% dos trabalhadores concordarem.
Os comunistas conseguiram ver aprovada a sua proposta
que aumenta de 35 para 40 o número mínimo de horas anuais
dedicadas à formação. Mas foi rejeitada a proposta que determinava
que o crédito de horas para a formação não utilizadas podia ser reclamado sem
limite temporal, o que traria vantagens até se houvesse mudança de emprego.
E as empresas que recorram a mais contratos a prazo do
que a média do setor em que se inserem vão pagar, a partir de 2021, uma contribuição adicional, de aplicação
progressiva, para a Segurança Social, ficando estipulados os caso
de isenção dessa taxa.
***
De veto
político presidencial tão justificável não oposto a uma decisão do TC? Vamos
ver!
Entretanto,
a lei estará em vigor. Será torpedeada, como vem sendo hábito?
2019.08.21 –
Louro de Carvalho
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