quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Não está em causa o direito à greve, mas…


Ao decretar serviços mínimos entre 50% e 75%, além de 100% nos serviços essenciais (Pensava que os serviços mínimos eram os essenciais), o Governo recusa estar a pôr em causa o direito à greve e lembra a desproporcionalidade do protesto de motoristas, com início previsto para 12 de agosto. Serão de 50% para os trabalhadores em postos de combustível para os clientes finais, inclusive postos privados de empresas ou cooperativas, e chega a ser de 75% a 100% em áreas como o fornecimento de alimentação, bens essenciais e medicamentos a hospitais e centros de saúde.
Estas percentagens referem-se ao dia normal de trabalho de trabalho.
A informação foi avançada durante a conferência de imprensa conjunta no Ministério do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social, com a presença do Ministro Vieira da Silva, mas também do Ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes e do Secretário de Estado das Infraestruturas, Jorge Delgado.
Aos jornalistas, Vieira da Silva foi claro: este é um “conjunto exigente de serviços mínimos” e o Governo “tudo fará” para que os serviços mínimos sejam respeitados. E especificou:
Serão preparados todos os mecanismos que o Governo tem ao dispor para garantir a tranquilidade e bem-estar dos portugueses. (…) Não está a ser posto em causa o direito à greve. O Governo respeita-a de forma inequívoca, mas tem também a responsabilidade de proteger o direito de todos os portugueses.”.
Os serviços mínimos serão de 75% no atinente ao abastecimento de postos de combustível destinados a empresas de transportes de passageiros, de alimentos e animais, bem como de instituições de assistência social. Trata-se de empresas que têm por objeto a prestação do serviço público de transportes de passageiros, telecomunicações, água e energia. Leia-se empresas como Carris, Transtejo, EDP Distribuição, por exemplo. Também será exigido 75% dos serviços em “transporte e abastecimento de combustíveis, matérias perigosas, medicamentos e todos os bens essenciais destinados ao funcionamento dos estabelecimentos prisionais, centros de acolhimento residencial para crianças e jovens, estruturas residenciais para pessoas idosas, IPSS e Misericórdias”. E obviamente será exigido 75% de cumprimento dos serviços de transporte de bens alimentares e de primeira necessidade, bem como de alimentação para animais em explorações e animais vivos por razões de saúde e bem-estar animal.
No caso da REPA (Rede de Emergência de Postos de Abastecimento), ou seja, onde a greve nem sequer pode ter um impacto mínimo, os motoristas estão mesmo obrigados a assegurar o abastecimento destes postos prioritários a 100%. E o “abastecimento de combustíveis destinados aos portos, aeroportos e aeródromos” (que sirvam de base a serviços prioritários) obedece a estas condições, tal como o “transporte e abastecimento de combustíveis, matérias perigosas, medicamentos e todos os bens essenciais destinados ao funcionamento dos hospitais, serviços de emergência médica, centros de saúde”.
No capítulo dos 100% de serviços, o Governo incluiu obviamente o abastecimento dos postos incluídos na REPA, ou de portos, aeroportos e aeródromos, instalações militares, bombeiros ou outras forças de segurança, além do abastecimento de hospitais, centros de saúde e “o transporte de produtos perecíveis e/ou deterioráveis, medicamentos para farmácias e fornecimento de gases medicinais ao domicílio”. E o comunicado do Executivo adrede distribuído salienta:
Importa ainda referir que resulta do Despacho de Serviços Mínimos que no abastecimento estão compreendidas as operações de carga, transporte e descarga assegurados usualmente pelos motoristas”.
A seguir, Matos Fernandes anunciou a declaração do estado de emergência energética.
Neste sentido, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética revelou que existirão num total 374 postos da REPA a funcionar em todo o país (sendo 54 deles para veículos prioritários e 320 destinados ao público em geral) – um número superior ao que estava desenhado. Mais: haverá um reforço no Algarve destes postos prioritários, bem como na região das colheitas nas Lezírias do Tejo e em concelhos do interior do país. Em relação ao Algarve, que habitualmente tem 8 postos da REPA, terá “praticamente o triplo”.
Os mais de três mil postos de combustível existentes terão afixados quais os postos da REPA (“um pouco como acontece atualmente com as farmácias de serviço”). E o Governo vai anunciar a sua listagem nos jornais e no site da ENSE (Entidade Nacional para o Setor Energético).
O volume máximo para os consumidores se abastecerem será de 15 litros por viatura na REPA. Nos restantes postos de combustível, não existe limite e “tudo dependerá do bom senso” de cada um, como adiantou Matos Fernandes.
Entre o abastecimento para os veículos prioritários, o Governo vai ter uma atenção especial às carrinhas de transporte de valores, “para que não falte o dinheiro no multibanco”.
Quanto à preparação das forças armadas e de segurança (GNR e PSP) para conduzir os veículos de pesados e de matérias perigosas, o Ministro garantiu serem necessários “180 homens”. E revelou que estão neste momento em formação 500 pessoas, ou seja, mais do dobro do que é necessário para essa missão. E, no final da conferência de imprensa, Matos Fernandes anunciou que a venda de combustível aumentou, na última semana, 30% em relação à semana normal. “Alguns postos de combustível estão a comprar o quádruplo do combustível”, o que demonstra que as bombas de gasolina estão “com mais combustível do que o comum nesta época do ano”.
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O grau elevado de “mínimos” decidido pelo Executivo justifica-se pelo facto de a paralisação ter sido decretada “por tempo indeterminado” e pelos vários impactos que a greve em questão pode representar para a economia nacional, como justificou o Ministro do Trabalho. 
Esta decisão governamental teve impacto imediato nos sindicatos que apelidaram a mesma de um “atentado”. Os sindicatos tinham proposto não mais de 25% de serviços mínimos, enquanto a ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias) contrapôs um mínimo de 70% e, depois, 75%. E, além da percentagem de serviços “normais” a que os grevistas serão obrigados, é de salientar também a abrangência destes, como vem referido supra.
Com efeito, foram incluídas nos serviços mínimos operações de carga e descarga, isto quando nem a convenção coletiva atualmente em vigor no setor inclui estas operações nas funções habituais de um camionista. E Vieira da Silva, apesar de reconhecer este ponto, salientou que esta é uma função “integrada nas funções usuais dos motoristas, pelo que não o considerar seria admitir que se faria menos do que na realidade”.
Quanto ao risco de estes mínimos não serem cumpridos, o governante reiterou, na conferência de imprensa, um recado antes deixado por Pedro Nuno Santos, vincando que “o Governo não hesitará em usar todos os mecanismos ao seu alcance para fazer cumprir os serviços mínimos”. 
Ainda a propósito do cumprimento, ou não, dos serviços mínimos, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética explicou que, não obstante serem necessários 180 motoristas para assegurar a condução de veículos de mercadorias em caso de desrespeito pelos serviços mínimos, o Governo tem “500 pessoas” para ficarem habilitadas para esses serviços. E revelou que os postos da REPA manterão o volume máximo de abastecimento em 15 litros, frisando que esta rede vai ter 374 postos, mas só será ativada no próprio dia 12, dia de início da greve. No entanto, sabe-se que já faltou combustível em áreas de serviço da A1.
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Apesar da imediata reação do sindicato de matérias perigosas – “sinto-me envergonhado em ser português”, afirmou Pardal Henriques sobre os serviços mínimos decretados pelo Governo –, para Vieira da Silva os mínimos elevados “não colocam em causa o direito à greve”. O Ministro do Trabalho porfia que o Governo “respeita de forma inequívoca” tal direito, mas “tem também direito a defender os direitos de todos os portugueses” (aliás, tem o dever de o fazer), apontando a desproporcionalidade da paralisação. E vincou:
O critério fundamental para o enquadramento de qualquer greve é a proporcionalidade dos seus efeitos. A greve é desencadeada para produzir efeitos, não há greve indolor. Mas os efeitos negativos podem atingir uma escala que coloca em causa de forma muito sensível toda a sociedade.”. 
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A decisão do Governo surge depois de um último esforço negocial ter sido encetado na última segunda-feira, dia em que o MIH (Ministério das Infraestruturas e Habitação) propôs uma via alternativa de diálogo, que passaria por ser o próprio Executivo a assumir o desenho da convenção coletiva para o setor que seria, depois, aprovada ou não por patrões e sindicatos.
Porém, a irredutibilidade dos sindicatos independentes de motoristas (segundo patrões e Governo), os avanços significativos que a FECTRANS tem conseguido nas suas negociações com a ANTRAM e a crescente perceção de que esta greve destes motoristas é cada vez menos compreensível para os residentes em Portugal levaram o Governo a abrir a porta ao lançamento prévio de um alerta energético.
A declaração de crise energética, ao invés da requisição civil, não obriga a que se espere pela crise propriamente dita para ser decretada, pois a declaração pode avançar a partir do momento em que haja uma “previsão de circunstâncias que possam provocar” a crise, ou seja, basta o Governo entender que uma greve anunciada irá criar “dificuldades no aprovisionamento ou na distribuição de energia”, para poder avançar de imediato com a declaração de situação de crise energética. E uma paralisação alargada de motoristas de matérias perigosas e de mercadorias enquadra-se nesta situação.
Assim que seja assinado o Despacho a decretar uma crise energética, e tal como informou o Governo na última paralisação, é possível convocar de imediato os trabalhadores do setor público e privado para a condução de veículos pesados para compensar a greve dos motoristas, isto além dos militares da Força Aérea, Exército ou Marinha.
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Sobre a legitimidade dos serviço mínimos assim desenhados, o ECO on line ouviu dois especialistas em direito laboral para perceber se há um limite de serviços mínimos, como deu a entender o Primeiro-Ministro, e o que sucederá se os sindicatos não concordarem com os serviços mínimos decretados pelo Governo.
No pré-aviso de greve, os motoristas envolvidos no protesto avançaram com uma proposta de serviços mínimos para vigorar aquando da paralisação. A sugestão dos sindicatos é de 25%, uma percentagem, contudo, muito inferior à proposta pela ANTRAM, de 70% a 75%.
Para os patrões, o valor avançado pelos sindicatos é “completamente desajustado”, tendo em conta o impacto que esta nova greve terá no país. Assim, questionado sobre a percentagem de serviços mínimos que a ANTRAM considera aceitável, André Matias de Almeida, porta-voz da ANTRAM, disse não ser ainda possível adiantar esse valor. Mais tarde, o Expresso adiantou que a proposta dos patrões será a de exigir 70% a 75% dos serviços mínimos.
Entre as propostas do sindicato e da ANTRAM situa-se o limite definido pelo Governo a meio da greve de abril. Na altura, o Governo decretou serviços mínimos de 40% em Lisboa e no Porto. Desta vez não se sabia se o Executivo ia repetir esta percentagem para ali. Aliás, de acordo com as declarações do Primeiro-Ministro, a haver alterações será sempre para cima. No dia 2, António Costa afirmou que o Governo admite adotar “todas as medidas até ao limite do que a lei e a Constituição permitem para mitigar o impacto da greve na vida dos portugueses.
Luís Gonçalves da Silva, advogado e consultor na Abreu Advogados, esclarece que, embora não quantificável, o limite de serviços mínimos “consta do quadro legal e decorre do princípio da proporcionalidade”, acrescentando que este princípio diz que é preciso harmonizar um direito com o outro. De acordo com o n.º 7 do artigo 398.º da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), “a definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”. Neste sentido, “a intervenção do Governo tem de ser necessária, adequada e proporcional”, sendo que a fixação da percentagem de serviços mínimos assume “uma certa flexibilidade”. Isto porque, para definir serviços mínimos, o Governo terá de avaliar os setores que afetados pela greve dos motoristas e, a partir daí, estabelecer a percentagem proporcional. Trata-se dum exercício mental, um enorme desafio para o Governo. E o advogado sublinha que tem dificuldade “em pensar num setor que não seja afetado” por esta greve agendada para 12 de agosto e por tempo indeterminado e acrescentando que o Executivo terá, certamente, “alguma dificuldade em estabelecer os serviços afetados”.
Por seu turno Carla Naia, da Nuno Cerejeira Namora, refere também que “não há quantificações [na lei] de serviços mínimos”, o que é “completamente abstrato”. “São tudo conceitos genéricos para serem adaptados às situações em particular (…) tal como a lei deve ser”.
Depois de o Executivo decretar serviços mínimos – e, sobretudo, sendo a percentagem mais elevada do que os 25% propostos –, os sindicatos têm direito a impugnar a decisão. E Gonçalves da Silva diz que, para isso, “podem recorrer ao Tribunal Administrativo”. Nesse caso, a decisão é do tribunal, que já, por outras vezes, deu razão aos sindicatos. “Há mecanismos de controlo (…), mas isto não é uma folha de Excel ou matemática” – relembra.
E o n.º 6 do artigo 398.º da LGTFP estabelece:
Os representantes dos trabalhadores devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos no artigo anterior, até 24 horas antes do início do período de greve, e, se não o fizerem, deve o empregador público proceder a essa designação”. 
Uma vez convocados os trabalhadores para serviços mínimos, os que, mesmo assim, não comparecerem ao trabalho no dia em questão, poderão ser sujeitos a punições. De acordo com Carla Naia, “há uma resposta direta na lei” para esta questão e chama-se responsabilidade disciplinar. E a advogada remete para o art.º 541.º do Código do Trabalho que estipula:
A ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada”.
E explica:
Quer isto dizer que, se um trabalhador for convocado para serviços mínimos e faltar ao trabalho, pode valer-lhe uma falta disciplinar”.
O n.º 3 do mesmo artigo estipula que, “em caso de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos em legislação específica”. É a lei da requisição civil, um recurso que pode ser usado durante a greve, caso seja verificado o incumprimento dos serviços mínimos decretados.
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Esta é, de facto, uma greve sui generis. Com efeito, é uma das greves que potencialmente pode paralisar o país e o Governo, que em abril, como que ficou surpreendido, desta feita está a preparar-se para encarar o momento de greve sem fim à vista com a autoridade e a força do Estado. Aconselhou os cidadãos e as empresas a abastecerem as suas viaturas antes da greve; decretou a emergência energética; definiu de forma abundante os serviços mínimos, depois de ouvir patrões e sindicatos; fez depender de simples despacho da tutela a mobilização dos trabalhadores e de outros intervenientes (serão convocado de imediato); e, embora já tenha 150 profissionais em condições de guiar os camiões que transportam matérias perigosas, precisando de 180 no total, está a fazer formação a mais 500 pessoas (mais do dobro), com o objetivo de assegurar o fornecimento de combustíveis aos postos de abastecimento durante a greve.
Por outro lado, determinou que a REPA irá funcionar com 54 postos prioritários e 320 postos para utilizadores comuns, embora com local específico para veículos prioritários. A rede entrará em funcionamento à meia-noite de dia 12, mas a preparação e divulgação da rede começará antes. Matos Fernandes explicou que será afixado em todos os postos de combustível do país as localizações das bombas REPA, “à imagem do que se faz nas farmácias, com as farmácias de serviço”. O responsável pela pasta do Ambiente e Transição Energética revelou ainda que os 374 postos da rede de emergência manterão o volume máximo de abastecimento em 15 litros. Nas restantes bombas de abastecimento, os condutores não são vedados na quantidade que podem comprar, mas não é garantido que continuem a ter combustível disponível.
A rede foi ajustada à maior procura pelo período de férias, pelo que terá mais postos do que seria normal no Algarve: serão 22 postos na região, contra os 8 previstos na rede normalmente.
Outro elemento de anormalidade da greve é a direção do SNMMP (Sindicato Nacional de motoristas de Matérias Perigosas) ter como presidente um empresário e um advogado como vice-presidente. O empresário não defende interesses do trabalhador, mas os seus, e o advogado tem uma profissão liberal. Entretanto, o porta-voz do sindicato veio carpir para a comunicação social o fado do dia de hoje como sendo do regresso à ditadura e à repressão.
Ainda gostava de saber quais são os verdadeiros objetivos desta greve. E não sei se o Presidente da República (cuja pronúncia era dispensável) tem razão ao admitir que os fins sejam legítimos mas não os meios, como não sei se a população se porá mesmo contra os motoristas como esteve contra os professores, que não têm empresários e advogados à testa dos seus sindicatos, bem como se o Governo virá a afrontar os motoristas, como fez a professores, enfermeiros e estivadores. 
Que os motoristas ganham mal e trabalham em más condições é verdade, mas que a greve podia ter sido evitada também é certo. As negociações deviam continuar até ao fim e levar a cedências mútuas. Só que as férias são bom motivo para registar prejuízos como efeito da greve e as eleições estão à vista e parece que é preciso arredar o PS da maioria absoluta. E Costa ou vence ou perde. Se Ganha ri, mas, se perde não terá motivos para chorar, mas, sim o consumidor e contribuinte. “A vida é um jogo”, mas aqui não se concretiza o cantar de Nadia Malanima: “ri quem vence, quem perde chora”.
2019.08.07 – Louro de Carvalho 

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