quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Festa de Maria, festa de Cristo, festa da Igreja, festa do crente


A solenidade litúrgica da Assunção de Nossa Senhora mostra que Deus antecipou em Maria tudo o que deseja realizar em nós. Basta que sejamos livres como Maria para acolher a sua vontade. Para tanto, deveremos ultrapassar a nossa condição de prisioneiros do nosso desejo de nos afirmarmos ante dos outros e ante Deus, ou da resignação às dificuldades, e obtermos a graça de vivermos plenamente a liberdade dos filhos de Deus, à imagem de Maria.
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A perícopa bíblica do Apocalipse (Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab) tomada como 1.ª leitura da Liturgia da Palavra, dá-nos, em visão simbólica, a chave de leitura da Solenidade da Assunção. No dragão, cuja cauda varria um terço das estrelas do céu, que luta contra a mulher – vestida de sol, coroada de estrelas e com a Lua sob os seus pés – e que pretende capturar-lhe o filho que acabou de dar à luz, estão representadas as ideologias que hoje nos dizem que é absurdo pensar em Deus ou cumprir os seus mandamentos e os atrativos mundanos que tentam desviar-nos da rota do Evangelho. Ora, a mulher que acreditou que iria cumprir-se tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor e que se fez a serva da Palavra, a discípula da fé, a mestra dos apóstolos, sentiu que em si o Senhor fez maravilhas e, na sua alta autoestima que lhe foi segredada pelo Pai da Bondade e da Misericórdia, previu que todas as gerações a proclamariam bem-aventurada, como acontece.
Nossa Senhora, a do “sinal grandioso”, a fiel que foi dizendo o “sim” inabalável ao leque das possibilidades de Deus, participa da glória do Ressuscitado como prémio pela sua autenticidade e generosidade. Coroada de doze estrelas, também ela diz: “Agora chegou a salvação, o poder e a realeza do nosso Deus”.
Recorde-se que as visões do Apocalipse se exprimem em linguagem codificada. Revelam que Deus arranca os fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, pode ser aplicada a Maria a visão do sinal grandioso. Proclamando esta mensagem na Assunção, reconhecemos que, no seguimento de Jesus e na pessoa de Maria, a nova humanidade já é acolhida junto de Deus.
Esta é a festa de Maria. Com efeito, a Mãe de Deus, que foi imune do pecado por graça de Deus que a inundou do seu favor e que a fez sua mãe pela geração do Verbo de Deus encarnado e pelos cuidados nutrícios e educacionais, depois de terminada a sua missão terrena, é elevada aos Céus em corpo e alma – privilégio singular que faz de Maria modelo do nosso caminhar.
Deus fez nesta simples criatura tão humilde algo parecido com o que fez com seu Filho Jesus: ressuscitou-a do túmulo, não a deixando incorrer na corrupção tumular, e elevou-a ao Céu, à plenitude em todo o seu ser, corpo e alma. Revemo-la na mulher do Apocalipse, quando os Céus se abriram e ficou patente a Arca da Aliança e ressaltou a mulher coroada e iluminada, que deu à luz o Filho que o Céu arrebatou para que o Dragão o não devorasse.
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Porém, como ficou entredito, o que se passou com Maria não tem origem nela, mas em Deus e no seu Cristo. Quem a coroou, a iluminou e lhe sujeitou a Lua foi o Cristo – morto e ressuscitado – e que subiu ao Céu. É Ele o protagonista desta festa, pois é pela sua Paixão, Ressurreição e Ascensão que Ele pode introduzir na glória e coroar de glória a crente singular, a discípula discreta, mas modelar, a apóstola basilar do apostolado orante, atento e dedicado, em verdadeira saída. E, revestindo-a da glória como a revestiu da graça, torna-a nossa intercessora, junto de Si como em Caná no segmento do “Não têm vinho”, e sua mensageira e missionária junto de nós, como em Caná no segmento do “Fazei tudo o que Ele vos disser”.  E Caná inicia o itinerário especial para a Cruz e para o Cenáculo em que Ela se faz a Mãe dos discípulos.     
Não é a morte o destino comum e final de tudo quanto vive, como dizem os pagãos, os descrentes ou os sábios segundo o mundo. O nosso destino é a vida, o nosso ponto final é a glória no coração de Deus: glória no corpo, na alma, em tudo que somos. Foi isso que Deus nos preparou – Bendito seja ele para sempre! Vemo-lo em Maria na sua proximidade junto de nós, que, estando presente nas horas de Deus, está presente em todas as nossas horas. E vemo-lo no Cristo do Gólgota, do túmulo vazio, no aparecido aos discípulos a quem passou a chamar irmãos, no Cristo da Ascensão. 
A presente solenidade é, então, primeiramente, exaltação da glória de Cristo: Nele está a vida e a ressurreição; Nele, a esperança de libertação definitiva. Por isso, na esteira da 1.ª Carta aos Coríntios (1Cor 15,20-27), diremos que todo aquele que crê em Jesus e é batizado no seu Espírito Santo no sacramento do Batismo morrerá com Cristo e com Cristo ressuscitará. Imediatamente após a morte, a nossa alma será glorificada e estaremos para sempre com o Senhor. Quanto ao nosso corpo, será destruído e, no final dos tempos, quando Cristo nossa vida aparecer, será também ressuscitado em glória e unido à nossa alma. Será assim com todos nós. Mas não foi assim com a Virgem Maria. Aquela que não teve pecado não foi tocada pela corrupção da morte. Imediatamente após a sua passagem para Deus, foi ressuscitada, glorificada em corpo e alma, foi elevada ao céu. Podemos, portanto, exclamar seguindo a pedagogia de Isabel Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres! Bendito é o fruto do teu ventre! Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu!”.
Esta, sendo a grande festa de Cristo, é também a festa de plenitude de Maria, a sua chegada a glória, no seu destino pleno de criatura. Nela aparece clara a obra da salvação que Cristo realizou Ela é aquela Mulher vestida do sol, que é Cristo, pisando a instabilidade deste mundo, representada pela lua inconstante, toda coroada de doze estrelas, número de Israel e da Igreja. A leitura da mencionada passagem do Apocalipse mostra-nos tudo isto; mas termina com a grande proclamação: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus e o poder do seu Cristo!. Enfim, a plenitude da Virgem é a realização da obra e da vitória de Cristo nela.
A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência duma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão.
Todo o capítulo 15 da 1.ª Carta aos Coríntios é uma longa apologia da ressurreição. No texto de hoje, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, o princípio da nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como o novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida. O apóstolo não evoca Maria, mas, se proclamamos esta leitura na Assunção, é porque reconhecemos o lugar eminente da Mãe de Deus no grande movimento da ressurreição.
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Mas é preciso considerar que o livro do Apocalipse foi composto no ambiente das perseguições que se abatiam sobre a jovem Igreja, ainda tão frágil, mas já o fermento da nova humanidade a que preside Cristo ou o novo Israel de que Cristo é a Cabeça: a Igreja. Assim, numa linguagem codificada, em que os animais terrificantes designam os perseguidores, vem o profeta neotestamentário evocar estes acontecimentos. A Mulher em que se vê a figura de Maria é o protótipo da Igreja, pelo que pode representar a Igreja, onovo Israel, o que sugere o número doze (as estrelas). O seu nascimento é o do batismo na cruz; a sua conceção é o banquete da noite pascal da Última Ceia; o seu espelho e horizonte é o Céu da Ascensão e o mundo que é preciso evangelizar, segundo a missão que o redentor redivivo lhe confiou; e a sua capacidade de caminhar acontece no Pentecostes. Esta igreja, nascida do lado de Cristo e instituída em Pedro, deve dar à terra a nova humanidade. O Dragão é o perseguidor que põe tudo em ação para destruir o recém-nascido. Mas o destruidor não terá a última palavra, pois o poder de Deus está em ação para proteger o seu Filho. A mulher, protótipo da Igreja, é levada para o deserto para se livrar do Dragão e de lá o esmagar com toda a força e, no caso da Igreja dos homens e mulheres, para se purificar.
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Ora, Deus não veio ao mundo, não escolheu Maria como Mãe, não se deixou crucificar em função dum belo espetáculo. Em causa estava a salvação do homem. Foi por nós homens e por nossa Salvação que desceu dos Céus, encarnou, passou pelo mundo fazendo o bem, ressuscitou. E, ressuscitando, fez-se fundamento da nossa fé e garantia da nossa ressurreição. Subindo aos Céus, mostrou-nos o caminho da glória a que somos chamados e Maria tornou-se a primeira a trilhá-lo com a visibilidade que a economia da Salvação requer.
Por isso, esta é a festa do crente, a nossa festa. Como seres pascais, temos de aspirar às coisas do Alto e afeiçoar-nos a elas. E, como a Ascensão de Cristo, a Assunção da Virgem aponta-nos o Alto, onde Cristo está sentado à direita do Pai, de modo que, no momento em que Jesus Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, nós nos havemos de manifestar com Ele na glória.      
E estaremos bem avisados se tivermos em conta que a devoção à Mãe de Deus é uma grande força da nossa vivência cristã a apontar-nos a força do Alto, porque, longe de desviar a nossa atenção de Cristo, ela nos integra no plano de salvação proposto por Deus e realizado por seu Filho único, Jesus Cristo, que se encarnou e veio ao mundo por meio dela.
Nós celebramos Maria porque é Mãe de Deus, porque nos deu o Salvador e se tornou, de facto e de direito, a corredentora da humanidade e a nossa Mãe. E foi Deus que assim o quis. Foi Ele que, em sua infinita sabedoria e bondade, estabeleceu que a redenção da humanidade acontecesse através de seu Filho único nascido de uma virgem; e a virgem escolhida foi Maria. Ora, se Deus, o Senhor de todas as coisas não se envergonhou de escolher Maria e a fez Cheia de Graça, para ser a Mãe de seu Filho, não faz sentido nós, simples mortais, recusarmo-nos a ter para com ela uma devoção toda especial. A Assunção de Maria é a preciosa antecipação da nossa ressurreição e baseia-se na de Cristo, que transformará o nosso corpo corrutível, fazendo-o semelhante ao seu corpo glorioso. Por isso Paulo recorda-nos que, “se a morte veio por um homem (pelo pecado de Adão), também por um homem, Cristo, veio a ressurreição. Por Ele, todos retornarão à vida, mas cada um a seu tempo: como primícias, Cristo; em seguida, quando Ele voltar, todos os que são de Cristo; depois, os últimos, quando Cristo devolver a Deus Pai o seu reino. Dessa vinda de Cristo, de que fala o Apóstolo, disse São João Paulo II:
Não devia por acaso cumprir-se, neste único caso (o da Virgem), de modo excecional, por dizê-lo assim, imediatamente, quer dizer, no momento da conclusão da sua vida terrena? Esse final da vida que para todos os homens é a morte, a Tradição, no caso de Maria, chama-o com mais propriedade dormição.  Para nós, a Solenidade de hoje é como uma continuação da Páscoa, da Ressurreição e da Ascensão do Senhor.  E é, ao mesmo tempo, o sinal e a fonte da esperança da vida eterna e da futura ressurreição.”.
Maria é causa de nossa alegria! Pois foi através dela que nos veio a alegria, Jesus Cristo, e é nela que nós vemos o que seremos: gloriosos com a glória que tomará conta do nosso corpo e da nossa alma no dia eterno, no qual ela, gloriosamente, em corpo e alma, já nos precedeu.
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Pela Visitação que teve lugar na Judeia (Lc 1,39-56) e onde se encontra a legitimidade da devoção a Maria, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e Assunção, é Jesus quem leva a Mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para a Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a juntar-se a Ele pelo caminho da ressurreição. Em Maria, Ele realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: “dispersou os soberbos, exaltou os humildes”. Os humildes são os que creem no cumprimento da palavra de Deus e se põem a caminho, os que acolhem até ao mais íntimo do ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao mundo. Deus debruça-se sobre eles e faz maravilhas.
A humilde disponibilidade de Maria tornou-a nossa intercessora junto de Jesus.
E a Assunção deveria servir também para purificação de hábitos e linguagem. Assim, em vez de rezar a Maria, deveríamos rezar por intermédio de Maria, pois a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os irmãos protestantes que, ao invés do que se pretende por vezes, têm fé na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz Ela própria a Serva do Senhor. Rezar por intermédio de Maria é pedir que Ela reze por nós: “Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!” A sua intervenção maternal em Caná resume a sua intercessão por nós: “Eles não têm vinho!”. E é nossa conselheira: “Fazei tudo o que Ele vos disser! Depois, é preciso rezar com Maria. Ela, como no Cenáculo, está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: “Eis o teu Filho!”. Rezar com Maria, mais que ajoelhar-se diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus. Por último, é preciso rezar como Maria. Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que “guardava e meditava no seu coração” os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se alegria e ação de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: “Que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!”. O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
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Por dizer que Maria está nas horas de Deus e em todas as nossas horas, recordo que hoje Ela é celebrada em muitos lugares e sob muitos títulos (é sempre a única Senhora), que até fazem esquecer o mistério de hoje. Mas é nessa abundância de títulos que Ela mostra estar nas horas de Deus (as suas qualidades e privilégios vêm-lhe de Deus) e nas horas dos homens; necessidades, circunstâncias, saúde, ar, terra, mar, luz, etc. E apraz-me salientar uma curiosidade. No Douro Sul é orago em muitas localidades, mas sucede não raro que tem um título na igreja paroquial e outro no cimo do monte ou colina. Assim, em Lamego é Senhora da Assunção na Sé e Senhora dos Remédios no Santo Estêvão, Santa Maria Maior em Almacave e Senhora da Serra, no Poio; Senhora da Corredora na igreja de Caria e Senhora da Guia na colina; Senhora do Amial na igreja da Vila da Ponte e Senhora das Necessidades e Senhora do encontro na Borralheira; Senhora da Assunção na igreja de Fonte Arcada e Senhora da Saúde na colina; Senhora das Neves na igreja de Granjal e Senhora da Aparecida no monte. Enfim, quanto mais alta, mais próxima!
2019.08.15 – Louro de carvalho

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